Um olhar sobre a História do Livro: Uma crítica a noção de autoria

June 30, 2017 | Autor: R. Conçole Lage | Categoria: História do Livro
Share Embed


Descrição do Produto

UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DO LIVRO: UMA CRÍTICA A NOÇÃO DE AUTORIA Rodrigo Conçole Lage 1

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a História do Livro e, por meio da teorização desse domínio, a partir dos estudos de Robert Darnton, repensar o conceito de autoria. Pretendemos mostrar que a autoria não pode ser vista como o único elemento a ser considerado no processo de produção de um livro. Com este fim, apontamos alguns limites no modelo de análise tomado como referência para nossos estudos. Palavras-chave: História do Livro, Autor, Teoria da História, Robert Darnton.

Résumen: El objetivo de este artículo consiste en presentar la Historia del Libro y, mediante la teorización de este dominio, a partir de los estúdios de Robert Darnton, repensar el concepto de autoría. Pretendemos mostrar que la autoría no puede ser vista como lo único elemento a ser considerado en el proceso de producción de un libro. Con ese fin, se señalan algunos limites em el modelo de análisis tomado como referencia para nuestros estudios. Palabras clave: Historia del Libro, Autoría, Teoría de la Historia, Robert Darnton.

1

Graduado em História (UNIFSJ). Especialista em História Militar (UNISUL).

1

Introdução Dentre os diferentes estudos que compõem a Teoria da História, podemos destacar os que se apresentam ligados a diversidade de domínios, áreas em que o historiador se especializa, que compõem a prática historiográfica. O objetivo deste artigo é estudar a História do Livro como um deles, segundo a perspectiva de Robert Darnton. Para procedermos a essa proposta, dividimos o artigo em duas partes. Na primeira, descrevemos a evolução do domínio da História do Livro e, na segunda, discutimos a teorização do referido historiador sobre esse domínio, apontando lacunas em seu modelo de análise.

1- História do Livro: o surgimento e a difusão de um novo domínio A História do Livro, com base nos objetos próprios do que se considera cultura material, vai além do estudo do conteúdo de um livro e procura valorizar o processo de produção, distribuição e recepção do mesmo. De acordo com Darnton (1990, p. 110), pelo menos desde a Renascença, destacam-se estudos que podem ser considerados precursores das atuais histórias dos livros. A partir do séc. XIX, contudo, recrudesceu o seu estudo como objetos materiais fazendo com que, na Inglaterra, houvesse um crescimento da bibliografia

2

analítica2. Assim, essa nova corrente que se desenvolve na França, nos anos 1960, deve ser vista como algo novo – assim como a História Cultural pode ser diferenciada, se comparada à História da Cultura. Tal como entendida hoje, ela nasce com a Escola dos Annales, no processo de busca por novos objetos de pesquisa: “[...] em 1952, em nota publicada na revista Annales, Lucien Febvre chamava a atenção dos historiadores sobre um domínio até então legado aos eruditos, colecionadores e especialistas em biblioteconomia ou em literatura: o livro” (MOLLIER, 2004, p. 1). Um fato importante na criação desse domínio foi à publicação de L’Apparition du livre, em 1958, que se destaca por ter sido a primeira grande obra a tratar do tema. Com o passar do tema ele foi se difundindo com o surgimento de revistas, centros de pesquisa e colóquios. Com isso, a História do Livro pôde se consolidar como um campo específico dentro da historiografia. Ao mesmo tempo em que essa ampliação se tornou fundamental para sua consolidação e legitimação surgiu um problema. O historiador, segundo Darnton (1990, p. 111), “se vê emaranhado numa densa vegetação de artigos de revistas, e fica desorientado com o entrecruzamento de disciplinas” Podemos então dizer que a História Bibliografia analítica é um tipo de bibliografia na qual, além dos elementos descritivos do documento, é inserida uma análise ou um resumo do mesmo. 2

3

do Livro ficou tão povoada de disciplinas auxiliares que é impossível definir seus contornos gerais, o que tem sido um dos grandes problemas da História na contemporaneidade, por não conseguir manter uma identidade própria diante das outras ciências sociais. Essa filiação aos Annales fez com que os novos historiadores do

livro

inserissem

suas

pesquisas

no

âmbito

da

história

socioeconômica, e com isso, não se dedicaram apenas aos detalhes da bibliografia. Procurou-se, então, descobrir o modelo geral da produção e do consumo do livro ao longo de grandes períodos de tempo, como

4

veremos adiante.

[...] os historiadores formados por Febvre e Martin orientaram suas pesquisas na direção da economia do livro, das técnicas de produção, das feiras, dos mercados, privilegiando os períodos remotos que a documentação existente era capaz de atingir (MOLLIER, 2004, p. 2).

Além disso, apesar dos historiadores terem inicialmente escolhido o livro como objeto de estudo, alguns têm se concentrado em ouros meios impressos como os jornais, folhetos e outras formas, além do livro. Como as pesquisas envolvem o processo de venda e

distribuição dos livros, os pesquisadores puderam dirigir sua atenção a outras pessoas, além do autor. O leitor passou a ser visto não só como um receptor passivo do texto, mas alguém que cria suas próprias interpretações. Isso permitiu a criação de um novo domínio, a História da Leitura, e os estudos de recepção na Alemanha. Outra figura que passou a ser privilegiada nesses estudos foram os livreiros permitindo o surgimento de biografias sobre eles e pesquisas sobre seu trabalho. O estudo da propaganda também se apresenta como algo importante a ser examinado. Tal mecanismo permite mapear a penetração da palavra impressa na sociedade, como um todo, ou nos diferentes grupos que a compõe. Assim, estudando a maneira como eram apresentados ao consumidor e os tipos de publicidade utilizados (dos anúncios em jornais aos cartazes de muro), poderíamos aprender sobre as atitudes em relação ao livro e o contexto de sua utilização. Hoje, podemos dizer que ainda é um domínio restrito, embora Darnton acredite na possibilidade desse âmbito se desenvolver adquirindo a mesma importância que a História da Arte e a História da Ciência. Sobre o âmbito mais específico de seu objeto de estudo, segundo o modelo de análise escolhido por nós, nós teceremos algumas considerações na segunda parte desse trabalho.

5

2- O método de Robert Darnton O objetivo da História do Livro é investigar como eles surgem e são difundidos na sociedade. As condições em que isso ocorre, mudam completamente, dependendo do lugar e da época, sendo impossível criar um modelo único de análise. Isso, sem contar o fato de que, com o surgimento dos e-books, surgiram novas formas de produção e distribuição, totalmente diferentes das antigas e que ainda não fazem parte desses estudos. Mas, com todas essas variações, cabe indagar: o que há de comum em todos os livros para que possam ser estudados da mesma forma? Darnton identifica um ciclo, em todos eles, que funciona como um circuito de comunicação que vai do autor ao leitor. Nesse caminho, o livro passa pelo editor (ou livreiro, pois no passado, muitos assumiram o papel de editores), impressor, distribuidor e vendedor, para então, fechando o ciclo, chegar ao leitor. O leitor é posto no final não só porque o compra, mas, por ser a razão de sua existência, influindo também na sua venda e distribuição. Como os autores são também leitores e se associam a outros leitores e escritores, criam uma série de noções que fazem parte desse universo literário (gênero, estilo literário, formato, etc.). Além disso, a composição de um livro é um empreendimento tanto comercial quanto literário e isto afeta a própria composição dos textos. Um conto, uma

6

novela ou um livro didático, são escritos tanto para atender a demanda (escrito de determinada forma, para atender a certas exigências que dizem respeito ao público que irá atingir) e sua finalidade comercial (é escrito de determinada forma, para atingir um tipo específico de consumidor, que aprecia certo formato ou gênero, por exemplo). No que diz respeito ao circuito percorrido pelo livro o historiador afirma que:

Ele se dirige a leitores implícitos e ouve a resposta de resenhistas explícitos. Assim o circuito percorre em ciclo completo. Ele transmite mensagens, transformando-as durante o percurso, conforme passam do pensamento para o texto, para a letra impressa e de novo para o pensamento. A história do livro se interessa por cada fase desse processo e pelo processo como um todo, em todas as suas variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros sistemas, econômico, político e cultural no meio circulante (DARNTON, 1990, p. 112).

7

Assim, estudá-lo é estudar o objeto, aqueles que são responsáveis por toda sua produção e também o processo de circulação e o meio em que circula, com todos os fatores que influem nesse processo de difusão. Darnton criou um modelo que, com algumas adaptações poder ser utilizado para todos os períodos da história do livro impresso. Para os períodos em que foram produzidos de forma manuscrita e para a contemporaneidade – onde temos os livros eletrônicos – outros modelos devem ser construídos. Para entender todo esse processo é preciso examinar as diferentes fases que compõem a produção. Seguindo essa trajetória conseguiremos, ele afirma, demonstrar que cada fase do circuito está ligada a quatro fatores, a saber:

(1) outras atividades que uma determinada pessoa desenvolve num determinado ponto do circuito; (2) outras pessoas no momento temporal em outros circuitos; (3) outras pessoas em outros pontos no mesmo circuito; (4) outros elementos na sociedade. As três

primeiras

considerações

se referem

diretamente à transmissão do texto, ao passo que a última diz respeito a influências externas, que podem variar ao infinito (DARNTON, 1990, p. 114).

8

Passaremos, então, a examinar os diferentes elementos do circuito e ver algumas questões envolvendo seu estudo:

- Autor É o primeiro elemento da composição, pelo fato do livro nascer com sua escrita pelo autor. O estudo das biografias dos grandes escritores, das condições básicas da autoria e da própria natureza de uma carreira literária está no cerne desses estudos. Porém, o conhecimento desses dados, continua obscuro para inúmeros períodos da história, e inúmeras regiões do planeta. Como envolve o estudo sobre a escrita do livro, isso requer o exame do manuscrito, quando existente, e o estudo de qualquer fonte que trate sobre a composição da obra (cartas, diários, relatos de amigos, etc.). Entre outros temas, pode-se estudar também como o autor planeja distribuir sua obra, as negociações para a venda (escritores famosos podem negociar a venda de uma obra ainda não escrita ou em fase de composição), entre outras possibilidades. A pesquisa pode envolver também as relações do autor com seus patrocinadores, com os editores, os impressores, os livreiros, os resenhistas que, ao lerem o manuscrito, ou parte dele, sugerem modificações no texto.

9

- Editor O autor escreve. Por outro lado, para publicar ele precisa, na maior parte do tempo, desde o surgimento da imprensa, de um editor que queira publicá-lo e só assim seu manuscrito se tornará um livro. Ao longo do tempo muitos escritores imprimiram sua obra e a venderam por conta própria. Na contemporaneidade, com o surgimento da internet isso mudou. A partir desses exemplos podemos dizer que, em muitos casos, esse elemento do circuito pode inexistir. Se antes ele foi uma figura totalmente ignorada nos estudos sobre os livros, ganhou papel fundamental, graças aos novos estudos voltados especificamente para ele. Para maiores detalhes sobre a figura do editor, seu papel na produção dos livros e algumas linhas de pesquisa ver meu artigo O papel do editor na produção dos livros (vide referências).

- Impressores De acordo com Darnton (1990, p. 124) “a oficina gráfica é muito mais bem conhecida do que os outros estágios da produção e difusão do livro” por ter sido um tema muito valorizado dentro da bibliografia analítica. Assim, por meio do estudo do processo de sua impressão, os pesquisadores procuram reconstituir o texto original do qual não

10

temos os manuscritos originais. É comum que o texto sofra algumas alterações com o passar do tempo, como acontece com erros de impressão, alterações gramaticais e mesmo cortes no texto que se perpetuam de uma edição para outra. Mas, mesmo que não consigam reconstituir esse texto original, pode-se demonstrar a existência de diferentes edições de um texto, mostrando as variações no texto existentes, algo importante nos estudos de difusão. Estudar a impressão envolve o estudo de dois grupos de pessoas: os fornecedores e os gráficos. Os fornecedores são aqueles que fornecem aos impressores os materiais usados na impressão, o que pode ser estudado a partir das notas de compra dos arquivos dos impressores. Edições voltadas para o público infantil, de menor ou de maior poder aquisitivo, vão determinar o tipo de material usado, a qualidade de impressão, entre outros fatores. Cabe ainda considerar que, ao estudarmos esses elementos, podemos conhecer maiores detalhes sobre o público consumidor. O estudo dos arquivos dos impressores é fundamental para isso e, ao ser feito a partir das técnicas dos bibliógrafos, inaugurou uma nova fase arquivística na história da impressão, estabelecendo novas perguntas aos historiadores.

11

Como os impressores calculavam os custos e organizavam a produção, principalmente após a expansão do jornalismo e da impressão de materiais volantes? Quais as alterações sofridas nos orçamentos dos livros com a introdução do papel feito a máquina, na primeira década do séc. XIX, e do (sic) linotipo nos anos 1880? (DARNTON, 1990, p. 125).

Outro grupo a ser considerado, é o dos gráficos: os que fazem a impressão. Estudar esse grupo permite entender o processo de produção do livro colocando perguntas como: “de que maneira as transformações tecnológicas afetaram a produção do trabalho? E que papel desempenharam os oficiais gráficos, um setor excepcionalmente expressivo e militante do operariado do trabalho?” (ibid. 1990, p. 125). Tais questões estão relacionadas à realidade da Europa; para um país como o Brasil, algumas das questões apontadas podem não ter relevância e novas questões poderão ser colocadas devido às condições especiais em que a imprensa veio se instalar no Brasil. Não se pode esquecer que, inicialmente, havia a proibição da impressão de livros e jornais no país. Mais tarde, com a vinda da família real para o Brasil, é que ela veio a ser abolida, pois “a proibição de impressão surge apenas

12

como mais uma restrição à iniciativa econômica da colônia” (HALLEWELL, 2005, p.95). No que se refere à impressão podemos destacar que a escolha dos materiais utilizados não é algo aleatório e pode ser uma exigência da editora, no sentido de definir o público para o qual o livro de dirige, como do autor, que tem determinada intenção ao escolher determinado material ou tipo de fonte.

- Distribuidores Os distribuidores são aqueles que remetem os livros das gráficas para os depósitos, para os livreiros, e para todos os canais de distribuição. Darnton afirma que, pouco se sabe sobre a maneira como os livros saíam das gráficas e chegavam aos depósitos, supondo que:

A influência do carreto, da barcaça, do navio mercante, do correio e da estrada de ferro sobre a literatura pode ter sido maior do que se imagina. Embora tenha sido provavelmente pequeno o efeito das facilidades de transporte sobre o comércio nos grandes centros editoriais, como Londres e Paris, algumas vezes elas determinavam o ritmo dos negócios em áreas distantes (DARNTON, 2010, p. 125).

13

Podemos então dizer que estudar o transporte permite entender como isso influi no seu custo, as despesas geradas por ele, como esse livro era distribuído em contextos mais remotos, entre outras coisas. A distribuição não influi no processo de produção. Mas, permite entender, por exemplo, como funciona o comércio livreiro e as dificuldades de acesso aos livros. Além disso, no passado, a distribuição envolvia, em alguns casos, a própria venda dos livros. Robert Chartier, por exemplo, em A História Cultural, cap. 6, ao estudar os livros da chamada Bibliothèque Bleue (que corresponde a nossa literatura de cordel), revela que, entre outras práticas, eles eram distribuídos por vendedores ambulantes, como acontece no Brasil com a literatura de cordel, em algumas regiões.

- Livreiros É por meio deles que o livro chega ao leitor sendo relevante conhecer o seu mundo social e intelectual, seus gostos e valores e a inserção em suas comunidades. Tal análise pode contribuir para o entendimento de suas escolhas ao publicar ou recusar a publicação de uma obra. Darnton também apresenta questões como:

14

Eles também operavam dentro de redes comerciais que se ampliavam e se desfaziam como as alianças no mundo diplomático? Quais a s leis que governavam a ascensão e a queda dos impérios comerciais na área editorial? (DARNTON, 1990, p. 126).

Analisando as múltiplas possibilidades no âmbito da análise dos livreiros – como elementos constitutivos da autoria – o historiador supracitado, sugere a consideração dos estudos comparados no que se refere ao comércio de livros, relativos a histórias nacionais. Isso permite entender o funcionamento do mercado editorial nas diferentes regiões e a possibilidade de inserção de um autor dentro desse mercado. Outra possibilidade de pesquisa sugerida por ele seria o estudo comparativo nas diferentes nações, o que permite entender as diferenças e semelhanças do mercado editorial nos diferentes países e como o autor se insere neles.

- Leitores Os leitores são abordados como o último elo no circuito pelo fato de que os livros são escritos para serem consumidos por eles. Estudando-os podemos responder a questões sobre como entendem os

15

sinais na página impressa, quais os efeitos sociais dessa experiência e como ela sofre variações com o tempo, e de um lugar para outro. Nesse sentido, acreditamos que estuda-los é vê-los também como uma espécie de coautores, pelo fato de elaborarem sua própria interpretação do texto, que será em maior ou menor grau diferente da do autor. Na contemporaneidade, tais estudos, feitos tanto entre os pesquisadores ligados a literatura, quanto entre os historiadores, levou à criação de um novo domínio da história que é o da História da Leitura e cujo desenvolvimento exige um estudo em separado. Alguns trabalhos sobre esse domínio como o livro O príncipe de Maquiavel e seus leitores e o artigo Roger Chartier, o especialista em história da leitura estão citados nas referências bibliográficas no final deste artigo. Ao estudarmos todos os elementos desse circuito e as práticas a que eles se relacionam, pode-se inferir que, a partir das pesquisas sobre a História do Livro, é possível adotar uma nova definição do conceito de autoria. Para isso, precisamos entender que o livro é um objeto que surge a partir do trabalho de todos os envolvidos na sua produção – o que impõe incluir para quem o livro é produzido. Partindo dessas premissas, contudo, consideramos importante assinalar que, nos textos de Darnton, não são mencionados alguns profissionais relacionados ao processo de produção de um livro como

16

tradutores, revisores e ilustradores. Essas ausências abrem novas possibilidades de estudo e mesmo diante da brevidade desse artigo, entendemos ser necessário tecer algumas considerações. A ausência do tradutor se explica pelo fato de Darnton estudar, nas obras consultadas, autores franceses publicados em seu próprio país ou vendidos para o exterior; cabe destacar que ele não trabalha com autores estrangeiros publicados na França. Portanto, uma pesquisa que envolvesse o estudo da publicação de autores estrangeiros no próprio país, ou no exterior, obrigatoriamente, teria que incluir os tradutores dentro do circuito. Já a do revisor e a do ilustrador, e de quaisquer outros profissionais envolvidos na produção do livro e que não foram percebidas durante a execução do trabalho, a nosso ver, requerem uma pesquisa que possa tentar explicar sua ausência, o que não é nosso objetivo. Deve-se assinalar que o revisor é o encarregado de examinar o texto antes de ser impresso para corrigir, principalmente, erros gramaticais, de digitação, etc. Um fato interessante a se destacar a importância desse profissional e demonstrar como uma falha na revisão pode alterar o texto, é o romance de José Saramago, História do Cerco de Lisboa, que trabalha com essa questão. A obra gira em torno de um revisor que altera o texto de um livro, colocando um “não”, e com isso muda todo o sentido da história,

17

pois o texto passa a negar um fato que aconteceu. Nesse sentido podemos apresentar a hipótese de que o revisor também pode ser visto como um tipo de coautor, pelo fato de que pode mudar o texto por conta própria, independentemente da vontade do autor. Já o ilustrador é responsável pelas imagens existentes em uma obra e com isso pode se entender que ele cria uma interpretação do texto. Podemos observar tal mecanismo nas ilustrações existentes em muitas Bíblias. Vemos, então, que o estudo desses profissionais pode, em muito, enriquecer os estudos voltados para a História do Livro no que se refere ainda à questão da autoria – nosso enfoque preferencial. Ressaltamos, assim, a necessária valorização de outros mecanismos que, junto a esse modelo, muito podem contribuir para ampliar a abordagem do processo de produção. Assim como o estudo de alguns dos profissionais envolvido na produção e que exigem um estudo individual, por terem sido ignorados por Darnton, o que fugiria aos limites desse trabalho. Para terminar, precisamos destacar o fato de que a questão da autoria impõe uma contínua reflexão para que essas e outras possíveis ausências sejam preenchidas por novos estudos.

18

Conclusão Os historiadores da Escola dos Annales incorporaram novos objetos de estudo o que levou ao surgimento de diferentes domínios dentro da historiografia, sendo um deles a História do Livro. Dentre os que trabalham dentro dessa área pudemos examinar a teorização desse

campo

pelo

historiador

Robert

Darnton.

Procuramos

demonstrar como a noção de autoria deve ser trabalhada de forma mais ampla que o usual, incluindo todos os profissionais responsáveis pela produção do livro. Além disso, indicamos o domínio da História da Leitura como uma área relacionada que abre caminho para novos estudos. Nosso artigo não pode ser considerado o ponto final sobre o assunto. Como foi assinalado, Darnton, em seus estudos, não incluiu alguns profissionais como o tradutor, o revisor ou o ilustrador, que procuramos inserir em nossas reflexões como parte essencial da problematização sobre a questão. Essas, e outras possíveis ausências – ainda que se considere seu modelo como referência maior – indicam que o tema precisa de maiores estudos no que diz respeito a noção de autoria, a fim de tornar mais ampla sua compreensão.

19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORTINA, Arnaldo. O príncipe de Maquiavel e seus leitores: uma investigação sobre o processo de leitura. São Paulo: UNESP, 2000. BARROS, José D’ Assunção. A História Cultural Francesa: caminhos de interpretação. Fênix: Revista de História e Estudos Culturais, v.2, ano II, n. 4, Out/Nov/Dez 2005. Disponível em: _____. BARROS, José D'Assunção. O Campo Histórico - considerações sobre as especialidades da historiografia contemporânea. História Unisinos, v. 9, p. 230-239, 2005. CARDOSO, Ciro F. S.; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editorial, 1988. DARNTON, R. Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. ______. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. ______. O poder das bibliotecas. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 abr. 2001, Caderno Mais, p. 4-7. Disponível em: FERRARI, Marcus. Roger Chartier, o especialista em história da leitura. Revista Nova Escola. Disponível em: HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EDUSP, 2005. HUNT, Lynn (Org.). A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. LAGE, Rodrigo Conçole. O papel do editor na produção dos livros. Sobre Ontens, União da Vitória, v. 13, p. 01-21, 2015. Disponível em: . Le GOFF, Jacques (Dir.). A história nova. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. MOLLIER, Jean-Yves. A história do livro, da edição e da leitura: um balanço de 50 anos de trabalho. In: SEMINÁRIO BRASILEIRO SOBRE O LIVRO E HISTÓRIA EDITORIAL. 1., 2004, Rio de Janeiro. Anais Eletrônicos do I seminário brasileiro sobre o livro e a história editorial, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

21

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.