Um Olhar Sobre as Eleicoes Gerais de 2014

July 7, 2017 | Autor: Raúl Barata | Categoria: Democracia
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Um olhar sobre as Eleições Gerais de 2014
F. Inácio, D. Mazive & R. Barata

A realização de eleições multipartidárias periódicas, livres, justas e
transparentes num determinado país é, considerado por alguns autores como
sendo um dos princípios fundamentais para a consolidação da democracia. E
estando Moçambique neste contexto da consolidação dos princípios
democráticos, realizou no dia 15 de Outubro de 2014, as quintas eleições
gerais e legislativas para se eleger o presidente da República e os
deputados da Assembleia da República, que irão conduzir o país nos próximos
5 anos. Este processo eleitoral foi antecedido de outro processo muito
longo que envolveu entre outros aspectos, a elaboração das regras e a sua
implementação.
Porém, há que destacar que este processo não foi todo ele pacífico, marcado
por desigualdades de condições na campanha eleitoral entre os diferentes
partidos políticos, onde uns tinham o privilégio de usar os meios do Estado
em detrimento de outros. Situação que não é permitida pela Lei eleitoral,
n.º 201, no seu Artigo 42. Por outro lado, isto não permite a consolidação
da democracia que têm como um dos princípios a igualdade de condições, como
evidencia Alexis de Tocqueville, um dos grandes teóricos da democracia
moderna, ao analisar a democracia americana, afirma que o que mais
impressionava na mesma era a igualdade de condições existentes entre os
diversos partidos bem como entre os seus indivíduos.
Ao olhar para as eleições gerais de 2014, o que fica evidente e deve se ter
em conta é o facto de que os partidos políticos em nenhum momento estiveram
perante as mesmas oportunidades e condições no que diz respeito ao uso dos
bens públicos previstos pela lei, que lhes permitisse competir entre si. Em
diversas situações verificou-se que um partido teve mais oportunidades de
usar os meios do Estado diferentemente dos outros, situação que provocou
certo desequilíbrio em termos de cobertura e realização de uma campanha
mais ou menos equilibrada entre os concorrentes.
É necessário recordar mais uma vez, que um dos princípios da democracia é
dar a oportunidade de participação efectiva de todos os membros, como muito
bem salienta Robert Dahl, todos os membros devem ter oportunidades iguais e
efectivas de tornar os seus pontos de vista conhecidos por outros membros,
bem como de opinar sobre qual deveria ser a política. A não observação
deste e de outros requisitos faz com que os concorrentes deixem de ser
politicamente iguais.
Deste modo, fica difícil dizer se existiu uma verdadeira competitividade
político-partidária e que o sistema político moçambicano é como dizem as
nossas elites permissivo à manifestação, organização e possibilidade de
divulgação de ideias por parte de outros partidos políticos, isto porque no
que toca aos órgãos de comunicação estatal, veículos de comunicação com
maior cobertura no país, houve um tratamento desigual e uma marginalização
dos partidos políticos da oposição sem precisar para isso trazer aqui, as
análises dos debates que estas instituições fizeram ao longo de todo
período de pré-campanha, campanha eleitoral e não só. Onde se fazia uma
espécie de "endeusamento" de certo partido e em simultâneo a "diabolização"
dos partidos da oposição que eram tratados como os "maus da fita", os
reaccionários, sem que tivessem um representante que pudesse dar a sua
posição ou contra argumentar o que era dito.
Por outro lado, verificou-se que uma operadora de rede de telecomunicação,
que se diz de todos os moçambicanos e com mais clientes em Moçambique, fez
na recta final e durante a campanha eleitoral uma "espécie de campanha"
para o partido no poder e o seu candidato. Operadora que por sinal pertence
ao Estado moçambicano, o que quer dizer que é de todos nós e pela
diversidade de ideias e opiniões que existem no país devia ser independente
e imparcial, o que não o fez. Isso nos faz questionar até que ponto isso
não influencia/influenciou no comportamento dos potenciais eleitores?
Questiona-se também a possibilidade da realização de reuniões do partido no
poder nas instituições do Estado e, até que ponto isto influencia ou não no
comportamento dos eleitores? E por que acções deste género não se
realizaram em outros partidos?
Os teóricos da democracia como Dahl afirmam que se forem dadas a alguns
membros maiores oportunidades do que a outros para exprimir os seus pontos
de vista, é provável que as suas políticas prevaleçam. Isto prejudica a
competitividade entre os partidos e em última análise a consolidação da
democracia, pois não permite aos indivíduos ou concorrentes considerarem-se
como tendo a mesma igualdade de oportunidades das candidaturas, prevista no
Artigo 21 da Lei n.º/201, lei eleitoral. Tocqueville recorda-nos que a
democracia está sempre associada a um processo igualitário que não poderá
ser sustado. Um dos meios que garante essa igualdade é a comunicação
social, na medida em que pauta pela imparcialidade entre os concorrentes e
dando-os as mesmas oportunidades. Para que isso aconteça ela não pode estar
ao serviço de certos interesses políticos, ou seja, de certos agentes
sociais bem específicos, que os utilizam na projecção da sua visão do
mundo, da sociedade, etc.

A parcialidade da comunicação social na cobertura das campanhas dos
partidos políticos e outros factores como a violência política que
assistimos no momento da campanha eleitoral retardam o surgimento de um
maior número de agentes sociais da democracia, ou seja, cidadãos
democráticos que têm em mente que os outros são também moçambicanos e gozam
dos mesmos direitos e das mesmas oportunidades consagrados na Constituição
da República. Um cidadão que saiba de que todos que nasceram neste país são
moçambicanos e têm os mesmos direitos iguais em todo o território. Um
cidadão que tenha em mente que não há província ou cidade de um partido
político, mas que todos moçambicanos, sejam estes da RENAMO, PDD MDM,
FRELIMO, PARENA, PAHUMO ou outro partido da praça, saiba viver e conviver
com a diversidade de opiniões que é um dos pressupostos para a consolidação
da democracia. Os partidos políticos nao se devem olhar como inimigos a
abater, mas como adversários políticos dentro do campo político, com
objectivo de convencer o eleitorado através de ideias, debates e programas
políticos.
O surgimento de um cidadão democrático em todo o país permitiria evitar a
violência que assistimos na campanha eleitoral em Gaza e Nampula. Violência
que não contribui para a consolidação da democracia, como explica D. Bekoe,
citando Hoglund 2009, violência eleitoral pode afectar o processo ou o
resultado de uma eleição por determinar o número de eleitores, a
participação dos candidatos no processo eleitoral, se a eleição deve ser
realizada, ou a legitimidade de um governo. A violência pode manter os
eleitores a distância, também pode enfraquecer a legitimidade interna e
externa de uma eleição e do funcionário eleito.
Assim, fica claro que urge o nascimento deste cidadão em todo o país,
acompanhado por outro lado pela institucionalização da CNE e STAE, para não
continuarmos a assistir irregularidades como as que vimos nestas eleições
(provavelmente as mais irregulares desde a introdução do
multipartidarismo), tais como o atraso na chegada de material de votação,
boletins previamente preenchidos, existência de editais que ultrapassam o
número previsto ou a sua total inexistência, falsificação dos resultados de
votação, membros de mesas sem credenciais, ou ainda a ausência de delegados
que pudessem representar alguns ou todos partidos políticos concorrentes,
entre outros aspectos que não favorecem a realização de eleições livres,
justas e transparentes. Por tudo isto e mais alguma coisa é urgente a
institucionalização destes órgãos, como diz O'Donnel quando as eleições
estão institucionalizadas, pode-se dizer que a democracia está consolidada.
A institucionalização permite que as organizações olhem para a democracia
como o que Linz e Stepan consideram de The only game in town, ou seja, como
sendo o único jogo disponível para se chegar ao poder, o que parece não ser
no nosso caso. As eleições em regimes democráticos tendem a ser
consideradas livres, transparentes e justas. Nas eleições gerais de 2014,
no entanto, verificaram-se grandes irregularidades desde o início do
processo. Uma delas esteve ligada ao papel e abrangência dos observadores,
particularmente os internacionais que de acordo com os media e fontes
próximas não exerceram com zelo e dedicação o seu papel. Os observadores
não se apresentaram em algumas regiões deste vasto Moçambique. Para estas
eleições participaram observadores da União Europeia (MOE-UE) da SADC e
EISA, da COMMONWEALTH, dos EUA (CARTER CENTER) e os observadores nacionais
compostos pelo Parlamento Juvenil, o CIP (Centro de Integridade Pública) e
o Observatório Eleitoral. Para cada grupo de observadores internacionais,
estiveram presentes por volta de setenta observadores em todo o país. Tendo
em conta que Moçambique é vasto, com províncias, distritos e postos
administrativos é de se questionar como foi feita a alocação dos diferentes
grupos de observadores nas mais de dezassete mil assembleias de voto
existentes com vista a ter o melhor nível de observação e monitorização
destas eleições. A outra marca que foi patente nos observadores eleitorais
internacionais foi a sua chegada tardia em algumas assembleias de voto. Os
observadores exercem um papel muito importante no que concerne a
monitorização e observação quando se trata de detectar irregularidades e
violações dos códigos de conduta que regem os processos eleitorais. Numa
situação como a de Moçambique, em que houve a falta de delegados que
pudessem representar alguns partidos políticos, era pertinente que os
observadores estivessem presentes desde o início de todo o processo, desde
a abertura das assembleias e mesas de votação, a verificação dos registos
de eleitores nos cadernos eleitorais, ao selar das urnas. Este processo não
se verificou em várias das assembleias que cobriam o nosso país. Houve
mesas de voto que tiveram a sua abertura tardia por questões
organizacionais e administrativas e pela chegada tardia dos observadores e
que posteriormente a hora de encerramento teve que ser estendida. Uma das
grandes irregularidades que também se deve ter em conta foi o facto de o
grupo de observadores internacionais, em particular os da COMMONWEALTH, não
estar presente no momento de encerramento das mesas de voto que por lapsos
foram abertas tardiamente e por esta razão estendido o seu período de
encerramento, como refere claramente o seu relatório nas seguintes
palavras: "Fomos informados que nos casos em que as assembleias de voto
abriram tarde, a votação foi estendida de forma adequada conforme
necessário, embora alguns observadores notaram que os atrasos podem ter
levado alguns eleitores a abandonar suas tentativas de votar". Este trecho
do relatório mostra claramente que os observadores nestas mesas não estavam
presentes no momento do encerramento, tendo recebido a informação de fontes
não específicas e claras sobre a extensão do período de encerramento. Os
relatórios dos grupos de observadores internacionais, no geral, destacam
mais os aspectos da violência física no dia da votação do que aspectos
inerentes a administração eleitoral, que no nosso entender são aspectos
importantes que também tinham de ter particular atenção. Sendo que o país
saiu dum conflito armado que culminou com um longo período de assinatura de
acordos para o cessar-fogo, esperava-se que os observadores internacionais
participassem previamente no processo político, desde a assinatura de
acordos, a campanha eleitoral até a divulgação dos resultados e resolução
de contenciosos. Um olhar tem de ser também dado aos observadores
nacionais, em particular ao PJ. O Parlamento Juvenil e a sua plataforma de
observação Txeka baseado num sistema móvel online, não poderia ter
funcionado de maneira mais eficaz tendo em conta que a maior parte da
população moçambicana não tem acesso as Tecnologias de Informação e
Comunicação, a não ser que o processo somente abrangia as cidades e as
grandes cidades onde reside a maior população com facilidades de acesso a
estes motores tecnológicos. No entanto, entende-se que as irregularidades
que cobriram todo o processo eleitoral, desde a campanha eleitoral até ao
apuramento dos resultados estão ligados ao facto de ainda sermos uma
democracia nova, em vias de consolidação, ainda no processo de realização
das quintas eleições gerais, com muito ainda por aprender e praticar.
Apesar disto, esperava-se que houvesse mais progressões do que retrocessos
em todos os aspectos democráticos do processo eleitoral.
Com os órgãos da administração eleitoral existentes, que aparentemente
estão há duas décadas numa letargia a nível da organização e realização dos
processos eleitorais e neste momento a caminho de mais uma década, mudanças
necessitam-se. Para que os próximos pleitos eleitorais sejam considerados
livres, transparentes e justos, nos verdadeiros sentidos das palavras, um
envolvimento comum em todas as vertentes é necessário. O povo moçambicano
em colaboração com os órgãos de gestão eleitoral, os observadores nacionais
e internacionais e as organizações da sociedade civil trabalhem e envidem
esforços para atingirmos os objectivos pretendidos e que os resultados
eleitorais sejam legítimos e expressem efectivamente a vontade do povo.
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