Um olhar triádico sobre a \"representação\" em Psicologia Social

May 26, 2017 | Autor: M. dos Santos Rocha | Categoria: Psicología Social
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Um olhar triádico sobre a "representação" em Psicologia Social (*) Me. Maria Carolina dos Santos Rocha (UFRGS./ Depto. Filosofia)

O que se poderia dizer a respeito do contexto teórico dentro do qual nos vemos inseridos no que tange à abordagem da "representação" no interior das reflexões da psicologia social ? Constatamos inicialmente que as pesquisas psico-sociológicas a respeito da temática da representação situam-se na interface de campos científicos distintos, ou seja, no campo da psicologia, da sociologia, e da antropologia. É seguramente pela ocupação desse lugar sui generis que a representação social - focalizada ao mesmo tempo como um conteúdo e como um processo pela psicologia social - foi abordada à sombra dos conceitos oriundos de outros campos de acesso. É assim que no trilhar das leituras feitas pudemos abordar, concomitantemente, a representação social a partir do modêlo cognitivo pertencente à psicologia; a partir do modelo da ideologia, em sociologia (l), e a partir do modelo de classificação binária de acordo com o sistema de oposições distintivas, em antropologia. O domínio da representação em psicologia social, ao circunscrever um campo de atribuição mais amplo e, devido a isso, menos estruturado, mostrou-nos que: "as representações sociais são apreendidas dentro de contextos sociais reais ou em grupos circunscritos na estrutura social, à partir de formações discursivas diversas "(Jodelet,1984:17). _______________ (1) O artigo de Nicole Ramognino (1984) "Questions sur l'usage de la notion de représentation en sociologie", in C. Belisle e B. Schiele Les Savoirs dans les Pratiques Quotidiennes,Paris, CNRS, p.209-225, leva-nos a delimitar a articulação dos pressupostos iniciais técnicos e teóricos subjacentes à utilisação do têrmo de "representação" em sociologia.

Seus estudos se centralizam na relação com objetos socialmente valorisados, situados sempre no âmagos dos conflitos de idéias e de valores e, a respeito dos quais, os diferentes grupos sociais são levados a definir seus contôrnos e suas particularidades. A atividade do sujeito é colocada em evidência visto que o sujeito se define como aquele que se forma, igualmente, 'nas' e 'através' de suas representações. Para Serge Moscovici (1961:37), principal representante da Psicologia Social na França contemporânea, a vocação da representação social é dupla visto que ela está apta: a) a instaurar uma ordem que dá aos indivíduos a possibilidade de orientar-se no meio ambiente social e dominá-lo; e b) a assegurar a comunicação entre os membros de uma comunidade propondolhes um código para as trocas e para nomear e classificar de maneira unívoca, as partes de seu mundo e de sua história individual ou coletiva. Dessa forma, para que a qualificação de social tenha um sentido que se possa delimitar razoàvelmente, é necessário colocar o acento bem mais, na função à qual a representação social responde, do que sobre as circunstâncias de sua constituição, ou seja, é urgente acentuar a contribuição da representação nos processos formadores e nos processos de orientação dos comportamentos e das comunicações sociais. A psicologia social nos diz, assim, que não será mais possível encarar a representação social como um processo intermediário entre o conceito e o percepto. Na medida em que ela é "pensamento em ato", na medida em que ela pode efetivamente exprimir sem dificuldade uma relação com o objeto, será necessário compreender como a mesma desempenha seu papel na gênese dessa relação. O fato é que, se face ao questionamento sobre o papel da representação no processo do conhecimento, todos se mostram de acôrdo para dar prioridade aos processos de construção para os quais se prestam essas representações, as consequencias desta concepção no interior dos diferentes campos do conhecimento são raramente levadas a seu têrmo e aplicadas às práticas cotidianas.

Colocando o acento no papel da dinâmica dos processos sociais que o sujeito põe em funcionamento na constituição do real, Moscovici (1984/85) e Jodelet (1984/85) nos seus trabalhos mais recentes, inserem globalmente a psicologia social no debate sobre os diferentes processos de conhecimento que introduz a noção de representação. A análise tradicional dissocia o processo de comunicação, o processo de conhecimento e o processo afetivo. Cada um deles remete a um quadro teórico e metodológico distinto e distintivo. A contribuição fundamental da teoria da representação é, justamente, a de articulá-los (2). Mesmo se reconhecemos o objeto específico que cada um desses processos recorta, devemos estar cônscios que todo modo de "conhecer" e de "sentir" co-existe na teoria da representação com uma relação de comunicação que ele contribui a fixar. A psicologia social fazendo apêlo a "um desde-sempre-aí representativo" [toujours-déjà-là-représentatif], que é, ele mesmo, o social, sublinha o fato de que a representação-produto torna-se sistema de acolhida, de referência, a partir do qual se efetua um trabalho de transformação, de integração e de apropriação de elementos informativos e representativos novos e diferentes" (Jodelet,1984:30). Eis aqui então o papel da representação: o de uma atividade mental orientada em direção à prática, ou seja , "um princípio que serve de guia de ação concreta sobre os homens e sobre as coisas visando a sistematização dos saberes pragmáticos, e, pela comunicação, agente de criação de um universo mental consensual" (Jodelet,1984:31). A matéria de tal modo de pensamento escapa a uma análise puramente abstrata. Faz-se necessário, então, prendermo-nos aos conteúdos concretos onde este pensamento se articula à prática, sob a forma de regras, de savoirfaire, de interpretações, etc. , e prevermos a atividade social que decorre daí, _______________ (2) A título de hipótese, poderíamos sugerir que o modelo epistemológico proposto por Jean. Gagnepain permitiria, sem dúvida, articulá-los. O conceito de representação aparece em seus trabalhos como uma "meganoção" que deve-se des-construir através de extensa análise. Uma parte importante da pesquisa deveria testar esta hipótese no caso específico do corpo como instituição/representação social. Cf. Du Vouloir Dire - Traité d'épistémologie des Sciences Humaines, Paris, Pergmamon Press, 1982.

ou seja, descobrir o princípio de sua atualisação. Procura-se assim conhecer o espaço de aplicação da atividade representativa para especificar então, sua natureza: cognitiva, ideológica, simbólica, prescritiva, etc. Chegamos assim a apreender, através dos procedimentos prático-teóricos que animam o campo constitutivo das pesquisas psico-sociais, uma maneira nova de articular as relações inter-individuais e/ou intra-sociais, e isto através da própria concepção de mudança que coloca em causa um outro modo de conceber os campos dos saberes das ciencias humanas . Moscovici nos fala das mudanças a efetuar para estar habilitado a participar da pesquisa e da prática psico-sociais (1984:11). Vemos então surgir entre essas "operações" propostas por ele, uma mudança no olhar que nos levaria em direção a uma leitura, não mais binária (entre um sujeito e um objeto), mas ternária, ou seja, dos fatos e das relações sociais. Teríamos assim uma mudança no enfoque das mediações que permitem a relação fundamental com o outro e que conduziria, necessàriamente, aos enriquecimentos instaurados pela noção de "Alter". Teríamos uma mudança de prioridade entre os indivídiuos e os grupos a favor dos laços inter-subjetivos e sociais. Teríamos ainda, uma mudança de perspectiva em relação à separação clássica entre o individual e o coletivo, e isto procurando enumerar tão somente alguns aspectos levantados pelo autor, mas que nos pareceram centrais na problematização dessa mudança.

Ora, esta concepção de "mudança" vai se esclarecer ainda mais, ao fazer eco àquilo que hoje denominamos de crise dos fundamentos das ciencias humanas. O querer fazer face a esta crise nos mostrou efetivamente que se tornava insustentável apegar-se a uma base conceitual dada, de uma vez para sempre, ao conhecimento . Era necessário colocar em questão as

categorias centrais do pensamento tradicional, mais especificamente, a maneira pela qual nós pensamos os tipos de relação entre o "todo" e suas "partes" ou seus "elementos" (3). No que diz respeito à crise das ciencias humanas, vale aquilo que nos assinala Castoriadis (1978:198) ao dizer: "não é mais visívelmente possível, pensar a sociedade como uma "composição" a partir de elementos que, logicamente ou realmente, pre-existiriam a ela: Não se poderia "compôr" uma sociedade, se é que se pode considerar que a expressão tenha sentido, a não ser a partir de indivíduos já-sociais, ou seja, que trazem já o social neles mesmos". Mais adiante, reitera : " Não há nenhum sentido em considerar que linguagem, produção, regras sociais são "propriedades" que emergem desde que se coloca juntos um número suficiente de indivíduos(...) Nós estamos aqui em presença de um "objeto" que mostra que, no seu uso efetivo, têrmos como parte e todo, um e vários, composição e inclusão, não podem ter o mesmo sentido em todos os lugares (...) Nós estamos colocados face a esta exigência, aparentemente insustentável, de pensar "as relações" entre os "têrmos" que não sejam entidades discretas, separadas, individualisadas,e mais ainda, de considerar a díade "têrmosrelações" assim como ela se apresenta cada vez num nível determinado, como impossível de ser apreendida, a esse nível, independentemente dos outros níveis". Eis justamente as diretivas a tomar se quisermos nos dirigir no sentido de uma renovação epistêmica-histórica das ciencias humanas: restaurar explicitamente esta articulação entre "têrmo" e "relações". ______________ (3) Ver a esse respeito "Les Commandements de la Complexité" desenvolvido por E. Morin em Science avec Conscience (1982), Paris, Fayard, p.308-313; bem como seu comentário sobre esses 'mandamentos' na "Épistémologie de la Compléxité", em Science et Conscience de la Compléxité (1984), C. Atias e J.L.Le Moigne (org.), Aix-en-Provence, Lib. de l'Université,p.47-48.

O fato é que, pelo consenso partilhado nas pesquisas efetuadas em psicologia social a respeito do papel desempenhado pela prática consensual das representações no agenciamento dessas articulações, mostra-se necessário verificar atentamente o surgimento de um espaço de construção sui-generis ao redor da possibilidade de nos perguntarmos de outro modo a respeito dos conteúdos, da organização e da função dos saberes. (4)

_______________ (4) No que diz respeito à abordagem atual dos trabalhos inter-disciplinares que discorrem sobre a teoria à representação como conceito operatório para analisar as práticas sociais, remetemos aos dois volumes dedicados à "Table Ronde Internationale sur les Représentations" ("Mesa Redonda Internacional a respeito das Representações"). A mesma reuniu em tôrno de 60 pesquisadores, na cidade de Lyon (França) e em Montreal (Canadá). Foram feitas duas seleções dos trabalhos apresentados: um número especial da Revista Communication-Information, vol.VI, no. 23, hiver 1984, publicado pela Universidade de Laval, Ed. Albert St. Martin, Canada; a outra seleção foi publicada sob o título Les Savoirs dans les Pratiques Quotidiennes - Recherche sur les Représentations, Paris, CNRS, décembre 1984. (*) Este trabalho foi apresentado num Seminário da Prof.Dra. Denise Jodelet (assistente do Prof.Dr. S.Moscovici), na Escola de Altos Estudos em Ciencias Socias, Paris, em 1985, quando da realização do meu Mestrado em Sociologia.

Bibliografia: Belisle, C. e Schiele, B. (1984) : La ressurgence d'un concept [O ressurgimento de um conceito] , in: Les Savoirs dans les Pratiques Quotidiennes,[ Os Saberes nas Práticas Cotidianas],Paris CNRS, p.429-38. Castoriadis, C. Paris, Seuil.

(1975)

: L'Institution Imaginaire de la Société,

Castoriadis, C. ( 1978) : Science Moderne et interrogation philosophique, in: Les Carrefours du Labyrinthe, Paris, Seuil. Gagnepain, P. (1982) : Du Vouloir Dire - Traité d'épistémologie des Sciences Humaines, Paris, Pergamon Press. Jodelet, D. (1982) : The representation of the body and its transformations, in: Farr,R. e Moscovici, S.: Social Representations, London, Cambridge University Press, p. 221-38. Jodelet, D. (1984) : Représentations Sociales: phénomène, concept et théorie, in: Psychologie Sociale, Paris, P.U.F., p. 357-78. Jodelet, D. (1984) : Réflexions sur le traitement de la notion de représentation sociale, in: Les Représentations, Québec, Université de Laval, p.15-41. Morin, E. Paris, Fayard.

(1982)

: Science avec Conscience,

Morin, E. (1984) : Science et Conscience de la Complexité, Aix-en-Provence, Lib. de l'Université.

Moscovici. S. image et son public, Paris, P.U.F.

(1961)

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Moscovici, S. (1982) : The Coming era of Representation, in: Codol,J.P. e Leyens, J.P. (ed.) Cognitive Approaches to Social Behavior, La Haye, Nijhoff, p. 115-49. Moscovici, S. (1984) : Le Domaine de la Psychologie Sociale, in: Moscovici, S. (dir): Psychologie Sociale, Paris, P.U.F., p. 5-22. Ramognino,N. (1984) : Questions sur l'usage de la notion de représentation en sociologie, in: Les Savoirs dans les Pratiques Quotidiennes, Paris, CNRS, p. 209-225. Schiele, B. e Belisle,C. (1984) : Les Représentations. in: Communication-Information, Québec, Vol VI, no. 2-3.

A Representação: conceito-móvel da Psicologia Social (*)

Me. Maria Carolina dos Santos Rocha (UFRGS/ Depto. de Filosofia) (*)Este trabalho, apresentado no Seminário da Prof.Dr. Denise Jodelet, assistente do Prof.Dr. Serge Moscovici, na Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais, Paris, por ocasião de meu mestrado em Sociologia, teve como título: "La Représentation: concept-mouvance de la Psychologie Sociale".

Sumário: Procurei detectar, nas pesquisas feitas no âmbito da Psicologia Social e, mais específicamente, nos trabalhos apresentados por Professores da Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais, de Paris, alguns motivos [mobiles] critico-epistemológicos que poderiam propôr, tanto na prática quanto na teoria, uma reversão do conceito de representação social, e isto através de uma colocação em causa, explícita ou não, da episteme clássica em favor de uma episteme moderna. Dito ainda de outra forma, procurei examinar se o conceito de representação social, apresentado dessa forma, poderia efetivamente ser apreendido como uma "imagem criadora", ou seja, não mais como um duplo mais ou menos sensível ou abstrato do real, e sim como princípio ativo de produção de sentido.

A Representação : conceito-móvel da Psicologia Social *

Me. Maria Carolina dos Santos Rocha**

Resumo: Abstract: Procura-se detectar através do The concept of social representation conceito de representação social, is used to detect the mobile image of a imagem móvel de um novo a new epistemological-practical space espaço espistemo-prático, no within the present questioning. contexto da interrogação atual.

I. A abordagem pluri-dimensional das representações sociais Na abordagem de um estudo sobre as representações sociais, vemo-nos imediatamente, face a uma vasta imbricação de dados. Deparamo-nos inicialmente com a problemática dizendo respeito à noção, ou seja, ao próprio conceito de representação social. _______________ * Com algumas modificações, este trabalho foi apresentado no Seminário da Profa.Dra. Denise Jodelet, assistente do Prof.Dr. Serge Moscovici, na Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais, Paris, por ocasião de meu mestrado em Sociologia /1985. Seu título: "La représentation: conceptmouvance de la Psychologie Sociale". ** A Profa. Mestre Maria Carolina dos Santos Rocha é Profa. Adjunto, no Departamento de Filosofia, da U.F.R.G.S.

Em seguida confrontamo-nos com a variedade de fenômenos aos quais a representação se vincula, ou seja, as imagens, os sistemas de referência, as categorias, as teorias, e assim por diante (Jodelet, 1985:360). Na verdade, se nada mais fizéssemos do que simplesmente re-aproximar esses campos de atribuição, não seria difícil compreender que, com efeito, os conceitos fazem-se, por assim dizer, itinerantes, e passam de um domínio da investigação científica para o outro o que, sem nenhuma dúvida, favorisa uma confusão temática tão complicada quanto indesejável que é mister corrigir através de abordagens espistemológicas pertinentes. Em terceiro lugar surge ainda o amálgama das teorias que, seguindo um ou outro método específico, dizem-se, igualmente aptas, a interpretar os processos das representações sociais. O que nos resta então, frente à multiplicidade extremamente diversificada das pesquisas é a leitura atenta e uma ulterior seleção de um quadro teóricoprático que se mostre mais adequado ao estatuto do pensamento social, e, como tal, capaz de estabelecer a modelisação mais frutuosa para o conceito que buscamos analisar.

II. Para uma mudança de olhar a respeito dos fatos e das relações sociais Mesmo se já há mais de vinte anos um vasto campo de pesquisa se constituiu em tôrno do conceito de representação social, deve-se certamente assinalar, que este conceito aparece em Sociologia com a denominação de "representação coletiva", mas que, de fato, sua teoria vai efetivamente esboçar-se com os trabalhos de Serge Moscovici (Jodelet, 1985:357). Na verdade, através do percurso iniciado por Moscovici que trata das representações sociais como objeto de estudo e busca assim restituir para a Psicologia Social suas dimensões históricas, sociais e culturais, nós pudemos seguir, ao longo de um fio condutor, uma preocupação de apuramento conceitual bastante profunda, que o engaja a fundo, através disso, nas pesquisas epistemológicas maiores da nossa época.

Quando Moscovici propõe, por exemplo, através da definição clássica da Psicologia Social, ou seja, a da ciencia do conflito entre indivíduo e sociedade, que esta disciplina "deve daqui por diante distinguir-se menos por seu território do que por seu olhar" (Moscovici, 1984:8), o que poderíamos compreender através desta asserção? Simplesmente que, querendo eliminar uma leitura binária através da qual sujeito e objeto são dados e definidos independentemente, logo, separados um do outro, ele propõe um novo olhar psico-social que traduz a passagem a uma leitura ternária dos fatos e das relações sociais. Mais adiante ele especifica: "sua particularidade é a de substituir à relação de dois têrmos de sujeito e de objeto, herdada da filosofia clássica, uma relação com tres têrmos, ou seja, Sujeito Individual - Sujeito Social - Objeto, ou ainda, Ego, Alter, Objeto, entende-se, diferenciados" (...) Isto nos leva a especificar melhor a maneira através da qual podemos vislumbrar o Alter (individuo ou grupo) para analisar as relações vis-à-vis da realidade, do objeto social ou não-social, real ou simbólico. Na verdade estamos face, seja a um outro semelhante, um alter ego, seja a um outro diferente, a um alter, pura e simplesmente. Tratando-se do primeiro ou do segundo, considera-se fenômenos diferentes. Poder-se-á mesmo dizer que as correntes da teoria e da pesquisa opõe-se de acôrdo à concepção que elas têm deste 'alter'" (Moscovici, 1984:9). Moscovici quer assim mostrar-nos que os dois mecanismos psico-sociais, o da comparação social e o do reconhecimento social correspondem, de fato, a duas maneiras de perceber "o outro" no campo social, e é esta percepção que vai destacar-se num olhar que "indo além da dicotomia sujeito-objeto percorre a gama de mediações efetuadas pela relação fundamental com o outro" (Moscovici, 1984:10). Eis aí um enriquecimento metodológico que ganha terreno na abordagem inovadora dos fenômenos implicados no estudo das representações em geral. Os modos dessas mediações ao Outro dão, sem dúvida, uma intenção diferente a esse olhar psico-social e, não é seguramente por acaso se ele faz de Merleau-Ponty seu arauto para afirmar: "Pelo simples fato de praticar a psicologia social está-se fora da ontologia objetivista, e só se pode ficar nessa posição ao exercer sobre o objeto que nós nos damos, uma violência que compromete a pesquisa ( Moscovici, 1984:10).

A importância desse dinamismo intencional que surge a partir do Alter, parece bastante decisiva para ser capaz de operar uma transmutação nos préconceitos pertencentes a uma episteme clássica que, a partir de então, mostra-se caduca em relação à complexidade crescente da compreensão do fenômeno da representação. Moscovici, num outro artigo volta a Merleau-Ponty, para dizer: "A ideologia objetivista neste campo ( o da Psicologia Social) impedirá diretamente o desenvolvimento de um novo conhecimento. Para uma pessoa formada através do conhecimento objetivo ocidental, por exemplo, era perfeitamente natural que a magia e o mito não tivessem verdade intrínseca; que os efeitos da magia e do mito, da mesma maneira que os modos ritualísticos de vida deveriam ser explicados por causas "objetivas" e que o resto deveria ser atribuído às ilusões subjetivistas. Se a Psicologia Social quer vêr realmente nossa sociedade tal como ela é ,ela não pode tomar esse postulado como ponto de partida"(Moscovici,1982:143). É pois, ao levar esse olhar sobre a gama de mediações constantes instauradas pelo Alter, que o sujeito saberá melhor, compreenderá melhor seu próprio olhar - fundamentalmente ambíguo - nêste, por assim dizer, vêro-outro-além-dêle através dêle próprio, e, "em vez de procurar compreender o que significa ser um indivíduo que está engajado em pensar, deveríamos procurar compreender o que constitui um grupo ou uma sociedade engajada em pensar"( Moscovici,1982:142). Dando a prioridade aos laços inter-subjetivos e sociais, nós nos colocamos imediatamente ligados ao objeto, e é exatamente este contexto que vai permitir interpretá-lo. É justamente porque o jôgo das representações faz-se baixo esse olhar inovador dos laços sociais, que nós poderemos esperar reversibilisar a compreensão de seu estatuto no próprio âmago desta "ciencia do conflito". Uma vez mais esta intenção de Moscovici é bastante clara quando ele afirma inicialmente que os resultados das pesquisas o convenceram que a representação que temos do mecanismo psíquico afeta a maneira através da qual nós interpretamos as informações que recebemos à respeito das pessoas e da maneira de avaliá-las. O propósito afirma-se ainda quando este autor

nos fala dos obstáculos epistemológicos que é necessário ultrapassar na pesquisa da Psicologia Social (Moscovici, 1984:11). Constatamos, com efeito, que a Psicologia Social repudiando o estatuto híbrido de uma ciencia feita de resíduos psicológicos e sociológicos, revindica "o caráter original e mesmo subversivo do olhar" colocando em questão a separação do individual e do coletivo e contestando a partilha entre o psíquico e o social nos domínios essenciais da vida humana (Moscovici, 1984:13). É efetivamente por aí que re-colocamos em causa, que re-descobrimos as representações sociais que nós partilhamos e, Moscovici faz apêlo a Freud para reiterar sua convicção: "se em certas condições excepcionais, a psicologia individual encontra-se em medida de fazer a abstração do sujeito tomado individualmente, o Outro intervém assaz regularmente enquanto modêlo, suporte e adversário, e, devido a esse fato, a psicologia individual é também, tomada imediata e simultaneamente, como uma psicologia social, nesse sentido amplo, mas perfeitamente justificado" (Moscovici,1984:13).

III. O "já-aí representativo" e a concepção de um espaço novo Tendo compreendido que não se trata mais de separar sujeito e objeto, não se tratará tampouco de separar processos e conteúdos das representações sociais. O conceito de representação recebe assim um tratamento que mostra "sua pertinência para abordar os fenômenos sociais globais e, em particular, as formas, as lógicas e as funções do pensamento social" (Jodelet,1984a :15). Novas perspectivas se abrem em relação ao tratamento dos fenômenos representativos, em particular, sob o ângulo simbólico e, pelo seu questionamento, convidam a refletir sobre o estatuto da noção de representação social e mesmo sobre as outras disciplinas. Dir-se-ia que um novo caminho se abre para a instauração de um novo paradigma. Recorre-se a um "sempre já-aí representativo", ele mesmo social, e sublinha-se o fato que "a representação-produto torna-se sistema de acolhida, de referência, a partir do qual efetua-se o trabalho de

transformação, de integração, de apropriação de elementos informativos novos e diferentes" (Jodelet,1984a :30). Estaríamos por assim dizer na modalidade de um pensamento prático, ou ainda, como sugere Jodelet: "numa atividade mental orientada para a prática, princípio que serve de guia de ação concreta sobre os homens e sobre as coisas, visando a sistematização dos saberes pragmáticos, e, através da comunicação, agente de criação de um universos mental consensual"(Jodelet,1984a :31). A partir de uma abordagem teórico-prática como esta, alguma coisa nos diz que teríamos grande interêsse em desvendar os processos de transformação das representações. Mas, finalmente, o que significa exatamente compreender os processos através dos quais as representações sociais mudam? Tratar-se-á de substituir as representações que estão aí, simplesmente, por outras, a fim de induzir as mudanças sociais desejáveis? Na verdade, a preocupação de uma normatividade provável parece que absolutamente não se adapta aqui, seja a uma visão causalista, seja a uma visão puramente funcional. Deixemos a palavra com Moscovici: " Será necessário, inicialmente, assinalar a necessidade de uma delimitação dos domínios da vida social e a exploração das representações sociais respectivas em função de uma classificação prévia (...) As observações experimentais permitiriam especificar os problemas a respeito dos quais nós estamos agora obrigados a propôr reconstruções muito indiretas. Assim, poder-se-ia seguir no tempo, desde o aparecimento de um novo objeto de representação, sua extensão dentro de uma comunidade cujos contôrnos seriam estreitamente delimitados. Utilisando técnicas adequadas, a estruturação das opiniões e sua relação com a conduta poderiam facilitar um exame dos papéis respectivos dos campos de representação e de atitudes na gênese dos comportamentos" (Moscovici, 1976 : 502-3). E, já que Moscovici não parece acreditar nos modêlos atuais para começar uma transformação efetiva, tratar-se-á, para ele, de construir novos modêlos. Vejamos então como o todo se organisaria de acôrdo com algumas linhasde-fôrça.

Trata-se, para começar, de: a) iniciar pesquisas teóricas suplementares; b) mudar as investigações e os interêsses do plano individual para o plano coletivo; c) dar a prioridade aos laços intersubjetivos e sociais sobre os laços com o objeto; d) elucidar os mecanismos que regem as representações sociais; e) mudar o papel do laboratório e da observação, ou seja, apreeender os fenômenos da representação social tão somente no seu contexto e não esquecer que a análise desses fenômenos deve ser, por definição, comparativa (Moscovici, 1982 :140-6). Diríamos que há toda uma concepção da mudança que está aqui em causa (1) e, que, como as representações funcionam como "sistemas geradores" (Jodelet, 1985 : 357), a mudança se apresenta de ora em diante, como um processo de deslizamentos sucessivos, formando uma cadeia de sentido que se substitui progressivamente, e sempre de maneira diferencial . O modelo binário explicativo instaurado pela linearidade de um movimento indo da causa ao efeito é insuficiente, e a nova abordagem do conceito de representação social mostra isso. Moscovici nos diz: "a tranformação de um conhecimento indireto num conhecimento direto é o único meio de apropriar-se do universo exterior (...) A representação não é uma instância intermediária (entre conceito e percepção), mas um processo que torna o conceito e a percepção, de certo modo, inter-cambiáveis. Constatamos que a representação exprime imediatamente uma relação com o objeto e que ela preenche um papel na gênese dessa relação (Moscovici, 1976 :51-6) . Um dos aspectos da representação, o perceptivo, implica a presença do objeto, o outro, o aspecto conceitual, sua ausência. A representação mantém, pois, esta oposição e desenvolve-se a partir dela, ou seja, ela representa um ser, uma qualidade à consciencia, ou seja, ela os apresenta uma vez mais, atualisa-os apesar de sua ausência e mesmo de sua não-existência eventual.

Não podemos esquecer que no seu livro "Psychanalyse, son image et son public, 1976 :56), era já a inter-cambialidade entre o conceito e a percepção, ou ainda, o deslisamento de um em direção ao outro, transformando a substância concreta comum, que criava a impressão de "realismo", de materialidade das abstrações.

Num quadro como esse, as idéias não eram percebidas como os produtos da atividade intelectual de certos espíritos, mas como "os reflexos" de alguma coisa existindo no interior. Há aí, por assim dizer, uma substituição do percebido ao conhecido e aquilo que era específico de um conceito é proposto como propriedade de sua contra-partida no real. O conceito aí não é mais uma pura idéia, e nem mesmo uma imagem, mas uma entidade. (2). Dentro desta perspectiva, é somente ao explicitar, ao enfocar as representações sob ângulos diversos, que nós seremos capazes de apreender essa zona de claridade do dar-e-receber que existe entre nós e a realidade que nos faz face. Nesta nova organisação de um campo de pensamento e de ação, uma dinâmica da mudança vai instalar-se, de agora em diante. Na medida em que a representação social se concebe como uma forma de conhecimento e que "efetivamente, é um pensamento em ato que nós apreendemos com eles, ou seja, com os operadores de sentido que nos mostram de que maneira operam as estruturas significantes e imaginantes [imagées] da representação", e que, por outro lado, "no pensamento social há seguidamente um deslize de um tipo de causalidade para um outro, e transformação de uma intenção em causa ou transformação de uma causa em intenção" (Jodelet,1984 :374-8), será necessário render-se à evidência que existe aqui um movimento significativamente decisivo para uma mudança de mentalidade a respeito da problemática da representação, pelo menos naquilo que diz respeito aos projetos que procuram oferecer uma alternativa aos modêlos clássicos da cognição social. Abordagens como estas feitas por S.Moscovici e D.Jodelet, enfocando o conceito de representação em Psicologia Social e mostrando uma preocupação re-afirmada em afastar da imagem seu "aspecto-objeto", mas sabendo que este último pertence a um esquema conceitual clássico e responde, como tal, a um estatuto ontológico específico de menosprêzo em relação à realidade, não são simples repetições temáticas.

Compreendendo, ao contrário, "que o trabalho da ciencia é indefinido e

que sua virtude está nos seus comêços, e que um dia ou outro será necessário voltar à totalidade, sobretudo se a estudamos in vivo" (Moscovici, 1976 :503), eis o que, a nossos olhos, vai finalmente aproximar uma abordagem psico-sociológica strictu sensu a um projeto epistemológico bem mais amplo e englobante. Um projeto que, entre outras coisas, pretenderia instaurar a possibilidade de uma mudança no seio de um campo conceitual científico bastante desencorajador, sobretudo no que diz respeito a articular, através de seus muitos saberes e práticas diversas, a invenção de uma nova ordem de convivência.

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NOTAS:

(1) Como não pensar aqui nas descobertas, entre outras, feitas nos campos da Física, da Matemática, da Biologia, e que, seguramente, nos obrigam a re-dimensionar noções como as de tempo e de espaço, bem como o próprio fundamento destas noções? A este respeito sugerimos o artigo de C. Castoriadis : Science Moderne et Interrogation Philosophique, in Les Carrefours du Labyrinthe,Paris, Seuil, 1978, p. 147-217. (2) Seria interessante seguir esta problemática da ontologização espontânea do saber objetivo com P. Roqueplo, em : Vulgarisation Scientifique et Action Culturelle, Paris, Ministère des Affaires Culturelles, Études et Recherches, Janvier, 1974.

BIBLIOGRAFIA:

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