Um palco só para você: parangolés, karaokês e pessoas quaisquer. Publicado nos Anais das Comunicações do 1 Seminário de Pesquisadores do P.P.G. Artes da UERJ - Arte e Cultura Contemporânea, produções, lacunas, insubordinações. Rio de Janeiro: Instituto de Artes UERJ, 2007.

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UM PALCO SÓ PARA VOCÊ

parangolés, karaokês e pessoas quaisquer

Luana Marchiori Veiga1 Resumo O presente artigo analisa a obra “Um palco só para você”, de autoria do artista brasileiro Ticiano Monteiro, traçando relações dela com a proposição de “Crelazer”, do artista brasileiro Helio Oiticica, com a teoria da “Arte Relacional”, do curador e crítico francês Nicolas Bourriaud, e com os processos de produção de subjetividade, segundo as proposições do filósofo francês Gilles Deleuze. Derivado de uma pesquisa poética, o artigo apresenta uma mistura textual entre descrições em forma de diário, e elementos de análise mais conceitual. A obra, um ambiente relacional instalado no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, continha a projeção de um vídeo documentário, um aparelho de som e uma coleção de cedês comprados na feira disponiveis para ouvir, além de uma máquina de videokê, montados no auditório, antiga boate. O vídeo costura sua trama a partir da música amadora, apresenta pessoas comuns e suas estratégias poéticas de sobrevivência e manutenção de sua humanidade. Para elas não basta existir, mas criar um modo de existência singular. O artigo conclui fazendo uma breve análise de possiveis tipos de subjetividade criados pelos personagens do documentário. Palavras-chave: Arte, Ambiente Relacional, Crelazer, Produção de Modos de Existência.

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Mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais do Centro de Artes (CEART) da Universidade do a a Estado de Santa Catarina (UDESC), orientada pela Prof . Dr . Yara Guasque, na linha de pesquisa Processos Artísticos Contemporâneos. Bacharel em Artes Plásticas - Multimídia e Intermídia pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). [email protected]

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Pensar é sempre experimentar, nunca interpretar, e a experimentação é sempre atual, acerca do que emerge, do novo, do que se está formando. Gilles Deleuze Caminhando pelo centro da cidade para pegar o ônibus das sete. A maioria das lojas já fechou, a praça está cheia de gente que saiu do trabalho, e passa pelas inúmeras barraquinhas e mostruários improvisados. No meio da confusão de vozes, aceleradores, barulhos da cidade, um som de televisor ligado. Aquele pedaço de calçada está mais difícil de passar, um grupo de pessoas está parada, sentada no canteiro, apoiada nos postes, fumando, comendo um espetinho cuja fumaça gordurosa impregna as narinas. A televisão está bem no meio de uma barraquinha, entre os produtos, atrás de penduricalhos, sobre uma caixa onde os devedês piratas estão à venda. Paro para tentar distinguir o canal, e vejo que não é nenhuma emissora, mas uma filmagem caseira de um comediante fazendo seu show numa praça de alimentação de shopping center. Entre uma piada e outra sobre raparigas violentadas, um sujeito me interrompe para pedir um cigarro. Não tenho, comprei este na unidade por vinte centavos na banquinha da esquina. Ele me pede o cigarro que estou fumando. Peço para ele esperar, está quase inteiro, ele se senta ao meu lado e espera. Dou mais dois ou três tragos e ofereço o resto a ele. Vamos embora. Vernissage. O silêncio da sala quase vazia, de paredes e teto brancos sem janelas, luzes focais e piso frio, quebrado por risos entre conversas comportadas que vem do lado de fora. Dentro, passos cautelosos, voz baixa e distancia do objeto venerado, sob o olhar do vigia e da câmera. Roupas exóticas em mulheres magras e conversas intelectuais. Todos se conhecem, ao menos de vista, e se cumprimentam segundo hierarquias ocultas. A obra silenciosa me lança dados desconexos esperando se completar em mim. Verme, vírus! não quero nada a se completar em mim. Mantenho uma distância segura, da coisa e das pessoas, todas introspectivamente admirando, fruindo. Sou interrompido de meu silêncio pelo vigia, que me pede para apagar o cigarro. Dou mais duas ou três tragadas enquanto me afasto e jogo o resto no lixo. Vamos embora.

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Museu da Pampulha. As paredes de espelho e mármore, curvas pelo desenho de Oscar Niemeyer, que costumavam abrigar o luxo e o risco dos jogos de azar, o glamour e os vícios, a riqueza e o prazer, luzes, brilhos, música e riso, hoje recebem a frieza da arte contemporânea. Os gestos soltos da dança dos corpos agora estão restritos, o prédio está congelado: patrimônio que precisa ser preservado. O “museu de si mesmo”, empresta seu interior para artistas jovens, que tentam articular sua poética na grandeza desse espaço. O silêncio de cubo branco não é vazio, mas habitado por reflexos e fantasmagorias de outros tempos. Os passos sobre o chão de mármore frio passam a um deslizar sobre carpete marrom, numa rampa que me leva diretamente para a parede de espelhos. Contemplo o caminhante do outro lado do espelho. Quase sem perceber estou próximo a uma entrada alta, que deixa entrever uma parede curva, revestida de madeira, e um caminho escuro. De dentro, ouço um barulho alto, misturado: conversas, falas, músicas. Curioso e cuidadoso, me deixo penetrar a penumbra, e descubro uma grande sala arredondada, com um palco de um lado e cadeiras de outro, cercando uma pista de dança circular, com chão de quadrados de vidro branco, iluminados por baixo. No palco um microfone solitário, um foco de luz pouco intensa, uma televisão e uma máquina de videokê, emitindo um som eletrônico. No chão de vidro, um sofá preto de repartição pública em frente a uma mesinha de aço sustentando um projetor, que ilumina uma tela um pouco à frente com imagens de um concurso de videokê num bar de centro de cidade. O som do documentário sobrepõe-se ao do palco. Mais ao lado uma cadeira do estilo do sofá em frente à outra mesinha de aço que sustenta um equipamento de som com um grande fone de ouvido, e uma coleção de cds de cantores amadores, piratas, vendidos na feira. A penumbra e o barulho ocultam minha presença, a imensa quantidade de cadeiras me convida. Aqui se pode sentar e ficar quanto tempo quiser, pode-se assistir o vídeo, ouvir os cds, cantar, assistir o karaokê, conversar, ou simplesmente descansar. Deixar-se estar, num repouso que promove a reflexão, a ‘dispersão do repouso’ transformada em alimento criativo como no programa do Crelazer, de Helio Oiticica.

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Já na década de 60 Hélio Oiticica escreveu sobre essa nova forma de proposição artística. Para ele, o objeto de arte enquanto objeto sacralizado, fetiche, tinha perdido sua função. Ele considerava que o objeto de arte deveria servir como estímulo a uma participação criativa (probjeto: objeto-proposta), e expandiu esse conceito para os ambientes. Ele escreveu sobre o “recinto-obra”: um espaço para experiências abertas, com proposições para o comportamento, que conteria “estruturas palpáveis que serviriam para propor, como abrigos aos significados, não uma ‘visão’ para um mundo, mas a proposição para a construção do ‘seu mundo’, com os elementos da sua subjetividade, que encontram aí razões para se manifestar: são levados a isso” (OITICICA, 1968, pg. 3) . Nesses espaços propositivos a função do repouso é fundamental. O espaço que abriga o repouso, o lazer, funcionaria como um espaço de liberdade para as disciplinas dos corpos, um recinto que estimule a criatividade dos participantes. “Habitar um recinto é mais do que estar nele, é crescer com ele [...] é a volta à proposição da casa-total, mas para ser feita pelos participantes que aí encontram os lugares-elementos propostos: o que se pega, se vê, se sente, onde deitar para o lazer criador (não o lazer repressivo, dessublimatório, mas o lazer usado como ativante não-repressivo, como crelazer).” (OITICICA, 1968, pg. 2) Crelazer pode ser interpretado como o ato de crer no lazer como estímulo e processo de criação, um “lazer-prazer-criativo” conseguido num espaço de repouso, de não fazer nada, de deixar-se estar num ambiente programado pelo artista. No caso da obra de Hélio, os estímulos à criação podem ser os sons e imagens aliados aos espaços de repouso do corpo nas “Cosmococas”, os as almofadas e nichos de tecido nos “Ninhos”, por exemplo. Aqui os assentos, o vídeo, os cds, o videokê. O curador e crítico Nicolas Bourriaud retoma essas idéias na década de 90 com o conceito de Arte Relacional. Ele afirma que a atividade artística não possui uma essência imutável, mas que é um tipo de jogo, cujas regras mudam conforme a época e o contexto social, e que os modos de pensamento que definem as regras desse jogo fazem parte da mesma situação que os próprios artistas. Bourriaud sugere que, após o fim das utopias no pós-guerra, a arte, que antes idealizava, preparava ou anunciava um mundo futuro, não teria mais o mesmo papel. A arte de hoje não traria mais projetos de mundos idealizados a ser construídos, mas modos de universo possíveis dentro de nossa realidade, oportunidades de “aprender a habitar melhor o

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mundo”. Para Bourriaud “as obras não se fixam no objetivo de formar realidades imaginadas ou utópicas, mas buscam construir modos de existência ou modelos de ação no interior da realidade existente [...]” (BOURRIAUD, 1998, pg. 429). Se o texto de Oiticica ainda soa como um pensamento utópico, proposta de um novo mundo, sua proposição de fato não constrói realidades imaginadas, mas justamente esses espaços onde o participante é estimulado a construir um modo de existência no mundo. Os “recintos-obra” de Oiticica promovem espaços de interação humana: o “lugar-recinto-contextoobra, aberto à participação” tem seus significados “acrescentados pela participação individual nesse coletivo”. Isso vai ao encontro do conceito de Arte Relacional, definido por Bourriaud como uma arte que “toma por horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social, mais que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado” (BOURRIAUD, 1998, pg. 430). Para o autor essa forma de arte só pôde ser produzida no contexto do crescimento urbano. A cidade promove um ambiente de encontro intensivo. A diminuição dos espaços privados, a concentração de um grande número de habitantes, o intenso uso dos espaços coletivos (metrôs, shopping centers), a facilidade dos transportes e dos meios de comunicação provocam cada vez mais o convívio entre diferentes. Esse contexto alimenta a produção de uma forma de arte onde as relações interpessoais, a intersubjetividade, “forma o substrato e toma por tema central o ‘estar juntos’, o encontro entre o espectador e a obra, a elaboração coletiva do sentido” (BOURRIAUD, 1998, pg. 461). Oiticica fala de uma arte que permitiria ao participante a construção de um mundo singular com elementos da sua subjetividade que seriam levados a se manifestar, uma arte de resistência “tomada de posição em relação a problemas humanos mais profundos”, que promoveria a percepção de “ser real como um bloco de pedra [...] de ser e estar vivo” (OITICICA, 1968, pg. 3). Bourriaud teoriza sobre uma arte que propõe a construção de modos de existência no mundo. Essas duas proposições se assemelham à idéia de Michel Foucault de “produção de subjetividade”, explicitada por Gilles Deleuze em Conversações. Mesmo que Oiticica considerasse o processo desencadeado pelo contato do participante com a obra como um processo de “fenomenação” (“Está claro que à ‘ideação’ anterior substituiu a ‘fenomenação’ de

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hoje”, OITICICA, 1968), é possível considerar que um usuário do Parangolé, por exemplo, no momento da dança, na duração efêmera da relação do seu corpo com o objeto e com o olhar de outrem, estivesse criando um outro modo de existência, uma produção de si mesmo enquanto existência singular. Considerando que a subjetivação tem pouco a ver com o sujeito, e trata-se se “um campo eletrônico ou magnético, uma individuação que atua

a partir de

intensidades (baixas ou altas), campos de individuação e não pessoas ou identidades” (DELEUZE, 1995, pg. 80). Numa sociedade capitalista, alienada, na qual fazemos parte de uma massa de “divíduos”, não mais seres singulares, indivíduos subjetivos, mas consumidores com perfis de comportamento previsíveis e gostos e opiniões fabricáveis, a subjetividade não poderia ser considerada um elemento a priori, que naturalmente distingue os indivíduos. (DELEUZE, 1995, pg. 152). O sujeito profundo, individual, é uma construção do século XIX (a psicanálise aparece nesse contexto). O indivíduo contemporâneo é feito de superfícies, aparências, jogo de espelhos como sugeriu Deleuze. Em ‘As palavras e as coisas’, Foucault mostrava que o homem, na época clássica, não se pensa enquanto tal, senão unicamente ‘a imagem de Deus, precisamente porque suas forças se compõem com as forças do infinito. No século XIX, ao contrário, essas forças do homem afrontam as forças da finitude enquanto tal, a vida, a produção, a linguagem, de tal forma que o composto é a forma Homem. Mas, assim como essa forma não pré-existiu sempre, tampouco existe razão para pensar que tenha que sobreviver no momento em que as forças do homem entrem em relação com novas forças [...]. Por exemplo, o homem do século XIX afronta a vida e se compõe com ela através da força do carbono. Mas e quando as forças do homem se compõem com as de silício, o que acontece então, que novas formas podem nascer? (DELEUZE, 1995, pg. 86).

Se estamos presos num jogo de forças, aprisionados em relações de poder (família, estado, trabalho, consumo, controle, etc.), a forma de resistência, segundo Foucault, é “dobrar” a linha de força conseguindo com que ela afete a si mesma. É preciso “dobrar” a relação de forças a partir de uma “relação consigo mesmo, que nos permite resistir, escapar, reorientar a vida ou a morte contra o poder” (DELEUZE, 1995, pg. 85). Dobrar a linha de força seria criar regras auto-sugeridas para sua própria vida, regras facultativas, diferentes das regras coercitivas da lei (poder) ou de formas determinadas da

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moral (saber). Criar um conjunto de regras facultativas que sirvam para avaliar nossas ações segundo o modo de existência que implicam. Daí a afirmação de que são “regras facultativas que produzem a existência como obra de arte, regras éticas e estéticas que constituem modos de existência ou estilos de vida” (DELEUZE, 1995, pg. 85). A subjetividade contemporânea não existe, precisa ser conquistada como uma resistência à ação dos poderes coercitivos e da moral. Esse processo acontece numa determinada duração. Um processo de subjetivação, ou produção de um modo de existência, não pode se confundir com a pessoa: trata-se de uma “individuação, particular ou coletiva” que caracteriza um acontecimento, “um modo intensivo, e não um sujeito pessoal” (DELEUZE, 1995, pg. 85). Por isso é possível afirmar que a relação do usuário com o Parangolé de Oiticica se trata de um processo de subjetivação-Parangolé. Tal processo acontece na relação do participante com o objeto, qualquer participante. O estímulo oferecido pelo artista condiciona, ou pelo menos orienta o tipo de processo de subjetivação que pode ocorrer. É o que Bourriaud atentou na produção contemporânea: uma arte que sugere modos de existência ou modelos de ação a partir de situações de contato, interações humanas e de seu contexto social. É essa potencia que está presente no vídeo que assisto agora, brasileiríssimo, terceiromundista, antropofágico. Pessoas comuns e suas estratégias de sobrevivência e manutenção de sua humanidade. Não basta existir, mas criar um modo de existência singular. O vídeo tem três partes, relacionadas mas independentes entre si. A primeira é um concurso de videokê num bar popular no centro da cidade de Fortaleza, mostrando os cantores e depoimentos dos participantes. Segue um programa de karaokê no rádio, aberto para qualquer pessoa, que após três participações ganha um cd com suas músicas. A terceira nos leva à intimidade de um músico que toca num outro bar popular, muito antigo, de Fortaleza. Acompanhamos o músico até seu trabalho onde outros personagens são revelados, fregueses do bar. Por último nos deparamos com um discurso prolixo de um homem embriagado. O vídeo, e também os cds amadores que estão disponíveis para serem ouvidos na mesinha ao lado do sofá, nos apresenta um universo de pessoas que resistem. Criam uma potência de vida dentro de uma realidade ordinária, pobre, massiva, cruel. Não são nada parecidos com os

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modelos de beleza, sucesso, riqueza, aos quais a promessa de felicidade está atrelada, veiculada na cultura de massa.

Qualquer pessoa; Pessoa qualquer. Encontra um outro modo de ser, estar no mundo. Para isso cria novas regras éticas e estéticas. Ser feio, pobre, brega, mas não ter medo do ridículo, e a partir disso conseguir instaurar momentos de “existência como obra de arte”, tal como disse Deleuze. É possível destacar no vídeo quatro possibilidades de criação de modos de existência. No concurso de videokê, levanta-se um jovem rapaz, alto, forte e de cabelo bem curto, que começa a cantar uma música da Shakira. A música é em espanhol, mas com uma melodia meio árabe, e o rapaz canta com um sotaque arrastado característico de Fortaleza que faz com que pareça que canta mesmo em alguma língua do oriente médio. Ele começa meio tímido, mas logo se envolve de tal maneira que fecha os olhos e se esquece de seguir a orientação da máquina. Esquece a letra, ele entoa a voz como um bardo cantor árabe, e parece que esquece até de seu corpo, de que é um rapaz brasileiro cantando uma música da Shakira no videokê. Ele deixa de ser um (qualquer) para ser todos (singular). Todos os cantores bardos de todos os tempos. Ele encontra uma subjetividade arquetípica. Também no videokê, dessa vez sem nenhuma timidez, um sujeito baixo, feio, barrigudo, de pernas finas, vem cantando descendo uma escada com gestos largos e afeminados, soltando a voz desafinada, emocionado, intenso, glamouroso. Envolvido e envolvente, ele encara a câmera, me olha de frente e deixa encabulado, com vergonha de tê-lo julgado somente pela aparência, pela superfície. Seu depoimento revela a sabedoria de encontrar em seu próprio corpo (feio -não modélico) um prazer sensual vital. Ele nos fala desse prazer-alma, prazer em ser si mesmo, em habitar seu próprio corpo. Produz uma subjetividade singular: estética.

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Raul dos Teclados é um senhor magro de cabelos longos que nos leva para sua casa. humilde, despojada. Ele abre sua intimidade, com ares de ancião, mostra sua vitrola quebrada, seus discos do Roberto Carlos, e fala sobre a vida dura que leva como músico, dá conselhos para suportar as dificuldades. Mas não são conselhos amargurados, trata-se da elaboração de suas “regras do jogo”. Ele recupera o poder sobre sua vida (infortuna) e inventa uma ética sobre seu comportamento, instaura regras para sua própria vida (o poder que se dobra sobre si mesmo), e dessa forma cria seu modo de existência: ético. Raul nos carrega junto com seu teclado para seu local de trabalho e lá, ao som de “Ela é Americana”, apresentam-se ao nosso olhar vários outros personagens, engraçados, feios, decadentes, curiosos. Nesse universo dionisíaco a câmera se perde, e nos deparamos com um homem de peito nu, à meia luz, embriagado, cantando. Ele para e inicia um discurso pomposo sobre a vida, sobre religião, articulando as palavras em frases sérias que parecem lúcidas, mas não completam um sentido. Prolixo e embriagado, fala sobre islamismo, Maomé e Jesus, mas como se Apolo e Dionísio estivessem em plena batalha pelo corpo de um pobre homem, cuja resistência é criar uma subjetividade autodestrutiva, suicida. O vídeo acaba, passam os créditos, recomeça. Olho em volta me re-situando: vernissage, museu, eu: espectador. Duas perguntas me incomodam: Quem é o ridículo? Quem é o artista? São eles, é o autor da obra. Sou eu. Subo no palco, a luz me ilumina, agarro o microfone e canto. Canto. Ridiculamente.

Um palco só para você é um ambiente relacional instalado na boate do Museu da Pampulha na exposição dos bolsistas da Pampulha, durante o período de 19 de novembro de 2006 até 07 de janeiro de 2007, em Belo Horizonte, de autoria do artista Ticiano Monteiro.

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Referências BOURRIAUD, N. Estética Relacional. In BLANCO, P.; CARRILLO, J.; CLARAMONTE, J.; EXPOSITO, M. Modos de Hacer: arte crítico, esfera pública y accion directa. Ediciones Universidad de Salamanca, 2001. DELEUZE, G., Conversaciones 1972-1990. Tradução José Luis Pardo. Edición electrónica de Escuela de Filosofía Universidad ARCIS., 1995. Disponível on-line em: . Acesso em 15, jan, 2006. OITICICA, H., A Obra, seu caráter objetual, o comportamento. 1968. Programa Hélio Oiticica. Disponível on-line em: . Acesso em 16, jan, 2006.

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