Um Sínodo marcado pela misericórdia

June 29, 2017 | Autor: Moisés Sbardelotto | Categoria: Teologia, Teologia Contemporânea, Igreja Católica, Pastoral, Papa Francisco, Ministerio Pastoral
Share Embed


Descrição do Produto

ABr/Div/CR

# SUPERLUA

Novo eclipse total será em 2033

Página 16

Correio Riograndense CR

Ano 107 - Nº 5.466 - R$ 2,50 - Caxias do Sul - 7 de outubro de 2015 - (54) 3220.3232 - facebook.com/jornalcr - www.correioriograndense.com.br

# SÍNODO

Tiziana Fabi/AFP/Correio Riograndense

Família no centro do debate Bispos refletem sobre “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo”

Basílica do Vaticano: celebração de abertura da 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, dia 4 de outubro, foi presidida pelo Papa Francisco. Página central

# AGRICULTURA

Feira amplia acesso ao livro e encanta gerações Página 3

Alina Souza/PP/Div/CR

Antonio Lorenzett/Div/CR

# CAXIAS DO SUL

Programa eleva competitividade e qualidade da produção leiteira Página 13

@

CR 10

[email protected]

CORREIO RIOGRANDENSE • Cax

Espe Fotos Osservatore Romano/AFP/CR

# MISSÃO DA FAMÍLIA

Um SÍNODO marcado pela misericórdia Durante 20 dias, representantes do mundo inteiro debatem sobre a família Moisés Sbardelotto

Jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Unisinos; colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) e colunista da revista Família Cristã

D

epois de discutirem na sua sessão extraordinária realizada há um ano “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”, os prelados do mundo inteiro voltaram a reunir-se na 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 4 a 25 de outubro, no Vaticano, por convocação do Papa Francisco, para debater o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. No seu primeiro documento pontifício, a exortação apostólica Evangelii gaudium, publicada em 2013, o Papa Francisco já manifestava a centralidade da família na vida da Igreja. A família, diz o Pontífice, é a “célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos” (EG 66). Contudo, ela “atravessa uma crise cultural pro-

Auxílio ao papa no governo eclesial O Sínodo dos Bispos foi criado pelo Papa Paulo VI em 1965, como resposta aos desejos manifestados pelos Padres do Concílio Vaticano II, para manter vivo o espírito de colegialidade nascido da experiência conciliar, tendo como tarefa ajudar o papa no governo da Igreja, dando-lhe o seu conselho. Trata-se, portanto, de uma instituição de caráter consultivo, que manifesta o desejo de “caminhar juntos” (syn + odos) de todos os pastores da Igreja convocados pelo santo padre. As suas assembleias podem ser “ordinárias”, quando a matéria em pauta, pela sua natureza e importância, requeira o parecer de todo o episcopado católico; “extraordinária”, quando o tema exija apenas uma rápida definição; e ainda “especial”, quando as questões digam respeito apenas a uma ou mais regiões particulares da Igreja.

funda, como todas as comunidades e vínculos sociais”, marcada pela “fragilidade dos vínculos”. Dentro desse contexto, para todo o percurso sinodal iniciado ainda em 2013, o Papa exortou toda Igreja a enfrentar os desafios pastorais diante do anúncio do “Evangelho da família” e a dar resposta aos inúmeros motivos de desânimo que “envolvem e sufocam” as famílias. O que a Igreja está vivendo neste tempo, portanto, é uma longa e importante reflexão, em dois momentos centrais – uma Assembleia Extraordinária, em 2014, e outra Ordinária, nestes dias –, separados por um ano inteiro de “decantação” intersinodal, marcado por reflexões e debates sobre a família como um todo e sobre todas as famílias. Todo esse processo envolveu os diversos níveis da Igreja, graças aos dois questionários enviados antes de cada uma das

Filadélfia: Papa Francisco acolhe família argentina durante o 8º Encontro Mundial das Famílias Assembleias às dioceses do mundo inteiro. Assim, a Santa Sé pôde receber e sistematizar as respostas e as contribuições de muitos fiéis (indivíduos, famílias e grupos), de organizações, de agregações laicais e de outros organismos eclesiais, além de universidades, instituições acadêmicas, centros de pesquisa e estudiosos que, ao longo desse período, puseram em foco o tema da família em simpósios, congressos e publicações que alimentaram o

debate em nível mundial. Ainda no documento preparatório da Assembleia Geral Extraordinária do ano passado, afirmava-se que, “na época em que vivemos, a evidente crise social e espiritual torna-se um desafio pastoral, que interpela a missão evangelizadora da Igreja para a família, núcleo vital da sociedade e da comunidade eclesial”. Dada essa relevância, a primeira etapa desse processo, o Sínodo Extraordinário de 2014, es-

pecificou o tema em questão e reuniu testemunhos e propostas dos Padres sinodais do mundo inteiro sobre a família. A segunda etapa, a Assembleia Ordinária, tentará procurar linhas de ação para a pastoral familiar. Nesse longo processo de oração, reflexão e debate, o caminho sinodal está marcado por três momentos interligados: a escuta dos desafios da família, o discernimento da sua vocação e a reflexão sobre a sua missão.

O protagonismo da família na transformação do mundo e da história Os cerca de 250 bispos de todo o mundo estão reunidos, no Sínodo Ordinário, exatamente 50 anos depois do Concílio Ecumênico Vaticano II. Nesse “Concílio em miniatura”, como o Sínodo foi apelidado, estão em pauta inúmeras temáticas que envolvem a família, não apenas na sociedade como um todo, mas também especificamente no âmbito da vida eclesial. Algumas dessas problemáticas são antigas, mas outras são uma manifestação da evolução dos costumes da sociedade, que apresentam novos desafios para a pastoral da Igreja. Alguns exemplos: os separados e os divorciados; os casais de fato, que coabitam sem estarem casados pela Igreja; as uniões entre pessoas do mesmo sexo; os matrimônios mistos ou inter-religiosos; a poligamia; a cultura do não comprometimento; os fenômenos migratórios e a reformulação da própria ideia de família;

Outubro 2014: participantes da Assembleia Geral Extraordinária as mães de substituição (“barriga de aluguel”). E, no âmbito especificamente eclesial, o problema do enfraquecimento ou do abandono da fé na sacramentalidade do matrimônio. A mídia em geral, por causas diversas, simplificou essa complexidade de questões e todo esse amplo debate em ape-

nas duas questões-problema e somente duas possibilidades de resposta: “Comunhão aos divorciados, sim ou não”; e “Casamento homossexual, sim ou não”. Mas o panorama, como se vê, é muito mais complexo. Por isso, o Instrumentum laboris (o “documento de trabalho”) do

Sínodo convida os Padres sinodais a levarem em consideração que “a família adquire para a Igreja uma importância totalmente particular e, no momento em que todos os fiéis são convidados a sair de si mesmos, é necessário que a família volte a se descobrir como protagonista imprescindível da evangelização” (n. 2). Acima de tudo, porém, como reafirmou o próprio Papa Francisco na sua recente visita à Filadélfia, discursando aos bispos no Encontro Mundial das Famílias no dia 27 de setembro, a família não é um problema para a Igreja. Ao contrário, disse Francisco, a família “é a confirmação da bênção de Deus à obra-mestra da criação. A cada dia, em todos os cantos do planeta, a Igreja tem razões para se alegrar com o Senhor pelo dom desse povo numeroso de famílias que, inclusive nas provas mais duras, mantém as promessas e conserva a fé. (...). Sem a família, a Igreja tampouco existiria”.

axias do Sul, 7 de outubro de 2015

ecial

11

CR

www.correioriograndense.com.br

Para esse caminhar juntos, desde a sua saudação inicial ao Sínodo do ano passado, o Papa estabeleceu uma “condição geral de base”: falar claro. Afirmou o Pontífice: “É necessário dizer tudo aquilo que, no Senhor, sentimos que devemos dizer: sem hesitações, sem medo. E, ao mesmo tempo, é preciso ouvir com humildade e aceitar de coração aberto aquilo que os irmãos dizem”. Assim, como “servo dos servos de Deus”, Francisco também se colocou no mesmo espírito sinodal, não apenas fomentando e animando o debate, mas fazendo tudo aquilo que, dentro da sua alçada, sem ferir a colegialidade episcopal e a sinodalidade eclesial, possam contribuir para o anúncio do “Evangelho da família”. Porque a lei suprema para todos os passos sinodais, segundo o papa, é “o bem da Igreja, das famílias”, a “salus animarum”, ou seja, o bem de todos os fiéis. Um primeiro exemplo disso é que todo o processo que a Igreja está vivendo, por vontade e testemunho de Francisco, está sendo realizado sob o sinal da “misericórdia”, rea-

Reprodução/CR

Igreja, casa de portas abertas para a acolhida

Encontro nos EUA: “A família é uma bênção de Deus à obra-mestra da criação”, disse o Papa Francisco firmada pelas palavras e pelos gestos do Papa. Em março deste ano, Francisco afirmou que a primeira missão da Igreja é de “ser testemunha da misericórdia”, de “muita misericórdia”. Nesse contexto, ele fez o anúncio de um Jubileu Extraordinário totalmente centrado na

misericórdia. Esse “ano da graça” começará no dia 8 de dezembro de 2015. Ou seja, poucos dias depois do fim do Sínodo Ordinário. Portanto, a Porta Santa – a entrada principal da Basílica de São Pedro – será aberta poucos dias depois da possível (e também esperada)

abertura de outras “portas” eclesiais por parte do Sínodo. No desafio de levar o “Evangelho da misericórdia” também a todas as famílias, a Igreja é chamada a ser “uma casa com a porta sempre aberta na acolhida, sem excluir ninguém”. Depois do anúncio do Jubileu da

O cuidado pastoral frente às mais delicadas realidades humanas Em vista desses grandes eventos eclesiais deste ano – o Sínodo Ordinário de outubro e a abertura do Jubileu da Misericórdia em dezembro –, o Papa Francisco também explicitou, nos últimos dias, ainda mais o seu cuidado pastoral em relação a algumas realidades humanas delicadas, que muitas vezes encontram uma série de dificuldades, não apenas na convivência social em geral, mas principalmente na vida da Igreja. Trata-se de duas manifestações de grande relevância, divulgadas em setembro. A primeira é uma carta ao cardeal italiano Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, responsável pela organização do Jubileu da Misericórdia, com a qual se concede a indulgência e se expõem as modalidades para recebê-la. A segunda veio sob a forma de um motu proprio, ou seja, de uma normativa eclesial de “iniciativa própria” do Papa, sobre a reforma do processo canônico em torno da nulidade do matrimônio. E ambas dizem respeito a problemáticas bastante concretas do ambiente familiar. Na carta sobre as indulgências, primeiro, o Papa dirige o seu olhar às mulheres que recorreram ao aborto, ferida gravíssima na convivência familiar. “Sei que é um drama existencial e moral”, afirma o Papa na carta. “Encontrei muitas mulheres que traziam no seu coração a cicatriz causada por essa escolha sofrida e dolorosa. O que aconteceu é profundamente

Sintonia: os bispos reunidos em Roma debatem sobre a vocação e a missão da família na Igreja injusto; contudo, só a sua verdadeira compreensão pode impedir que se perca a esperança”. Além disso, “o perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido”. Por isso, Francisco escreve a decisão inédita de conceder aos sacerdotes do mundo, durante o Ano Jubilar, “a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado”. Esse poder, até hoje, era reservado exclusivamente aos bispos. Dada a relevância de tal gesto, o papa pede que os sacerdotes se preparem, para que possam “conjugar palavras de acolhimento genuíno com uma reflexão que ajude a compreender o pecado cometido e indicar um percurso de

conversão autêntica”. O pecado certamente não é apenas da mãe – o pai da criança abortada também tem a sua vida manchada. Por outro lado, o motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus traz no seu coração os fiéis leigos que experimentam a separação, o divórcio, o fracasso do matrimônio. Trata-se de um documento que reforma o processo de declaração de nulidade matrimonial. Mas não se trata de uma inovação puramente “papal”, porque é também um gesto de escuta ao clamor dos coirmãos no episcopado. No Relatório Final do Sínodo Extraordinário do ano passado, “inúmeros Padres sinodais” solicitaram que os processos para o reconhecimento dos casos de nulidade fossem “mais acessíveis e céleres, se possível to-

talmente gratuitos” (n. 48). Agora, Francisco, “em total sintonia com tais desejos” e amparado por um grupo de especialistas em doutrina jurídica, transforma tal pedido em lei da Igreja, para evitar que o coração dos fiéis envolvidos “não seja longamente oprimido pelas trevas da dúvida”. O processo de nulidade matrimonial não visa a “anular” o primeiro casamento (como se fosse um divórcio civil”, muito menos instaurar um “divórcio católico”, como alguns criticaram), mas sim a declarar, através de um processo judicial eclesiástico, que o matrimônio é nulo, ou seja, nunca existiu. Dessa forma, como reafirma o Papa, permanece firme o “princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial”.

Misericórdia, o Papa divulgou, em abril, a “bula de proclamação” do Ano Santo, intitulada Misericordiae vultus (“o rosto da misericórdia”). No documento, ele reafirma que a misericórdia é “o coração pulsante do Evangelho” (n.12) e a “arquitrave que sustenta a vida da Igreja” (n.10). Por isso, o lema escolhido para esse Jubileu – que também pode ser lido a partir da realidade da família – é um chamado à vivência concreta da fé: “Misericordiosos como o Pai” (Lc 6,36). E aqui podemos pensar na abordagem pastoral da Igreja em torno da vida afetiva, dos namorados, dos noivos, dos recém-casados, dos casais que coabitam, dos separados, dos divorciados, das pessoas com orientação homossexual etc. Diante dessas realidades, Francisco lembra que justiça e misericórdia não se contrapõem, mas se articulam em uma mesma realidade, até chegar à plenitude do amor. “Se Deus se detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como todos os homens que invocam o respeito da lei. (…). Deus vai além da justiça, com a misericórdia e o perdão” (n.21).

Delegação brasileira presente no Vaticano Como disse Francisco aos bispos na Filadélfia, “um cristianismo que ‘se faz’ pouco na realidade e ‘se explica’ infinitamente na formação está perigosamente desproporcional”. A Igreja como um todo “deve mostrar que o ‘Evangelho da família’ é verdadeiramente uma ‘boa notícia’”, porque, no fundo, diz o Papa, “são as famílias que transformam o mundo e a história”. Por isso, o Sínodo Ordinário dos Bispos pretende auxiliar o Papa nessas reflexões, que deverão se converter em ações pastorais concretas. Do Brasil participam o cardeal Raymundo Damasceno Assis, arcebispo de Aparecida (SP), como presidente-delegado. Como membros do Sínodo eleitos pela CNBB, estão dom Sérgio da Rocha, presidente da CNBB; dom João Carlos Petrini; dom Geraldo Lyrio Rocha; e o cardeal Odilo Scherer. Dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus (AM), foi nomeado pessoalmente pelo Papa Francisco. Outras presenças brasileiras são frei Antonio Moser, franciscano, como colaborador da Secretaria Especial do Sínodo; Ketty Abaroa de Rezende e Pedro Jussieu de Rezende, docentes da Universidade Estadual de Campinas, presentes como auditores; padre Tiago Gurgel do Vale, como assistente; e, como delegado fraterno, em nome do Conselho Mundial de Igrejas, o pastor luterano Walter Altmann.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.