UM SISTEMA BANCÁRIO DIFERENTE É POSSÍVEL

June 6, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Economics, Banking, Islamic Banking
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UM SISTEMA BANCÁRIO DIFERENTE É POSSÍVEL Fernando Alcoforado* Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples. Os bancos passaram por um processo de transformação em sua atividade principal, deixando para trás sua função clássica de intermediário entre os poupadores e os emprestadores. Beneficiando-se da abertura da economia mundial a partir da década de 1990, estas instituições se transformaram em grupos financeiros diversificados e em conglomerados cujos lucros provêm principalmente da criação de crédito, que se converteu no principal meio de criação de moeda. Neste processo, os Bancos Centrais da grande maioria dos países perderam completamente o controle de seus sistemas econômicos. Os bancos conseguem os seus maiores lucros de sempre facilitando a concentração e centralização do capital (operações que designam por "fusões e aquisições"), cobrando taxas lucrativas de "assessoria" e subscrevendo os financiamentos das fusões e aquisições. A segunda fonte de lucros está na especulação em geral, inclusive sobre a negociação da dívida dos países e apostando nos mercados mundiais de valores. Nenhum outro setor da economia pode ostentar taxas de retorno tão elevadas, nem mesmo qualquer uma das maiores empresas do setor produtivo podem sequer igualar os lucros recordes do sistema financeiro. Os valores das transações mundiais ilustram a dimensão do setor financeiro: em 2002, o PIB mundial era de 32,3 trilhões de dólares, enquanto as transações financeiras somavam 1.140,6 trilhões de dólares. No início da crise, em 2008, enquanto o PIB mundial era de 60,1 trilhões, as movimentações financeiras atingiam 3.628 trilhões de dólares (Ver o artigo de François Chesnais Les dettes illégitime. Quand les banques font main basse sur les politiques publiques. Paris: Editions Raisons d´agir, 2011). Segundo François Chesnais não haverá fim para a crise econômica mundial que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos enquanto os bancos e os investidores financeiros estiverem no comando, com os governos adotando políticas totalmente dirigidas pelos interesses dos rentistas e para dar sobrevida ao regime guiado pela dívida como vem acontecendo atualmente. Diante deste fato, urge a adoção de outro modelo de sistema financeiro diferente do atual que não seja movido pela usura, pela extrema ganância. Sem preconceito, este novo modelo poderia se inspirar no sistema financeiro islâmico que opera em torno de um princípio fundamental que é o de evitar a especulação. Na banca islâmica, tudo é feito para evitar que quem tem dinheiro tire vantagem daquele que não tem ou que precisa dele. Em um banco islâmico não existem produtos do mercado financeiro tradicional como, por exemplo, os derivativos que são contratos que derivam de uma taxa de referência ou índice que pode ser físico (café, ouro, etc.) ou financeiro (ações, taxas de juros, etc.) (Ver o artigo Os bancos do Islão disponível no website ). No sistema financeiro islâmico, a cobrança de juros é proibida. O dinheiro deve ser usado para fazer a economia crescer. A proibição de juros (riba) destina-se a preservar o desenvolvimento justo e equitativo da sociedade, evitando todas as formas de exploração. Esse preceito é interpretado como uma proibição da usura, para proteger os pobres da exploração. As transações financeiras devem ser sempre ligadas a atividades comerciais, sobretudo para a aquisição de bens de consumo ou investimentos para a 1

produção e distribuição de bens e serviços reais. Só é admitido ganhar dinheiro desde que o financiamento contribua para uma atividade que agregue algum tipo de valor. O pagamento de taxas por serviços adicionais é permitido, mas não deve ser uma forma disfarçada de juros. Cabe observar que as práticas financeiras islãmicas necessitam ser submetidas ao que é conhecido como Sharia, o direito vigente elaborado a partir do Corão. A Sharia é o nome que se dá ao código de leis do islamismo e contém preceitos relativos não só à esfera pessoal, mas, também, social, política e econômica. A Sharia determina que quem empresta dinheiro fique envolvido, numa percentagem prefixada, nos lucros e nas perdas de quem toma o dinheiro emprestado. As origens das práticas financeiras islâmicas remontam à década de 1890, quando o Barclays Bank abriu uma filial no Cairo, para processar parte do financiamento relacionado à construção do Canal de Suez. Desde então, a crítica religiosa à cobrança de acréscimos financeiros (riba) ou juros torna-se um dos pontos das práticas financeiras islâmicas. Entre as décadas de 1930 e 1950, com base em perspectivas econômicas islâmicas, economistas passaram a criticar a prática dos juros e a propor alternativas a ela, tais como parcerias ou associações econômicas. Em 1953, economistas islâmicos elaboraram uma descrição do que seria um sistema financeiro sem juros. Nesse sistema alternativo, a cobrança de juros seria substituída por combinações de parcerias ou consórcios. O lucro é distribuído entre as duas partes envolvidas em uma proporção prédeterminada, acordada no momento de formação do contrato. E ainda: a perda financeira recai apenas sobre os financistas, enquanto a perda do empresário está em não receber qualquer recompensa por seus serviços. No Islã, a crença é de que o dinheiro existe para circular e gerar riqueza. O dinheiro precisa ser utilizado e posto para circular. O que não se pode fazer é especular. O sistema bancário islâmico vai contra muitos dos princípios que regulam seu homólogo ocidental, e a diferença mais evidente é a falta de juros. A crise em que se defronta o sistema capitalista mundial está alicerçada em uma finança doentia atentatória aos interesses da humanidade. E não por acaso, o colapso iniciado em 2008 com os subprimes americanos não fez falir nenhum banco islâmico. As instituições financeiras islâmicas têm o peso aproximado de 230 bilhões de dólares, ou seja, quarenta vezes mais do que em 1982 (Ver o artigo Os paradoxos das finanças islâmicas disponível no website ). A exemplo do Citibank, que, desde 1996, estabeleceu sua filial islâmica no emirado de Bahrein, a maioria das grandes instituições financeiras ocidentais está, atualmente, empenhada nesse tipo de atividade, sob a forma de filiais, de “guichês islâmicos” ou de produtos financeiros destinados a uma clientela muçulmana. Há inclusive um “índice Dow Jones do mercado islâmico”, símbolo da integração das finanças islâmicas na economia global. Este fenômeno pode parecer paradoxal, pois há quem considere o Islã incompatível com a “nova ordem mundial”, sobretudo com o surgimento da Al Qaeda e do Estado Islâmico que patrocinam terrorismo em várias partes do mundo. Mas, o fato indiscutível é que o modelo financeiro islâmico representa a antítese do modelo que prevalece no Ocidente que tende a levar à débâcle a economia mundial.

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*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: [email protected]

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