Uma analise da nova lei brasileira anticorrupção: Impactos nas transnacionais e nas joint ventures do petroleo e gás

Share Embed


Descrição do Produto

IBP2136_14 UMA ANÁLISE DA NOVA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO: IMPACTOS NAS TRANSNACIONAIS E NAS JOINT VENTURES DO PETRÓLEO E GÁS Marilda Rosado de Sá Ribeiro1, Carolina Araújo de Azevedo 2

Copyright 2014, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014, realizado no período de 15 a 18 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento, seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelos autores. Os organizadores não irão traduzir ou corrigir os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação dos autores que este Trabalho Técnico seja publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014.

Resumo As transnacionais são consideradas as principais agentes do sistema internacional econômico, realizando a maioria dos investimentos no mundo. A formação de joint ventures, especialmente para entrada em países em desenvolvimento, através do investimento direto, é uma questão atual. Nesse diapasão, a disciplina atinente às transnacionais, e suas formas de cooperação, insere-se em uma conjuntura mais ampla do exame dos padrões de evolução do Direito Internacional aplicável aos investimentos internacionais. Os recentes escândalos de corrupção ocorridos no Brasil revelam facetas complexas da atuação das transnacionais e suas implicações devem ser consideradas pelo Direito. Dessa forma, é temerária a influência da corrupção nas condições de competitividade, pois ela causa distorções na concorrência. Os Estados, por sua vez, entenderam que a corrupção é um fenômeno transnacional, o qual afeta de maneira mais severa o investimento direto. Assumindo esta perspectiva, a forma mais eficaz de combate à corrupção não poderia estar apenas adstrita à esfera territorial nacional dos Estados, mas levar em conta a aplicação extraterritorial. Concluímos que a nova legislação brasileira anticorrupção pode gerar adaptações nos modelos do Joint Operating Agreement das joint ventures brasileiras de forma a contemplar formas de controle interno mais eficazes a detectar possíveis riscos internos e nos parceiros, além de favorecer a criação de programas de compliance com vistas a contemplar nova lei brasileira. Por fim, concluímos que o efeito extraterritorial das leis anticorrupção compõe o legal “framework” relativo à matéria e poderá gerar punição nas diversas jurisdições em caso de situações multiconectadas, embora os Estados envitem o bis-in-idem no que se refere ao esforço anticorrupção.

Abstract TNCs are considered the main agents of the international economic system, performing the majority of investment in the world. The establishment of joint ventures, especially for entering into developing countries through direct investment, gives the keynote to the current context. The discipline that regulates TNCs and their cooperation, enters into a broader context of the examination of the patterns of evolution of International Law applicable to international investments. Recent corruption scandals that occurred in Brazil have revealed complex aspects of the role of TNCs and its implications should be considered by the Law. Thus, the corruption influence is reckless to competitive conditions, since it causes distortions in the free market. The states, in turn, understood that corruption is a transnational phenomenon, which affects more severely direct investment. Assuming this perspective, the most effective way to fight corruption would not only be restricted in the states’ boundaries, but take an extraterritorial effect. We conclude that the new Brazilian anticorruption legislation can lead to adaptations in the JOAs in Brazil in order to consider the most effective ways to detect possible corruption in partner, and also encourage the establishment of compliance programs adapted to prevent corruption. Finally, we understand that the extra-territorial effect of anticorruption laws is part of the legal framework, which may have penalties in various jurisdictions in the case of multi-connected situations, in spite of the avoidance of bis in idem by the States.

1. Introdução As transnacionais (TNCs) são consideradas as principais agentes do sistema internacional econômico, realizando a maioria dos investimentos no mundo1. Segundo as palavras do professor Dr. Celso de Albuquerque Mello, trata-se de “uma economia integrada por obra das transnacionais”2. 1

CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick, Droit International Économique. France, Paris: Dalloz, 2003, p. 27

______________________________ Doutora em Direito Internacional (USP), Mestre em Filosofia do Direito, Sócia – MRA Law - Marilda Rosado Advogados Doutoranda em Direito Internacional (UERJ), Mestre em Direito Internacional (UERJ) e LL.M. (University of Oklahoma), Advogada – MRA Law Marilda Rosado Advogados. 1 2

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 A formação de grupos societários, de um sem número de acordos de cooperação e de associações empresárias com outros agentes do mercado dão a tônica a essa evolução, especialmente para entrada em países em desenvolvimento, através do investimento direto (IED), quando o principal instrumento é a formação de joint ventures. Uma joint venture poderia ser definida como uma “reunião de forças entre duas ou mais empresas do mesmo ou de diferentes países”3, com projeto próprio e duração limitada 4, partilha de riscos e recompensas, e com poder de barganha5. A modalidade de joint venture contratual é uma das mais utilizadas pelas empresas petrolíferas. Segundo a UNCTAD, a expectativa é que com a recuperação da confiança dos investidores no médio prazo, os fluxos de investimento devam chegar a níveis de 1,6 trilhão de dólares em 2014 e $1,8 trilhão em 2015. Só no setor petróleo e gás brasileiro a estimativa é de receber investimentos em torno de 280 bilhões de dólares entre 2013 e 2017. Nesse contexto, a disciplina atinente às transnacionais, e suas formas de cooperação, como o caso das joint ventures da indústria do petróleo, insere-se em uma conjuntura mais ampla do exame dos padrões de evolução do Direito Internacional aplicável aos investimentos internacionais. Os escândalos de corrupção envolvendo empresas e as várias esferas da administração pública revelam facetas complexas da atuação das empresas transnacionais e suas implicações devem ser consideradas pelo Direito. Alguns dos esquemas descritos pela polícia federal nas reportagens jornalísticas são protagonizados por empregados de empresas transnacionais e funcionários públicos que executaram os mais diversos atos corruptos para obter vantagens e burlar procedimentos licitatórios6 7. Dessa forma, é temerária a influência da corrupção nas condições de competitividade, pois ela “[c]ausa distorções na concorrência, ao obrigar empresas a desviar importâncias cada vez maiores para obter novos contratos”8. A questão da interferência no livre mercado e nas condições internacionais de competitividade é apenas um viés das consequências nefastas da corrupção. Um relatório do Banco Mundial confeccionado para analisar as barreiras jurídicas, administrativas e políticas aos investimentos no Brasil afirma que “o desvio de fundos através de práticas de corrupção mina as tentativas por parte dos cidadãos para atingir níveis mais elevados de bem-estar econômico, social e ambiental, e impede os esforços para reduzir a pobreza”9. A corrupção “[s]olapa a democracia, a confiança no Estado, a legitimidade dos governos, a moral pública. A experiência demonstra: a corrupção pode debilitar toda uma sociedade”10. As transnacionais, como veículo de investimento estrangeiro direto mais difundido, possuem maior probabilidade de enfrentar o problema da corrupção se comparadas aos agentes que investem somente via portfólio. Isso porque, a maior interação com agentes públicos locais, ou mesmo sua busca por formar associações com parceiros locais por meio de joint ventures, faz com que as TNCs, muitas vezes, estejam mais vulneráveis, ou, a contrário sensu, criem oportunidades para que atuem de forma corrupta em benefício próprio11. A partir das discussões nos fóruns internacionais, consagrou-se o fenômeno da corrupção como transnacional, e desse modo a forma mais eficaz para seu combate não poderia estar apenas adstrita à esfera territorial nacional dos Estados. A atual sociedade internacional está ciente de que a segurança e a estabilidade não dependem simplesmente de exércitos, mas também de uma interação entre fatores econômicos e políticos 12. Ao longo do século XX, aumentou a demanda por um sistema efetivo de direito global, que permitam aos negócios internacionais instrumentos legais que propiciem confiança. Os Estados devem organizar suas competências segundo a boa governança (‘good governance’). O legal framework internacional de combate à corrupção é uma mistura complexa da legislação nacional e dos tratados internacionais, mas até a década de 1990, estava adstrita a crimes praticados dentro das fronteiras do Estado regulador, com exceção da lei estadunidense anticorrupção e de efeitos extraterritoriais – Foreign Corrupt Practice Act, promulgada em 1977. 2

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Vol. 1, 14 ed. rev. ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 60 3 BAPTISTA, Luiz Olavo; DURAND BARTHEZ, Pacal.Les Associations d’Entreprises dans le Commerce International, Apud. RIBEIRO, Marilda. Direito do Petróleo: as joint ventures na indústria do petróleo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 103 4 LE PERA, Sergio. Joint Venture y Sociedad, op. cit., pp – 74-79. RIBEIRO, Marilda. P. 104 5 NIGHTINGFALE, Cristopher. Joint Ventures: Linklaters & Paines, op. cit. p 1-2. RIBEIRO< Marilda. P. 104 6 Ibidem. 7 O Global Agenda Council on Anti-Corruption do World Economic Forum informa que o custo da corrupção equivale a mais de 5% do PIB global (US$ 2.6 trilhões),com mais de US$ 1 trilhão pagos em subornos a cada ano. WORLD ECONOMIC FORUM.Next steps.p. 7. Disponível em . Acessado 26 fev. 2012. 8 FUNDAÇÃO KONRAD-ADENAUER. Os custos da corrupção. Cadernos Adenauer. São Paulo, n.10, 2000, p. 7. Apud: CHAIA, Vera. TEIXEIRA, Marco Antonio. Democracia e Escândalos Políticos. Revista São Paulo em Perspectiva. vol.15 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2001. p. 62 9 FIAS, Corporação Financeira Internacional; BANCO MUNDIAL. Barreiras Jurídicas, Administrativas e Políticas aos Investimentos no Brasil. Volume II Barreiras Administrativas aos Investimentos no Brasil: O caso de São Paulo e Rio de Janeiro. Maio de 2001. p.237 10 FUNDAÇÃO KONRAD-ADENAUER, Op. Cit. 11 WEI, Shang-Jin. Local Corruption and Global Capital Flows. Brookings Papers on Economic Activity. 2000. p. 26 12 FONSECA, Gelson Jr. Legitimidade e outras questões internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998, p. 10

2

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 Nesse viés, merece atenção o estudo da lei nº 12.846/13, publicada em 02 de agosto de 2013, e que entrou em vigor no dia 29 de janeiro de 2014, a qual pode ser considerada como uma resposta do Brasil aos compromissos de combate à corrupção internacionalmente assumidos pelas Convenções da ONU, OEA e OCDE. A mencionada lei brasileira tem por objetivo suprir uma lacuna existente no sistema jurídico brasileiro no que se refere à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos em face da Administração Pública nacional ou estrangeira, principalmente no que se refere a atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos. Era necessário criar mecanismos efetivos e específicos para atingir o patrimônio das pessoas jurídicas, a fim de obter o ressarcimento dos prejuízos causados pela corrupção. O presente artigo pretende fazer uma análise expositiva da nova lei brasileira lei nº 12.846/13 no contexto das TNCs, bem como no que se refere à responsabilização solidária dos atos cometidos por consorciadas no âmbito do respectivo contrato, e a repercussão da nova lei dentro da gestão das joint ventures do petróleo. Por fim, o artigo fará uma breve análise acerca da lei aplicável ao caso multi-conectado, tendo em vista a concorrência de legislações de Estados soberanos distintos (Estados Unidos, Grã-Bretanha e Brasil), com conteúdos diversos, visando regular o mesmo fato jurídico (ato de corrupção).

2. Lei Anticorrupção brasileira - lei nº 12.846/13: breves comentários acerca da responsabilidade solidária das sociedades consorciadas – Joint Ventures do petróleo A lei nº 12.846/13 considera lesivos os atos praticados por pessoas jurídicas que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tais como: prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos, os quais tenham sido praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. A nova lei abandona o posicionamento anterior para responsabilizar objetivamente as pessoas jurídicas, no âmbito civil e administrativo. Isso torna a matéria de prova muito mais fácil de ser conseguida, pois evita discussões travadas acerca da necessidade de se verificar a culpa do agente que pratica a infração. Ou seja, uma vez comprovados os fatos, o resultado e o nexo causal, a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada. As multas aplicáveis podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo por corrupção, além de suspensão ou interdição parcial das atividades e dissolução compulsória da pessoa jurídica envolvida. Apesar das críticas por não haver exclusão de culpabilidade para as pessoas jurídicas que tomam todas as medidas possíveis para evitar a corrupção no âmbito de suas organizações, o novo contexto normativo, torna os programas de compliance segmento relevante na atividade empresarial, pois são considerados para fins de aplicação da pena. Ainda segundo a nova lei, a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência, reduzindo o valor da multa aplicável em até 2/3, com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos na Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo. Como condição para a eficácia do acordo de leniência a colaboração deve resultar em (i) identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e (ii) obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. O ponto escolhido para ser comentado no presente artigo é a questão da responsabilidade solidária dos atos cometidos por sociedades consorciadas (joint ventures do petróleo no Direito Brasileiro) no âmbito do respectivo contrato. Com relação a este aspecto, vale lembrar que a prática da Indústria do Petróleo consagrou um importante instrumento contratual, denominado Joint Operating Agreement (JOA) 13. O JOA estabelece as bases para a partilha de direitos e responsabilidade entre as partes e para a condução das atividades do operador, que é a empresa do grupo ou associação designada pelas demais, para assumir a liderança nos contatos com o país hospedeiro e na condução das operações14. Nesse documento, o qual vem se aperfeiçoando ao longo dos anos15, o “operador” assume a liderança das negociações em nome do grupo, e é o responsável pelas subcontratações e demais atividades necessárias à execução do negócio16. Ademais, destaque-se ainda que o processo de internacionalização da exploração petrolífera, congregando empresas oriundas de ordenamentos jurídicos distintos, que se sujeitam às leis e tradições de um terceiro país hospedeiro, diversificou e aprimorou os modelos de JOAs atualmente utilizados17. 13

RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito do Petróleo: as joint ventures na indústria do petróleo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 109 14 Ibidem. 15 A AIPN formulou um novo modelo de JOA (2012) que recebeu um capítulo apenas para tratar do Foreign Corrupt Practices. 16 RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Op. Cit. P 109-110 17 Ibidem, p. 198.

3

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 Na verdade, “a cooperação entre as empresas transnacionais é uma das principais formas de atuação destes agentes econômicos no cenário internacional”18. Dessa forma, em especial na indústria do petróleo a responsabilização solidária no âmbito do consórcio é relevante. Nos termos do artigo 4º, § 2º da lei nº 12.846/13, as sociedades consorciadas, no âmbito do respectivo contrato, serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado. Nesse sentido, toda vez que no âmbito do respectivo contrato uma sociedade consorciada cometer uma das condutas tipificadas no artigo 5º da lei nº 12.846/13 pode haver responsabilidade solidária das demais consorciadas no que se refere ao pagamento de multa e na reparação do dano causado, desde que seja haja um benefício em prol ou um interesse satisfeito no âmbito do contrato. Com efeito, embora a regulamentação da nova lei ainda não tenha sido promulgada pelo Poder Executivo Federal, as sociedades empresárias devem estar atentas para as implicações da referida legislação para desde já iniciar as adequações em seus JOAs a fim de responder à nova realidade. Recomenda-se ainda às pessoas jurídicas a criação ou adaptação de seus programas de compliance com vistas à nova lei, promovendo esclarecimento aos empregados sobre a correta política de relacionamento com funcionários públicos (oferecimento e o recebimento de presentes e hospitalidade, políticas de patrocínios e doações); realizar due diligence para a contratação dos terceiros com quem o operador pretende se relacionar e monitorar o fluxo de informações corporativas.

3. Efeitos Extraterritoriais das Leis Anticorrupção e os casos multiconectados: Estados Unidos, Grã-Bretanha e Brasil Analisando os textos doutrinários trazidos nessa pesquisa, pudemos identificar um novíssimo problema que se coloca na pauta do dia de uma moderna perspectiva do Direito Internacional Privado: o estudo da aplicação das leis de efeitos extraterritoriais às transnacionais, em especial as relações jurídicas intersistemáticas que decorrem da formação de associações empresáriais tais como as joint ventures do petróleo. O conceito de extraterritorialidade pode ser definido como “a ação que a lei dispõe fora dos limites do Estado cuja soberania se traduz”19. As questões atinentes à extraterritorialidade são anteriores ao conceito de Estado-nação como é conhecido hoje. No período do império Romano e durante a Idade Média, um cidadão estava sujeito à sua jurisdição de origem onde quer que estivesse20. Hoje, o tema da extraterritorialidade das leis nacionais está assumindo grande importância diante de uma atuação global de empresa e indivíduos21. As transações privadas transnacionais são cada vez mais consideradas como fonte de riqueza e poder22, e os Estados estão atentos aos desafios que permeiam a regulamentação desses assuntos23, aí incluído o combate à corrupção. Todavia, a tradição jurídica clássica prevê o exercício de jurisdição de um Estado, limitado às pessoas, bens e atos, localizados dentro do seu território24. Consequentemente, conceito de jurisdição tem papel central na relação jurídica entre o Estado soberano e o indivíduo 25. 18

ALVES, Clarissa M. B. de Carvalho. Joint Ventures e o Direito Internacional da Concorrência – Desafios Contemporâneos do Antitruste., p. 47 19 BEVILAQUA, Clóvis. Apud BONFIM, Antonio Carlos. Extraterritorialidade das leis e Conflitos de Competência. 2000. 168 f. Dissertação (mestrado em Direito Internacional e da Integração Econômica) Faculdade de Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. 20 AZEVEDO, Carolina Araújo de. Transnacionais como veículo de investimento e o problema da corrupção: dois temas relevantes da atual agenda global. Dissertação de Mestrado apresentada como requisite á obtenção do grau de mestre, Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ: Rio de Janeiro, 2012, orientadora professora Dra Marilda Rosado de Sá Ribeiro. p. 92-93 21 IBA. International Bar Association. IBA Legal Practice Division Task Force on Extraterritorial Jurisdiction.p. 5.Disponível em . Disponível em 2 jun 2012. 22 ZERK, Jennifer A. Extraterritorial Jurisdiction: Lessons for the Business and Human Rights Sphere from Six Regulatory Areas. A report for the Harvard Corporate Social Responsibility Initiative to help inform the mandate of the UNSG’s Special Representative on Business and Human Rights.June 2010 ⎪ Working Paper No. 59. p. 5 Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2012. 23 Ibidem 24 IBA. International Bar Association. IBA Legal Practice Division Task Force on Extraterritorial Jurisdiction.p 5.Disponível em . Disponível em 2 jun 2012. 25 COLANGELO, Anthony. Constitutional Limits on Extraterritorial Jurisdiction: Terrorism and the Intersection of National and International Law. Harvard International Law Journal, v. 48, p 126. Disponível em: . Disponível em 3 jun 2012.

4

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 Sob esse prisma clássico, o uso da jurisdição extraterritorial por parte dos Estados pode ser muito controvertido, diante da importância político-jurídica da soberania territorial26. Trata-se da “idéia de que cada Estado deve ser capaz de regular as atividades dentro de seu próprio território, em conformidade com a sua própria política e prioridades”27, a ponto de se considerar redundante a expressão “soberania territorial”28, posto que a noção de soberania é maior que a mera noção de territorialidade. Entretanto, conforme anteriormente destacado, em uma sociedade internacional cada vez mais interdependente, a simples regra de competência territorial exclusiva é insuficiente para atender as demandas do mundo atual, notadamente as do combate à corrupção29. Nesse contexto, germina uma visão hodierna de soberania, na qual a jurisdição e a competência internacionais dos Estados posicionam-se como elementos fundamentais, em que são considerados temas como: novos atores internacionais diferentes dos Estados, a questão da globalização e da interdependência30. A jurisdição e a competência internacionais dos Estados são elementos que compõem o moderno conceito de soberania do Estado, o qual vem sendo gradativamente erigido sob a perspectiva internacionalista de que os Estados, na ordem internacional, relacionam-se sob um regime de cooperação, não de subordinação, razão pela qual se pode afirmar que a soberania de um Estado não é absoluta, mas limitada na própria soberania dos demais Estados e nas normas de direito internacional 31. Com relação a isso, a ONU informa que: The extraterritorial dimension of the duty to protect remains unsettled in international law. Current guidance from international human rights bodies suggests that states are not required to regulate the extraterritorial activities of businesses incorporated in their jurisdiction, but nor are they generally prohibited from doing so provided there is a recognized jurisdictional basis and that an overall reasonableness test is met. Within those parameters, some UN Treaty Bodies are encouraging home states to take steps to prevent abuse abroad by corporations within their jurisdiction32. Destaque-se ainda que é premissa básica a delimitação da jurisdição como competência do Estado, podendo, portanto, este último legislar, aplicar e executar suas normas de direito dentro de seus limites territoriais 33. O que torna a jurisdição “territorial” regra, e a jurisdição extraterritorial exceção, a qual requer especial justificação 34. Vale destacar que o uso direto da jurisdição extraterritorial baseada no critério da nacionalidade do autor é amplamente aceito dentro do esforço anticorrupção 35. Certo é que medidas extraterritoriais em relação à corrupção de 26

A supremaciada soberania do Estadocomo uma estrutura fundamental de relações internacionais sugereque a aplicaçãoextraterritorialda leide um Estado mina tanto a soberania de outros Estados, como o sistemainternacional como um todo. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Vol. 1, 14 ed. rev. ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 47. 27 ZERK, Jennifer A. Extraterritorial Jurisdiction: Lessons for the Business and Human Rights Sphere from Six Regulatory Areas. A report for the Harvard Corporate Social Responsibility Initiative to help inform the mandate of the UNSG’s Special Representative on Business and Human Rights.June 2010 ⎪ Working Paper No. 59. p. 5. Disponível em: . Acesso em: 20 mai 2012. 28 CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick. Droit International Économique. France, Paris: Dalloz, 2003, p. 23 29 JENNINGS, R. Y. The Limits Of State Jurisdiction. Nordic Journal of International Law, v. 32, n. 1-4, 1962 , pp. 209-229(21), Martinus Nijhoff Publishers. p. 210 30 COLANGELO, Anthony. Op Cit, p 126. 31 FALK, Anderson. International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order.Temple Law Quaterly, 1959, v. 32, p. 295. Apud MORE, Rodrigo F. A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (tratado de roma, 1998). “Solução e Prevenção de Litígios Internacionais”, vol. II. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 317. Coord. José Carlos de Magalhães e Araminta de Azevedo Mercadante, do Núcleo de Estudos de Controvérsias Internacionais da Faculdade de Direito da USP. 32 ONU.Report of the Special Representative of the Secretary-General on the issue of human rights and transnational corporations and other business enterprises, ‘Business and Human Rights: Towards operationalizing the “protect, respect and remedy” framework’, April 22, 2009, A/HRC/11/13. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2012. 33 MAGALHÃES, José Carlos de. A Aplicação Extraterritorial de Leis Nacionais. In: Revista Forense, v. 293. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p 89-99. Apud LEOPOLDINO, Juliana. Regime Jurídico das Sociedades Transnacionais e Efeitos Extraterritoriais das Leis. Dissertação de Mestrado apresentada como requisite á obtenção do grau de mestre, Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ: Rio de Janeiro, 2008, orientadora professora Dra Carmen Tibúrcio, p. 54 34 EU. Polices. p. 12. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2012. 35 EU. P. 16. http://ec.europa.eu/enterprise/policies/sustainable-business/files/business-humanrights/101025_ec_study_final_report_en.pdf

5

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 funcionários públicos estrangeiros não parecem ter gerado o mesmo nível de oposição pública que causou em outras áreas, tais como a regulamentação do mercado mobiliário e a tomada de medidas antitruste36. Cientes dessas novas demandas, países como os Estados Unidos, de forma pioneira, e, mais recentemente, a Inglaterra, e Brasil, promulgaram leis de efeitos extraterritoriais que visam ao combate da corrupção cometida fora de seus limites territoriais. O Foreign Corrupt Practice Act (FCPA) foi promulgado nos Estados Unidos, no ano de 1977, como emenda ao Securities Exchange Act de 1934, em resposta a uma série de investigações que revelaram o pagamento ilícito e generalizado de suborno por parte de empresas estadunidenses, a funcionários públicos estrangeiros − episódio que ficou conhecido como the Watergate Scandal37. Hoje considerado o mais abrangente regulamentação de governança corporativa nos últimos 70 anos 38, está pautado na criminalização do suborno feito a funcionários estrangeiros e no estabelecimento de requisitos de contabilidade e de manutenção de registros da empresa. Verifica-se, portanto, que não estão sujeitos à lei estadunidense os subornos comerciais entre partes privadas, bem como os chamados “grease payments”39 e os pagamentos considerados legais na jurisdição do beneficiário estrangeiro40. O FCPA foi alterado em 1998 (Public Law 105-366), para se harmonizar a certas disposições convencionais, relativas à ratificação, pelos Estados Unidos, da Convenção da OCDE 41 42 sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais43. Antes das inovações trazidas por essa adequação, os cidadãos ou as empresas norte-americanas não estavam sujeitos à responsabilidade nos termos do FCPA, a menos que tivessem corruptamente agido por meio de e-mails, cartas, ou qualquer meio de comércio interestadual, que passassem de alguma forma o território americano. Agora, cidadãos e sociedades empresárias norte-americanas que cometam qualquer ato corrupto fora dos limites territoriais dos EUA, independentemente do método utilizado na execução, são passíveis de punição 44. O FCPA pode ainda ser aplicado a estrangeiros e empresas estrangeiras que, enquanto em território americano, pratiquem qualquer ato em prol de um pagamento proibido 45, aí incluídas as empresas estrangeiras que possuem ações em Bolsa de Valores norte-americanas ou tenham emitido American Depository Receipts (ADRs) (Issuers). Nesse caso, não há extraterritorialidade, mas sim territorialidade. Por fim, e objeto de pesquisa o FCPA proíbe pagamentos ilícitos feitos através de intermediários (agentes ou joint venture partners)4647. 36

ZERK, Jennifer A. Extraterritorial Jurisdiction: Lessons for the Business and Human Rights Sphere from Six Regulatory Areas. A report for the Harvard Corporate Social Responsibility Initiative to help inform the mandate of the UNSG’s Special Representative on Business and Human Rights. June 2010 ⎪ Working Paper No. 59. p. 37. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2012. 37 WEISS, David C. The Foreign Corrupt Practices Act, SEC Disgorgement of Profits, and the Evolving International Bribery Regime: Weighing Proportionality, Retribution, and Deterrence. Michigan Journal of International Law, v. 30, p. 471-515, 2009.p. 476. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. 38 BYRNES, N.; DWYER, P.; HENRY, D.; THORNTON, E. Reform: Who’s making the grade; A performance review for CEOs, boards, analysts, and others. Business Week.22 Set.2003. Apud LAWRENCE, D. Brown; CAYLOR, Marcus L. Corporate Governance and Firm Performance.7 Dez 2004. p. 2. Disponível em: ou . Acesso em: 15 jun. 2012 39 O Estatuto enumera os seguintes exemplos:a obtenção deautorizações licençasou outros documentos oficiais;processamento de documentos governamentais, taiscomo vistos de trabalho; fornecimento de proteção policial; correio, coleta e entrega; fornecimento de serviço telefônico,de energia eabastecimento de água;carga edescarga; carga ou proteção deprodutos perecíveis; e agendamento deinspeçõesassociadasà execução do contratoou aotrânsito de mercadoriasem todopaís. Ações “similares” a estas também estãoabrangidas nessa exceção. DOJ. Department of Justice. Lay Persons Guide. Disponível em: . Acesso em: 18 jun 2012. 40 15 U.S.C. § 78dd-l(c)(1), 2(c)(1). Todavia, amera ausência deuma lei estrangeira que criminalize a práticanão significa, contudo, que o FCPA deixará de ser aplicado. 41 A Convenção foi assinada em 17 de dezembro de 1997, pelos Estados Unidos e outras 32 nações. Em 31 de julho de 1998, o Senado americano deu o seu consentimento para a ratificação da Convenção. Disponível em: DOJ. . Acesso em: 19 jun. 2012. 42 HARVARD LAW REVIEW .Developments in the Law Extraterritoriality.HARVARD LAW REVIEW. p I285. Disponível em: . Acesso em: 12 jun 2012. 43 DOJ. Department of Justice. Disponível em: . Acesso em: 19 jun 2012. 44 DOJ.Department of Justice. Lay Persons Guide. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2012. 45 DOJ. Department of Justice. Disponível em: < http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/docs/signing.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2012. 46 Ibidem. 47 Apesar de não haver obrigações diretas e explícitas em relação às subsidiárias estrangeiras, o fato de a empresa matriz ser responsável pela colheita e divulgação de informações financeiras relativas a todo o grupo, isso incentiva o monitoramento e funcionamento adequados das atividades. ZERK, Jennifer A. Op. Cit. p. 53.

6

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 A legislação estadunidense em questão é um estatuto tanto civil como penal. As penalidades criminais são: (i) às corporações e outras entidades comerciais uma multa de até US$ 2 milhões; (ii) administradores, diretores, acionistas, funcionários e agentes, uma multa de até US$ 100.000 e prisão por até cinco anos. Entretanto, nos termos do Alternative Fines Act, essas multas podem ser ainda maiores, chegando a até duas vezes o valor do benefício que o réu tentou obter ao efetuar o pagamento corrupto48. As multas de natureza penal cominadas às pessoas físicas não podem ser pagas pela sociedade empresária a qual estava representando quando cometeu o ato corrupto49. Quanto às penalidades de natureza civil em face da execução de atos corruptos por qualquer empresa, funcionário, diretor, agente, ou acionista que, agindo em nome da sociedade empresária, viole as disposições do FCPA, há previsão para o pagamento de multa no valor de até US$ 10.000, além de uma multa adicional não excedente ao (i) valor bruto do ganho pecuniário do réu, como resultado da violação, ou (ii) a uma outra limitação especifica; a que for maior. As limitações específicas baseiam-se no tamanho da extensão do dano, variando de US$5.000 a US$100.000 para uma pessoa física, e US$50.000 a US$ 500.000 para pessoa jurídica 50. O Governo norte-americano pode ainda proibir que a pessoa condenada por infrações ao FCPA realize negócios nos Estados Unidos51. A legislação antisuborno da Grã-Bretanha entrou em vigor em 1 de julho de 2011, com vistas a atender à Convenção da OCDE, ratificada em 1998. A sua maior inovação, se comparada ao FCPA, é seu caráter extraterritorial que visa coibir ações corruptas tanto no âmbito das relações com os Estados, como também na esfera civil52. O Bribery Act se concentra em quatro espécies de crime: (i) bribing − suborno ativo − (section 1); (ii) being bribed – suborno passivo − (section 2); (iii) bribing a foreign public official – suborno ativo a funcionário público − (section 6); e (iv) failing as a commercial organization to prevent bribery– não cumprimento por parte das companhias na prevenção de condutas corruptas − (section 7) 53. O crime de subornar um funcionário público estrangeiro, previsto na seção 6, é submetido ao princípio da “close connection”54, que afirma a jurisdição britânica sempre que a pessoa ou entidade tiver uma estreita ligação com o Reino Unido, mesmo que o ato ou omissão em questão não ocorra dentro de seus limites territoriais 55. Isso significa que as implicações extraterritoriais do Bribery Act não estão adstritas aos cidadãos e empresas britânicas, como também às “connected persons”56, bem como a qualquer companhia que tenha negócios no Reino Unido, podendo o fato ou conduta ter ocorrido em qualquer parte do globo57. Nesse diapasão, a organização comercial será considerada culpada de uma conduta tipificada no Bribery Act, se uma connected person (ex: outra empresa dentro da Joint Venture) subornar outra pessoa, com o objetivo de obter ou manter uma vantagem de negócio. Todavia, há a necessidade de dupla incriminação. Para fins da tipificação, conforme seção 6, deverá ficar comprovado que não somente foi oferecida, prometida ou entregue uma “vantagem”, ao funcionário ou a outra pessoa a pedido de tal funcionário, com seu consentimento ou aquiescência, mas também que a vantagem não é permitida ou exigida pela lei escrita aplicável ao funcionário público estrangeiro 58. Nessa hipótese, diferentemente do FCPA a organização comercial não poderá alegar como defesa que mantinha procedimentos adequados no local para evitar a corrupção 59. 48

DEMING, Stuart H..Ibidem DOJ. Department of Justice. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2012. 50 DOJ. Department of Justice. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2012. 51 Ibidem 52 Bribery Act, 2010, c. 23, § 7 (U.K.). Failure of commercial organisations to prevent bribery 53 Bribery Act, 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. 54 “A close connection with the UK exists where a person (legal or natural) committing the acts, in the UK or in other jurisdictions, is domiciled or incorporated in the UK, is a British citizen, a British overseas territories citizen, a British national (overseas), a British overseas citizen and so on. In short, the Act provides that citizens of British overseas territories are closely connected with the UK and fall under the provisions of the Act.” In: ADAMSON, Ben. The Bribery Act: The view from offshore. The Bribery Act.com. 15 Jun 11. Disponível em: < http://thebriberyact.com/2011/06/15/the-bribery-act-the-view-from-offshore/>. Acesso em: 21 jun. 2012. 55 WARIN, F. Joseph, FALCONER, Charles e DIAMANT, Michael S..The British are Coming!: Britain Changes its Law on Foreign Bribery and Joins the International Fight Against Corruption. Texas International Law Journal. Vol. 46:1, 2010-2011. p 1-72. p. 15. 56 A “connected person” pode ser um agente associado, um empregado seu ou de uma filial ou subsidiaria, joint venture, etc. CLARKE, Simon. Beware the brown envelope. UK Bribery Act. IFLR/. Int'l Fin. L. Rev. v. 29, n. 54.dez/jan 2010-2011. p. 55 57 ADAMSON, Ben. The Bribery Act: The view from offshore. The Bribery Act.com.15 Jun 11.Disponível em: < http://thebriberyact.com/2011/06/15/the-bribery-act-the-view-from-offshore/>. Acesso em: 21 jun. 2012. 58 UK GOVERNMENT.The Bribery Act 2010 – Guidance.p. 12.Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. 59 Ibidem. 49

7

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 Já a Seção 7, não cumprimento por parte das companhias na prevenção de condutas corruptas, abrange qualquer TNCs que tenha negócios no Reino Unido, não havendo a obrigatoriedade de uma “close connection”60. Não há exceção quanto ao pagamento de pequenas somas em dinheiro com o objetivo de obter autorizações ou licenças, facilitar o processamento de documentos do governo estrangeiro, de agendamento de inspeções (“grease payments”)61 e também não há no Bribery Act qualquer obrigação positiva em relação à contabilidade corporativa 62, mencionando apenas a necessidade de operar conforme “procedimentos adequados” 63. Com relação às punições, a pena de prisão prevista é de até 10 anos, sem limitação de valores para fins de aplicação de multa64. A lei nº 12.846/13 tem aplicação extraterritorial na medida em que condena atos corruptos cometidos contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior, por pessoa jurídica brasileira. Dessa forma, ainda que a conduta não seja praticada dentro do território nacional, a nova lei brasileira anticorrupção alcançará tais atos a fim de puni-los. Por ser muito recente ainda não há registros da aplicação extraterritorial da lei brasileira. Verifica-se, portanto, pela análise das legislações apontadas que uma determinada pessoa jurídica pode estar sob a jurisdição de todas as leis anticorrupção, o que representa uma situação multiconectada de âmbito internacional. Esse grande dilema posto pelo uso da jurisdição extraterritorial direta através das leis de efeitos extraterritoriais ocorre nos casos em que mais de um Estado reclama o direito à jurisdição daquele mesmo fato jurídico. Por exemplo, se uma pessoa jurídica com sede no Estado A comete um ato corrupto no Estado B, que beneficia uma consorciada do Estado C, todos os três Estados podem ter legitimidade para reivindicar a jurisdição com base nas leis abordadas. É verdade que o fato de mais de um Estado poder exercer, em teoria, a jurisdição, não leva a um conflito na prática, pois apenas um Estado pode querer exercê-la. No entanto, o fato de as sociedades empresárias nem sempre saberem de antemão qual deles irá reivindicar a jurisdição, impede que estejam preparadas para lidar com as concorrentes demandas de jurisdição. A situação se complica ainda mais, pois se tratam de diferentes leis substantivas, penas distintas, para a mesma conduta. Um exemplo de tal situação foi um inquérito contra uma TNC do petróleo norueguesa por autoridades norueguesas, por conta de subornos supostamente pagos no Irã. O resultado foi o pagamento de uma multa de US$ 3 milhões na Noruega, e como também tal sociedade estava listada em Bolsa de Valores nos Estados Unidos, as autoridades americanas, posteriormente, começaram uma investigação acerca da mesma conduta, levando tanto à Securities Exchange Commission (SEC)65 e como o Departmant of Justice (DOJ)66 a processar tal sociedade empresária. No caso estadunidense o desfecho foi um acordo no qual a sociedade concordou em pagar uma multa de US$ 21 milhões às autoridades norte-americanas, tendo sido subtraído o montante que já havia pago às autoridades norueguesas67. Ressalte-se ainda que nenhuma Convenção internacional que trata do tema estabelece prioridades ou critérios para determinar quais os Estados devem ter precedência no exercício da sua jurisdição de forma que nem mesmo o Direito Internacional oferece uma resposta concreta para a resolução de questões de competência concorrente nos termos apresentados68.

4. Conclusão Conforme apontamos, o aumento constante fluxo de investimentos estrangeiros diretos, por meio de interações de crescente complexidade e que envolvem a presença global das sociedades transnacionais, dá a tônica da sociedade contemporânea. 60

GUIDANCE.The Bribery Act 2010 – Guidance.p. 9.Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. 61 WARIN, F. Joseph; FALCONER, Charles; DIAMANT, Michael S.. The British are Coming!: Britain Changes its Law on Foreign Bribery and Joins the International Fight Against Corruption.Texas International Law Journal. v. 46, n.1, p 1-72, 2010-2011.. p. 20. 62 O United Kingdom's Companies Act 2006 já impunha requisitos similares ao FCPA acerca dos registros contábeis. In: Companies Act, 2006, c. 1, § 380. Apud WARIN, F. Joseph, FALCONER, Charles e DIAMANT, Michael S..The British are Coming!: Britain Changes its Law on Foreign Bribery and Joins the International Fight Against Corruption. Texas International Law Journal. Vol. 46:1, 2010-2011. p 1-72. p. 8. 63 Ibidem, p. 38. 64 Bribery Act, 2010, c. 23, § 11(U.K.). Penalties 65 Securities Exchange Commission (SEC) é o órgão estadunidense análogo à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira. 66 Department of Justice (DOJ) é um órgão análogo ao Ministério Público Federal brasileiro, cuja missão é fazer cumprir a lei e defender os interesses dos Estados Unidos de acordo com a lei, para garantir a segurança pública contra ameaças externas e internas; para fornecer liderança federal na prevenção e controle da criminalidade; a procurar apenas punição para os culpados de comportamento ilegal, e para garantir uma administração justa e imparcial da justiça para todos os americanos. Fonte: 67 IBA. Op. Cit. p 29. 68 Ibidem.

8

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 Dentro desse contexto, os estudos sobre as transnacionais se inserem no contexto mais amplo da análise dos padrões de evolução do Direito Internacional. Nesse sentido, a conscientização de que temas como a responsabilidade das TNCs quanto aos Direitos Humanos, e a corrupção no planeta, fulcrados em tratados internacionais, leis domésticas, inclusive com efeitos extraterritoriais, e outras legislações internacionais com natureza de soft-law, é uma preocupação do mundo atual. Os escândalos de corrupção ocorridos no Brasil revelam facetas complexas da atuação das empresas transnacionais e suas implicações devem ser consideradas pelo Direito. Dessa forma, é temerária a influência da corrupção nas condições de competitividade, pois ela causa distorções na concorrência. Com efeito, os Estados estão atentos ao fato de que a corrupção é um fenômeno transnacional, que afeta de maneira mais severa o investimento estrangeiro direto. Assumindo esta perspectiva a forma mais eficaz de combate à corrupção não poderia estar apenas adstrita à esfera territorial nacional dos Estados. Da mesma forma, a atual sociedade internacional está ciente de que a segurança e a estabilidade não dependem simplesmente de exércitos, mas também de uma interação entre fatores econômicos e políticos, dentre eles o combate à corrupção. O grande impacto dessas novas mudanças econômico-sociais serão em breve sentidas em diversos países do mundo, e podem até mesmo impactar o investimento estrangeiro direto em países que, como o Brasil, estariam mais suscetíveis a enfrentar casos de corrupção, mas essa indagação será respondida apenas pelo tempo. Nesse sentido, portanto, a conclusão do trabalho é que a nova legislação brasileira pode gerar adaptações nos modelos do Joint Operating Agreement das joint ventures brasileiras de forma a contemplar formas de controle interno mais eficazes para detectar possíveis riscos internos e nos parceiros. Adaptações ou criação de programas de compliance com vistas à nova lei brasileira, promoção de esclarecimento aos empregados sobre a correta política de relacionamento com funcionários públicos (oferecimento e o recebimento de presentes e hospitalidade, políticas de patrocínios e doações), monitoramento do fluxo de informações corporativas, além de realização de due diligence para a contratação dos terceiros com quem o operador pretende se relacionar, são algumas das medidas que passam a ter relevância no âmbito das joint ventures do petróleo. Por fim, concluímos que embora haja críticos, o efeito extraterritorial das leis anticorrupção compõe o arcabouço legal relativo à matéria e poderá gerar punição nas diversas jurisdições. Todavia, verificou-se pelos casos estudados que os Estados buscam levar em consideração para fins de punição as condenações das diferentes jurisdições com vistas a diminuição da pena, evitando-se o bis-in-idem.

5. Referências ADAMSON, Ben. The Bribery Act: The view from offshore. The Bribery Act.com.15 Jun 11.Disponível em: < http://thebriberyact.com/2011/06/15/the-bribery-act-the-view-from-offshore/>. Acesso em: 21 jun. 2012. ALVES, Clarissa M. B. de Carvalho. Joint Ventures e o Direito Internacional da Concorrência – Desafios Contemporâneos do Antitruste AZEVEDO, Carolina Araújo de. Transnacionais como veículo de investimento e o problema da corrupção: dois temas relevantes da atual agenda global. Dissertação de Mestrado apresentada como requisite á obtenção do grau de mestre, Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ: Rio de Janeiro, 2012, orientadora professora Dra Marilda Rosado de Sá Ribeiro. BAPTISTA, Luiz Olavo; DURAND BARTHEZ, Pacal.Les Associations d’Entreprises dans le Commerce International. BEVILAQUA, Clóvis. Princípios elementares de Direito Internacional Privado, Ed. Histórica, Ed. Rio, 1988. BONFIM, Antonio Carlos. Extraterritorialidade das leis e Conflitos de Competência. 2000. 168 f. Dissertação (mestrado em Direito Internacional e da Integração Econômica) Faculdade de Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. Bribery Act, 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. BYRNES, N.; DWYER, P.; HENRY, D.; THORNTON, E. Reform: Who’s making the grade; A performance review for CEOs, boards, analysts, and others. Business Week.22 Set.2003. Apud LAWRENCE, D. Brown; CAYLOR, Marcus L. Corporate Governance and Firm Performance.7 Dez 2004. p. 2. Disponível em: ou . Acesso em: 15 jun. 2012 CARREAU, Dominique; JUILLARD, Patrick, Droit International Économique. France, Paris: Dalloz, 2003. CHAIA, Vera. TEIXEIRA, Marco Antonio. Democracia e Escândalos Políticos. Revista São Paulo em Perspectiva. vol.15 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2001. CLARKE, Simon. Beware the brown envelope. UK Bribery Act. IFLR/.Int'l Fin.L.Rev. v. 29, n. 54.dez/jan 2010-2011. COLANGELO, Anthony. Constitutional Limits on Extraterritorial Jurisdiction: Terrorism and the Intersection of National and International Law. Harvard International Law Journal, v. 48, p 126. Disponível em: . Disponível em 3 jun 2012. DOJ. Department of Justice. Lay Persons Guide. Disponível em: . Acesso em: 18 jun 2012. 9

Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014 DOJ. Department of Justice. Disponível em: . Acesso em: 19 jun 2012. FALK, Anderson. International jurisdiction: horizontal and vertical conceptions of legal order.Temple Law Quaterly, 1959. FIAS, Corporação Financeira Internacional; BANCO MUNDIAL. Barreiras Jurídicas, Administrativas e Políticas aos Investimentos no Brasil. Volume II Barreiras Administrativas aos Investimentos no Brasil: O caso de São Paulo e Rio de Janeiro. Maio de 2001. FONSECA, Gelson Jr. Legitimidade e outras questões internacionais, São Paulo, Paz e Terra, 1998. FUNDAÇÃO KONRAD-ADENAUER. Os custos da corrupção. Cadernos Adenauer. São Paulo, n.10, 2000. GUIDANCE. The Bribery Act 2010 – Guidance.p. 9.Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. HARVARD LAW REVIEW. Developments in the Law Extraterritoriality. HARVARD LAW REVIEW. p I285. Disponível em: . Acesso em: 12 jun 2012 IBA. International Bar Association. IBA Legal Practice Division Task Force on Extraterritorial Jurisdiction. Disponível em . Disponível em 2 jun 2012. JENNINGS, R. Y. The Limits Of State Jurisdiction. Nordic Journal of International Law, v. 32, n. 1-4, 1962 , pp. 209229(21), Martinus Nijhoff Publishers. JORNAL NACIONAL. . 09 ago 13. LEOPOLDINO, Juliana. Regime Jurídico das Sociedades Transnacionais e Efeitos Extraterritoriais das Leis. Dissertação de Mestrado apresentada como requisite á obtenção do grau de mestre, Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ: Rio de Janeiro, 2008, orientadora professora Dra Carmen Tibúrcio. EU. Polices. MAGALHÃES, José Carlos de. A Aplicação Extraterritorial de Leis Nacionais. In: Revista Forense, v. 293. Rio de Janeiro: Forense, 1986. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Vol. 1, 14 ed. rev. ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. ____________________________. Direito Internacional Econômico. Rio de Janeiro: Renovar 1993. MORE, Rodrigo F. A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (tratado de roma, 1998). “Solução e Prevenção de Litígios Internacionais”, vol. II. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 317. Coord. José Carlos de Magalhães e Araminta de Azevedo Mercadante, do Núcleo de Estudos de Controvérsias Internacionais da Faculdade de Direito da USP. NIGHTINGFALE, Cristopher. Joint Ventures: Linklaters & Paines, op. cit. p 1-2. ONU. Report of the Special Representative of the Secretary-General on the issue of human rights and transnational corporations and other business enterprises, ‘Business and Human Rights: Towards operationalizing the “protect, respect and remedy” framework’, April 22, 2009, A/HRC/11/13. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2012. RIBEIRO, Marilda. Direito do Petróleo: as joint ventures na indústria do petróleo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. UK GOVERNMENT. The Bribery Act 2010 – Guidance.p. 12.Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2012. WALLACE C.D. Control of the Multinational Enterprise - National Legal Control Techniques of Industrialized Host States and the Prospects for International Controls, University of Cambridge,1983. WARIN, F. Joseph, FALCONER, Charles e DIAMANT, Michael S..The British are Coming!: Britain Changes its Law on Foreign Bribery and Joins the International Fight Against Corruption. Texas International Law Journal. Vol. 46:1, 2010-2011. p 1-72. p. 15. WEI, Shang-Jin. Local Corruption and Global Capital Flows. Brookings Papers on Economic Activity. 2000. WEISS, David C. The Foreign Corrupt Practices Act, SEC Disgorgement of Profits, and the Evolving International Bribery Regime: Weighing Proportionality, Retribution, and Deterrence. Michigan Journal of International Law, v. 30, p. 471-515, 2009.p. 476. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2012. WORLD ECONOMIC FORUM. Next steps. Disponível em . Acessado 26 fev. 2012. ZERK, Jennifer A. Extraterritorial Jurisdiction: Lessons for the Business and Human Rights Sphere from Six Regulatory Areas. A report for the Harvard Corporate Social Responsibility Initiative to help inform the mandate of the UNSG’s Special Representative on Business and Human Rights. June 2010 ⎪ Working Paper No. 59. p. 5 Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2012.

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.