UMA ANÁLISE DA POLÍTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA PARA OS DIREITOS HUMANOS DE BUSH A OBAMA: A DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU

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III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) 8 a 11 de Novembro de 2011 ISSN 1984-9265

UMA ANÁLISE DA POLÍTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA PARA OS DIREITOS HUMANOS DE BUSH A OBAMA: A DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU HERNANDEZ, Matheus de Carvalho1 Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP MACEDO, Gustavo Carlos. Graduando em Ciências Sociais pela UNICAMP ALBRES, Hevellyn. Graduanda em Relações Internacionais pela UNESP. Introdução

Este trabalho pretende analisar a política externa dos Estados Unidos para os direitos humanos a partir da análise do processo de dotação orçamentária do mesmo para o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Baseados na hipótese de uma mudança do posicionamento dos EUA diante do Conselho, observada na passagem da administração Bush para Obama, questionamos se esta mudança poderia ser evidenciada na dimensão do orçamento.2 Para tanto, a atuação do governo na ocasião da criação do Conselho é colocada em perspectiva crítica em relação às declarações e resoluções do Congresso dos Estados Unidos. Procuramos demonstrar o caráter conflitante dos processos de aprovação orçamentária tendo em vista o posicionamento de alguns parlamentares. Deste modo, buscamos evidenciar o embate político presente no âmbito do discurso de agentes do legislativo e do executivo. De fato, concluímos que a análise sobre o processo orçamentário da política externa norte-americana para Direitos Humanos demonstra como este tema é polêmico e assume lugar de destaque no debate doméstico, o que nos permite constatar diferentes posicionamentos entre as duas administrações pesquisadas. Sendo assim, o texto parte de uma breve introdução histórica para demonstrar como a Comissão de Direitos Humanos, seus desafios e sua extinção levaram à criação do Conselho 1

Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados

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A proposta do presente trabalho surgiu da participação no Grupo de Trabalho sobre Instituições e Processos Políticos nos Estados Unidos, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos - INEU.

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de Direitos Humanos. O foco de nossa análise está sobre a atuação dos Estados Unidos nesse processo de criação e consolidação do Conselho. Para tanto, buscamos contextualizar criticamente o posicionamento oficial do governo, contrastando os discursos da administração Bush com as propostas orçamentárias dos congressistas norte-americanos. Por fim, a administração Obama é apresentada sob a perspectiva de uma mudança de posicionamento dos EUA frente ao Conselho, graças a uma possibilidade contida na resolução do Congresso que impunha o boicote orçamentário ao Conselho de Direitos Humanos.

Um breve balaço histórico da Comissão de Direitos Humanos: a participação dos EUA

Na estrutura onusiana original, o organismo responsável pelos direitos humanos era o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), o qual também responde por muitos outros temas3. Devido à amplitude de suas tarefas, o ECOSOC é auxiliado por comissões funcionais, comitês permanentes e outros órgãos subsidiários. Entre as comissões funcionais, estava a Comissão de Direitos Humanos, órgão que precedeu o Conselho de Direitos Humanos, funcionando por sessenta anos. A extinta Comissão de Direitos Humanos foi criada sob o artigo 68 da Carta das Nações Unidas em 1946. Ela deveria examinar a situação dos direitos humanos nos Estados e suas violações em nível mundial, informando publicamente em ambos os casos. (SHORT, 2008). Em seus 60 anos de existência, a Comissão deixou um grande legado na codificação e no desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Dentre os documentos, deve-se destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que delineou de forma mais clara o que eram os direitos humanos e como deveriam ser defendidos (ALVES, 1994). Apesar da importância do trabalho da Comissão de Direitos Humanos, durante a Guerra Fria, as questões relativas à temática ficaram quase abandonadas na ONU em virtude das distintas concepções socialistas e capitalistas sobre seu conceito e suas prioridades. Enquanto a União Soviética pressionava no sentido da proteção aos direitos de segunda geração (sociais e econômicos), os Estados Unidos se apoiavam sobre os da primeira (políticos e civis). Em

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O ECOSOC “formula recomendações e inicia atividades relacionadas com o desenvolvimento comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia, prevenção do crime, bem-estar social e muitas outras questões econômicas e sociais” (UNIC RIO, 2008).

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meio a esse debate, as votações ficavam paralisadas e a Comissão impedida de agir (SHORT, 2008). Como a Guerra não foi um conflito bélico usual, seu término não teve os elementos necessários para uma reconfiguração como as anteriores do sistema internacional. O mais próximo na tentativa de reavaliação de estruturas multilaterais para o novo contexto internacional ocorreu ao longo da chamada “Década das Conferências” (ALVES, 2001). Alves (2001) destaca entre os principais aspectos da “Década das Conferências”, a universalização dos novos temas, a centralidade dos direitos humanos, o surgimento de novos paradigmas normativos e a maior participação da sociedade civil. Segundo o autor, neste momento houve a “percepção de que certos assuntos vitais são, agora mais do que nunca, inquestionavelmente globais, exigindo tratamento coletivo e colaboração universal” (ALVES, 2001, p.4). Nesse contexto, a Conferência de Viena sobre os Direitos Humanos de 1993 contribuiu sensivelmente no sentido de universalização dos debates sobre os direitos humanos. Shattuck (1993/1994) afirma que nos meses liderando a Conferência a Administração Clinton avançou em políticas de direitos humanos e democracia em relação a todos os seus antecessores. Ainda segundo o Assistente, ao reconhecer que a Declaração Universal de Direitos Humanos também assegurava direitos econômicos, sociais e culturais, Clinton teria se destacado das posições anteriores de Reagan e Bush. Christopher anunciou em seu discurso inicial as pretensões dos Estados Unidos para a Conferência: Today, on behalf of the United States, I officially present to the world community an ambitious action plan that represents our commitment to pursue human rights, regardless of the outcome of this Conference. This plan will build on the UN's capacity to practice preventive diplomacy, safeguard human rights, and assist fledgling democracies (CHRISTOPHER, 1993, p.5).

No mesmo discurso, o Secretário fez várias promessas, comprometendo-se em nome dos Estados Unidos a seguir as metas dos tratados de direitos humanos que haviam assinado, mas não ratificado. A ideia de construir uma agenda para a promoção dos direitos humanos chegou a ser planejada, de fato. A principal meta estadunidense era incentivar iniciativas mundiais de fortalecimento da democracia e dos direitos humanos. To begin with, we will monitor and protest abuses of human rights wherever they occur - even if economic or security interests suggest that we should not pay so much attention to them. With that in mind, three months ago President Clinton put China on unambiguous notice that the renewal of its Most Favored Nation status next year will be conditioned on overall significant progress in human rights. And the President takes this decision very seriously. (...) We will also assist countries in their transitions to democracy, recognizing that this process of transition is nowhere near completion just Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.unesp.br/santiagodantassp

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because an election has occurred. (...) Through systematic and continuous outreach to NGOs we hope to build an international constituency for democracy and human rights that reaches across borders and cultures (SHATTUCK, 1993/1994, p.83).

Apesar da tentativa de Viena, a Comissão não teria conseguido superar as abordagens ideologicamente contrárias aos direitos humanos da Guerra Fria. Assinala Short (2008, p4), “de forma cada vez mais preocupante, que Estados buscavam a condição de membro como um escudo a críticas ou então como permissão para criticar outros por razões politicamente motivadas”. Assim, de forma contínua e irremediável a Comissão perdia credibilidade e caminhava para o fracasso. As críticas a Comissão foram se intensificando ao longo da década de 90 à medida que se mostrava sua ineficácia. Blanchfield (2009) chega a afirmar que a Comissão de Direitos Humanos foi a instituição que mais claramente ilustrou a falha no sistema onusiano de direitos humanos. São indicados “dois exemplos proeminentes da politização e da seletividade pela Comissão”: O primeiro diz respeito a países com índices ruins em relação aos direitos humanos conseguirem cadeiras na Comissão4. Um segundo ponto é relacionado a agenda de debates ser excessivamente voltada para as violações de Israel5. Nesse ponto, a argumentação dos EUA é que ao invés de serem investigadas as violações cometidas pelos membros da Comissão (em que sempre destaca o Sudão), desviar-se-ia a atenção “perseguindo” Israel. Blanchfield (2006) aponta como um momento de tensão da participação estadunidense na Comissão quando, em 1997, foi enviado aos Estados Unidos um Relator Especial em Execuções Extrajudiciais, Sumárias e Arbitrárias para analisar o caso das penas de morte naquele país. O relatório apresentado6 indicou que os veredictos de pena de morte eram discriminatórios de acordo com fatores étnicos e econômicos, o que teria gerado mal estar na Casa Branca. A analista cita uma fala do Senador Jessie Helms que resumia a impressão que os Estados Unidos tinham: a missão seria uma absurda farsa da ONU. 4

Segundo o texto, a própria justificativa de existência da Comissão teria sido perdida à medida que países com graves abusos dos direitos humanos começaram a se tornar membros para evitar a investigação e a punição de suas violações, como é sugerido que seja o caso do Sudão. 5

Naspalavras do relatório: “... Commission's agenda devoted a special item to censuring Israel, (...) countryspecific resolutions against Israel were equivalent to the combined total adopted against all other countries and emergency special sessions and special sittings were frequently dedicated to condemning Israel” (BLANCHFIELD, 2009). 6

BacreWalyNdiaye, Report of the Special Rapporteur on Extrajudicial, Summary or Arbitrary Executions, E/CN.4/1998/68/Add.3, 22/01/98.

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Em suma, o relacionamento entre os Estados Unidos e a Comissão de Direitos Humanos vinha piorando à medida que as falhas do órgão se mostravam cada vez mais explícitas. Com a chegada de Bush à Casa Branca, a relação entre Estados Unidos e Comissão piorou ainda mais. Um momento decisivo foi a primeira falha nas repetidas reeleições por uma cadeira no órgão em maio de 2001, início do primeiro mandato do republicano. Blanchfield (2006) assinala grande desapontamento do Governo dos EUA com o fato de não terem sido eleitos, em especial porque países que consideravam graves violadores dos direitos humanos como Paquistão, Uganda e Sudão obtiveram uma cadeira nessas eleições. Entre os possíveis motivos apontados estão: a aparente falta de empenho de Bush devido à incredulidade na Comissão; a retaliação dos votantes em eleger um Estado que caminhava em direção contrária nas políticas de direitos humanos (ao não aderir ao TPI, por exemplo); ou ainda a intervenção de um forte lobby chinês contra a reeleição estadunidense (SANGER, 2001). Em todos eles, notamos como a política unilateral priorizada por Bush leva a erosão das relações dos Estados Unidos tanto com outros Estados quanto com as organizações voltadas aos direitos humanos. Quanto às reações políticas concretas, houve divergências entre Congresso e Executivo, sendo o primeiro ator mais incisivo. A Câmara dos Representantes criou uma emenda que propunha vincular o envio de recursos à ONU a obtenção de um assento na Comissão, a qual foi repelida pelo Executivo (BLANCHFIELD, 2006). Como veremos a seguir, mais tarde ocorreria algo semelhante no caso do Conselho, mas dessa vez o Executivo consentiria.

O fracasso da Comissão de Direitos Humanos e o processo de criação do novo Conselho

Como discutimos brevemente na seção anterior, a Comissão de Direitos Humanos vinha sendo alvo de críticas cada vez mais incisivas em seus últimos anos de funcionamento. Nesse contexto, observamos também uma intensificação das discordâncias dos Estados Unidos sobre decisões e práticas do órgão, no que não divergia muito da posição de outros membros. O caso da Comissão não foi isolado. Knight (2005) argumenta que passou a ser formado um amplo consenso entre os acadêmicos e os analistas de que o sistema das Nações Unidas vinha erodindo sua credibilidade e sua legitimidade como mecanismo de gestão global. Apesar da reforma da ONU ter ganhado impulso e reconhecimento após o aniversário de 60 anos da Organização em 2005, esse processo ocorre desde sua criação (FONSECA JUNIOR, 2008; KNIGHT, 2005). Knight (2005) situa essa constante atualização em

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procedimentos dispersos nas primeiras duas décadas de existência da organização, seguidos por ciclos de reformas incitados por cada novo Secretário Geral. Assim, a formatação atual da ONU é resultado da reconfiguração de sua estrutura inicial a partir das reformas de Jackson (1965), Dadzie (1975) e Annan (1995)7. Diante do quadro preocupante, o papel de Kofi Annan foi imprescindível na busca de uma reforma mais profunda nas Nações Unidas. Ao longo de seus dez anos como Secretário Geral da ONU, Annan dedicou-se a um programa que possibilitasse uma reforma institucional planejada, o que não foi feito anteriormente. De acordo com Knight (2005, p.58), “Algumas das reformas de Annan oferecem a esperança de que o Sistema das Nações Unidas possa superar o impulso reformista e se torne uma revisão verdadeiramente crítica de seu papel e lugar no mundo”. Em 21 de Março de 2005, por ocasião da comemoração de 60 anos da ONU, Annan apresentou um relatório intitulado “Por uma maior liberdade: por segurança, desenvolvimento e segurança humana para todos”. Neste documento, o Secretário apresentou 101 sugestões de reformas visando reforçar a legitimidade, a eficácia e o dinamismo da ONU. Entre essas sugestões, havia também propostas referentes à área dos direitos humanos, como novos recursos para o Alto Comissariado para os Direitos Humanos e a substituição da Comissão por um Conselho de Direitos Humanos (ANNAN, 2005). Annan (2005) declara a importância da criação do Conselho, que seria diretamente vinculado à Assembleia Geral, para que os direitos humanos passassem a ter a mesma importância no sistema onusiano que a segurança e o desenvolvimento. Apesar do apelo do Secretário, Belli (2008/2009) lembra duas questões importantes. A primeira delas, a que já nos referimos, é que Annan apenas catalisou um processo de reforma que se mostrava inevitável diante da crise do sistema onusiano de direitos humanos. A outra, mais interessante, é que a criação do Conselho e da Comissão de Construção da Paz, inserida no mesmo pacote, foi uma forma de mostrar certa efetividade dos líderes da ONU e o prestígio de Annan8.

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Para maisinformações, consultar: KNIGHT, A. 60 años de la ONU: de un impulso transformista a la transformación. In ROSAS, M.C. (coord.). 60 años de ONU: que debe cambiar. México: UNAM/ANU, 2005, pag. 40-56. 8

Após a apresentação do relatório em março de 2005, Annan incluiu um adendo especificando as propostas para o Conselho em maio e apenas em outubro foi adotado um documento que decidia pela criação do órgão. A partir de então, seguiram-se cinco meses de negociação que deveriam definir: tamanho e composição (incluindo como funcionariam os mandatos), funções, métodos de trabalho e procedimentos.

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Após as exaustivas discussões, em 15 de Março de 2006 seria aprovado o projeto de resolução (AG/60/251) apresentado pela então presidente da Assembleia Geral Jan Eliasson por uma maioria de 170 votos, sendo um dos quatro votos contrários o da delegação dos Estados Unidos da América9. Em 22 de março, o ECOSOC aboliu a Comissão de Direitos Humanos, que deixaria de existir em 16 de junho para, no dia 19, o Conselho ter sua primeira reunião. Analogamente à Comissão, o Conselho deveria: analisar violações, promover assistência e educação na área, esforçar-se para evitar abusos, responder a situações de emergência e servir de fórum internacional para o diálogo sobre questões de direitos humanos. A fim de desempenhar suas funções, na construção do órgão buscou-se conjugar o que a antiga estrutura tinha de melhor com os aperfeiçoamentos necessários. Entre as apropriações da Comissão estão: a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos e de outros tratados essenciais para a proteção das liberdades fundamentais; a utilização de mecanismos especiais (peritos independentes e relatores especiais) e; a participação de ONGs e outros observadores (DURAN, 2006; SHORT, 2008). Os observadores10 tinham direito de participar das reuniões anuais da comissão assistindo e fazendo falas. Os Estados Unidos, apesar de sua oposição ao Conselho, participaram ativamente como observadores nos três anos em que lá estiveram sob liderança de Bush, como veremos a seguir. Os principais avanços com a criação do Conselho são: reuniões com maior freqüência, ao longo de todo o ano, e ainda podendo ser convocadas sessões extraordinárias; possibilidade de suspensão dos membros que cometam violações flagrantes e sistemáticas dos direitos humanos; execução do trabalho de forma preventiva e não apenas paliativa e; adoção do mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU foi um dos grandes destaques do Conselho, à medida que ambicionava avaliar a situação dos direitos humanos nos Estados de forma universal e com igualdade de tratamento (UNITED NATIONS, 2006). Um aspecto interessante é que houve modificação entre a inicial “revisão pelos pares” proposta pelo documento de Annan e a RPU aprovada, que acrescentou a participação de atores não estatais ao processo (BELLI, 2008/2009). 9

Houve ainda três votos contrários, de Israel, Ilhas Marshall, e Palau e três abstenções, de Belarus, Irã e Venezuela. 10

Esses observadores poderiam ser organizações não-governamentais, organizações intergovernamentais, instituições nacionais de direitos humanos e organismos especializados, entre outros (SHORT, 2008).

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Outros avanços dizem respeito à forma de eleição dos seus membros. Este deve ser integrado por 47 membros, escolhidos segundo distribuição geográfica equitativa, eleitos de forma direta e individual em votação secreta pela maioria dos membros da Assembleia Geral, para um mandato de três anos, sendo no máximo dois mandatos consecutivos (UNITED NATIONS, 2006). Susana Beltrán (2010) assinala a questão da composição do Conselho, tanto em termos numéricos quanto de legitimidade de seus membros, como determinante nas discussões de formação do órgão. A autora explica que em um primeiro momento havia os que propunham rígidos critérios de “reputação” (por exemplo, número de ratificações em tratados internacionais de direitos humanos). Em contrapartida, outros Estados defendiam uma composição universal em que a legitimidade dos membros ficava em segundo plano. Percebemos aqui uma situação realmente complicada. Isso porque, por um lado, as propostas de reforma da ONU tinham cunho democratizante e critérios de reputação são claramente restritivos. Todavia, observando a contrapartida, entendemos que a falta de critérios foi um dos pontos centrais da perda de credibilidade da Comissão. Por fim, ficou decidido que não seria restringida a participação, mas a questão resolveu-se impondo outra: a forma de eleição dos membros pela Assembleia Geral. A proposta inicial do Secretário Geral, a qual os Estados Unidos endossaram, era de que a votação deveria ser por dois terços. Porém, a proposta vencedora foi a de maioria simples (metade dos presentes), que tornou os critérios menos rígidos e desagradou profundamente a delegação estadunidense. Além da maioria qualificada nas votações, a delegação dos EUA defendia que o órgão tivesse o tamanho reduzido para no máximo 20 membros. A argumentação explorada era que com menos cadeiras, haveria menor possibilidade de eleição de Estados violadores sistemáticos dos direitos humanos. Além das duas propostas frustradas, a delegação estadunidense tambémnão foi contemplada em sua recomendação de um “exclusionarycriteria”. Se fosse aprovado, esse mecanismo faria com que Estados que estivessem sob sanção do CS por abusos contra os direitos humanos ou atos terroristas não pudessem concorrer a assentos no Conselho. Ademais, também não conseguiram aprovar uma fórmula que permitisse reeleição ilimitada e cadeiras garantidas para os cinco permanentes do Conselho de Segurança (CS) (BLANCHFIELD, 2006; BELLI, 2008/2009). Nesse contexto, a delegação dos EUA lamentava ainda que o grupo que abrangia a Europa e “outros países” (grupo no qual os EUA estariam incluídos) tivesse número de

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cadeiras reduzido de dez para sete. Podemos notar que essas demandas dizem respeito diretamente à composição do Conselho, no qual os Estados Unidos não teriam maioria garantida e deveriam acatar recomendações de países que entendem como não democráticos e não cumpridores dos padrões internacionais de direitos humanos. Susana Beltrán (2010) assinala efetiva melhoria no tratamento dos direitos humanos com a substituição da Comissão pelo Conselho. Um primeiro ponto que levanta é a maior visibilidade, já que passa de órgão subsidiário do ECOSOC para a condição de órgão da Assembleia Geral. Deste modo, como a AG tem função deliberativa no estabelecimento das orientações políticas da ONU, o Conselho seria capaz de introduzir, ainda que implicitamente, a questão dos direitos humanos a qualquer tema abordado na Assembleia. Adicionalmente, Beltrán destaca o maior tempo de funcionamento do Conselho durante o ano como um avanço, transformando-o em mecanismo quase permanente. Entretanto, apesar da evolução no tratamento das questões de direitos humanos com o surgimento do Conselho, permanece a necessidade de superar os erros da antiga Comissão. Short (2008) aponta que o novo órgão herdou como maior desafio conseguir a adesão das principais potências, mantendo-se livre das influências políticas que prejudicaram a anterior Comissão. Belli (2008/2009), por sua vez, suscita dúvidas de que haja vontade política nos Estados de efetivamente incorporarem a causa dos direitos humanos. Nesse sentido, os Estados Unidos são, sem dúvida, um dos Estados cuja vontade política é mais necessária para a consolidação do Conselho de Direitos Humanos.

Os Estados Unidos no processo de criação e consolidação do Conselho

Os Estados Unidos, tanto Congresso quanto Executivo, apoiaram a proposta de Annan de substituir a ineficaz Comissão por um novo órgão (BLANCHFIELD, 2006). Nesse contexto, a delegação americana participou ativamente durante os meses de discussões que precederam a criação do órgão (BELLI, 2008/2009). Apesar disso, os Estados Unidos votaram contra a resolução de criação do Conselho. Em discurso que justificava o voto americano, o Embaixador John Bolton invocou uma “questão de princípio”. De acordo com o Embaixador, os Estados Unidos não acreditavam em avanço em relação à Comissão anterior, já que não havia mecanismos efetivos que garantissem a credibilidade de seus membros (UNITED NATIONS, 2006b).

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Em consonância com seu voto contrário a criação do Conselho, em seis de abril de 2006, os Estados Unidos manifestaram sua opção por não concorrer a uma cadeira nas primeiras eleições, que seriam realizadas em maio. Blanchfield (2006) apresenta duas justificativas para o fato, às quais acrescentamos uma terceira. Na versão oficial, um porta-voz do Departamento de Estado afirmou que os Estados Unidos deram preferência na candidatura a outros Estados do grupo que tinham votado a favor da criação do Conselho. Existe ainda uma versão extra-oficial, que também teria partido de membros do Departamento de Estado. De acordo com esta segunda abordagem, os Estados Unidos preferiram não concorrer por temer perder a eleição. À parte das duas possíveis variantes, aventamos uma terceira. Nossa conjectura é de que a Administração Bush possa ter simplesmente optado por não concorrer a membro do Conselho para evitar constrangimento. Desse modo, haveria menor pressão sobre suas práticas violadoras dos direitos humanos no âmbito da Guerra contra o Terror, aumentando sua margem de manobra nas escolhas de segurança. Claramente houve reações contrárias a essa inicial postura de afastamento dos EUA em relação ao Conselho. Muitas ONGs e grupos de direitos humanos se mostraram surpresos e desapontados com o voto estadunidense contrário à criação do Conselho. No mesmo sentido, essas organizações notaram a não candidatura no primeiro ano de funcionamento como uma perda de oportunidade de participar na estruturação do novo órgão. Quanto aos atores estatais, alguns governos também se mostraram desapontados com o voto contrário. Em relação às eleições, representantes de países aliados como o Reino Unido demonstraram apoio à candidatura dos EUA naquele momento ou posterior. No entanto, outros, como Cuba, ligaram a recusa em concorrer às violações de direitos humanos em Guantánamo e Abu Graib (BLANCHFIELD, 2006). Do ponto de vista interno, é importante observar a contrapartida do Congresso americano, que vinha acompanhando desde o início as discussões para a criação do Conselho11. A respeito da opção de Bush por não concorrer a um assento no novo órgão, as opiniões oscilavam. De um lado, estava a percepção de que o afastamento mostrava um sinal de isolamento (como a do Representante Tom Lantos (D-CA)). No pólo oposto, estavam os que entendiam a postura como necessária para que os Estados Unidos não perdessem sua credibilidade (como declarou o Senador Bill Frist (R-TN)) (BLANCHFIELD, 2008). 11

Prova disso é a produção de relatórios anuais detalhados a pedido do Congresso sobre a relação entre os Estados Unidos e o órgão desde 2006 que continua até 2011, organizado por LuisaBlanchfield.

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De todo modo, não havendo se candidatado a membro, os Estados Unidos participaram das sessões do primeiro ano de atividades do Conselho como observador. Nessa qualidade, a delegação americana tinha direito à voz e à emissão de propostas, mas não podia votar. A inabilidade de votar pode ser entendida como ponto de vulnerabilidade americana, que perderia assim influência no Conselho em uma importante fase de construção institucional e consolidação política (BLANCHFIELD, 2006; BELLI, 2008/2009). Blanchfield (2008) identifica como principais críticas americanas: a permanência da politização e do enviezamento na agenda do Conselho, o enfoque desnecessário em Israel e a desatenção a outros violadores. Foram estas também as justificativas para que os Estados Unidos declarassem em 6 de março de 2007 que mais uma vez não concorreriam a um assento nas eleições de maio. O porta-voz do Departamento de Estado declarou que o Conselho não estava demonstrando credibilidade, citando o foco em Israel e a desatenção a violações em Cuba, Burma e Coreia do Norte, por exemplo (McCORMACK, 2007). À medida que o tempo passava e as demandas americanas não eram consideradas, sua relação com o Conselho se complicava e o teor crítico dos discursos aumentava. Blanchfield (2008) indica que em Julho de 2007 representantes da Administração Bush haviam declarado que apesar do desapontamento em relação ao Conselho, continuariam o suportando financeiramente12. Apesar disso foi endossado o ConsolidatedAppropriationsAct para o ano fiscal de 2008, H.R. 2764, apresentado pelo Congresso em 26 de Dezembro de 2007 (UNITED STATES, 2007a). Na sessão 695 do documento, constaque“none of the funds appropriated by this Act may be made available for a United States contribution to the United Nations Human Rights Council”. As únicas alternativas para que esta provisão não se realizasse eram se: 1) o Secretário de Estado justificasse que o fundo para o Conselho seria utilizado no interesse nacional dos Estados Unidos; ou 2) Os Estados Unidos se tornassem membro do Conselho. Cabe lembrar que o Congresso dispõe sobre o orçamento dos Estados Unidos, inclusive em temas de política externa. Parte dos congressistas apoiou a postura relutante de Bush em relação ao Conselho, e alguns ainda propuseram que os Estados Unidos deixassem de enviar à ONU a parcela dos recursos que seria enviada ao novo órgão de direitos humanos.

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Drawn from a press briefing of Mark Lagon, April 25, 2006, and remarks by Assistant Secretary for International Organization Affairs Kristin Silverberg, July 26, 2007 (BLANCHFIELD, 2008).

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A proposta de boicotar o Conselho de Direitos Humanos por meio de corte no envio de verbas ao órgão veio da congressista Ros-Lehtinen. A congressista, republicana da Flórida, afirmou em defesa da emenda que propôs em junho de 2007: This amendment makes clear that the United States will not spend millions of U.S. taxpayer dollars to support the travesty of the U.N. Human Rights Council, more appropriately named the Human Wrongs Council. It does not cut off U.S. contributions to the U.N. regular budget, but actually prohibits them from being used to support the Council in any way (UNITED STATES, 2007b : 6926).

Fica claro, por meio da fala da congressista, que a restrição orçamentária proposta por ela não deveria atingir a ONU como um todo, mas sim especificamente os recursos destinados ao Conselho de Direitos Humanos. E essa restrição de verbas específica ao Conselho se concentrava em dois pontos críticos e problemáticos, na visão da propositora do corte: a ênfase demasiada que o Conselho estaria dando ao comportamento de Israel em matéria de direitos humanos e a negligência do órgão diante de outros conflitos (Sudão, Coréia do Norte, China, Burma e Zimbábue); e a abertura do Conselho para a participação de líderes ditatoriais. Naspalavras da Congressista: Two days ago the so-called U.N. Human Rights Council celebrated its first birthday by giving gifts to repressive dictators and Islamic radicals, by halting unfinished investigations into human rights conditions in Cuba and Belarus, and creating a permanent agenda item relating to Israel. The actions against Israel took place as news reports documented the horrific actions by Hamas against innocent Palestinians, including those in Gaza clamoring to enter Israel. The Council has been fatally flawed from its inception in the year 2006, and has proven even more problematic than the already discredited U.N. Human Rights Commission that it was designated to replace(Ibid.).

Conforme dito acima, a proposta de reduzir o envio de recursos pelos EUA ao Conselho de

Direitos

Humanos

da

ONU

foi

feita

por

meio

de

uma

emenda

ao

ConsolidatedAppropriationsAct, documento elaborado pelo Congresso norte-americano em que propõe os gastos orçamentários para o ano seguinte, no caso em questão, para o ano fiscal de 2008. Ros-Lethinen, a fim de defender sua posição, teceu fortes críticas ao Conselho e enfatizou que os EUA não deveriam se tornar membro do órgão e tampouco gastar os recursos

vindos

da

sua

arrecadação

de

impostos:

“Simplyput,

the

U.N.

HumanRightsCouncilis a failure. We were right to refuse to dignify this poisonous talk-shop with our membership, and we must refuse to support it with our tax dollars.” (Ibid.). Sterns, outro congressista republicano da Flórida, saiu em apoio da proposta de sua colega: […] I think her comment about the „„human wrong commission‟‟ is appropriate, and I think that is a very apt way to explain it. When you talk about all the work Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.unesp.br/santiagodantassp

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they did, and she mentioned Darfur, that the Human Rights Council of the U.N. was unable to even pass a simple resolution dealing with it, that is unbelievable. But where did they spend most of their time? That is a good question we could ask. Do you know where they spent most of their time? Condemning Israel (Ibid.).

Além da recorrente crítica à ênfase do Conselho em Israel, Sterns destacou a composição do órgão. Ao abordar essa questão, tanto de composição quanto de distribuição das cadeiras do Conselho, ocupadas majoritariamente por países africanos e asiáticos (55%), o congressista afirmou em plenário13: “Governmentsthatroutinelyviolate fundamental freedoms in theirown countries shouldn‟tbe setting thestandards for anyoneelse.” (Idem. p. 6927). Outro ponto interessante a ser destacado é que Sterns, forte apoiador da proposição de Ros-Lethinen, havia feito proposta bastante semelhante no ano anterior, mas não obteve os votos necessários para aprovar a emenda. Segundo o congressista, o que ocorreu foi que em 2006 o Congresso norte-americano optou por dar um “voto de confiança” ao Conselho nascente, diante das promessas de reforma da ONU. De acordo com Sterns, diante das “oportunidades perdidas” pelo órgão, não restava outra alternativa ao Congresso a não ser restringir o envio de recursos ao Conselho em sua provisão orçamentária para o ano fiscal de 2008: There have been several opportunities for the Council to act with numerous cases of human rights abuses around the world. In Darfur, there are 2.5 million people displaced by the violence, 385,000 people in immediate risk of starvation, and over two million dead in the 22 years of violence. But the Human Rights Council was unable to pass a resolution on Darfur. Neither did it act regarding the lack of civil and political rights across China, the 13 million women in Saudi Arabia who live in fear of beatings if they go anywhere alone, or the dire human-rights conditions of 23 million people in North Korea. It also failed to address the Iranian President‟s incitement to genocide or the fact that his country‟s legal system includes crucifixion, stoning and amputation as viable punishments. […]So I am so gratified that this amendment has been accepted. I have a bill, H.R. 225, that outlines this amendment. I had an amendment last year on this subject in this appropriations process. We got 163 votes. But we lost. And I think a lot of people said, well, the U.N. is starting reforms in house. Let‟s give it a chance with its Human Rights Council. So we said, okay, we‟ll give it a chance. But, by all assessment it failed (Ibid.).

Outra apoiadora da proposição de emendar a proposta de orçamento dos EUA para o ano fiscal de 2008 com uma restrição do envio de recursos para o Conselho foi a democrata NitaLowey, de Nova York. Lowey, diferentemente de seus dois colegas republicanos, destacou longamente em sua fala a importância da ONU como um todo, inclusive para a 13

Sterns recorre a uma citação do Miami Herald tratando da abertura do Conselho a países com históricos muito ruins em matéria de direitos humanos: “Whyshouldthesewolvesguardthehenhouse?”. Recorre também à fala do representante dos EUA na ONU, Embaixador Bolton, quando da criação do Conselho: “Wewant a butterfly. We‟re not going to put lipstick on a Caterpillar and declare it a success.”(UNITED STATES, 2007b: p. 6927).

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efetivação dos direitos humanos no mundo. Entretanto, não poupou críticas ao Conselho de Direitos Humanos e apoiou o boicote orçamentário: However, the U.N. is by no means perfect. It is often too slow to act in times of crisis, and too often the U.N. is a reflection of the lowest common denominator, rather than the best and the brightest. A perfect example of the problems with the U.N. is the Human Rights Council. My friend and I agree that there are problems, and I want to assure my friend that as we move toward conference that we will ensure that none of the funds in the CIO account will go toward paying the costs of the United Nations Human Rights Council (Ibid.).

A congressista Berkley, democrata de Nevada, também não poupou adjetivos para embasar seu apoio ao boicote orçamentário dos EUA ao Conselho de Direitos Humanos da ONU: […] the time has come to put an end to the shenanigans at the United Nations. While murderous and dictatorial regimes in North Korea, Zimbabwe, and Sudan have starved and burned and raped and killed hundreds of thousands of their own countrymen, the United Nations Human Rights Council focuses its attention on the only democratic country in the Middle East: Israel. Israel, with a free press, a country with free elections, a vibrant economy, and an open society; a nation that has to defend itself from terrorists and terrorism, terrorists who would wipe it from the face of the Earth if they had half a chance.Now that is a human rights issue worth looking into. Mr. Chairman, the United Nations‟ Orwellian hypocrisy on human rights is so well known it has become a cliche. This body must take a stand against this mockery of a Human Rights Council. Let us cut off funding for this shameful and outrageous organization (Ibid.).

Antes de expor os números da votação, vale explicitarmos brevemente a maneira através da qual os congressistas calcularam o boicote aprovado. Pelo regulamento da ONU, nenhum país pode ser responsável por mais do que 22% do orçamento anual da instituição. Os EUA são responsáveis justamente por tal porcentagem. Nesse sentido, os congressistas partiram da idéia de que os recursos norte-americanos financiavam proporcionalmente 22% dos gastos do também Conselho de Direitos Humanos. Assim, a partir da estimativa de gastos do Conselho para o biênio 2006-2007, veiculada por Annan, o boicote orçamentário dos EUA foi calculado. O orçamento previsto do Conselho para o biênio era de $4.503.700. Portanto, o orçamento anual do órgão seria $2.251.850. Os 22%, correspondente à quantia que os EUA deixariam de mandar à ONU, foram calculados a partir de tal número, resultando em $495.407. Cabe, no entanto, uma importante observação. Os recursos enviados à ONU pelos Estados membro não são direcionados pelos doadores. É a ONU, especificamente o Secretariado Geral, quem decide para onde direcionar os recursos recebidos. Dessa maneira, não se pode afirmar que, de fato, o boicote orçamentário dos EUA atingiu o Conselho de Direitos Humanos. Sendo assim, o boicote pode ser interpretado mais como um ato simbólico Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.unesp.br/santiagodantassp

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do que como uma restrição específica, o que, de maneira alguma, tira a importância política de tal corte. Naspalavras de Blanchfield Congress has maintained an ongoing interest in the credibility and effectiveness of the Council in the context of both human rights and broader U.N. reform. Legislation has been proposed that would withhold Council funding if certain criteria are not met. Due to the nature of U.N. budget mechanisms, withholding Council funds would be a largely symbolic gesture and may have little or no effect on the Council‟s operational work (BLANCHFIELD, 2006, p.2).

O boicote orçamentário norte-americano ao Conselho de Direitos Humanos, cujos números foram expostos logo acima, foi aprovado tanto na Câmara quanto no Senado. Na Câmara votaram 241 a favor e 178 contra. Dentre os favoráveis, 210 eram democratas e 31 republicanos. Dentre aqueles que se posicionaram contrariamente, 14 eram democratas e 164 republicanos. Além disso, houve 13 abstenções, 7 democratas e 6 republicanos. 14 No Senado (no qual uma resolução é aprovada com maioria simples), foram 81 votos a favor – sendo 44 democratas, 35 republicanos, 2 independentes – 12 contrários – todos republicanos – e 7 abstenções – 2 republicanos e 5 democratas. É interessante observar que dentre os que se abstiveram, estava Barack Obama, então senador democrata pelo Estado de Illinois. 15 Como já exposto ao longo do texto, um dos grandes motivos pelos quais os congressistas norte-americanos não viam com bons olhos o recém criado Conselho de Direitos Humanos era a permanência de Israel na agenda do órgão. Prova desse desagrado foi a elaboração de uma resolução condenatória pela Câmara dos Representantes a esse posicionamento do Conselho em setembro de 2007. Essa resolução, H.Res. 557, introduzida pelo HouseForeignAffairsCommittee, foi proposta por dois representantes da Califórnia, John Campbell e Howard Berman, o primeiro republicano e o segundo democrata. A resolução se inicia criticando a ênfase demasiada que o Conselho estaria dando a Israel em detrimento da atenção concedida a outros países violadores de direitos humanos (UNITED STATES, 2007c). Diante dessa crítica, a resolução expõe o seguinte posicionamento do congresso norte-americano: (1) strongly condemns the United Nations Human Rights Council for ignoring severe human rights abuses in other countries, while choosing to unfairly target the State of Israel; (2) strongly urges the United Nations Human Rights Council to remove Israel from its permanent agenda; (3) strongly urges the United Nations 14

U.S. House of Representatives Roll Call 542, 110 th http://clerk.house.gov/evs/2007/roll542.xml . Acessadoem 14/out/2011 às 23h38.

Congress.Disponível

em:

15

U.S.Senate Roll Call Votes 110th Congress 1st Session.Disponível em: http://www.senate.gov/legislative/LIS/roll_call_lists/roll_call_vote_cfm.cfm?congress=110&session=1&vote=0 0325#name .Acessadoem 14/out/2011 às 23h44.

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Human Rights Council to hold special sessions to address other countries in which human rights abuses are being committed, adopt real reform as was intended for the Council when it replaced the United Nations Commission on Human Rights, and reaffirm the principle of human dignity consistent with the original intent envisioned at the Council‟s establishment; (4) strongly urges the United States to make every effort in the United Nations General Assembly to ensure that the United Nations Human Rights Council lives up to its mission to protect human rights around the world, in accordance with United Nations General Assembly Resolution 60/251 establishing the Council; and (5) strongly urges the United States to work with the United Nations General Assembly to ensure that only countries that have a well-established commitment to protecting human rights are chosen to serve on the Council (UNITED STATES, 2007c : 1).

Enfaticamente, a resolução continua: With all of the problems that are going on throughout the world, all of the countries, all the despotic governments out there causing no ends of grief for their people, the one country that the United Nations continues to focus on is a free democracy in the Middle East, Israel. And they continually focus on them to the exclusion, in many cases, of far, far greater problems in other parts of the world (Ibid. Grifo nosso).

Ms. Ros-Lethinen, propositora do boicote orçamentário ao Conselho, aprovado em junho de 2007, foi forte apoiadora da proposta de Campbell e Berman e não poupou adjetivos para criticar a seletividade do órgão: The activities of the United Nations Human Rights Council during its first year in operation has been a travesty, but it should not come as any surprise to us. Over the summer the council, which embraces serious human rights abusers as members, celebrated its first birthday by giving gifts to repressive dictators and Islamic radicals. It stopped unfinished investigations into human rights conditions in Cuba and Belarus and created a permanent agenda item relating to Israel, the only country singled out for such scrutiny. Darfur, apparently the Human Rights Council sees no problem in southern Sudan. […] In June, because of such outrages, the House adopted an amendment that I proposed to the State and Foreign Operations appropriations bill which prohibited United States funding for the council. Mr. CAMPBELL and Mr. BERMAN’s resolution before us today presents this body with another important opportunity to protest the farce, the insult, the travesty, the sad joke that the U.N. Human Rights Council has become (UNITEDSTATES, 2007c : 10783. Grifo nosso).

Howard Berman, propositor da resolução 557 (UNITED STATES, 2007c), se pronunciou em plenário, também criticando veemente a permanência de Israel na agenda do Conselho, com o propósito de persuadir os congressistas a votarem favoravelmente à resolução: I thank my friend from California (Mr. CAMPBELL) for coming to me with the idea of a resolution on the subject of the distorted, unfair, hypocritical, selfmocking agenda of the United Nations Human Rights Council and the need for the Congress of the United States to speak to their conduct. We stand here today to criticize the Human Rights Council, which has an obsessed view of one country [Israel] and only one country in terms of a human rights agenda, because we know that the U.N. can do better than they did in the creation and the rules governing that council. I ask you to support this resolution because I believe that, while the council

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is still in its infancy, we can work to maximize the chances that it develops into a respected and forceful champion of human rights, not simply another proxy in the vitriolic campaign against Israel(Idem. p. 10784. Grifo nosso).

Mr. Campbell, também propositor da resolução 557 (UNITED STATES, 2007c), afirmou em plenário, além das críticas já citadas, que uma das principais intenções da resolução era estimular os debates sobre a reforma do Conselho: This Human Rights Council is a sham. It is not accomplishing what it was set out to do, yet the objective for which it was put in place still exists, the need still exists. The United Nations needs a real Human Rights Council, not a cover for those who would abuse human rights (Ibidem).

Engel, congressista democrata pelo estado de Nova York, também ressaltou a necessidade de modificar o Conselho de Direitos Humanos, especialmente por conta da presença de líderes ditatoriais, o que, na visão dele, tirava credibilidade do órgão: The problem inherent with the United Nations, unfortunately, is you have dictatorships basically running the show. And we try to have a democratic institution, but it‟s inherently not, because it‟s dictatorships that are now a majority there. So I strongly support this resolution. I think that the Congress does itself proud by bringing truth to the American people and to the world. And the Human Rights Council is no better than the organization that preceded it. We need to change it, otherwise the U.N. will continue to be discredited (Ibidem).

A Resolução 557 (UNITED STATES, 2007c) precisava de dois terços dos deputados para ser aprovada. Ela acabou obtendo muito mais do que isso. Passou com 416 votos favoráveis e somente 2 votos contrários. Desses 416, 222 eram democratas e 194 republicanos. Dentre os discordantes, houve um de cada partido. Houve ainda 14 abstenções, sendo 8 democratas e 6 republicanos16. É importante ressaltar que essa é uma resolução condenatória, ou seja, ela não se tornou uma proposta de lei a ser votada. O que foi votada foi apenas uma declaração da Câmara dos Deputados condenando a postura do Conselho de Direitos Humanos da ONU diante de Israel. Portanto, nenhuma lei foi votada, logo, nada se impôs efetivamente ao Executivo, ficando a declaração na dimensão do discurso. Em 8 de abril de 2008, o Representante Permanente dos Estados Unidos na ONU, ZalmayKhalilzad, declarou que seu Estado não enviaria aos fundos da ONU em 2008 quantia referente ao que seria aplicado no Conselho. Em maio, os Estados Unidos mais uma vez não concorreram nas eleições por uma cadeira no órgão (BLANCHFIELD, 2008). E aprofundando ainda mais o distanciamento do Conselho, em 6 de junho o porta-voz do 16

U.S. House of RepresentativesRoll Call 901, 110 th Congress (25/sep/2007). em:http://clerk.house.gov/evs/2007/roll901.xml Acessado em 15/10/2011 às 00h48.

Disponível

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Departamento de Estado anunciou que os Estados Unidos apenas entrariam no Conselho quando fosse comprovado que tal ação atendesse profundo interesse nacional norte-americano e novamente criticou o tratamento que vinha sendo dado a Israel (McCORMACK, 2008). Podemos identificar nesse caso da dotação orçamentária um dos grandes palcos de batalha entre Executivo e Congresso. Vimos no primeiro ano dos Estados Unidos no Conselho, então sob a liderança de George W. Bush, o Congresso discutir a possibilidade de boicotar o Conselho, mas preferiram esperar. Seguindo no mesmo passo do Executivo em seu descontentamento com o órgão, em 2007 indicam o boicote ao Conselho no ano seguinte. Esta dotação foi aprovada por Bush e colocada em prática devido ao terceiro ano em que os Estados Unidos não concorreram a membro. No final de 2008, o Congresso mantinha sua posição e mais uma vez incluiu a provisão de não financiar o Conselho. Esse comportamento dos EUA foi visto internacionalmente com ainda mais desapontamento que o inicial voto contrário à criação do Conselho. Representantes da HumanRightsWatch e da Anistia Internacional declararam que o comportamento era contraprodutivo e absurdo. Porém, outros grupos como a Organização Internacional contra a Tortura viram o ato como forma legitima de demonstrar oposição aos problemas do Conselho e pressionar para que seus problemas fossem resolvidos mais rapidamente (BLANCHFIELD, 2008). Desse modo, assistimos a um afastamento cada vez maior entre Estados Unidos e Conselho até o fim da Administração Bush. Observamos também que tal postura não foi caso isolado, mas refletiu a ênfase dada à segurança mesmo que à custa de absoluta queda nos padrões de proteção dos direitos humanos domestica e internacionalmente. Nesse contexto, uma das grandes demandas nas eleições presidenciais estadunidenses de 2008 seria uma reconfiguração do perfil de liderança dos Estados Unidos com característica mais multilateral.

A Administração Obama e um novo posicionamento dos EUA no Conselho

Com a chegada de Barack Obama à Casa Branca em 2009, as políticas para o Conselho foram bastante alteradas, em conformidade com o perfil multilateral que o presidente defendia desde seus discursos de campanha. Em fevereiro de 2009, Obama anunciou que os Estados Unidos participariam como observadores na 10ª sessão regular do Conselho, que ocorreria de 2 a 27 de março daquele ano. Um passo mais decisivo foi dado em 31 de março, quando o

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Presidente anunciou que os Estados Unidos concorreriam a um assento no Conselho (BLANCHFIELD, 2009). Assim, o mesmo Estado que um ano antes impunha um boicote ao principal aparato de direitos humanos onusiano, neste momento se propunha a integrá-lo. Em 19 de maio, os Estados Unidos da América foram eleitos membros do Conselho recebendo uma das três cadeiras vagas do grupo que inclui “Estados da Europa Ocidental e outros Estados”. Considerando as chances de vitória, podemos dizer que a eleição em si não foi difícil, já que havia apenas três candidatos para as três vagas. Por isso, os Estados Unidos só necessitavam de maioria simples, isto é, 97 votos da Assembleia Geral. Apesar de alcançarem o objetivo com folga (167 votos da Assembleia Geral), os Estados Unidos receberam dez votos a menos que a Bélgica e 12 a menos que a Noruega. Deve-se levar em conta que com o voto contrário à criação do Conselho, a imagem política dos EUA diante dos mecanismos internacionais de direitos humanos ficou fortemente prejudicada. Além disso, o boicote orçamentário e as muitas e graves críticas ao órgão e aos seus membros ajudaram ainda mais a deteriorar essa imagem política. Somado a tudo isso, as políticas contraproducentes na área dos direitos humanos, especialmente ligadas ao combate ao terrorismo, foram extremamente negativas para a imagem dos EUA no sistema onusiano. Tudo isso acabou gerando uma profunda desconfiança em relação ao país, ainda que Obama tenha tentado demonstrar grande interesse em reverter as políticas de Bush17. Além de demonstrar maior disposição em auxiliar as atividades do Conselho e lhe dar o suporte político anteriormente negado, o novo status dos EUA de membro trouxe também implicações financeiras. Como comentamos, o CAA referente ao ano fiscal de 2009 (H.R. 1105) continha mais uma vez em sua sessão 7052 a provisão de não financiar o Conselho a não ser que se tornassem membros ou fosse justificado o atendimento ao interesse nacional americano (UNITED STATES, 2008). Porém, como os Estados Unidos obtiveram uma cadeira no Conselho, a provisão deixou de ser aplicável e os recursos voltaram a ser enviados. Esse cenário é interessante para a análise do jogo entre Executivo e Congresso. O Congresso manteve seu descrédito em relação ao Conselho, bem como sua posição de que os Estados Unidos não deveriam compô-lo ou financiá-lo. Porém, desta vez, o Executivo 17

Segundo Beltrán (2010), os Estados europeus perceberam essa mudança na atuação dos Estados Unidos no Conselho. De acordo com ela, a União Europeia estaria acostumada a estes “giros políticos” como parte das relações diplomáticas. Beltran também afirma que existia a percepção de que a entrada dos Estados Unidos no Conselho era apenas uma questão de tempo.De fato, tudo indicava que os Estados Unidos estavam dispostos a utilizar o Conselho como plataforma de exercício de sua tentativa de modelagem de um novo perfil mais multilateral. Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.unesp.br/santiagodantassp

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liderado por Obama (em consonância com o Departamento de Estado) alterou sua posição, optando por dar um voto de confiança ao órgão e decidindo-se pela política de “reformá-lo por dentro”. A forma em que o CAA foi escrito permite que em última instância o Executivo decida sobre o envio de verba ao Conselho. Nestas escolhas estratégicas, também contou a influência da opinião pública, pressionando uma ou outra instância. Por um lado, os grupos de interesses projetados no Congresso, sobretudo o lobby israelense, fizeram com que este ator permanecesse vendo o Conselho com maus olhos. Por outro, as ONGs e outros grupos nacionais e internacionais de direitos humanos pressionavam Obama pela adoção de políticas concretas na promoção e na defesa dos direitos humanos, exigindo um retorno de maior comprometimento dos EUA na área. Visto desse modo, podemos dizer que o primeiro ano de Obama teve um balanço positivo em relação às políticas para os direitos humanos, dentre as quais o Conselho é um bom exemplo. Porém, como também ocorrido durante o Governo Clinton, o Congresso impediu que boa parte das promessas multilaterais fosse efetivada. Um dos grandes déficits sempre lembrado é que o presidente não conseguiu aprovar o fechamento da prisão em Guantánamo.

Considerações finais

Conforme dito na introdução deste trabalho, a hipótese aqui aventada é de que com a eleição de Obama, os EUA passaram a se posicionar de maneira mais multilateral no que tange aos direitos humanos. Conforme debatido até aqui, os EUA, durante a presidência de Bush, não só criticaram fortemente o Conselho de Direitos Humanos e suas posturas (especialmente a ênfase em Israel e a presença no órgão de líderes de países com um histórico questionável em matéria de direitos humanos), como também impuseram um boicote orçamentário. É importante ressaltar que, em diversos momentos, a crítica ao Conselho era construída de modo a colocar que o novo órgão não havia superado em praticamente nada a extinta Comissão de Direitos Humanos, com a qual os EUA não construíram uma boa relação. Vale dizer, conforme vimos, que esse boicote foi proposto não pelo Executivo, mas pelo Congresso norte-americano. As falas aqui transcritas demonstraram toda a crítica e todo o ceticismo dos congressistas em relação ao Conselho. Por outro lado, não se deve esquecer

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que o boicote, incluso nos documentos de dotação orçamentária proposto pelo Congresso, teve que passar pela aprovação do Executivo, naquele momento, liderado por George W. Bush. Em contraste ao discurso de Bush, Obama se elegeu prometendo uma atuação mais multilateral e, pressionado pelas ONGs de direitos humanos, mais comprometida com a promoção e defesa dos direitos humanos, o que fez com que a entrada dos EUA no Conselho e a retirada do boicote orçamentário se tornassem uma de suas grandes promessas de campanha. Como visto, Obama, de fato, trouxe os EUA ao Conselho, tornando-se membro eleito do órgão e, conseqüentemente, retirou o bloqueio orçamentário. Entretanto, é importante notar que tais medidas não se deveram a algum tipo específico de persuasão do presidente Obama junto ao Congresso. O Congresso continuou extremamente reticente ao Conselho de Direitos Humanos e permaneceu firme na sua recomendação de boicote orçamentário. Obama, na realidade, se valeu das cláusulas da própria resolução do boicote. Como a resolução previa exceção do boicote em casos de interesse nacional e de entrada dos EUA no Conselho, ao se candidatar à cadeira e ser eleito, prerrogativa esta do Executivo, Obama tornou inócuo o bloqueio orçamentário Um dos grandes indícios que sugerem que a retirada do boicote orçamentário não tenha passado por uma persuasão do Executivo junto ao Congresso é que Obama não foi capaz, por exemplo, de aprovar o fechamento de Guantánamo junto aos congressistas, uma de suas principais promessas de campanha em questões internacionais. Independentemente disso, o fato de ter se candidatado ao Conselho e, com isso, retirado o boicote orçamentário norte-americano junto ao órgão, demonstra algum tipo de inflexão do Executivo em relação à temática internacional dos direitos humanos, quando comparado com a administração anterior, sugerindo, assim, a validade da hipótese aqui em debate. Apesar de registrar este ponto de inflexão, a administração Obama é ainda cobrada e contestada por muitas ONGs de direitos humanos. O não fechamento de Guantánamo, já citado, é comumente lembrado como um criticável ponto de continuidade com a administração anterior. Outro ponto, pouco divulgado, é que Obama, em sua provisão orçamentária para 2011, não incluiu o envio de recursos ao Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os

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Direitos Humanos. O Escritório, apesar de separado do Conselho de Direitos Humanos, trabalha em forte associação com o órgão, inclusive dando importante suporte a ele. Esse exemplo, assim como a questão de Guantánamo, demonstra a complexidade da formulação da política externa em direitos humanos dos EUA, sendo impossível simplesmente redigir uma máxima que regeria essa inflexão representada pelo governo Obama. Mais do que isso, demonstra a necessidade, o que, de alguma maneira tentou-se fazer aqui, de se recorrer não apenas aos atores do Executivo, mas também ao Congresso norteamericano para se compreender os caminhos da política externa dos EUA. Por último, vale uma observação metodológica. A análise da formação e negociação do orçamento norte-americano se mostra uma ferramenta de valia extrema para a construção de análises acerca de sua política externa. A valia de tal ferramenta se faz na medida em que ela possibilita analisar comparativamente os discursos (e até promessas de campanha) dos atores políticos em relação à vontade política de despender recursos para determinados fins. Como pôde ser visto, Bush, amparado por um discurso, mas também por um grupo político neo-conservador, era extremamente crítico ao Conselho de Direitos Humanos. Essa criticidade se manifestou na medida em que o boicote orçamentário proposto pelo Congresso contou com a anuência do Executivo. Obama, por sua vez, eleito a partir de promessas de multilateralidade e maior adesão ao sistema de proteção internacional aos direitos humanos conseguiu, a despeito da manutenção da posição do Congresso, recuperar a dotação orçamentária dos EUA enviada ao Conselho. Enfim, nos parece que a análise do orçamento norte-americano é ferramenta frutífera para pesquisadores da Ciência Política e Relações Internacionais na medida em que em suas negociações uma série de posições divergentes se materializam, além de ser uma boa fonte para comparar e até mesmo contrastar discurso e prática políticas.

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