UMA ANÁLISE DA TEORIA DAS FONTES COM BASE EM SUAS IMPLICAÇÕES PARA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA E NA CRENÇA DA INSPIRAÇÃO

July 22, 2017 | Autor: José Castro Neto | Categoria: Biblical Theology, New testament exegesis
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UMA ANÁLISE DA TEORIA DAS FONTES COM BASE EM SUAS IMPLICAÇÕES PARA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA E NA CRENÇA DA INSPIRAÇÃO

José Carlos C. Castro Neto Pedro da Cruz

INTRODUÇÃO

Estudar os evangelhos nos revela vários fatos. Um dos primeiros é a incrível semelhança dos três primeiros e a, não menos incrível, diferença do evangelho de João. Por sua semelhança, os três primeiros evangelhos são chamados de sinóticos (gr. visto com). E aos estudarmos os sinóticos nos deparamos com dois fatos: o primeiro já foi dito que é a incrível semelhança entre eles, o segundo é sua discordância. Como podem os evangelhos ser tão parecidos, mas com tantas diferenças? De onde surgiram essas semelhanças e como apareceram essas diferenças? Estas questões (ou similares) são tradicionalmente chamadas na teologia de problema sinótico. E são várias as respostas e soluções propostas para esse “problema”. Mas a mais comum e aceita entre os teólogos é a chamada “teoria das fontes”, de Holtzmann. Como o próprio nome já diz, ela está associada, naturalmente, ao método histórico-crítico, o que leva muitos teólogos conservadores a rejeitarem completamente esta teoria. Mas será que a mesma não tem nada de bom que possa ser aproveitado? O presente trabalho mostrará que a teoria das fontes, ligada ao método gramaticalhistórico (ou histórico-gramatical), pode ser útil para a interpretação da Bíblia com as devidas delimitações. Para isso, mostraremos primeiramente o que prega a teoria das fontes, passando, então, a mostrar as implicações hermenêuticas e teológicas dessa teoria e fazendo, por fim, uma delimitação de seu uso.

1 DEFINIÇÃO DA TEORIA DAS FONTES

A questão das fontes dos evangelhos sinóticos é chamado de problema sinótico. Várias tentativas foram feitas para tentar solucionar o que pode ser chamado de “concórdia discordante” (ZIENER, 2008, p. 220) (lat. Concordia discors), que é o fato de que os evangelhos sinóticos concordam em muitas coisas, mas discordam em outras tantas. Lessing (1778) propôs a hipótese de um evangelho primitivo em aramaico que foi usado por todos,

mas isso não explica as discordâncias. Schleiermacher (1817) propôs a hipótese diegésica, na qual um grande número de breves anotações “diegeses” teriam surgido cedo no cristianismo, o que não explica as concordâncias. A hipótese da tradição foi proposta por Herder (1797) e prega que houve uma tradição oral fixa logo cedo no cristianismo, mas é improvável que uma tradição oral se mantivesse intocável, o que “[...] não explica satisfatoriamente as concordâncias [...]” (ZIENER, 2008, p. 222). Holtzmann, então, propôs que houve duas fontes para a formulação dos evangelhos sinóticos: Marcos em uma versão anterior à que temos e Q (alemão Quelle – fonte)1 (BITTENCOURT, 1969, p. 122-123). Marcos é, sem dúvida, usado como fonte para Mateus e Lucas por três principais motivos: o primeiro motivo é o menos relevante e tem a ver com o volume dos materiais. Se Marcos fosse escrito depois, porque excluiria a quantidade de narrativas disponíveis nos outros dois evangelhos? (VIELHAUER, 2012, p. 300-301) O segundo motivo, e o mais forte deles, tem que ver com a ordem das narrativas. Quando se comparam as narrativas semelhantes nos três evangelhos repara-se que a concordância sempre é mantida seguindo Marcos, isso porque quando Mateus se desvia da sequência narrativa de Marcos para seguir (provavelmente) outra fonte, Lucas segue a de Marcos e quando Lucas se desvia da ordem narrativa de Marcos, Mateus continua seguindo a de Marcos, portanto, ambos, Mateus e Lucas, tiveram Marcos como fonte. (VIELHAUER, 2012, p. 301). O terceiro motivo para se ter Marcos como o mais antigo dos evangelhos é a questão de estilo e linguagem: Mateus e Lucas têm um grego mais sofisticado que o de Marcos. Se Marcos se baseasse neles provavelmente teria um grego um pouco mais sofisticado, mas é o contrário: quando Lucas e Mateus citam alguma narrativa usada por Marcos, tendem a usar um vocabulário semelhante ao de Marcos, ou seja, mais rude. (VIELHAUER, 2012, p. 301302). Carson, Moo e Morris (1997, p. 38) ainda apresentam outro motivo para a primazia de Marcos: a teologia ser mais primitiva. Em Marcos, há muito mais afirmações difíceis de serem lidadas teologicamente do que nos outros sinóticos. E mais: as afirmações difíceis de Marcos, em seus paralelos em Mateus e Lucas, são amenizadas. Um exemplo é o relato da passagem pelas searas no sábado. A afirmação de Jesus em Marcos 2.27 não aparece nos outros evangelhos, possivelmente pela difícil interpretação delas.

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Chamada na época de Logia.

Com relação à fonte Q, ela se mostra provável pelo fato de em muitos trechos nos quais Mateus e Lucas não seguem Marcos há uma harmonia nas narrativas. Tem sido rejeitada a ideia de uma dependência de Mateus a Lucas ou vice-versa, portanto, pensa-se que houve uma fonte de apenas ditos ou ensinamentos de Cristo, com quase nenhuma narrativa (lo,gia). Porém, achava-se impossível haver qualquer relato de Jesus que não contivesse narrativa, especialmente as relativas à paixão. Essa impossibilidade foi rejeitada pelo achado do evangelho cóptico de Tomé, que não contém narrativa alguma, sequer relatos da paixão. Essa fonte existia originalmente em aramaico, mas cedo foi traduzida ao grego e usada por Mateus e Lucas em versões diferentes. (VIELHAUER, 2012, p. 302-303). Porém, as matérias exclusivas, tanto de Mateus quanto de Lucas podem ter fontes literárias (defendida pela tradição anglo-saxã [fontes M e L]) ou podem ter fontes orais (defendida pela tradição alemã). (VIELHAUER, 2012, p. 303-304). Essas matérias exclusivas levam a algumas perguntas. Se Mateus e Lucas usaram a mesma versão da fonte Q e o Marcos exatamente como o conhecemos hoje são as principais perguntas. Começando com o texto de Marcos, algumas ausências encontradas tanto em Mateus quanto em Lucas podem indicar intenção dos autores, porém outras não mostram essa intenção e mostrar que eles se basearam em um evangelho de Marcos diferente do nosso, por isso, Vielhauer (2012, p. 304-306) propõe que houve um proto-marcos. Porém, Stein (1987, p. 137) afirma que essa apelação a um proto-marcos é desnecessária e gera mais problemas do que soluções. Com relação às versões de Q que existiram há apenas pesquisas frustradas, pois os sinóticos não têm condição de mostrar um desenvolvimento da fonte Q. Mas uma coisa devese ter em mente: Q2, sem dúvida, era uma fonte escrita, já que as dificuldades e limitações das fontes orais não permitiriam uma fonte tão coesa. (VIELHAUER, 2012, p. 306-307). A ideia de que Q era uma fonte escrita se prova por vários outros argumentos:

[...] as concordâncias no teor, o amplo paralelismo na sequência e, não por último, as duplicatas oferecem apenas uma alta probabilidade, não, porém, certeza. Certeza se poderia conseguir somente pela demonstração de que as divergências na reprodução grega do mesmo dito de Q em Mateus e Lucas devem remontar a um engano ótico, 2

A principal teoria sobre a composição de Q, segundo Vielhaeur (2012, p. 346), é que ela compreende, com seus paralelos em Mateus, os seguintes textos de Lucas (os que estiverem entre parênteses são apenas prováveis): Lc 3.7-9, 16, 17; 4.1-13; Lc 6.20-49; Lc 7.(1-6a) 6b-9 (10), 18-35; Lc 9.57-62, Lc 10.2, 3, 8-16, 21-24; Lc 11.9-26 (27,28), 29-36 (37-41), 42-52; Lc 12. (1) 2-12, 22-34 (35-38), 39-46 (47-50), 51-59, Lc 13.18-30, 34, 35; Lc 14.15-24, 26, 27 (34,35); Lc 16.13, 16-18; Lc 17.1-6, 22-37. Usa-se Lucas porque, como ele manteve melhor a sequência narrativa de Marcos do que Mateus, crê-se que ele manteve melhor, também, a sequência discursiva de Q do que Mateus. Uma característica interessante de Q é seu alto teor escatológico. Ele começa com o sermão de João Batista sobre a vinda do Prometido, na escatologia judaica, e termina com o sermão profético de Cristo.

isso é, a uma leitura errada do mesmo vocábulo aramaico, demonstrando desse modo a existência de um exemplar escrito. (VIELHAUER, 2012, p. 343).

Esses enganos óticos de uma leitura aramaica se encontram Mt 23.26/ Lc 11.39 e Mt 23.23/Lc 11.42, cujos vocábulos gregos, que são totalmente diferentes, vêm de vocábulos aramaicos muito parecidos, o que pode ter causado a discordância nas narrativas dos dois evangelhos (VIELHAUER, 2012, p. 343-344). Já se houve relação entre Marcos e Q não se pode comprovar. A teoria mais aceita é a de que ambos tiveram a mesma tradição oral como fonte. Porém é indiscutível que Q é mais antigo que Marcos. O apóstolo Paulo cita várias vezes uma coleção de ditos do Senhor (1 Ts 4.15ss; 1 Co 7.10ss; 9.14; 11.23ss; 7. 12,25). Além disso, Marcos pode estar citando uma fonte de “ensinos” de Jesus em alguns lugares em que ele é paralelo com Q (4.2,30ss; 12.38ss). É, assim, provável que Marcos tenha tido Q escrita como uma das fontes de seu evangelho. (VIELHAUER, 2012, p. 307-308).

1.2 Pressuposições da teoria das fontes

A teoria das fontes, sem dúvida, teve suporte no método crítico-histórico (HASEL, s.d., p. 23). Isso porque a teoria das fontes está estritamente ligada à crítica das fontes, um dos passos do método histórico-crítico. Portanto, as pressuposições vieram desse método. De acordo com Hasel (s.d., p. 46), as principais pressuposições do método histórico-crítico são: “(1) o princípio da correlação; (2) o princípio da analogia; e (3) o princípio da crítica.”. O princípio da correlação tem a ver com a realidade histórica do autor. O texto deve ser entendido de acordo com seu contexto histórico, que é interpretado de acordo com o nosso contexto (há essa correlação). Assim, nenhum exegeta que use esse método pode considerar o sobrenatural como fato histórico e a revelação e inspiração das escrituras também não devem ser levadas em conta (HASEL, s.d., p. 48). O princípio da analogia no método histórico-crítico afirma que podemos interpretar e julgar o passado considerando o presente. Dessa forma, só podemos considerar como verdadeiro no passado aquilo que podemos ver repetido em nosso dia-a-dia. O sobrenatural, portanto, é desconsiderado na Bíblia (HASEL, s.d., p. 52). O terceiro e último princípio do método histórico-crítico é o princípio da crítica. Ela é a base da intepretação desse método e tenta determinar o grau de probabilidade de

determinado acontecimento levando em conta: “(1) o que o autor do documento queria dizer, (2) se ele cria no que estava dizendo, e (3) se sua crença era justificada.” Esses são os pressupostos que levaram à formulação da teoria das fontes. A seguir, analisaremos as implicações dessa teoria na hermenêutica e na crença bíblica da inspiração das Escrituras.

2 IMPLICAÇÕES DA TEORIA DAS FONTES NA HERMENÊUTICA E NA CRENÇA DA INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

A teoria das fontes está intimamente ligada ao método histórico-crítico (como vimos anteriormente), que negligencia a inspiração da Bíblia e busca por verdades historicamente prováveis. Por isso, a teoria das fontes relaciona cada uma das fontes (Marcos, Q, M e L) com as diversas tradições que cercavam o cristianismo primitivo. Assim, essa teoria é a base da procura pelo “Jesus histórico”, pela determinação da importância de cada tradição e também para determinar o foco e pensamento de cada evangelista (STEIN, 1987, p. 139-143). Ao estudar algum texto de um evangelho sinótico, em especial Mateus e Lucas, podese comparar os relatos com os de Marcos e os ensinos de Q e perceber as ênfases teológicas de cada autor. As discordâncias nos mostram os pontos de interesse de cada evangelista e nos ajudam a entender melhor as tradições às quais ele pertencia. Podemos, então, entender a história das tradições que introduziram o cristianismo primitivo. Assim, pode-se encontrar um relato que seja o mais próximo ao real ou um ensinamento que realmente tenha vindo dos lábios de Jesus (STEIN, 1987, p. 143-144). Stein (1987, p. 155-157) resume os benefícios da teoria das fontes na intepretação bíblica em quatro: um esclarecimento a respeito de mal-entendidos a respeito dos evangelhos3; determinar os reais ensinos de Jesus e os diferenciar das diferentes tradições; ter melhores argumentos apologéticos, já que não estão montando os argumentos em tradições, mas encontrando o que Cristo realmente disse; completar, finalmente, a hermenêutica, já que se pode comparar o que Cristo disse com o que os evangelistas interpretaram sobre ele podemos manter padrões de interpretação para os nossos dias. Fee e Stuart (1997, p. 109-110) falam da importância disso na interpretação do texto bíblico à luz do método gramatical-histórico. A principal contribuição da teoria das fontes 3

Um exemplo que ele dá é o da intenção do autor com relação à cronologia. Comparar os evangelhos sinóticos, segundo Stein (1987, p. 155), nos leva a concluir que não era intenção dos evangelistas mostrar os acontecimentos da vida de Cristo em ordem cronológica. Fazer isso, segundo o mesmo autor, é ferir a clara intenção do autor.

para esse método de interpretação é ajudar a analisar as ênfases teológicas de cada autor e, da mesma forma como foi aproveitada por Stein (1987, p. 157) no método histórico-crítico, a encontrar modelos de interpretação da mensagem. Em suas próprias palavras: “A consciência dos paralelos entre os Evangelhos também nos ajuda a ver como as mesmas matérias vieram a ser usadas em novos contextos na vida da igreja.” (FEE; STUART, 1997, p. 110). Resta-nos, no assunto da interpretação bíblica, saber como lidar com as discordâncias nos sinóticos e, se possível, como escolher qual é a mais provável. Neste ponto, temos Rice (2007, p. 212-216) como suporte. Com relação à ordem cronológica, ele começa dizendo (2007, p. 213) que “Marcos parece registrar o esqueleto.” Isso porque os outros sinóticos copiam a ordem dele (como vimos na seção 1 deste trabalho). Portanto, ao buscarmos uma ordem cronológica baseada nas Escrituras, o relato de Marcos parece nos dar essa base. Com relação às discrepâncias de conteúdo, Rice (2007, p. 212-216) afirma que devemos ler cada evangelho em seu próprio ponto de vista e, assim, entendermos porque há essa discrepância e conseguirmos resolver e definir qual, provavelmente, seria a situação original. Rice (2007, p. 214) se mostra tendencioso a escolher Mateus como chave para resolver os conflitos de conteúdo por ele ter sido testemunha ocular dos dois últimos anos do ministério de Cristo4. Rice (2007, p. 216) fala que muitos dos relatos e, principalmente, ensinos podem ter ocorrido mais de uma vez no ministério de Jesus. Isso ajuda a explicar algumas discrepâncias na cronologia e na situação dos eventos da vida de Jesus.

2.1 Implicações na crença da Inspiração

Canale (2011, p. 306), se baseando no texto bíblico de Hebreus 1:1, mostra que há vários padrões (ou maneiras) pelos quais Deus dá Sua revelação aos escritores da Bíblia. Ele inclui entre esses padrões fontes escritas ou orais.

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Esta teoria da escolha de Mateus como base da solução de algumas divergências nos relatos sobre a vida de Jesus pode ter suas falhas. Se ela fosse realmente provada, o mesmo deveria ser dito em relação à cronologia: porque Marcos tem a primazia na ordem cronológica sendo que Mateus é quem foi testemunha ocular? Ambos os escritores foram inspirados e, portanto, não devemos formar um “cânon dentro do cânon”, escolhendo, assim, um escrito em detrimento de outro, a menos que as próprias Escrituras, ou seus fenômenos nos mostrem isso, como parece ser o caso de Marcos (como sua cronologia é a mantida pelos outros evangelhos, percebe-se nesse fenômeno escriturístico que Marcos deve ter primazia sobre os outros na questão da cronologia, o que não ocorre com Mateus). O uso de Ellen G. White por parte de Rice (2007, p. 215) só cobriu um exemplo de vários (na história do jovem rico, Ellen G. White segue Marcos e Lucas e não Mateus). Talvez o uso mais sensato seja o de Stein (1987, 155-157) e o do próprio Rice (2007, p. 213) ao dizer que devemos tentar comparar com os relatos paralelos nos outros evangelhos, analisar a preocupação teológica dos autores e ver qual deles adaptou ao ensino que queria ilustrar e porquê.

“[...] os escritores bíblicos podem também receber revelações indiretamente, de acordo com o modo de operação divina invisível, não miraculoso. Só relembrando, ‘indiretamente’ significa que os escritores bíblicos por vezes recebiam informações sobre eventos históricos ou naturais de outras fontes, orais ou escritas.” (CANALE, 2011, p. 271-272, destaque nosso).

Portanto, a teoria das fontes, ligada ao método gramatical-histórico de interpretação da Bíblia, não fere a crença bíblica da inspiração e revelação. Porém, se atrelado ao método histórico-crítico, somos levados a duvidar da veracidade das Escrituras, fator que compromete a veracidade e autoridade da Bíblia (MAIER, 1994, p. 284-292). A historicidade da Bíblia é fator determinante para sua autoridade (MAIER, 1994, p. 284-5) e para uma correta interpretação da mesma (CANALE, 2011, p. 406-407).

3 DELIMITAÇÕES DO USO DA TEORIA DAS FONTES

Até que ponto, então, a teoria das fontes pode ser defendida por aqueles que acreditam na veracidade e integridade da Bíblia? Bittencourt (1969, p. 128) fala, com tom apologético da teoria das fontes, que

Ouvimos em muitos círculos evangélicos, até mesmo entre pastores, a afirmação de que aceitam a Bíblia de capa a capa como a Palavra de Deus e isto é suficiente. Acham mesmo estes estudos desrespeitosos e pecaminosos até, indignos de um cristão. E quantos não têm sido pura e simplesmente postos de lado como hereges, sofrendo a ira dos que não admitem qualquer estudo que pareça afetar a integridade dos livros da Bíblia.

Os teólogos Carson, Moo e Morris (1997, p. 43) afirmam que a complexidade com que os evangelhos sinóticos foram escritos não pode ser explicada simplesmente com a teoria das fontes. Eles afirmam que “[...] tratar essa hipótese mais como uma teoria funcional do que como uma conclusão concreta. É muito importante que estejamos abertos para a possibilidade de, em determinada perícope, uma explicação baseada na hipótese das duas fontes não se combinar com os dados.” Por sua vez, Nichol (2013, p. 165-167) apresenta sete conclusões equilibradas para a solução do problema sinótico e para o uso da teoria das fontes levando em conta tanto a cientificidade quanto a crença na inspiração das Escrituras. A primeira é que, conforme o próprio evangelho de Lucas evidencia, a investigação, inclusive de outras fontes escritas, não fere o princípio de revelação e inspiração encontrado nas Escrituras e parece claro que há uma interdependência entre os evangelhos sinóticos.

A segunda é que é evidente, também, que Marcos foi o primeiro evangelho a ser escrito, devido às evidências que já apresentamos aqui. A terceira é que é perceptível que Mateus e Lucas dependeram de Marcos ao escreverem seus evangelhos, é claro que, com a inspiração do Espírito Santo, editaram o material da forma que atendia a seus interesses. A quarta conclusão a respeito da teoria das fontes defendida por Nichol (2013, p. 165-167) é que o Novo Testamento aponta para a existência de vários relatos da vida e dos ensinamentos de Cristo e nada impede que Mateus e Lucas tenham feito uso desses materiais. Informações que se encontram tanto em Mateus quanto em Lucas, mas que estão ausentes em Marcos, mostram que eles tinham fontes em comum, esta é a quinta conclusão porém, a natureza e a origem dessas fontes não pode ser extraído do texto bíblico. “[...] o termo Q pode ser considerado uma referência para fins de identificação.” (NICHOL, 2013, p. 167). A sexta é que, sem dúvida, Mateus usou lembranças pessoais em seu registro. A sétima é que Lucas pode ter escrito seu evangelho em estágios diferentes, primeiro sem a fonte de Marcos e, depois, com o conteúdo do evangelho de Marcos. Nichol (2013, p. 167) conclui sua análise da teoria das fontes dizendo que:

Embora não seja possível oferecer uma solução definitiva para esses problemas, o pesquisador bíblico pode acreditar que os evangelhos sinóticos representam um esforço divinamente inspirado por parte de escritores cristãos, que reconheceram a validade das narrativas escritas por seus companheiros de fé. O Espírito Santo os guiou na escolha dos materiais, instruiu-os no manuseio dos dado e lhes acrescentou informações por revelação direta, a fim de que um registro autêntico e inspirado da vida, morte e ressurreição do Filho de Deus fosse preservado para a igreja.

Ao estudarmos este assunto, devemos nos perguntar: para que serviria a teoria das fontes? A resposta não parece estar nem no desprezo completo que Carson, Moo e Morris (1997) fazem, nem na exaltação que Bittencourt (1969) dá. A ideia de Nichol (2013), embora mais equilibrada, ainda não responde à pergunta: para que serve a teoria das fontes? Dado nosso estudo, a teoria das fontes se revelou útil para duas coisas: mostrar a ênfase teológica de cada evangelista (se cada evangelista usa a mesma fonte de maneira diferente, podemos analisar qual é a sua ênfase) e analisar como os evangelistas aplicam a fonte a determinada situação (o método de aplicação dos evangelista canônicos nos levará a uma método de aplicação para os nossos dias). Essas duas funções da teoria das fontes parecem ser as que motivam seu uso na interpretação bíblica e devem ser usadas para uma interpretação mais acertada. O uso da teoria das fontes para a descoberta do Jesus Histórico é imprópria, pois a antiguidade de uma fonte não indica perfeita veracidade dela. Além disso, é importante que lembremos que as

palavras dos apóstolos foram inspiradas e reveladas por Deus (mesmo que seja por meios naturais, como foi o caso dos evangelhos) e, portanto, não precisam ser diferenciadas das palavras de Jesus, como faz Stein (1987).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria das fontes surgiu como uma das respostas ao problema sinótico, que questiona como os evangelhos podem concordar em vários aspectos e discordar em outros. Logo que foi lançada por Holtzmann, esta teoria se mostrou amplamente aceita, primeiramente pelos liberais e, posteriormente, também pelos conservadores. Ela afirma que Marcos e Q são as fontes para Lucas e Mateus. Essa teoria não apresenta problemas hermenêuticos ou teológicos se associada ao método de interpretação histórico-gramatical (o método usado pelos reformadores). Mas se usada, como tradicionalmente o é, junto com o método histórico-crítico, essa teoria põe me xeque o dogma da inspiração bíblica, questiona sua historicidade e, portanto, diminui a credibilidade da Bíblia. Embora vários autores tenham proposto as delimitações para o uso dessa teoria na interpretação bíblica, o mais sensato e o mais necessário é que esta teoria seja usada, em companhia do método gramatical-histórico de interpretação, para mostrar as ênfases teológicas de cada autor e os métodos de aplicação das verdades bíblicas que poderiam ser utilizados ainda hoje.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, B. P. A forma dos evangelhos e a problemática dos sinóticos. São Paulo: Imprensa Metodista, 1969. CANALE, Fernando. O princípio cognitivo da teologia cristã: um estudo hermenêutico sobre revelação e inspiração. Engenheiro Coelho: UNASPRESS, 2011. CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997. FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1997. HASEL, Gerhard. A interpretação bíblica hoje. São Paulo: Seminário Latino-americano de Teologia, s.d.

MAIER, Gerhard. Biblical Hermeneutics. Wheaton: Crossway Books, 1994. NICHOL, Francis D. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. v. 5. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2013. STEIN, Robert H. The synoptic problem: an introduction. Grand Rapids: BakerBooks, 1987. VIELHAUER, Philipp. História da literatura cristã primitiva: introdução ao Novo Testamento, aos apócrifos do Novo Testamento e os Pais apostólicos. Santo André: Academia Cristã, 2012. ZIENER, Georg. A questão sinótica. In: SCHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard (eds.). Formas e exigências do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.

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