Uma análise das estratégias de descortesia em programas humorísticos: o apelo à exploração da imagem na descortesia midiático-lúdica

June 5, 2017 | Autor: Ana Paula Albarelli | Categoria: Análise do Discurso
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Uma análise das estratégias de descortesia em programas humorísticos: o
apelo à


exploração da imagem na descortesia midiático- lúdica


RESUMO: Este estudo tem por objetivo investigar o emprego das estratégias
de descortesia na mídia de entretenimento e, sobretudo, qual avaliação os
interlocutores atribuem aos atos de ameaça às faces em práticas
comunicativas nas quais prevalece a polêmica. Consideramos que na interação
midiático-lúdica, cujo propósito é expor e denegrir a face dos
interlocutores, com vistas a entreter a audiência, empregam-se diversas
estratégias de descortesia e de falsa cortesia que, devido ao contexto
situacional que configura esses tipos específicos de interação, são
interpretadas ora de forma positiva, ora negativa. Isso significa que um
ato de descortesia pode ou não ser neutralizado ou até mesmo legitimado,
assim como um ato de cortesia pode ser "recodificado", isto é, avaliado de
forma negativa. Para isso, recorremos à teoria das faces de Goffman (1967)
e Brown e Levinson (1987), além do modelo de análise da descortesia verbal,
elaborado por Culpeper (2011), como principal aporte teórico.


Palavras-chave: descortesia de entretenimento; faces; falsa descortesia;
falsa Cortesia; neutralização.


1. Introdução




A linguagem é um ato social que veicula formas diversas de pensar. É
por meio da linguagem que os sujeitos constroem sua imagem social, atuam no
mundo e estabelecem relações com o outro. A interação verbal, manifestação
da linguagem, é um fenômeno social e, desse modo, reflexo de suas normas de
conduta. Cada sociedade tem seu conjunto de normas sociais que permeiam as
interações verbais. Em outras palavras, cada tipo de interação revela
certas características – há as polêmicas ou as fundadas no equilíbrio –
levando-nos a considerar que essa atividade é regulamentada por padrões de
conduta específicos a uma situação comunicativa determinada. Assim,
considera-se que a forma pela qual os participantes interagem depende da
finalidade da interação, da natureza da interação e, sobretudo, daqueles
para os quais ela é destinada; fatores constitutivos do contexto de
interação. Goffman (1967), estudioso da imagem e das representações que os
sujeitos assumem na vida social, assinala que toda interação configura-se
em ameaça à imagem de seus participantes, levando-os a um processo
constante de negociação da imagem, isto é, de gestão das faces, o qual
consiste na orientação defensiva e protetora das faces, cujo objetivo é
manter o equilíbrio nas trocas verbais. Goffman (1967) denomina a imagem
pública – que cada indivíduo reclama para si e deseja que seja valorizada -
como face.

Posteriormente, as ideias de Goffman (1967), referentes à preocupação
com a face nas interações, foram apropriadas e complementadas por dois
estudiosos – Brown e Levinson (1987) – cujo trabalho tem por objetivo
estudar os processos de negociação da imagem na interação. Esses processos
de gestão da face, por meio dos quais recursos discursivos são mobilizados
por falantes e ouvintes com o intento de mitigar atos ameaçadores, denomina-
se cortesia.

Assim, numa determinada situação de interação, o falante recorre a
recursos diversos na busca do equilíbrio na interação, como o uso de
modalizadores do discurso: "por favor", "com licença" ou "obrigada",
expressões que, em práticas comunicativas distintas, remetem às boas
maneiras. Porém, nem sempre o significado dessas expressões indica que o
falante deseja, de fato, manter o equilíbrio na interação preservando a
face alheia. Acreditar nisso é reduzir à linguagem à sua forma, sem se
levar em conta sua situação de uso e o papel do contexto no processo de
interpretação de falantes e ouvintes, bem como na sua avaliação, positiva
ou negativa, de um ato de cortesia ou de descortesia.

Desse modo, nem sempre a finalidade da interação é promover o
equilíbrio por meio da negociação das faces. O fato é que há tipos
específicos de interação em que o interesse dos interactantes não é o de
evitar atos de ameaça à face ou de recorrer a recursos com os quais se
mitiguem tais atos, mas sim atacar e desvalorizar a face dos outros
participantes da prática comunicativa.

A função e o significado de um termo não são, pois, inerentes à palavra
em si. O sentido atribuído a um termo é proveniente da interface entre
contexto e formas linguísticas e decorre, sobretudo, da avaliação, positiva
ou negativa, atribuída aos enunciados pelos interactantes (CULPEPER, 2011).
Em certos casos, um "obrigado" pode significar um ato de ironia e, pelo
contexto, o ouvinte pode avaliá-lo de forma negativa. Em outras ocasiões,
um ato pode ser considerado descortês pelo ouvinte sem que haja
intencionalidade do falante. São justamente esses tipos de interações - em
que prevalece a descortesia, a "falsa cortesia" (sarcasm ou mock
politeness) e a "falsa descortesia" (mock impoliteness) - o objeto de
estudo de Culpeper (2011), cuja proposta parte dos estudos de Brown e
Levinson (1987) e, sobretudo, do modelo proposto por Spencer - Oatey
(2000).

Assim, esta pesquisa tem por objetivo analisar as estratégias de
descortesia e, sobretudo, o papel do contexto situacional na neutralização
ou não da (des)cortesia além da recodificação da cortesia, ou seja,
investigar quais fatores discursivos estão atrelados à interpretação,
positiva ou negativa, dos atos de ameaça à face, utilizados em determinados
programas de humor, cujo objetivo é explorar a face de seus participantes
como forma de entretenimento.

2. Fundamentação teórica

Embora haja alguns trabalhos deveras profícuos sobre a descortesia
verbal (KAUL de MALARGEON, 2005, 2005; ZIMMERMANN, 2005), entre outros, boa
parte dos estudos ainda prioriza a abordagem da cortesia verbal como objeto
de estudo. Mesmo aqueles que têm como foco a descortesia, consideram-na, em
muitos casos, como a ausência da cortesia, isto é, como a violação das
normas sociais de cortesia verbal. Além disso, contrariamente à cortesia, a
descortesia não é abordada consoante suas próprias normas.
Dentre os estudiosos da descortesia verbal, Culpeper (2011) destaca-se
em razão de sua tentativa de elaborar um modelo de análise voltado para a
descortesia verbal, assim como Brown e Levinson (1987) o fizeram na
abordagem da cortesia, na medida em que seus estudos direcionavam-se para a
questão da cortesia tão-somente, considerando-se, sobremaneira, os
desdobramentos da interação na busca de seu equilíbrio.
De acordo com Culpeper(2011), a face define-se mediante a relação de
interdependência social. Em outras palavras, a face constitui-se de valores
positivos, já que diz respeito ao que um sujeito reclama para si mesmo e do
que os outros assumem sobre ele. Assim, se um indivíduo considera positivo
algo que, supostamente, é considerado negativo por um grupo social, sua
"face" será ameaçada quando um aspecto considerado "positivo" por um grupo
for interpretado de modo negativo por esse indivíduo. Um exemplo disso,
oferecido por Culpeper (2011), diz respeito ao jovem que atribui valor
positivo ao fato de não estudar – embora esse tipo de atitude seja avaliado
pela sociedade, em geral, de forma negativa. Assim, para esse estudante,
ser inteligente e estudioso assume valor negativo e, possivelmente, o mesmo
ocorre com os integrantes de seu círculo social. Desse modo, chamar-lhe de
intelectual pode soar como uma afronta, já que os valores que ele considera
positivos, adotados por um grupo, não foram valorizados. A avaliação de um
ato como descortês depende, sobremaneira, do que o sujeito considera
positivo e do que ele considera que os outros avaliarão como positivo.
De acordo com Culpeper (2011), o que é avaliado de maneira negativa
por alguém, pode não ser por outros, podendo ser, até mesmo, considerado
cortês. Assim, a definição de um ato como cortês ou não depende, sobretudo,
da avaliação, isto é, da interpretação dos interactantes.
A avaliação negativa dos interactantes ocorre quando atos de
descortesia ameaçam as faces, causando reações emocionais específicas. Isso
quer dizer que o mesmo ato pode ser interpretado de formas distintas, por
interlocutores diferentes, devido a um determinado contexto de interação.
Isso significa que o mesmo ato pode ser interpretado ora como ameaça ora
como um mecanismo de aproximação e solidariedade entre os interlocutores.
Para certos grupos ou em determinadas práticas comunicativas cuja relação é
de solidariedade e de simetria, ou seja, em certos tipos específicos de
trocas verbais, em que os participantes fazem uso de atos aparentemente
descorteses em função do contexto interacional, observa-se a neutralização
da descortesia[1].
Para definir a face, Culpeper (2011) apropria-se, da concepção de
imagem postulada por Spencer-Oatey (2000), tomando-a como base teórica,
segundo a qual há três tipos de face: a qualidade da face (quality face), a
identidade social da face (social identity face) e a face constituída por
relações sociais (relational face). A qualidade da face diz respeito a
qualidades pessoais, isto é, nossas habilidades, aparência, ou tudo o que
se refira ao âmbito individual. A identidade social da face e o terceiro
tipo apresentado, dizem respeito ao âmbito social e coletivo,
respectivamente, ou seja, aos papéis sociais assumidos pelos indivíduos na
interação.
Outros aspectos da teoria de Culpeper (2011) que merecem atenção dizem
respeito à percepção que se tem dos parceiros da interação, isto é, do tipo
de avaliação que se faz dos participantes das práticas comunicativas e,
portanto, de seus atos, a qual está atrelada a três fatores: normas
relativas à personalidade (personality), que dizem respeito a objetivos,
interesses pessoais; relações ou papéis sociais (role norms), que se
referem a papeis sociais, ou mesmo à ocupação dos sujeitos e, por fim, as
normas relativas a grupos (group membership norms), referentes a grupos
étnicos, gêneros, classe social, nacionalidade, entre outros aspectos[2].
De acordo com Culpeper (2011), a avaliação que se faz de uma pessoa, ou
seja, – os juízos de valor que lhe são atribuídos – decorre desses
elementos, de ordem extralinguística. Isso significa que a avaliação de um
ato de cortesia ou descortesia, ou seja, sua codificação como positivo ou
negativo, depende dos três fatores supracitados. No que diz respeito à
descortesia, Culpeper (2011) define-a, a princípio, da seguinte maneira:


1- A descortesia ocorre quando um falante comunica um ataque à face
intencionalmente ou;
2- O ouvinte percebe ou avalia o comportamento ou ato de descortesia
como um ato de ataque intencional, ou ocorre a combinação de 1 e 2.


Posteriormente, Culpeper (2011) redefine a noção de descortesia a
qual, segundo o autor, havia sido pautada, em demasia, no ataque. A nova
definição é a de que a descortesia consiste em uma atitude negativa; trata-
se de comportamentos específicos, que ocorrem em contextos específicos de
interação: (CULPEPER, 2011, p. 11).
Há que se ressaltar, assim, que a descortesia depende mais da
avaliação dos interlocutores, devido ao tipo específico de interação, do
que dos tipos de ataques, ou seja, do que das formas linguísticas que a
veiculam. Destarte, para Culpeper (2011), a descortesia pode ser definida
como formas de comportamento ou de linguagem avaliadas de forma negativa em
um contexto particular. E é justamente a possibilidade de haver essa
avaliação dos falantes, tendo-se em vista o contexto da interação, um dos
fatores apontados por Culpeper (2011, 1996) que fragilizam alguns pontos da
teoria de Brown e Levinson (1987). Um desses fatores, com o qual Culpeper
(2011) refuta um aspecto importante da teoria de Brown e Levinson (1987),
refere-se à problemática relativa aos atos de ameaça os quais, de acordo
com os estudiosos são inerentes à linguagem e cujo sentido define um ato
como cortês ou descortês.
Segundo Culpeper (2011), a interpretação de um ato como ameaçador ou
não depende tanto de aspectos semânticos como discursivos. Para isso, em
sua monografia, o autor analisa atos de descortesia inerentes à linguagem,
atos de descortesia não inerentes à linguagem (mock impoliteness),
considerando, sobretudo, o papel do contexto na interpretação desses atos,
e, por fim, chega à conclusão de que a descortesia depende da interligação
dos aspectos semânticos e discursivos[3] na avaliação realizada pelos
interlocutores acerca do que se designa como cortês[4] ou descortês.


My own position is dual in the sense that I see semantic
(im)politeness and pragmatic (im)politeness as inter-
dependent opposites on a scale. (Im)politeness can be more
inherent in a linguistic expression or can be more
determined by context, but neither the expression nor the
context guarantee an interpretation of (im)politeness.
(CULPEPER, 2010, p. )


Outro aspecto importante da teoria de Culpeper (2011) que vale
ressaltar concerne à intencionalidade. De acordo com o autor, a descortesia
não depende do reconhecimento de intenções, vinculadas à realização desse
ato (CULPEPER, 2011, p. 9).
Por essa razão, consideramos que a definição dos enunciados como
corteses ou descorteses, especificamente em interações de entretenimento,
nas quais prevalece a descortesia, isto é, a descortesia midiático-lúdica,
há que se levar em conta elemento diversos, oriundos do contexto
interacional, no tratamento das formas linguísticas. Em sua monografia
intitulada: Impoliteness using language to cause ofense, Culpeper (2011)
parte das estratégias de cortesia de Brown e Levinson (1987) para elaborar
cinco estratégias de descortesia, isto é, estratégias que, em lugar de
mitigar ou reparar atos de ameaça, têm a função de atacar a face:


( Descortesia direta – clara e direta
( Descortesia positiva – direcionada à face positiva do alvo
( Descortesia negativa – direcionada à face negativa do alvo
( Falsa descortesia (mock impoliteness) ou sarcasmo
( Descortesia indireta (off record)


Não consideramos necessário apresentar, aqui, cada tipo de estratégia
de descortesia, em virtude da extensão e dos objetivos deste trabalho, cuja
finalidade é investigar as seguintes questões: a neutralização da
descortesia e a recodificação da cortesia – casos de falsa (des)cortesia e,
por conseguinte, o papel do contexto na construção de sentidos na interação
e na avaliação dos interlocutores em relação aos atos de (des)cortesia.
Cumpre observar um último aspecto da teoria de Culpeper (2011) que
merece ser destacado, também considerado neste estudo sobre a descortesia
midiático-lúdica: as funções da descortesia verbal na interação. Conforme
postula Culpeper (2011), em seu modelo acerca da descortesia verbal, a
descortesia assume três funções: atua como descortesia de entretenimento,
como descortesia afetiva ou como descortesia institucional. Para o presente
estudo, consideramos para a análise do corpus, a descortesia de
entretenimento.
Vale lembrar que a descortesia de entretenimento tem como principal
objetivo explorar e denegrir a imagem dos interactantes, com o propósito de
oferecer entretenimento ao público.


3. Análise do Corpus


Consideramos, como corpus, para este estudo, uma entrevista realizada
pelo programa CQC (Custe o que Custar) da Band, a um político deveras
conhecido no cenário político brasileiro - Paulo Maluf – devido ao seu
envolvimento com escândalos de corrupção em suas gestões. As transcrições
obedecem às normas estipuladas pelo projeto NURC (PRETI, 2001). No trecho
seguinte, que corresponde à entrevista que constitui o corpus, realizada
durante a inauguração de uma ponte em São Paulo, o jornalista (Locutor 1),
doravante denominado L1, aborda, sobretudo, o tópico relativo à vida
política de Paulo Maluf, o entrevistado, denominado L2. Ao longo da
entrevista, verificam-se diversas estratégias de descortesia, orientadas às
faces positiva e negativa do político. Além disso, observam-se processos de
neutralização da descortesia (mock impoliteness), bem como mecanismos de
falsa cortesia (mock politeness) no emprego agressivo do trabalho de face
realizado pelos interlocutores, sobretudo, por L1.
No seguinte trecho, verifica-se que a descortesia é realizada por
meio de uma pergunta retórica do entrevistador ao político. Cumpre observar
a pertinência de aspectos oriundos da esfera discursiva na compreensão do
turno de L, cuja intenção não é, de fato, saber se Maluf tomou ou não posse
do cargo na Caixa Econômica Federal, mas sim a de chamar a atenção do
entrevistado e do público-alvo do programa, de que Maluf desviou dinheiro
dessa instituição também. Para que o interlocutor (L2) e o público-alvo do
programa atribuam valor negativo ao ato realizado por L1 – isto é, para que
o avaliem como um ato de ameaça à face de Maluf – é necessário que se
acionem conhecimentos prévios, ou seja, conhecimento enciclopédico acerca
do histórico de corrupção e desvio de dinheiro público atrelado às gestões
de Maluf na política, tanto pelo entrevistado, como pelos outros
participantes da interação.
Trata-se de elementos extralinguísticos, relativos ao contexto e que
contribuem para a interpretação da pergunta como um mecanismo de ameaça à
face, reforçado pelos modalizadores "só" e "inteira", que corroboram a
afirmação de que se trata, com efeito, de um ato de ameaça. Ademais, há que
se ressaltar que a pergunta de L1 não tem valor referencial, visto que seu
propósito não é o de obter informações, mas sim o de expor e denegrir a
imagem pública – a face positiva – de Maluf.


L2-Maluf- 67...foi o dia que eu tomei posse como presidente da Caixa
Econômica Federal (...)


L1- o senhor tomou posse já da Caixa Econômica Federal inteira? ou
só::...do cargo.


L2- Maluf – tomei posse...como presidente...você tá pioso viu? ...vo te
contrata pra minha futura estação de televisão




No terceiro turno, no qual Maluf apresenta sua avaliação acerca dos
atos de ameaça destinados à sua face positiva – imagem pública – por L1,
observa-se que a descortesia não é descodificada pelo contexto de interação
– um tipo de entrevista cuja lógica é denegrir a imagem do outro a fim de
se obter a adesão do público – pois Maluf expõe reação contrária ao ato,
fato corroborado pelo enunciado: "você tá muito pioso viu?".
Não obstante, ainda no mesmo turno, Maluf parece aderir ao contexto
interacional ao assegurar seu interesse de contratar o entrevistador (L1),
possivelmente por mostrar sua admiração pela perspicácia do jornalista.
Trata-se de um ato de falsa cortesia, já que a exposição desse tipo de
conjectura "a contratação de um jornalista que o ataca para uma estação de
televisão hipotética" afigura-se, à primeira vista, como uma espécie de
elogio ao trabalho do entrevistador. Como Maluf mostrou-se contrariado
frente aos atos de descortesia, ainda no mesmo turno, considera-se que o
elogio configura-se num ato de falsa cortesia (mock politeness), devido ao
contexto da interação. O elogio assume, assim, conotações irônicas.
Ao longo da entrevista, há diversos atos de descortesia, destinados às
faces positivas e negativas de Paulo Maluf. Porém, situações em que se
observam a neutralização da descortesia e a recodificação da cortesia –
objeto de análise e foco deste estudo – aparecem apenas em alguns trechos
do corpus, como o que se segue:



Maluf- quando vocês me esquecerem vai ser muito ruim viu?


L1- é impossível esquecer do senhor...senhor Paulo


[


((risos))

No turno de Maluf, cumpre observar que, ao mencionar seu desejo de que
os jornalistas – os mesmos que o atacam – não o esqueçam, Maluf parece
aceitar os atos de descortesia, até então, desferidos contra sua face.
Verifica-se que L1 procura estabelecer desejar estabelecer relações
amigáveis, de solidariedade com quem o ataca. Há, por conseguinte, a
neutralização da descortesia.
A leitura superficial dos turnos, ou seja, a observação
descontextualizada do trecho mostra um entrevistador cortês que,
aparentemente, parece elogiar Paulo Maluf. Porém, fatores diversos como o
conhecimento de mundo que se tem do entrevistado e do tipo de programa,
marcado pelo apelo à descortesia, bem como aspectos não verbais como o riso
e outros elementos gestuais, descodificam o ato aparentemente cortês, que,
devido ao contexto situacional, assume valor negativo. Trata-se de um ato
de falsa cortesia (mock politeness).
No trecho seguinte, o mesmo recurso é utilizado, ou seja, a falsa
cortesia (mock
politeness) é a estratégia empregada pelo jornalista (L1), que, na
realidade, possui valor negativo, ameaçando a face do entrevistado:

Maluf – é melhor é tá com a mesma mulher que a Silvia minha adorada Silvia
me atura 53 anos... tenho certeza...ela vai pro céu direto...


L1- olha... ah...isso com certeza...





Assim, a análise dos trechos, nos quais o interlocutor emprega a falsa
cortesia para ameaçar a face do entrevistado, mostra que o contexto
situacional ocupa relevância na interpretação dos enunciados, cujo sentido
– positivo ou negativo – depende do tipo de interação – em que prevalece a
descortesia – e das intenções dos falantes, no caso, do entrevistador, cujo
objetivo é ameaçar a face do entrevistado. Assim, observa-se que um ato
considerado cortês, em outros contextos específicos de práticas
comunicativas, assume valor negativo, ou seja, é codificado de forma
distinta, sendo avaliado como um ato de falsa cortesia, devido a fatores
discursivos, isto é, elementos extralinguísticos. Em outras palavras, um
mesmo ato de cortesia é, com efeito, recodificado pelo contexto, assumindo
um valor distinto[5].
Os ataques prosseguem e Maluf procede à defesa de sua face por meio da
fuga do tópico (assunto tratado). Entretanto, observa-se que L1 continua
com as perguntas que ameaçam aspectos referentes à qualidade da face de L2
(quality face), insinuando, por meio de um ato de descortesia indireta, que
Maluf é alguém que se apropria do que não é seu. Cabe ressaltar, ademais,
que L1 recorre a outros recursos discursivos, em sua tentativa de que o
público-alvo da interação atribua à imagem de Maluf juízos de valor
negativos, ao rechaçar a personalidade (personality) de L2 – os interesses
pessoais de Maluf são voltados, tão-somente, para seu próprio bem – e o
papel social do político (role norms). Em outras palavras, L1 questiona a
atuação de L2 como político. Vale acrescentar que L1 faz uso do vocábulo
render.

Entretanto, a escolha lexical não é, com efeito, fortuita, mas
bastante pertinente. Ao escolher esse item lexical, L1 intenta aludir à
ideia de renda, frutos obtidos por Maluf à custa do dinheiro público. Cria-
se um campo semântico ligado ao capital, ao lucro, a fim de dar azo à
crítica. Observa-se, portanto, o emprego de um ato de descortesia indireta,
por meio do qual são mobilizados, por L1, elementos extralinguísticos, ou
seja, recursos de natureza discursiva que, atrelados à forma – às escolhas
lexicais – são utilizados pelo entrevistador com vistas a atacar a face de
L2.


L1- mas imagina se o senhor tivesse feito... como seria bom né? Como
ela::...renderia::...frutos diversos...pra cidade...pro senhor...


L2- Maluf – 4 mil veículos por dia...vão passar por aqui...por hora...


L1- quantos desse veículos serão seus?





Em suma, para que um ato seja avaliado como descortês, faz-se
necessário que se conheça o perfil do programa, as intenções do
entrevistador, bem como o histórico de corrupção atrelado à imagem do
entrevistado. Em outras palavras, há que se ressaltar que a interpretação
dos atos de (des)cortesia depende, além das escolhas linguísticas, da
mobilização de conhecimentos prévios, isto é, de que os interactantes
acionem seu conhecimento enciclopédico na interpretação e avaliação da
gestão da imagem na interação.

4. Considerações finais


O presente estudo teve por objetivo apresentar os principais objetivos
da pesquisa a ser desenvolvida, bem como o aparato teórico utilizado na
análise do corpus. Para isso, considerou-se a necessidade de ressaltarem-se
alguns aspectos a serem investigados pelo analista de discursos em que
predominam relações de descortesia verbal.

Entre os principais aspectos a se analisar, cabe ressaltar o
primordial: a observação e tratamento das formas linguísticas em função de
elementos contextuais. O estudo teve por principal objetivo apresentar uma
abordagem dos elementos linguísticos atrelada a fatores contextuais. Em
outras palavras, buscou-se apresentar a importância da análise da língua em
uso – considerando-se que os significados são construídos na relação entre
formas linguísticas e contexto – na avaliação realizada pelos participantes
das trocas verbais em relação aos atos de (des)cortesia.

Na análise do corpus, verificou-se a ocorrência de atos de descortesia
não neutralizados pelo contexto de interação, além de atos de falsa
cortesia no emprego agressivo do trabalho de face.

Os resultados da análise do corpus corroboram a ideia que permeia todo
o estudo: a de que os componentes da língua atuam de acordo com motivações
contextuais. O significado dos atos de (des)cortesia emergem, pois, da
avaliação dos ouvintes, que recorrem, sim, aos elementos linguísticos no
processo de interpretação da fala do outro, mas sobretudo, a elementos
extralinguísticos, como conhecimento de mundo, intencionalidade do
interlocutor, formato do programa, entre outros aspectos – provenientes do
contexto.

Ademais, o presente estudo teve, como propósito, apresentar a
pertinência desta pesquisa no âmbito dos estudos da Descortesia, já que
questões referentes ao modelo de descortesia elaborado por Jonathan
Culpeper são ainda pouco abordadas no Brasil. Assim, por meio deste
trabalho, esperou-se colaborar, de alguma forma, com as investigações
acerca de um novo fenômeno social: a exploração da imagem alheia por
programas humorísticos, com o propósito de entreter o público na busca de
audiência. Assim, neste estudo, propusemo-nos investigar de que modo
transcorre o emprego agressivo do trabalho de face nessas formas
específicas de interação, em que prevalece a descortesia bem como atos de
falsa cortesia.

















Referências bibliográficas

BROWN, Penélope e LEVINSON, Sthephen C. Politeness: Some universals in
language usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

CULPEPER, Jonathan. Towards an anatomy of impoliteness. Journal of
Pragmatics. 1996.

__________, Jonathan. Conventionalised impoliteness formulae. Journal of
Pragmatics. 2010.

__________, Jonathan. Impolitenes Using language to cause offence.
Lancaster University. Cambridge University Press, 2011.

GOFFMAN, Erving. Interaction ritual: essays in face to face behavior.
Chicago: Aldine Pub. Co., 1967.

KAUL DE MALARGEON, Silvia. Descortesía de fustigación por afiliación
exacerbada o refractariedade: El discurso tanguero de la década del 20. In:
BRAVO, Diana. (Org.). Estudios de la (des)cortesia en español: Categorías
conceptuales y aplicaciones a corpora orales y escritos. Buenos Aires:
Dunken, 2005, p. 299-318.

PRETI, Dino (Org.). Análise de textos orais. 5.ed. São Paulo: Humanitas,
2001.

SPENCER-OATEY, HELEN D. M. 2000. Rapport management: A framework for
analysis. In Helen D. M. Spencer - Oatey (ed.), Culturally Speaking:
Managing Rapport Through Talk Across Cultures. London and New York:
Continuum, p. 11-46.

ZIMMERMANN, Klaus. Construcción de la identidade y anticortesía verbal.
Estudio de conversaciones entre jóvenes masculinos. In: BRAVO,
Diana.(Org.). Estudios de la (des)cortesia en español: Categorías
conceptuales y aplicaciones a corpora orales y escritos. Buenos Aires:
Dunken, 2005, p. 245-271.

Obs.: Acrescentar as referências que aparecem no corpo do texto –
TERKOURAFI (2001), SPENCER-OATEY (p.?), KAUL DE MALARGEON (2005),
ZIMMERMANN (2005), PRETI (2001) ( sugestão para referendar Normas do NURC.


















Anexos


Anexo I – Entrevista concedida por Paulo Maluf ao programa CQC (Custe o que
custar)

L1 – CQC? conhece o CQC?

L2-Maluf – ah: ah (risos) olha... eu to vendo CQC (...)

L1 – o senhor sabe quem é o nosso querido anfitrião...nosso...grande
ancora...Marcelo Taz. L2Maluf – eu sei...mas eu tenho muito respeito

L1- ((incompreendido)) em 67 o senhor já ocupava...fo 63 ou 67?

L2 -Maluf- 67...foi o dia que eu tomei posse como presidente da Caixa
Econômica Federal (...) L1 – o senhor tomou posse já da Caixa Econômica
Federal inteira? Ou só::...do cargo.

L2- Maluf – tomei posse...como presidente...você tá pioso viu? ...vo te
contrata pra minha futura estação de televisão

L1 – confessa...ele dava dor de cabeça pro senhor, né?...o senhor queria se
livrar do Ernesto Varela e tava sempre no seu pé.

L2-Maluf – quero dizer para você o seguinte...todos nós...homens políticos
vivemos da imprensa

L2-Maluf – quando vocês me esquecerem vai ser muito ruim viu?

L1 – é impossível esquecer do senhor...senhor Paulo [ ((risos))

L1 – o senho/num fica com inveja quando se vê essa ponte dessas dimensões e
fala...essa eu não fiz

L2-Maluf – eu fiz a avenida Roberto Marinho...se a avenida Roberto Marinho
não existisse...essa ponte não teria finalidade...

L1- mas imagina se o senhor tivesse feito...como seria bom né? Como
ela::...renderia::...frutos diversos...pra cidade...pro senhor...

L2-Maluf – 4 mil veículos por dia...vão passar por aqui...por hora... L1 –
quantos desse veículos serão seus?

L2-Maluf – bo/se eu tivesse a General Mortors? taria p/ Maluf – mas...como
coitado eu sou aqui um::...trabalhador brasileiro...eu tenho aqui meu
ômega(...)

L2- Maluf- quarenta e um anos tô no mesmo partido...casado com a mesma
mulher há 53...

L1 o que que é pior? Eh::...tá no mesmo partido ou tá com a mesma mulher há
tanto tempo?

L2-Maluf – é melhor é tá com a mesma mulher que a Silvia minha adorada
Silvia me atura 53 anos...tenho certeza...ela vai pro céu direto...

L1- olha...ah...isso com certeza...




































An analysis of the impoliteness strategies in humor shows : the appeal to
the image exploration in the mídia entertainment impoliteness


Abstract: This study is supposed to investigate the use of impoliteness
strategies in the entertainment mídia and above all, what evaluation the
interlocutors attribute to the threat acts related to faces in
communicative practices, in which polemic prevails. We consider that in the
interaction, which purpose is to expose and difame the interlocutors' faces
in order to ammuse the audience, several impoliteness strategies and mock
impoliteness as well, are used. Due to the situational context that shapes
those particular kinds of interaction they are construed sometimes
positive, sometimes negative. That means that an impoliteness act could be
either neutralized or not, and even justified, as well as a politeness act
might be " recodified " that is, taken as negative. So, we appeal to
Goffman's faces theory (1967 ) and Brown's and Levinson's (1987), besides
the model of the speech impoliteness analysis made up by Culpeper (2011),
as major theorical grant.


Keywords: Entertainment impoliteness; face; mock impoliteness; mock
politeness; neutralisation.









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[1] This process of interpretation or appraisal may be more thoughtful or
more impulsive, but it happens
and it influences emotional displays. To take Erving Goffman's example, if
we stub a toe in a nursery
school, we don't generally let rip with an automatic stream of expletives,
but take the time to moderate the
expression of our emotional pain. A model of impoliteness needs to link
language, situations, judgements
of impoliteness and the specific emotions associated with impoliteness. The
process of appraisal is
crucial: how else will banter be recognised as banter, as opposed to "real"
impoliteness?
[2] The kind of person you perceive to be saying something will affect your
evaluation of what they say.
Knowledge about people can be grouped, following research in social
cognition I three areas: personality
norms ( concerning preferences, interests, traits, goals, etc.); social
relation and role norms (concerning
kinship roles, occupational roles, relational roles, etc.) ;group
membership norms (concerning gender,
race, class, age, nationality, religion, etc.) (CULPEPER, 2011, p. 14)

[3] Tradução livre do inglês, elaborada por mim: "Minha própria posição é
dupla, no sentido de que eu vejo a descortesia, em seus aspectos ora
semânticos ora pragmáticos como oposições interdependentes em uma escala. A
descortesia pode ser mais inerente à expressão linguística ou mais
determinada pelo contexto, mas nem a expressão (forma), nem o contexto,
garantem uma interpretação da descortesia". (CULPEPER, 2010)
[4] Precisamente, esta distinción permite explicar la existência del
fenómeno conocido como mock
politeness (CULPEPER, 1996, 2005), false impoliteness o pseudo-impoliteness
(M.Albelda Marco, 2008b)
(...) esto es, la utilización de elementos que, si bien desde el punto de
vista codificado provocan um efecto
de descortesia, em el plano interpretado causan el efecto contrario(...) Y
lo mismo sucede em el caso de la
hipercortesía y ultracortesía, términos utilizados para denominar el empleo
de elementos normalmente
codificados como corteses que producen, por su inadecuación a las normas
específicas que rigen la
situación comunicativa, um efecto de descortesia. (BRENES, Ester Peña.
Descortesía verbal e tertúlia
televisiva, 2011, p.47)
[5] Además, el caráter audiovisual del material nos permite observar todos
los fatores kinésicos,
proxémicos y situacionales necessários para contextualizar lo dicho y
decodificar el sentido real com el
que han sido proferidos los enunciados. (BRENES, 2011, p.70)
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