Uma análise sobre as hashtags #vemprarua e #foradilma sob a ótica da cibercultura

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES (ECA) Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp

Uma análise sobre as hashtags #vemprarua e #foradilma sob a ótica da cibercultura

São Paulo Abril 2015 EDUARDO GOMES VASQUES

Uma análise sobre as hashtags #vemprarua e #foradilma sob a ótica da cibercultura

Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo de Cibercultura. Professora: Elizabeth Saad Corrêa.

São Paulo Abril 2015

VASQUES, E.G.; Uma análise sobre as hashtags #vemprarua e #foradilma sob a ótica da cibercultura / Eduardo Gomes Vasques – 2015 n. de f: 21 Professora: Elizabeth Saad Corrêa. Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo Cibercultura.

EDUARDO GOMES VASQUES

Uma análise sobre as hashtags #vemprarua e #foradilma sob a ótica da cibercultura

Trabalho do curso Gestão Integrada da Comunicação Digital nas Empresas - Digicorp, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), como requisito para conclusão do módulo Cibercultura, avaliado pelo professor abaixo nominado.

___________________________________________ Professora Elizabeth Saad Corrêa.

São Paulo, 24 de abril de 2015.

RESUMO Junho de 2013 representou um grande marco não só para o Brasil, mas para o universo digital do país. Não só o cidadão foi para a rua reivindicar mudanças profundas, mas as principais articulações para que os movimentos se tornassem emblemáticos e ganhassem as proporções que tomaram aconteceram principalmente por mídias sociais. Se à época a organização teve início a partir das passagens de ônibus nas principais capitais, em 2014 as eleições presidenciais, agora, em 2015, a força está centrada em pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff e contra o fim da corrupção. Este trabalho pretende discutir a combinação da utilização de hashtags #foradilma e #vemprarua, amplamente utilizadas especialmente ao longo desse novo contexto de manifestações no Brasil, bem como o impacto das redes sociais sobre as agitações e organizações dos protestos.

ABSTRACT June 2013 represented a major milestone not only for Brazil, but for the digital universe of the country. Citizens went to the streets claiming profound changes, but the major joints for movements to become flagships and gain the proportions that took occurred mainly by social media. If at the time protests began from the bus tickets in major capitals, in 2014 presidential elections was the motivation, now, in 2015, the strength is centered on requests for impeachment of President Dilma Rousseff and against the end of corruption. This work intends to discuss the combination use of hashtags #foradilma and #vemprarua, widely used especially throughout this new context of demonstrations in Brazil, as well as the impact of social networks on the agitations and protests.

SUMÁRIO

1. Introdução ............................................................................................................................... 8 2. Desenvolvimento – o papel das mídias sociais .................................................................... 10 2.1. O contexto da análise ..................................................................................................... 10 2.2. A relação Estado indivíduo ............................................................................................ 11 2.3. O tempo e o espaço ........................................................................................................ 13 2.4. A mediação no comportamento político ........................................................................ 15 3. Conclusão ............................................................................................................................. 19 3. Bibliografia ........................................................................................................................... 21

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1. Introdução

O Brasil passou por um momento muito atípico em junho de 2013. O país foi sacudido por uma imensa onda de manifestações das pessoas nas ruas, insatisfeitas inicialmente com o aumento da tarifa das passagens de ônibus em várias capitais – em grupos coordenados pelo Movimento Passe Livre – e que, ao longo de seu desenvolvimento foram ampliando o espectro de temas abordados pelos cidadãos, expressando uma energia democrática pouco vista em muitos anos. Parte da imprensa, inclusive, chegou a chamar esse cenário de “primavera brasileira”, comparando a agitação no Brasil aos movimentos revolucionários que vêm trazendo mudanças a países como Tunísia e Egito. Podemos recordar apenas dois momentos parecidos e de grandes proporções como esses em território nacional: “Diretas Já”, promovidas na década de 80 e os protestos que marcaram o impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello, que ganhou a alcunha de “Os caras pintadas”, ocorrida em 1992. Além do porte, há de se ressaltar a organização. Ficou muito evidente nesses últimos protestos no Brasil o importante papel das mídias sociais exercido no processo e principalmente na potencialização dessas articulações sociais. Pela primeira vez foi possível identificar força e influência de plataformas de redes sociais, já consolidadas em boa parte da população – com destaque para Facebook e Twitter – na ordem de encadeamento de informações em torno de um ou alguns grandes temas comuns, reforçando a apropriação desses meios para o ciberativismo. Além de definir novas circunstâncias para as manifestações populares no país, as plataformas de mídias também acabaram por trazer à tona e fixar expressões no coletivo social a partir de hashtags – palavras-chave antecedidas pelo símbolo cerquilha (#) e que se transformam, nas mídias sociais, em hiperlinks que são responsáveis por indexar os conteúdos para mecanismos de busca. Entre algumas das populares no período supracitado estão #ogiganteacordou, #mudabrasil e #vemprarua – essa última, inclusive, fazia parte como assinatura de uma campanha publicitária veiculada na televisão pela marca de automóveis Fiat. Estes fenômenos foram tão constitutivos que permitiram um novo fôlego para as análises de redes sociais e a ocupação delas no ciberespaço. Há, inclusive, uma página na Wikipedia1 destinada a explicar os fatos que marcaram esse período.

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Protestos no Brasil em 2013: https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013

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O Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), do Espírito Santo, chegou a desenvolver um artigo com um levantamento específico sobre #vemprarua chamado “As ressignificações da hashtag #VemPraRua a partir do uso de imagens no Twitter”, apresentado no XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Intercom, realizado na Universidade Vila Velha, entre os dias 22 e 24 de maio de 2014. A partir da coleta de mais de 400 mil publicações e mais de 85 mil imagens, o documento2 explora os possíveis significados presentes em algumas das imagens mais compartilhadas no Twitter em publicações que faziam uso da hashtag #VemPraRua e investigava, ainda, as formas como uma imagem pode trazer um novo contexto à uma hashtag, mesmo quando ela se encontra atrelada a uma função específica, bem como a importância da análise dessas fotos para compreender os comportamentos nessas plataformas. Novos movimentos chegaram a ser arquitetados no ano seguinte, em especial durante a realização da Copa das Confederações Fifa 2013 e ao longo dos desfiles comemorativos de 7 de setembro, mas já sem o mesmo efeito e porte dos anteriores. As tensões voltaram a ganhar fôlego com menos intensidade ao longo da Copa do Mundo Fifa 2014 e, entre outubro e novembro de 2014, emergiram com força máxima no pleito. Em março de 2015, estimulados por investigações em torno de processos de corrupção de uma das principais companhias brasileiras, a Petrobras, e por uma sequência de queda de indicadores econômicos nacionais, novos protestos adquiriram consistência. No dia 15 de março, milhares de pessoas voltaram a tomar as ruas em diversas capitais do Brasil. Dessa vez, entretanto, o foco estava centrado principalmente em encorajar as pessoas para a realização de passeatas para pedir o fim da corrupção no governo vigente3 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Neste ano, os atos e movimentos estruturados pelas redes resgataram hashtags de anos anteriores, como a #vemprarua, e o #foradilma ganhou bastante força em virtude do atual contexto político e econômico. Mais uma vez a internet e, em especial, as mídias sociais foram fundamentais para a metodologia de organização das passeatas e para fomentar e incentivar um maior número de participantes. E é esse cenário, que demonstra como as ferramentas virtuais de comunicação em rede influenciam e tiveram um papel expressivo na construção e reverberação dos protestos, que será analisado ao longo desse artigo.

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As ressignificações da hashtag #VemPraRua a partir do uso de imagens no Twitter - http://www.labic.net/wpcontent/uploads/ressignificacoes-vemprarua-labic.pdf 3 Irritação com corrupção foi motivação para maioria: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1615756irritacao-com-corrupcao-foi-motivacao-para-maioria.shtml

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2. Desenvolvimento – o papel das mídias sociais

2.1. O contexto da análise

Antes de uma avaliação sob o ponto de vista da importância e influência da tecnologia e mais especificamente das mídias sociais nesses movimentos, há de se ressaltar peculiaridades desse novo momento. No primeiro caso, em 2013, a falta de uma liderança centralizada – ainda que o foco dos protestos tenha surgido no aumento das tarifas de ônibus e a partir de formulações de propostas do Movimento Passe Livre – coibiu qualquer posicionamento político mais vigoroso. Analistas políticos, sociólogos e pensadores atribuíram à ausência de um comando central, à pluralidade de discursos e reivindicações e à falta de foco as principais características enfraquecedoras dos atos. Já as realizadas em março e abril de 2015, mesmo que não oficialmente declaradas, traziam no bojo um momento calcado pela disputa política e polarizada, criada a partir das eleições presidenciais de 2014. Manuel Castells, um dos pensadores mais influentes da atualidade no mundo, é, sem dúvida, o principal entusiasta dessa nova ordem provocada pela cultura digital. Autor de “Redes de indignação e esperança - Movimentos sociais na era da internet” (Zahar, 2013), esteve em visita ao Brasil exatamente no momento em que os atos aconteciam em São Paulo, em 2013. O sociólogo relata com bastante precisão o encadeamento dos cidadãos entre o mundo virtual e real e as relações de poder, apostando em um universo livre de preceitos e de sobreposição às ideologias, um ambiente mais autônomo: De início, eram uns poucos, aos quais se juntaram centenas, depois formaram-se redes de milhares, depois ganharam o apoio de milhões, com suas vozes e sua busca interna de esperança, confusas como eram, ultrapassando as ideologias e a publicidade para se conectar com as preocupações reais de pessoas reais na experiência humana real que fora reivindicada. Começou nas redes sociais da internet, já que estas são espaços de autonomia, muito além do controle de governos e empresas - que, ao longo da história, haviam monopolizado os canais de comunicação como alicerces de seu poder. Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet, conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes do ser, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se sustentam para prosperar e se reproduzir, por intimidação ou desestímulo - e, quando necessário, pela violência pura e simples, seja ela disfarçada ou institucionalmente aplicada. Da segurança do ciberespaço, pessoas de todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, num encontro as cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer história - sua história -, numa manifestação da autoconsciência que sempre caracterizou os grandes movimentos sociais. (CASTELLS, 2013)

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Aqueles primeiros protestos, organizados em junho de 2013, se assim podemos dizer, eram mais puros e coletivos. Demonstravam uma indignação menos poluída por interesses político-partidários. Com suporte de meios digitais, as pessoas possuíam uma expectativa mais autêntica, social, como aquela defendida por Clay Shirky. [...] As pessoas querem fazer algo para transformar o mundo em um lugar melhor. Ajudam, quando convidadas a fazê-lo. O acesso a ferramentas baratas e flexíveis remove a maioria das barreiras para tentar coisas novas. Você não precisa de supercomputadores para direcionar o excedente cognitivo; simples telefones são suficientes.[...] (SHIRKY, 2011, p.21)

O professor e articulista acredita que as motivações intrínsecas (pessoais) são suficientes para fazer as pessoas colaborarem entre si e que, ao fazerem isso, aumentam o capital social utilizando o tempo livre para (excedente cognitivo) construir esses lações e redes, ainda que dentro de um tipo de multidão. Apesar de reconhecer que o capitalismo na forma em que se encontra atualmente direciona as pessoas ao egoísmo, em circunstâncias sociais, elas acabam por balancear melhor seus comportamentos e se tornam menos egoístas. Por outro lado, as manifestações de 2015 carregam um enredo que vem sendo construído já desde o final do ano passado com grande carga política e de interesses políticopartidários, de oposição (e de partidos de oposição) ao atual governo4, organizados por instituições com lideranças questionáveis, desenhando uma conjuntura bastante diferente. A depender do modelo de análise utilizado, isso poderia alterar sobremaneira os resultados, especialmente no que tange aos laços sociais e ideológicos. Nota-se, ainda, que não houve nenhum tipo de estudo ou monitoramento específico sobre essas duas expressões reunidas por nenhuma empresa privada ou pelos grandes veículos de imprensa, o que também dificulta o trabalho de avaliação.

2.2. A relação Estado indivíduo

Não podemos descartar, porém, alguns pontos de similaridade dos atos promovidos em março e abril desse ano com os anteriores. Há aspectos que, sob um olhar mais macro, podem ser equiparados e examinados em conjunto por proximidade. E essa afinidade está explícita principalmente quando observamos um passo anterior aos protestos. O processo de

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Dilma é o alvo principal das críticas nas redes sociais: http://www.istoedinheiro.com.br/blogs-ecolunas/post/20150318/dilma-alvo-principal-das-criticas-nas-redes-sociais/6356.shtml

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organização, tanto no primeiro momento (2013), no segundo (eleições de 2014) quanto nos últimos casos (2015), encontrou nas plataformas de mídias sociais as ferramentas e recursos ideais para seu desenvolvimento e crescimento. A hashtag #foradilma, inclusive, em junho de 2013 já despontava entre as primeiras mais citadas no Brasil5. Um primeiro e importante ponto a ser discutido está em como esse contexto vem provocando questionamentos principalmente sobre a forma com a qual o poder público produz, trabalha e distribui a informação, bem como quais as reais transformações na relação comunicacional entre o Estado e o cidadão. E, ainda, como o cidadão acaba por decodificar esse tipo de comunicação realizada hoje pelo Estado. É possível arriscar que esses códigos e signos trocados no processo de comunicação entre o poder público e o cidadão se distanciaram ao longo dos últimos três anos. Por um lado temos o próprio cidadão, em um novo contexto e ambiente social, utilizando novas ferramentas e meios com códigos e protocolos próprios, desenvolvendo novos signos e símbolos, que geram ainda outros novos códigos e protocolos. Soma-se a isso a evolução do acesso à informação, por múltiplas plataformas. De outro lado, o Estado parece não mais acompanhar esse movimento e fica sem conseguir interpretar, traduzir, absorver de forma mais orgânica essa nova camada social. O equilíbrio entre discurso e diálogo, essencial para que a comunicação ocorra, se perdeu. Como lembra Flusser (1998) o diálogo presume que ao menos dois sistemas troquem informações por intermédio de um canal comunicante. De acordo com ele, os sistemas são as pessoas, enquanto as informações são as sentenças. Já os canais se configuram nesse processo como a língua. Ao transportarmos essa visão para o contexto atual das manifestações populares, potencializadas pelos canais (de mídias sociais principalmente), o diálogo entre o Estado e o cidadão não se concretiza. Não da mesma forma como vinha acontecendo. Os chamados fluxos multidirecionais de CASTELLS (1999) acontecem entre os cidadãos de forma independente e à revelia do Estado. Além disso, o modelo de globalização fixada sobre redes estruturantes monetária, política e econômica (internas e externas) avançadamente interligadas causam uma interdependência perigosa para a manutenção do Estado-Nação. E os atos organizados pelos cidadãos são, em parte, resultantes desse processo. À exceção de uma elite reduzida de globopolitanos (meio seres humanos, meio fluxos), as pessoas em todo o mundo se ressentem da perda do controle sobre suas próprias vidas, seu meio, seus empregos, suas economias, seus governos, seus países e, em última análise, sobre o destino do planeta. Assim, segundo uma antiga lei da 5

#ForaDilma permanece entre as hashtags mais citadas do Twitter no Brasil: http://goias24horas.com.br/10955foradilma-permanece-entre-as-hashtags-mais-citadas-do-twitter-no-brasil/

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evolução social, a resistência enfrenta a dominação, a delegação de poderes reage contra a falta de poder, e projetos alternativos contestam a lógica inerente à nova ordem global, cada vez mais percebida pelas pessoas de todo o planeta como se fosse desordem. Contudo, tais reações e mobilizações, a exemplo do que freqüentemente ocorre na História, acontecem de forma pouco comum, agindo por meios inesperados. (Castells, 1999, p.93-4)

E os meios digitais parecem adequados para essa circunstância de percepção de um outro momento pela sociedade. A questão do espaço e tempo entra em jogo como nunca. O avanço das mídias comunicacionais passa pela interação dialógica, isto é face-a-face, composta por referências simbólicas (gestos, expressões faciais e corporais, entonação). Na comparação com os novos modelos de interação as mídias emergentes alteram essas características. A necessidade da copresença desaparece. O espaço e o tempo são distendidos e diluídos, a comunicação acontece em tempo real ou não e os participantes do diálogo podem estar em diferentes contextos espaciais. Os referenciais simbólicos se perdem, afinal, os interlocutores não compartilham o mesmo ambiente. Tempo e espaço atuais denotam uma nova configuração e parecem desconstruir o que se convencionou ser o “estar junto”. Não há mais necessidade primordial o território físico como elemento de reunião da comunidade.

2.3. O tempo e o espaço

Curioso observar, entretanto, que não só a capacidade de mapear e registrar esses novos elementos comunicativos evoluíram, mas a intersecção entre o espaço físico e virtual. Apesar dos suportes digitais serem ferramentas fundamentais para a expansão dos objetivos de comunicação – seja ele o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, seja pelos questionamentos em relação ao fim da corrupção ou qualquer outra intenção – esses fatos estudados fundam encontros reais, físicos, em tempo e espaço marcados. Esses eventos, como consequência, voltam a alimentar os canais, numa espécie de ciclo vicioso e contaminado por protocolos determinados pelo próprio meio. É um período em que físico e virtual causam influência um no outro, interferindo sobremaneira na socialização e na organização social de uma maneira geral. Outro aspecto fundamental é a influência – potencializada pela grande imprensa - de fatos que antecederam as manifestações no Brasil, como a chamada Primavera Árabe – protestos populares realizados em 2010 no Oriente Médio e no Norte da África – com grande aplicação e utilização de mídias sociais para burlar a censura e sensibilizar a população. A

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distribuição da informação e dos modelos utilizados em escala global acabaram por inspirar muitos brasileiros para os atos. O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares. (SANTOS, 1991. p. 13)

Não se pode negar que o ambiente digital viabiliza efetivamente possibilidades para que o sistema democrático seja aprimorado. Ao mesmo tempo, as normas e paradigmas não são abandonados. No fundo, o cruzamento do digital com os meios tradicionais e consolidados de mídia acabam por tornar o processo ainda mais complexo. Daí também a relevância de se ter atos organizados com horários marcados e espaços predeterminados – inclusive espaços sociais e públicos de grande representatividade nas cidades em que ocorreram (avenidas de grande movimento, marcos históricos das capitais, sedes de governos, entre outros). Isso também traz uma simbologia especial ao universo das manifestações. Fator a ser considerado também é a profundidade entre um ambiente e outro. Apesar de as primeiras manifestações terem levado milhões de pessoas às ruas, a representatividade das hashtags #vemprarua e #foradilma nas mídias sociais é muito superior em termos numéricos, de volume e de exposição se comparada com o efeito nas ruas – com tendência a dispersar mais os temas pela diversidade dos participantes dos atos. Mas até que ponto o debate político-ideológico foi realmente enriquecido a partir dessa grande arena digital? Constata-se uma abundância informativa e uma disseminação de múltiplas narrativas sobre os acontecimentos do mundo, criadas a partir de distintas fontes, e apresentadas em formatos para todos os gostos. Contudo, inexiste a garantia de transformação de dados em informação e tampouco estes em conhecimento por parte do homem. O especialista em mídia Neal Gabler (2011) chega a afirmar que a sociedade vive na era da pós-idéia, ou seja, os indivíduos se tornaram grandes acumuladores de fatos e informações, mas já não conseguem desenvolver um pensamento crítico e profundo sobre um fato. O comentarista de mídia declara que a era digital nos libertou para "a ignorância bem informada". (BERTOCCHI, SAAD, 2012, p. 2)

Soma-se a essa observação a questão dos protocolos, isto é, as regras e formatos impostos pelos próprios meios – que Flusser chamaria de “Caixa Preta”. Os algoritmos utilizados pelas grandes plataformas de mídias sociais (em especial o Facebook que já ultrapassa 91 milhões de usuários mensais no Brasil6), fechados, sigilosos, acabam por criar uma dinâmica de curadoria controversa.

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Facebook para agências: https://www.facebook.com/business/a/agencias#sobre

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Definidos a partir de um processo humano – repleto de escolhas com base em experiências de pessoas específicas ou pequenos grupos com interesses desconhecidos (ou nem tanto) – desenvolvem uma função extremamente importante de mediação da informação e, por consequência, possuem impacto significativo na interação social. Em seu atual formato, por exemplo, o Facebook subverte o debate. Ao apresentar em abundância na linha do tempo do usuário conteúdos com os quais ele indicou algum tipo histórico de interação, acaba por limitar a visibilidade de dados, fatos e informações. Traz uma comunicação que não explora o contraponto, o outro lado sobre o mesmo tema, afinal, a pessoa só recebe conteúdos que lhe agradam e com os quais ela de alguma forma tem algum tipo de afinidade. O universo de informação e conhecimento do indivíduo fica circunscrito somente sobre suas preferências e sobre o que consome, sem expansão de outras perspectivas. Esse, aliás, pode ser um motivo bastante razoável para tamanha amplificação das hashtags #vemprarua e #foradilma. Muitos, sem dúvida alguma, tinham convicção de que não estão satisfeitos e queriam realmente o cidadão na rua exigindo mudanças. Por outro lado, também não podemos desprezar uma grande massa de pessoas que apenas repassavam, compartilhavam e estimulavam o processo a partir de discursos prontos, sem qualquer tipo de reflexão política, social ou ideológica sobre o tema.

2.4. A mediação no comportamento político

Nessa troca comunicativa entre atores humanos e não humanos, em que o próprio meio também passa a delegar, a partir de protocolos de conexão e algoritmos, há qualidades até então não existentes. Mais: o quanto esses novos atributos interferem em diversos âmbitos da comunicação e da própria vida social que vão das relações, da gestão das coisas, das pessoas, do comportamento e do ambiente? André Lemos, um dos mais renomados estudiosos de cibercultura em atividade no Brasil, usa a Teoria Ator-Rede, um conceito social cunhado sobre o hibridismo e mediação, uma filosofia orientada a objeto e com aplicações de sociabilidade entre humanos e não humanos, algo que estude as inovações técnicas. Ou, como prefere definir Lemos: A TAR identifica redes, mediadores e intermediários que atuam em uma determinada associação. O objetivo é descrever os atores envolvidos nas associações e revelar suas características. O social é assim o que resulta das associações e não uma coisa que explicaria as associações. A diferença parece sutil, mas importante. Esses mediadores, ou actantes (termo da semiótica greimasiana), são tudo aquilo que produz ação sobre outros, podendo ser tanto humanos como não humanos. Eles

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compõem as redes e são eles mesmos redes, mônadas, partes e todo ao mesmo tempo. Cada actante é sempre fruto de outras associações e cada associação age também como um actante. Ele pode ser um mediador ou cessar essa atividade transformando-se em um intermediário. Não há essência nos objetos: só associações. (p. 34 e p. 35)

A rede acaba por se formar a partir das mediações, de forma flexível e móvel, indo e voltando, construindo e se desconstruindo, sendo produzida por infraestrutura (plataformas que se configuram como espaços) e rastros, o que efetivamente é comunicado por meio dela, por operação humana ou não humana. A rede assume formas e propriedades, atributos, ganha ou perde relevância de acordo com as associações produzidas sobre ela. O contexto provocado por esses processos e modelos mediáticos – reforçados pela internet e outra plataformas conectadas em rede – acaba por determinar, nos dias atuais, a luta diária (THOMPSON, 2008) – política, social, cultural – não mais considerando as restrições territoriais. Mais do que isso, essas plataformas e suas características estão moldando a identidade dos indivíduos, alterando a maneira como eles se relacionam com os outros, com o olhar dos outros, produzindo subjetividades. [...] a subjetividade é inseparável dos dispositivos de visibilidade. As instituições disciplinares, que encontram seu modelo ideal no Panóptico, são máquinas de ver que produzem modos de ser. O poder disciplinar e a produção de individualidades e subjetividades na modernidade não podem ser dissociados de todo um jogo de olhares e de uma “arte obscura da luz e do visível” (BRUNO, 2004. p. 154), presentes nos diversos dispositivos e tecnologias, mais ou menos materiais, que constituem o mecanismo disciplinar. (BRUNO, 2004. p.111)

Esse foco de poder centralizado no indivíduo e não mais instituições, quando transportado para o cenário das manifestações, indicam que os debates em rede, transformados em códigos binários, bits e bytes, acabam por enfraquecer os laços. A conexão torna-se condição social do estar junto. A desterritorialização e a relação diversa com o tempo, as múltiplas possibilidades de comunicação, os novos processos de organização da interação social criam suportes tecnológicos variados para a sociabilidade. É visibilidade com relacionamento, com socialização. Como consequência, vemos a midiatização da vida social, política, cultural na tecnologia. Então chegamos à visibilidade mediada. O ser social passa a ser mediado pela tecnologia, pelo dispositivo, o que dá um novo significado e cria uma nova forma de compreender o próprio ser. A mediação interessada, tantas vezes interesseira, da mídia, conduz, não raro, à doutorização da linguagem, necessária para ampliar o seu crédito, e à falsidade do discurso, destinado a ensombrecer o entendimento. O discurso do meio ambiente é

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carregado dessas tintas, exagerando certos aspectos em detrimento de outros, mas,sobretudo, mutilando o conjunto." (SANTOS, 1991. p. 8)

A ampliação dos meios e do potencial de comunicação proporcionados pela internet e pelas mídias sociais estão desenvolvendo uma conjuntura propícia para a individualização, além de grande exteriorização do privado nos espaços públicos, criando a privatização da sociabilidade (CASTELLS, 2003), provocada pelo colapso das normas e costumes, pelo fim do núcleo familiar, além da crise da legitimidade política com o distanciamento do homem da esfera pública. Surge, na contramão, a socialidade (MAFFESOLI), marcada pelo tempo presente ou presenteísmo, reunindo indivíduos despreocupados com projeções de futuro. A socialidade encontra sua força na astúcia das massas, marcada por uma espécie de passividade ativa, intersticial, subversiva, e não por um ataque frontal de cunho revolucionário. (LEMOS, 2005, p.6)

Os indivíduos apresentam papéis sociais diversos, desenvolvem personas para atuação social em comunidades digitais virtuais de acordo com o ambiente. Representam, trazem à tona a teatralidade para uma sociedade do espetáculo. O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. (DEBORD, 2003. p. 9)

Uma enorme quantidade de imagens não só referentes às passeatas, mas também de indivíduos demonstrando seu apoio aos atos – inclusive celebridades7 – inundaram as mídias sociais em todos os momentos de grandes protestos desde 2013 construindo diversas narrativas próprias, desconexas das mídias tradicionais. O enfraquecimento dos laços provoca efemeridade e falta de argumentação real e aprofundada. Isso torna o espaço público, destinado a discussões de ordem política e social (Habermas), um ambiente em crise. Socialidade e publicização se confudem gerando o que se convencionou chamar de “culto ao eu”, banalizando a articulação e organização políticas necessárias e essenciais para a convivência social. Hoje, estar em rede é publicizar-se. O fruto desse processo é o afrouxamento ou total atrofiamento do propósito inicial e do cerne dos atos de protesto. As hashtags #vemprarua e #foradilma continuam a circular pela internet, mas parecem já não surtir o efeito ideal de provocar e transformar o social. Tanto que já as últimas manifestações, em 2015, chegaram a virar até mesmo motivo de piada por parte

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ForaDilma ganha corpo e vemprarua tem apoio de artistas: http://www.notibras.com/site/foradilma-ganhacorpo-e-vemprarua-tem-apoio-de-artistas/

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da imprensa pela forma como aconteceram e foram conduzidas. Usuários criaram um ambiente8 que comparava as fotos da Copa do Mundo Fifa 2014, com grandes momentos de festa e celebração, com imagens de manifestantes nas ruas. No final das contas, os campos políticos e ideológicos saíram dos holofotes para darem lugar a manifestações de livre expressão pouco fundamentadas e um debate político aprofundado ficou totalmente em segundo plano.

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Tumblr brinca com fotos de manifestação: http://www.diarioonline.com.br/noticias/tecnologia/noticia-323465tumblr-brinca-com-fotos-de-manifestacao.html

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3. Conclusão

Esses fenômenos comunicativos provocados pela internet e mais especificamente pelas redes sociais são relativamente novos e não há metodologias solidificadas que permitam avaliar com profundidade as transformações provocadas por elas não só no ciberespaço, mas na dinâmica social como um todo. E há muitas questões abertas, especialmente quando apontamos para o cenário político. Não há um estudo consolidado que reúna a observação conjunta das duas hashtags (#vemprarua e #foradilma), o que limita a análise no que diz respeito ao volume numérico. De toda forma, foi possível traçar um panorama dos efeitos desse tipo de manifestação social a partir de um olhar no âmbito da comunicação digital ou, ainda, do impacto dos dispositivos, protocolos e códigos no processo de construção e realização desses protestos. Na prática, o Estado – item central dos atos que usaram as hashtags analisadas – tem atribuição crucial na evolução tecnológica especialmente porque é articulador e formador das regras pelas quais também passa a informatização e a digitalização – seja estimulando a inovação ou reprimindo a livre expressão. O problema é que relação do Estado com o cidadão também está em crise comunicacional. O diálogo parece não ser mais traduzido ou codificado, criando tensões na relação entre eles. O esvaziamento da mensagem e da argumentação – em muito provocado pela nova configuração e processo de interação do ser social mediados pela tecnologia, pela internet e pelas mídias sociais – acaba por amortecer e em alguns casos até mesmo a eliminar qualquer impacto real em termos de condução social e efetividade política para o bem comum. Sem discurso, praticamente não entendemos nada. Como a inovação é permanente, todos os dias acordamos um pouco mais ignorantes e indefesos. [...] Vivemos em um mundo exigente de um discurso, necessário à inteligência das coisas e das ações. É um discurso dos objetos, indispensável ao seu uso, e um discurso das ações, indispensável à sua legitimação. Mas ambos esses discursos são, frequentemente, tão artificiais como as coisas que explicam e tão enviesados como as ações que ensejam. (SANTOS, 1991. p. 7)

A carência de atenção, até mesmo pela abundância de informação provenientes de múltiplos meios, gera uma nova fase de massificação, de organização de pessoas em comunidades que interligam objetivos comuns, mas com pouca profundidade de realização. Por fim, essa nova conjuntura equilibra engajamento e esvaziamento. Ao passo em que grandes temas, hashtags e grupos surgem e se propagam com grande velocidade, também são dissipados muito rapidamente. José Ortega Y Gasset, em “A rebelião das massas” é certeiro ao definir este momento de confusão de troca de informações.

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“[...] Quando mais a conversação se ocupa de temas mais importantes que esses, mais humanos, mais “reais”, tanto mais aumenta sua imprecisão, sua inépcia e seu confucionismo. Dóceis ao prejuízo inveterado de que falando nos entendemos, dizemos e ouvimos com tão boa fé que acabamos muitas vezes por não nos entendermos, muito mais do que se, mudos, procurássemos, adivinhar-nos. (GASSET, 1947. p. 5)

E não há como considerar que a simples participação e interação por meio de plataformas de mídias sociais resultará com efeito sobre o espaço público. Como diria Chris Kelty, “Participação no Facebook não é a mesma coisa que participação [...] na governação democrática de um Estado.”

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3. Bibliografia

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e de comunicação. In: Revista Famecos: mídia, cultura, tecnologia. Número 24. Porto Alegre: PUC-RS, 2004. CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v.2. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade / Manuel Castelles, tradução Maria Luiza X. de A. Borges – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. CORRÊA, Elizabeth Saad; BERTOCCHI, Daniela. O Algoritmo Curador - o papel do comunicador num cenário de curadoria algorítmica de informação. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho C IBERCULTURA do XXI Encontro da Compós, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, de 12 a 15 de junho de 2012. DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 1997. FLUSSER Ficções filosóficas. São Paulo: Edusp, 1998. GASSET, José Ortega Y. A rebelião das massas. Domínio Público - São Paulo: Martins Fontes, 2007. LEMOS, André. A comunicação das coisas. Internet das Coisas e Teoria Ator-Rede sociedade em Rede - Etiquetas de radiofrequência em uniformes escolares na Bahia, in Pessoa, Fernando (org.). Cyber Arte Cultura. Atrama das Redes. Seminários Internacionais Museu Vale, ES Museu Vale, Rio de Janeiro, 2013. 254p. ISBN 978-85-99367-07-0, PP.1847. LEMOS, André. Ciber-Socialidade - Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.. In: Ione Bentz; Albino Rubim; José Milton Pinto. (Org.). Práticas Discursivas na Cultura Contemporânea.. São Leopoldo: Unisinos, 1999. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científicoinformacional. São Paulo: Edusp, 1991. SHIRKY, Clay. A Cultura da Participação, criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.

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