Uma analise sobre o potencial pedagógico do uso de historias em quadrinhos de ficção científica no ensino de Física

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XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM !1

UMA ANÁLISE SOBRE O POTENCIAL PEDAGÓGICO DO USO DE HISTORIAS EM QUADRINHOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO DE FÍSICA

Francisco de Assis Nascimento Junior1 Luís Paulo de Carvalho Piassi2

1 1Programa

de Pós Graduação Interunidades em Ensino de Ciências - IFUSP, [email protected]

2 2Escola

de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - EACH/ USP, [email protected]

Resumo A partir do panorama apontado por Zanetic (1989, 2005, 2006), tem-se proposto o uso da interação da física com as diversas áreas do saber (como a arte e a literatura). A defesa da física como ferramenta cultural incorpora as muitas formas didáticas que tem sido discutidas sobre o olhar do artista sobre a ciência, que possibilita a trasnformação de conceitos tidos como puramente técnicos em obras acessíveis de cunho até mesmo poético, influenciado de forma decisiva pelo momento político, ideológico e tecnológico de seu tempo. Publicações de Histórias em Quadrinhos constituem um veículo de comunicação em massa, com grande aceitação e popularidade entre jovens em idade escolar. Sua linguagem própria representa uma ferramenta que pode ser capaz de posicionar o leitor de forma ativa na narrativa, facilitando a assimilação de conceitos pela contextualização de situações imaginárias. Este trabalho apresenta uma breve análise sobre o potencial que as Histórias em Quadrinhos de ficção científica apresentam para o incremento da alfabetização científica de seu público leitor, o que inclui a compreensão de fenômenos tidos tradicionalmente como difíceis em sala de aula tradicionais.

Palavras-chave: ficção científica, Histórias em Quadrinhos, alfabetização científica

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Introdução Crítica comum à prática escolar brasileira, o discurso de sua ineficiência decorre de uma forte instituição na formação de indivíduos incapazes de atribuir significado prático ao que aprendem. Esta afirmação também pode se aplicar a Física, caso sejam levados em consideração os indices de aprendizagem de conteúdos não-mensuráveis em avaliações. Tendo em vista a dificuldade comumente encontrada pelo cidadão comum na compreensão dos fenômenos envolvidos na resolução de problemas propostos em sala de aula, a obtenção de melhorias em seu processo de compreensão de mundo

é possível através da leitura que seja capaz de despertar uma

crítica racionalizada, por meio de seu esforço individual, acarretando melhorias no desenvolvimento de sua formação como cidadão ativo e participante na sociedade. A contextualização dos fenômenos físicos nas Histórias em Quadrinhos permite que o leitor acesse o conhecimento científico como instrumento cultural, o que pode ser obtido de forma simples quando se aborda os domínios da interdisciplinariedade.

"Ademais, todos os psicólogos estão acordes ao asseverar que só existe uma maneira de ensinar: suscitando o mais profundo interesse no estudante e, ao mesmo tempo, uma atenção viva e constante. Portanto, trata-se apenas disto: saber utilizar a força interior da criança em relação à educação. Isto é possível? Não apenas é possível, é necessário" (GADOTTI, 1996)

Assim, a linguagem específica das Histórias em Quadrinhos, que usa mecanismos próprios para representar seus elementos narrativos, permite contextualizar tópicos tidos como de díficil entendimento pelo leitor, o que pode contribuir para tornar o interesse pelo conteúdo de uma disciplina mais prazeroso, sem detrimento de questões individuais que devam ser trabalhadas.

Comumente associadas pelos alunos ao ambiente não-escolar, as Histórias em Quadrinhos podem agir como guia condutor do imaginário na realização de breves experimentos mentais, uma vez que ler uma História em ______________________________________________________________________________________________ ______ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011

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Quadrinhos significa ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual (ou não verbal).

Ambientação

Extrapolar conceitos científicos constitui a estratégia narrativa adotada por muitos autores de ficção científica específica na construção da ambientização de seus romances. Porém, um dos maiores impecilhos para sua popularização na barreira do linguajar utilizado em sua construção, tido de forma comum como sendo rebuscado e de difícil compreensão. Porém, recursos contextuais pertencentes ao realismo fantástico são constantemente adaptados por estes autores como forma de guiar o leitor até a interpretação correta do conteúdo ou mensagem que desejam transmitir. Como exemplo, em “As aventuras do Sr. Thompkins” George Gamow leva o leitor a realizar o exercício imaginativo da ambientação cotidiana dos efeitos relativísticos do movimento pelos sonhos de um bancário, enquanto Robert Gilmore em “Alice no país do Quantum”e “O mágico dos Quarks” utiliza essa estratégia para introduzir ao leitor fenômenos pertencentes a Física Quântica, como o tunelamento. Entretanto, o gênero da Ficção Científica também está presente nas Histórias em Quadrinhos, notadamente em publicações do subgênero fantasia de super-poderes: são publicações de fácil acesso, que podem ser adotadas pelo professor para realizar o procedimento inverso do apresentado pelos romances, apresentando o leitor a fenômenos que envolvem um processo já contextualizado. Isto se torna possível dada as estratégias narrativas adotadas por escritores de Histórias em Quadrinhos de ficção científica, que apresentam ao leitor um universo próximo ao nosso, cuja principal distinção está novamente na extrapolação de conceitos cientificos, em particular sob a forma de aparatos tecnológicos. Histórias em Quadrinhos de ficção científica conseguem vencer o impecilho representado pelo linguajar utilizado pelos autores desses romances, ______________________________________________________________________________________________ ______ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011

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proporcionando ao leitor pensar sobre outras realidades, que não se poderiam apresentar de outra forma. Por pertencerem ao processo natural da descoberta, a criatividade e a imaginação não devem ser tratados como corpos estranhos ao aprendizado de novos conceitos, sobretudo àqueles relacionados de forma direta com as ciências, devendo ser estimulado que o leitor descubra coisas novas ao imaginar coisas novas.

A Ficção Científica nas Histórias em Quadrinhos A publicação de Histórias em Quadrinhos teve início no final do século XIX sob a forma de tiras seriadas nos jornais de domingo, nos Estados Unidos da América (JÚNIOR, 2004). O gênero de ficção científica debutou nessa nova mídia em 27 de janeiro de 1929, com a publicação da primeira tira de “As aventuras de Buck Rogers no século XXV” no jornal … . Baseada no conto “Armageddon 2.419 A.D., a história narrava a saga de um piloto da força aérea norte-americana daquela época, transportado ao século XXV.

Adotando a extrapolação dos limites da tecnologia da época como metáfora narrativa, o autor apresentava ao leitor aparatos avançados, muitos dos quais ainda não vieram ainda a se tornar realidade. “O poder de muitos conceitos científicos úteis reside, pelo menos em parte, no fato de serem projeções antropomórficas do mundo das atividades humanas e, nessa medida, serem metáforas”(Houlton, 1998, p.72) Idéias como astronaves a jato, cintos levitadores, circuito fechado de televisão, raios laser, robôs de forma humana, botas magnéticas, cidades submarinas eram conceitos culturais inovadores para o final da década de 1920.

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! figura 1: Em1929, “BUCK ROGERS” demonstra o uso do recuo da pistola da para direcionar seu deslocamento no espaço. In (Buck Rogers: quando a banda desenhada conquistou o espaço. 2ª edição. Lisboa, Futura, 1993)

O emblemático Flash Gordon foi o terceiro herói de ficção científica das Histórias em Quadrinhos, tendo sido publicado após o sucesso de Buck Rogers e Brick Bradford (1933), herói criado pelo escritor Willian Ritt cujas aventuras contextualizavam os tópicos da primeira Teoria Quântica. Nas aventuras de Flash Gordon, o realismo fantástico foi a forma encontrada por seu escritor para apresentar uma narrativa permeada de mundos exóticos ao leitor, culminando por influenciar a criatividade e a imaginação mais de uma geração. Seu escritor, Dan Barry, desenvolveu um estilo próprio de narrativa que veio a se tornar um paradigma para o gênero de Histórias em Quadrinhos de ficção científica: buscando tornar suas histórias o mais realista possível em termos de detalhes, no intuito de proporcionar ao leitor uma sensação de proximidade entre sua realidade e o universo fictício de suas narrativas. Como resultado, obteve uma espantosa aproximação com a vindoura era espacial, particularmente em termos de design.

Tome-se por exemplo a primeira tira em quadrinhos de Flash Gordon, publicada em 1934 no jornal … , é possél ao leitor identificar a imagem de uma plataforma de lançamento de foguetes idêntica as que seriam utilizadas três décadas depois no projeto Apolo. O mesmo se pode afirmar a respeito das roupas utilizadas por Flash Gordon em suas viagens interplanetárias e aquelas que viriam a ser vestidas pelos astronautas em futuras missões espaciais, o ______________________________________________________________________________________________ ______ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011

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que pode nos fazer crer que a NASA possa ter se inspirado nas Histórias em Quadrinhos de Flash Gordon quando necessitou solucionar determinados problemas de ordem estrutural de seus projetos.

! figura 3: em sua primeira aparição nos quadrinhos, Flash Gordon a frente de uma plataforma de lançamento de foguetes praticamente idêntica a que seria construída décadas depois pela NASA. (In Flash Gordon e o começo da era espacial. 1 ed. Lisboa, Editora Futura, Coleção Antologia da BD Clássica, 1983)

A evolução do mercado editorial estadunidense da década de 1930 leva as tiras em quadrinhos a serem publicadas em revistas dedicadas exclusivamente a cada tema, em um processo que se deu de forma massiva no Brasil antes do final dos anos 1930. No decorrer da década de 1940, o sucesso comercial do gênero de ficção científica em quadrinhos deu origem ao subgênero de fantasia de super-poderes, em que editores influenciados pelo ar de divulgação científica presente nas tiras dominicais da década anterior, buscaram dar ar de destaque à ciência de seus universos ficcionais. Os principais personagens da linha de publicação pela editora norte-americana Marvel Comics flertam de maneira muito próxima com a ciência: em suas identidades secretas, muitos são cientistas ou figuras próximas a eles. (DANTON, 2005)

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! figura 4: em 2004, o Quarteto Fantástico descobre o perigo representado pela entropia para um universo nãoinflacionário.(In Ultimate Fantastic Four ed. 16, Editora Marvel Comics, 2004)

Potencial Pedagógico

A adoção de Histórias em Quadrinhos de ficção científica como ferramenta auxilar permite o desenvolvimento de diferentes estratégias didáticas pelo professor, baseadas na atribuição de papel de destaque à teoria em sala de aula. Ao adotar o uso de tiras seriadas semanais, cabe ao professor levar o aluno a compreender os fatos científicos envolvidos na narrativa como dependentes dos conceitos trabalhados em classe, cuja compreensão deve ser capaz de permitir que o aluno especule quais alterações seriam possíveis no desenrolar da história.

Não se faz necessária a leitura por completo de uma História em Quadrinhos ou série de tiras pelos alunos, podendo o professor adotar recortes de histórias em específico, desde que os personagens sejam de conhecimento dos alunos, ainda que através de outras mídias como cinema ou televisão. Neste caminho, cabe ao professor apresentar a ciência como complemento do conhecimento necessário na construção do entretenimento lúdico.

Dada a ligação lógica estabelecida entre ciência e narrativa pelos escritores em suas histórias, não é o caso de se utilizar recortes de Histórias em Quadrinhos de ficção científica como mero veículo ilustrador de teorias, sob o risco de prejuízo ao ritmo de aula por desrespeitar os limites do lúdico impostos pelo uso do ferramental adotado ______________________________________________________________________________________________ ______ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011

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"O poder de muitos conceitos científicos úteis reside pelo menos em parte, no fato de serem projeção antropomórficas do mundo das atividades humanas e, nessa medida, serem metáforas." (HOULTON, 1998, pg.72)

Considerações

Histórias em Quadrinhos

são de maneira comum tratadas com

pertencentes ao reino da literatura infantil como veículo transmissor de fantasias, raramente sendo lembrada sua ligação com a ciência. Adotar o uso de Histórias em Quadrinhos do gênero de ficção científica em sala de aula de Física como ferramenta é possivel, desde que seja explorado seu potencial como veículo auxiliar a alfabetização científica do aluno, por representar um meio de apresentá-lo a processos que envolvem o entendimento de determinados fenômenos físicos abordados de modo formal em sala de aula. Suas estratégias de uso atribuem ao professor a responsabilidade de ajustar ou adaptar as relações entre teoria científica e aquilo que é “experimentado” pelo aluno durante a leitura. Como estímulo à realização de breves experimentos mentais direcionados pelo professor, o exercício criativo proporcionado pela leitura de Histórias em Quadrinhos de ficção científica pode permitir que o aluno realize um desdobramento informal de suas concepções, tornando possível idealizar conceitos sob a forma de situações-problema não operacionáveis em seu cotidiano. Aliar uma teoria à prática imaginária pode tornar possível instigar a curiosidade do aluno pelo meio em que se desenvolvem os fenômenos, levando-o a entender a causa de um efeito através do processo em que se desenvolve, apresentando ao aluno uma visão do caminho para o “todo”. Facilitar a incrementação do conhecimento científico dos estudantes é o papel a ser desempenhado pelas Histórias em Quadrinhos de ficção científica em aulas de Física. Em particular, os ajustes entre situações imaginárias e práticas discursivas devem compor a teoria trabalhada de forma conjunta e coerente ao final, como um todo: o que deve ocorrer é o aprendizado de novos

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termos, conceitos e aplicações a serem empregados futuramente pelo professor. Ao final, espera-se que o uso de Histórias em Quadrinhos de ficção científica como ferramenta pedagógica seja visto pelo professor como um caminho possível de ser adotado para o desenvolvimento de metodologias didáticas próprias, capazes de levar seu aluno a introduzir, verificar, testar e falsear hipóteses levantadas pelo exercício da linguagem, com a incrementação de seu vocabulário científico por meio da prática de breves experimentos mentais conduzidos pelo professor.

Referências

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Graham Books, 2005. LUCHETTI, Marco Aurélio. A ficção científica nos quadrinhos. 1ª edição. São Paulo, GRD, 1991. MCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. 1ª edição, São Paulo, M. Books do Brasil Editora Ltda, 2005. NOWLAN, Phil & CALKINS, Dick. Buck Rogers: quando a banda desenhada conquistou o espaço. 2ª edição. Lisboa, Futura, 1993. RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. 1ª edição, São Paulo, Contexto, 2009. RITT, Willian & GRAY, Clarence. Brick Bradford: Viagem ao Interior de uma Moeda. edição única. Rio de Janeiro, EBAL, 1984. SILVA, Elifas Levi da. Aspectos motivacionais em operação nas aulas de física do ensino médio, nas escolas estaduais de São Paulo. Dissertação (mestrado) – Universidade de São Paulo. Instituto de Física. São Paulo: 2004. VERGUEIRO, Waldomiro (org). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3ª edição, São Paulo, Contexto, 2009.

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