Uma análise sócio-histórica da formação do Museu moderno

July 15, 2017 | Autor: Wagner Damasceno | Categoria: Museology, Museologia, Marxismo, Museologia Social
Share Embed


Descrição do Produto

S U AM

1

R B e °s

o i r iná

e d M o se Eir

a

il oGi s a br ol

e s u M

TE n o iz

.

4 201

or

H Elo

B

ANAIS 1 I SEBRAMUS - NOVEMBRO 2014

12

o

n 4 1 a

ro

b vem

REDE DE PROFESSORES E PESQUISADORES DO CAMPO DA MUSEOLOGIA Carlos Alberto Santos Costa | UFRB Coordenador Elizabete de Castro Mendonça | UNIRIO Coordenadora

I SEBRAMUS SEMINÁRIO BRASILEIRO DE MUSEOLOGIA COMITÊ ORGANIZADOR Carlos Alberto Santos Costa | UFRB Elizabete de Castro Mendonça | UNIRIO Emanuela Sousa Ribeiro | UFPE Letícia Julião | UFMG Luiz Henrique Assis Garcia | UFMG Manuelina Maria Duarte Cândido | UFG Mário de Souza Chagas | UNIRIO Paulo Roberto Sabino | UFMG COMITÊ CIENTÍFICO

ALUNOS VOLUNTÁRIOS

Carlos Alberto Santos Costa | UFRB

Alessandra Menezes

Elizabete de Castro Mendonça | UNIRIO

Alysson Costa

Letícia Julião | UFMG

Anna Karoline

Helena da Cunha Uzeda | UNIRIO

Camila Mafalda Santos

Manuelina Maria Duarte Cândido | UFG

Carlos Roberto Fonseca

Mário de Souza Chagas | UNIRIO

Daniela Fernandes

Marília Xavier Cury | USP

Diego Almeida Lopes

Rita de Cassia Maia da Silva | UFBA

Eliane Rocha

Yára Mattos | UFOP

Flávia Skau

Zita Rosane Possamai | UFRGS

Francisco da Silva Frederico Serpa

ANAIS I SEBRAMUS

Isabela Trópia

Paulo Roberto Sabino | Projeto Gráfico

Karyna Dultra

Diego Almeida Lopes | Diagramação

Leandro Rosa Luana Ferraz Luiz Eduardo Loureiro Márcia Vieira Polignano Marcos Gannam Maria de Lourdes Oliveira Miriam Célia Silva Paola Cunha Pauline Silva Priscila Mendes Dutra Soraia Vasconcelos Thais Lopes Diaz Vinicius Santos Vinícius Santos Vitória Falcão Sattler Vivien Mayze Peroni

2

3

APRESENTAÇÃO

A Rede de Professores e Pesquisadores do Campo da Museologia em seus V e VI Encontros anuais, ocorridos em 2012 em Petrópolis e 2013 no Rio de Janeiro, respectivamente, idealizaram o Seminário Brasileiro de Museologia – SEBRAMUS, que nasce com o desafio de ser um espaço de construção solidária e dialógica da Museologia no cenário nacional.Tem como objetivo se afirmar como locus privilegiado de discussões acadêmicas, contribuindo para a divulgação qualificada da produção científica dos professores e pesquisadores da área. O 1º Seminário Brasileiro de Museologia será sediado pelo Curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, entre 12 e 14 de novembro de 2014. O evento é aberto a todos interessados e abrange diversas áreas do campo da museologia: perspectivas acadêmicas, patrimônio e memória, história dos museus e coleções, museus e políticas públicas; processos de salvaguarda e comunicação.

4

REDE DE PROFESSORES E PESQUISADORES DO CAMPO DA MUSEOLOGIA

Instância de mobilização profissionais da Museologia que atuam no ensino e pesquisa, a Rede de Museus, pela própria constituição fluída não tem amarras jurídicas. No entanto, tem representatividade, pelos atores com fins comuns que interagem solidariamente no grupo. Ao longo dos seis anos de sua existência, se apresentou como um fórum eficaz no encaminhamento de questões que afetam o ensino da Museologia. Contudo, frente às experiências adquiridas e ao crescimento do campo museológico no cenário nacional, os membros da Rede se deparam com um novo desafio: fomentar a produção acadêmica da área. É inegável o avanço do campo da Museologia no Brasil, nos processos de formação profissional nos cursos de graduação e na pós-graduação stricto sensu, na ampliação das instâncias públicas oficiais, no corpo normativo legal e na diversificação dos locais de atuação. Apesar desses avanços, constata-se a carência de um fórum permanente, de natureza acadêmica e específico da área, no qual os pesquisadores atuantes nos cursos de formação universitária e nas instituições de pesquisa, pudessem divulgar suas produções científicas, tendo como interlocutores profissionais com interesses convergentes. Assim, a Rede de Professores e Pesquisadores do Campo da Museologia se mobiliza para propor e apoiar a realização iniciativas dessa natureza.

5

MUS



RA seB

io nárde i M se Eiro

sil Gia braseolo

Mu

nTE

o

BEl

izo Hor

14

. 20

12

ro

mb

ove

n a 14

6

instituto inhotim

História Dos Museus e Coleções 699

UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DO MUSEU MODERNO Wagner Miquéias F. Damasceno [email protected]

Trata da formação dos museus, a partir da transição dos gabinetes de curiosidades e das coleções principescas. Analisa o museu como uma instituição surgida no capitalismo, compreendendo as suas formas antecessoras sob o signo da transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista promovida pelas revoluções burguesas européias. Propõe analisar a formação dos museus sob os auspícios do Estado burguês.

Palavras-chave: Gabinetes de Curiosidades, Museus, Estado, Capitalismo.

726

A burguesia desempenhou na História um papel eminentemente revolucionário. (Manifesto do Partido Comunista Karl Marx e Friedrich Engels)

Analiso a transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista para compreender a formação do museu moderno.

Coleções principescas e Estado Absolutista De acordo com Patrick Mauriés, as coleções de relíquias das igrejas medievais foram as precursoras dos gabinetes de curiosidades. O que motivava a posse dessas relíquias era a suposta santidade e o poder de cura atribuída a elas. Em suas palavras: “alguma coisa da atmosfera do sobrenatural que pertencia a elas [coleções de relíquias] passou para os gabinetes de curiosidades, de modo que a alquimia, o oculto e a magia nunca estiveram longe¹ ” (2011, p. 07, Tradução minha). Na Idade Média a Igreja Católica e os príncipes possuíam coleções de relíquias e artefatos valiosos que eram vedadas à visitação. Tanto as coleções principescas enclausuradas e requintadas, quanto os gabinetes de curiosidades, caracterizados por amealhar espécies e objetos exóticos para curiosidade e conhecimento dos visitantes, estão inscritas num mesmo momento de transição social. Primeiro abordarei as coleções principescas, em seguida, falarei dos gabinetes de curiosidades. É na Baixa Idade Média que a Europa experimenta transformações econômicas, políticas e culturais que iniciaram o declínio do feudalismo² . A descentralização política, as constantes guerras, os esgotamentos de víveres ocasionados por baixas produtividades, diminuição populacional e pestes, contribuíram para o esgotamento das possibilidades de desenvolvimento do sistema feudal.

727

Nicos Poulantzas deu ênfase à defasagem cronológica entre a relação de propriedade e a relação de apropriação real na transição entre o feudalismo e o capitalismo. Para ele, essa defasagem diz respeito a uma característica comum da transição em geral: […] em conjunto, este Estado [absolutista] apresenta, na sua ligação com as relações sociais de produção, características de um Estado em ligação com o isolamento capitalista dessas relações, embora os pressupostos deste efeito de isolamento, sob a forma capitalista, não existam ainda na realidade (1977, p. 156).

A função desse Estado, para Poulantzas, seria a de liquidar as relações feudais de produção e produzir novas relações ainda não determinadas de produção, ou seja, capitalistas. Em suas palavras: “a sua função é a de transformar e fixar os limites do modo de produção. A função desse Estado de transição na acumulação primitiva decorre da eficácia específica do político no estágio inicial da transição” (1977, p. 157, grifo meu). É nos marcos do Absolutismo que podemos compreender a nova orientação aquisitiva dos monarcas e príncipes europeus dos séculos XV ao XVII. Declarar guerra, cunhar moedas, julgar, punir, absolver, foram algumas da principais atribuições centralizadas nas mãos dos monarcas. À magnitude de um poder centralizado, outrora disperso, deveria corresponder um conjunto de crenças e valores que refletissem tal poder, justificando, legitimando e perpetuando-o. Krzysztof Pomian exprime percepção semelhante ao falar sobre o novo estatuto das obras de arte e sua vinculação com o poder do príncipe: O novo estatuto das obras de arte baseia-se na sua vinculação à natureza concebida como uma fonte de beleza, e portanto, como única capaz de dar a um objeto produzido pelos homens os traços que lhe permitem durar […] Mas, qualquer que seja a maneira em que se a conceba, e quaisquer que fossem as divergências sobre o papel da arte (que, segundo uns, deve aplicar-se apenas em visualizar o invisível, enquanto que, segundo outros, pode simplesmente representar aquilo que se vê), estava entendido que apenas a arte permite transformar o transitório em durável (1997, p.77, grifo meu).

O Absolutismo foi a secularização do mundo através da instituição do Estado. Mas uma secularização que, não só, foi incapaz de banir os resquícios mítico-teológicos do Estado, como utilizou sistematicamente de alguns desses atributos. […] o que se representa tornar-se-á mais cedo ou mais tarde invisível, enquanto que a imagem, essa, permanecerá. O artista aparece então como um personagem privilegiado na medida em que é capaz de vencer o tempo [...] É o que faz do artista um instrumento insubstituível do príncipe que aspira não só à vida eterna mas também à glória, isto é, a uma fama duradoura cá em baixo, entre os homens […] Só o artista, quer seja pintor, escultor ou gravador, lhes pode garantir uma duração. Num mundo onde o invisível se apresenta não tanto sob os traços da eternidade quanto sob os do futuro, a protecção das

728

artes é um dever de qualquer príncipe que queira aceder a uma verdadeira glória. Por isto, os príncipes tornam-se mecenas e, portanto, coleccionadores; o lugar que ocupam obriga-os a ter gosto, a atrair artistas às suas cortes, a rodearem-se de obras de arte. Mas não há só os príncipes: todos aqueles que se situam no alto da hierarquia do poder são levados a desempenhar o mesmo papel (POMIAN, 1997, p. 77-78, grifo meu).

A finitude da vida daquele que secularizava o poder da nação era algo que precisava ser contornado e, de alguma maneira, mistificado. Assim, as coleções principescas e o mecenato monárquico e nobiliárquico encerravam interesses que não eram simplesmente “artísticos”, mas políticos.

Doutrina econômica e acumulação As coleções principescas desenvolveram-se significativamente sob a orientação de uma doutrina econômica que previa o incentivo à produção de artistas nacionais para que não houvesse importação de obras e/ou artistas estrangeiros. Por seu turno, os gabinetes de curiosidades desenvolveram-se, não só, como expressão de uma incipiente atitude científica, mas como resultado do colonialismo europeu iniciado com as expansões mercantis características do período de acumulação capitalista. As doutrinas econômicas mercantilistas orientaram, em grande medida, essas duas formas colecionistas: […] o Sistema Mercantil foi um sistema de exploração regulamentada pelo Estado e executada através do comércio, que desempenhou um papel importantíssimo na adolescência da indústria capitalista, sendo essencialmente a política econômica de uma era de acumulação primitiva (DOBB, 1973, p. 257).

Na segunda metade do século XVI faltavam na Europa metais preciosos, essenciais para o tráfego de mercadorias. A necessidade de encontrá-los para o “destravamento” da produção motivou, em grande medida, as descobertas oceânicas (MOUSNIER, 1995). O aumento da quantidade de metais preciosos oriundos da Europa Central e da América contribuiu, decisivamente, para a alta dos preços das mercadorias e o aumento das transações comerciais internacionais. De acordo com Roland Mousnier, O capitalismo tomou grande desenvolvimento graças à intensificação do comércio a longa distância. A existência das Cortes dos príncipes, cujo exemplo difunde o gosto do luxo em todas as classes da sociedade, a presença de exércitos de mercenários, o aumento das grandes cidades, o acréscimo da população, o enriquecimento da Europa, que são ao mesmo tempo causa e efeito, provocam a expansão do consumo não só de produtos raros e do elevado custo, mas também de produtos correntes. Maior número de artigos torna-se objeto de grande intercâmbio internacional e de novas ocasiões de atividade capitalista […] O grande comércio capitalista recebe grande impulso, sobretudo com a

729

abertura das vias de comércio oceânicas para a Ásia e com a descoberta da América (1995, p. 151, grifo meu).

As grandes descobertas marítimas desarticularam a centralidade do comércio mediterrânico. Contudo, se os velhos centros italianos foram superados, não apresentaram um declínio real: A produção e o intercâmbio conservaram seu volume e seu valor […] Veneza conseguiu não só restabelecer as suas relações como mandar vir especiarias pelas antigas rotas a um preço remunerador, apesar do maior número de intermediários que aumentavam as despesas (MOUSNIER, 1995, p. 153).

É nesse cenário econômico que floresceram os gabinetes de curiosidades, figurando em regiões europeias de grande intercurso comercial. Uma considerável concentração de gabinetes de curiosidades nas regiões que compõem hoje, a Itália, Alemanha e Holanda³ , torna possível inferir que havia uma estreita relação entre a atividade comercial e a formação dos gabinetes de curiosidades. Portanto, quem eram os colecionadores desses gabinetes? De acordo com Mauriés, Os homens que formaram coleções de curiosidades podiam ser membros da nobreza habilitados a comprar qualquer coisa; podiam ser comerciantes cujas coleções eram, geralmente, mais especializadas, e intelectuais menos ricos envolvidos em algum estudo particular. É possível definir o ‘colecionador’ como um tipo psicológico, um homem com uma mania por completude. Retirando objetos do fluxo do tempo ele, num certo sentido, “dominou” a realidade. Tal comportamento tem sido chamado de ‘infantil’, embora tenha sido, frequentemente, combinado com educação e sofisticação intelectual. Por isso, a descrição do coletor como velho pueril [do latim], o ‘velho infantil’4 (2011, p. 129, Tradução minha).

Em geral, os colecionadores dos gabinetes eram homens envolvidos, direta ou indiretamente, com o comércio, como atestam a biografia de alguns deles, tais como: Ferdinando de Tyrol (cuja esposa pertencia a família Wesler, uma das mais ricas da Europa) e Alfredo Cospi (agente da família Médici, uma rica linhagem de comerciantes). Compreender a aquisição de objetos para os gabinetes como uma atividade orientada pela lógica acumuladora significa relacionar essa atitude à concepção, em voga na Europa dos séculos XVI e XVII, de que a riqueza é medida pela quantidade de metais preciosos acumulados. Essa atitude surge, primordialmente, como política econômica de Estado e foi formulada por “negociantesautores”, como denomina-os Ingrid Rima, pensadores que eram “quase totalmente dedicados a melhorar sua própria fortuna e a de sua nação na luta contra outros Estados” (1977, p. 45). É compreensível que o fluxo de idéias dos negociantes-autores, juntamente com o dos filósofos, dirigentes governamentais e cientistas que também voltaram sua atenção

730

para assuntos econômicos, resultasse em uma massa de literatura bastante heterogênea (1997, p. 48).

A literatura mercantilista é vasta e conta com ideias e prescrições das mais diversas5. Esses negociantes-autores não compreendiam o funcionamento do sistema econômico de seu tempo. Envidavam seus esforços na conservação de metais preciosos e de moeda como se estes substanciassem a riqueza, não compreendendo a função monetária e sua relação com os fatores reais. Foram, posteriormente, alvos de críticas da fisiocracia francesa e, mais duramente, do filósofo inglês Adam Smith, na segunda metade do século XVIII. Mas, de fato, como destaca Rima (1977), a doutrina mercantilista impulsionou bastante a produção, já que era necessário criar superávit através do comércio externo. Em paralelo, prescrevia o crescimento da população no intuito de aumentar o tamanho da força de trabalho. A linha de raciocínio seguida por grande parte dos mercantilistas, expressada em diversas edições do Britsh Merchant, é descrita por Rima: Brevemente, a linha de raciocínio seguida era de que quando os bens eram exportados, os estrangeiros pagavam pelos salários dos trabalhadores empregados para fazê-los, ao passo que as importações envolviam pagamentos semelhantes aos estrangeiros. O dever óbvio do governo seria, portanto, minimizar as importações a fim de conseguir um balanço favorável de renda paga pelos estrangeiros (1977, p. 58, grifo meu).

Marlene Suano destaca o impacto dessa política econômica para o crescimento das coleções principescas: A política mercantilista, vigente nesse período, significava basicamente o acúmulo de divisas nos tesouros nacionais, sobretudo em forma de ouro e prata. A importação de obras de arte era vista como escoamento de riquezas perfeitamente evitável caso os artistas nacionais produzissem de forma a contentar o mercado interno. Era necessário, portanto, propiciar-lhes oportunidades de convívio com as obras de arte das coleções reais e criarem-se academias de arte que servissem ao aprendizado e ao crescimento artístico. De fato, por volta de 1730, um ministro dinamarquês, Struensee, chegava a afirmar textualmente que “a Academia de Arte é útil ao Estado e às finanças dos reis porque forma artistas que serão menos caros que os estrangeiros” (1985, p. 25-26).

Se os mercantilistas eram negociantes-autores, podemos dizer que, especialmente, os colecionadores dos gabinetes de curiosidades eram uma espécie de negociantes-colecionadores. Indivíduos que possuíam apreço pelo desconhecido e pelo exótico, mas, acima disso: dispunham de recursos políticos e financeiros para obter os exemplares que preencheriam suas estantes. Os colecionadores agiam de forma acumuladora. Mas quais seriam os critérios de seleção dos objetos que comporiam seus gabinetes? Patrick Mauriés nos esclarece este ponto:

731

Nos gabinetes de curiosidades, como em qualquer outra coleção, a presença de qualquer objeto particular era justificada, a priori, por sua raridade. Era uma raridade que podia ser puramente contingente (quando o item em questão era uma das últimas partes sobrevivente de uma série, por exemplo); ou podia remeter à suas origens, quer no tempo (como acontece com relíquias), ou no espaço (como acontece com objetos etnográficos); ou podia derivar de sua excepcional feitura (como acontece com pedaços de ouro finamente trabalhados, marfins e semelhantes)6 (MAURIÉS, 2011, p. 73, Tradução minha).

Era a raridade do objeto que justificava a sua admissão na coleção. Essa raridade, por sua vez, podia ser relativa à contingência, ao tempo e ao espaço (distantes ou diferentes), ou ser relativa à “riqueza” do material e do trabalho empregado na confecção do objeto. Ora, a noção de raridade era particularmente importante para a sociedade burguesa emergente. O antropocentrismo colocou o homem como centro de um mundo que a cada dia se tornava mais burguês e destacava a liberdade como princípio social fundamental, afinal, esta era a premissa para a relação social de produção capitalista7. Dessa forma, a raridade dos objetos pode ser entendida, aqui, de maneira análoga à noção de singularidade presente no individualismo burguês. Não obstante, assemelha-se a encarnação fetichizada do valor-dinheiro pelo ouro e a prata8. Em outras palavras, tanto a dimensão cultural expressa no individualismo burguês, quanto a dimensão mais estritamente econômica da preciosidade dos metais que personificam a riqueza constituem uma lógica que conduz os colecionadores à busca da raridade, e não daquilo que seria ordinário. O ato de colecionar envolve uma vontade de ter e manter9. Numa sociedade mercantil a formação do indivíduo dá-se orientada pela lógica da posse. C. B. Macpherson denominou isso de individualismo possessivo. Para Macpherson, o individualismo possessivo é a unidade básica do pensamento político inglês dos séculos XVII ao XIX. Este pode ser compreendido nas setes proposições abaixo: (i) o que confere aos seres o atributo de humanos é a liberdade de dependência da vontade alheia. (ii) A liberdade da dependência alheia significa liberdade de quaisquer relações com outros, menos as relações em que os indivíduos entram voluntariamente visando a seu próprio proveito. (iii) O indivíduo é essencialmente o proprietário de sua própria pessoa e de suas próprias capacidades, pelas quais ele não deve nada à sociedade. (iv) Se bem que o indivíduo não possa alienar a totalidade de sua propriedade de sua própria pessoa, ele pode alienar sua capacidade de trabalho. (v) A sociedade humana consiste de uma série de relações de mercado. (vi) Já que a liberdade das vontades dos outros é o que torna humano o indivíduo, a liberdade de cada indivíduo só pode ser legitimamente limitada pelos deveres e normas necessários para garantir a mesma liberdade aos outros. (vii) A sociedade política é um artifício humano para a proteção da propriedade individual da própria pessoa e dos próprios bens, e (portanto), para a manutenção das relações ordeiras de trocas entre os indivíduos, considerados como proprietários de si mesmos (1979, p. 277).

732

Cumpre ressaltar que não se trata, aqui, de desconsiderar a afeição pelo objeto, e as relações entre identidade e memória sempre presentes no ato de colecionar, mas antes, entender essa atividade orientada por determinações de caráter político-econômicas inscritas na formação do modo de produção capitalista. Era essa qualidade excepcional que justificava a admissão do objeto na coleção e que, de forma dialética, validava a existência deste último, recém-validada como foi com cada aquisição recente. Uma certa escola de pensamento psicológico reconhece nesta ânsia pelo original o impulso básico que impulsiona todos os coletores: a necessidade de ver refletida nos objetos de suas coleções uma projeção emocionante, narcisista de sua própria auto-imagem.

Essa busca pela raridade entre curiosidades provocou uma escalada no grau de singularidade exigida de itens em coleções comuns: daí por diante, só o único seria suficiente, o idiossincrático empurrado para o ponto de incongruência. Aberrações e excentricidades eram agora avidamente procuradas em cada um dos dois reinos em que a criação foi dividida: naturalia e artificialia10 (MAURIÉS, 2011, p. 73, Tradução minha).

Essa “escalada do grau de singularidade” reflete a flagrante contradição de um modo de produção que produzirá mercadorias cada vez mais homogêneas, mas que, ideologicamente, evocará a singularidade das coisas e das pessoas. Conforme exposto por Mauriés (2011), há uma interpretação psicológica que reconhece no impulso que conduz todo o colecionador a necessidade de se ver refletido nos objetos de sua coleção, numa espécie de projeção narcisística de sua própria auto-imagem. O gabinete de curiosidades era uma instituição elaborada por um tipo de negociante-colecionador, que projetava também seu enriquecimento e seu apreço pela ciência. E, embora ganhasse cada vez mais contornos de classe, era obra individual. Os negociantes-colecionadores eram, em geral, homens afinados ou pertencentes à burguesia. Embora, costumeiramente, denominemos suas sociedades como burguesas, a burguesia ainda não era hegemônica, pois ainda não possuía plenamente o aparelho de Estado. São com as revoluções que se estendem dos séculos XVII ao XIX que a burguesia construirá sua hegemonia de classe. Nesse momento, os gabinetes de curiosidades saem de cena e entram os museus públicos.

Revolução burguesa e Estado: o caso inglês Sintomaticamente, o primeiro museu público surgiu em Oxford, na Inglaterra, nos anos finais da primeira grande revolução burguesa, em 1683, o Ashmolean Museum. John Tradescant doara sua coleção a Elias Ashmole com uma clara recomendação de que este a transformasse em museu. O que é, de certa forma, supreendente. Afinal, ceder uma coleção

733

individual para a formação de um espaço de caráter público era uma atitude radicalmente nova¹¹ . As coleções fundadoras, que Elias Ashmole havia prometido doar para a Universidade de Oxford em 1677, e que foram suplementados em seu legado de 1692, são constituídas, predominantemente, por aquelas “raridades ‘que os jardineiros reais, os Tradescants John I e John II, haviam acumulado na primeira metade do século XVII. Para aquela coleção, Ashmole e Dr Wharton tinham compilado o primeiro catálogo de museu que apareceu na Grã-Bretanha, o Musaeum Tradescantium, publicado em 1656. Em 1659, três anos antes de sua morte, John Tradescant II passou a coleção a Ashmole por escritura de doação. O primeiro, sem herdeiro masculino sobrevivente, estava mais preocupado com o futuro incerto das coleções da família; Uma de suas idéias era que elas poderiam ir para Cambridge ou Oxford. Ashmole se tornou membro de Brasenose durante a Guerra Civil em Oxford, e foi para Oxford que as coleções vieram¹² (PIPER, 1995, p. 05).

O primeiro museu moderno surge na Inglaterra porque as condições histórico-concretas da Velha Ilha forneceram o solo mais fértil para tal florescimento. Olhando em retrospectiva, o pioneirismo inglês é impressionante. Afinal, somente em finais do século XVIII as coleções se abrem e se colocam a “serviço do público” na França, com o Museu Nacional (Louvre), em 1792, o Museu de História Natural em 1794, o Conservatório Nacional de Artes e Ofícios e o Museu dos Monumentos Franceses, ambos em 1796¹³ . Na Enciclopédia, organizada pelos iluministas franceses Diderot e D’Alambert em 1751, o verbete museu é exemplificado pelo Ashmolean Museum, onde destacam a cessão de uma coleção individual composta por curiosidades para a formação do Museu: O museu de Oxford, chamado museu Ashmolean é um grande edifício que a universidade construiu para o progresso e a perfeição das diversas ciências. Ele foi iniciado em 1679 e concluído em 1683. Ao mesmo tempo, Elias Ashmole, nobre cavalheiro, presenteou à Universidade de Oxford uma coleção considerável de curiosidades que foram aceitas, e, em seguida, organizadas e colocadas em ordem pelo Dr. Plot14, que foi posto como primeiro tutor do museu (2014, p. 02).

Esse pioneirismo está ancorado numa profunda mudança política e econômica surgida com a Revolução Inglesa, que compreendeu, por sua vez, dois momentos de um mesmo processo revolucionário. Teve início em 1640 com a Revolução Puritana e atingiu o seu ápice em 1688 com a chamada Revolução Gloriosa (ARRUDA, 1984). A transformação da Inglaterra deu-se, também, por uma profunda alteração da estrutura agrária, num longo processo que configura-se no que Arruda chama de Grande Revolução Inglesa (1640 à 1780): a revolução burguesa que se realizará, em finais do século XVIII, em afirmação do modo de produção capitalista com a pioneira industrialização da Inglaterra. Trata-se do cercamento dos open fields e dos common lands, a reunião dos lotes de terra

734

dispersos numa área contínua que permitiria ao seu proprietário isolá-la das demais propriedades ou posses, transformando a terra em mercadoria e criando condições para a especialização da produção, a intensificação da divisão social do trabalho agrícola e a penetração mais intensa do capital no campo (ARRUDA, 1984, p. 19).

Se é difícil identificar com plena nitidez a polarização classista na guerra civil de 1640, não há dúvida que fora uma luta entre classes antagônicas, ainda que mescladas. […] a guerra civil não apresenta uma nítida clivagem social, com as classes integralmente alinhadas de um e de outro lado. Havia burgueses de ambos os lados; havia aristocratas de ambos os lados; havia yeomen de todos os lados. Mas é a gentry que dá o tônus da Revolução e seu posicionamento é claro: pelo Parlamento, contra a Monarquia. Foi esta classe que conduziu o processo revolucionário e, apesar de não aparecer diretamente nas rédeas do poder, foi ela quem dele se apropriou, como demonstram as ulteriores transformações decorrentes do processo revolucionário (ARRUDA, 1984, p. 44).

Com o início do processo revolucionário, o poder saía das mãos do monarca e da nobreza e passava para a aristocracia e para a gentry, ligada à burguesia mercantil. Entretanto, se a burguesia não logrou o poder político de forma plena, a Revolução Inglesa foi uma revolução que abriu espaço para o avanço do capitalismo (ARRUDA, 1996). A vitória da Revolução Inglesa fazia com que o Estado criado nesse processo revolucionário guardasse apenas resquícios da antiga estrutura do Estado Absolutista: “tratava-se de um novo Estado, peça essencial para a compreensão das transformações mais profundas que então se seguiriam, no sentido do aceleramento do processo de acumulação” (1996, p. 62). O primeiro museu moderno surge como instituição pública porque a esfera pública estava sob o controle de um Estado que assumia inexoravelmente um compromisso com a instauração do modo de produção capitalista15. Há de se ressaltar que o poder político ainda não era plenamente burguês, posto que fora uma revolução de compromisso social entre a aristocracia e a burguesia. Entretanto, se o arranjo político inglês não deu plenos poderes à burguesia na forma da política institucional, mais imediatamente, não deixou dúvidas sobre os caminhos econômicos que a partir dali seriam trilhados. É importante também notar que o primeiro museu moderno surge como uma instituição citadina, advinda das transformações na estrutura agrária experimentadas na Inglaterra revolucionada.

Considerações finais O museu moderno é originariamente uma instituição pública. Mas essa afirmação nem de longe pode ser apreendida apenas como “abrir-se” ou “servir” ao público; dizer que o museu é uma instituição pública significa o seguinte: que o museu está ligado à consolidação do Estado burguês.

735

O Estado é, ao mesmo tempo, produto e manifestação do antagonismo inconciliável das classes sociais. Aparentando estar acima da sociedade, o Estado apresenta-se como o árbitro onisciente e onipresente dos conflitos sociais, garantidor do interesse geral. Entretanto, é o exato oposto: o Estado é um órgão de dominação de uma classe sobre a outra. Se os gabinetes de curiosidades eram, eminentemente, obras individuais de negociantescolecionadores, os museus tornariam-se obras conscientes de uma classe revolucionária: a burguesia. A obra de comerciantes individuais (do séc. XV ao XVIII) assumiria, a partir daí, um crescente caráter de classe. À guisa de conclusão, a comparação feita por Friedrich Engels entre a revolução inglesa e a francesa pode ser bastante instrutiva para pensarmos, mais amplamente, sobre o surgimento dos museus na era das revoluções. A grande Revolução Francesa foi a terceira insurreição da burguesia, mas a primeira que se despojou totalmente do manto religioso, travando a batalha no campo político aberto. E foi a primeira que levou realmente o combate até à destruição de um dos dois combatentes, a aristocracia, e ao triunfo completo do outro, a burguesia. Na Inglaterra, a continuidade ininterrupta das instituições pré-revolucionárias e pós-revolucionárias e a transação selada entre os grandes latifundiários e os capitalistas encontravam a sua expressão na continuidade dos precedentes judiciais, assim como na respeitosa conservação das formas legais do feudalismo. Na França, a revolução rompeu plenamente com as tradições do feudalismo e criou, com o Code civil, uma magistral adaptação do antigo direito romano às relações capitalistas modernas, daquela expressão quase perfeita das relações jurídicas derivadas da fase econômica que Marx chama a “produção de mercadorias” (1980, p. 19).

O nível de consciência do processo e das tarefas a serem cumpridas pelos revolucionários franceses fez com que o Estado francês trabalhasse ideologicamente mais do que qualquer outro. A burguesia precisou consolidar e conservar o seu o domínio e o Museu do Louvre, serviria bem a esse interesse. Na precisa avaliação de Marlene Suano: O museu prestava-se muito bem às necessidades da burguesia de se estabelecer como classe dirigente. No ano de 1791, as assembleias revolucionárias propuseram, e a Convenção Nacional aprovou em 1792, a criação de quatro museus, de objetivo explicitamente político e a serviço da nova ordem. Foram eles: (1) o Museu do Louvre, aberto em 1793 e disponível ao público, indiscriminadamente, três dias em cada dez, com o fim de educar a nação francesa nos valores clássicos da Grécia e de Roma e naquilo que representava sua herança contemporânea; o Louvre, além das coleções reais, foi enriquecido por material vindo de igrejas saqueadas pelos revolucionários e, mais tarde, pelos botins que Napoleão trazia a toda a Europa e até do Egito; (2) o Museu dos Monumentos, destinado a reconstruir o grande passado da França revolucionária e que privilegiou os frutos do neoclassicismo em detrimento do patrimônio herdado do período medieval. Isso é muito compreensível, pois o neoclassicismo e o imperialismo de Napoleão são fruto da

736

mesma ideologia de uma França que se julgava herdeira de Grécia e Roma na hegemonia da Europa; (3) o Museu de História Natural e (4) o Museu de Artes e Ofícios, ambos voltados ao desenvolvimento do pensamento científico em função de suas realizações práticas (1986, p. 28-29).

Se essas duas revoluções burguesas guardam entre si diferenças no que tange à forma, é de se esperar que os museus hauridos desses processos também tenham se constituído como instituições diferentes. Nesse sentido, a análise da formação sócio-histórica dos primeiros museus emergidos das revoluções burguesas pode contribuir para a compreensão dessa insigne instituição que atravessou quatro séculos de intensas transformações.

NOTAS ¹ “Something of the atmosphere of the supernatural that belonged to them passed to cabinets of curiosities, so that alchemy, the occult and magic were never very far away” (2011, p. 07). ² “A ênfase dessa definição [de feudalismo] estará não na relação jurídica entre vassalos e soberano, nem na relação entre produção e destino do produto, mas naquela entre o produtor direto (seja êle artesão em alguma oficina ou camponês na terra) e seu superior imediato, ou senhor, e o teor sócio-econômico da obrigação que os liga entre si […] tal definição caracterizará o feudalismo primordialmente como um “modo de produção” e isto formará a essência de nossa definição” (DOBB, 1973, p. 52, grifo meu). ³

De acordo com Phillip Bloom, entre 1600 e 1740, só em Amsterdã, foram registrados pou-

co menos de cem armários particulares de curiosidade: “A variedade de objetos coletados já no começo do século XVII é impressionante, e reflete a dimensão do império comercial holandês: de armas, porcelanas e caligrafia japonesas, os artigos registrados em armários holandeses tinham origem em entrepostos de um mundo mercsantil que incluía China, Índia, Indonésia, Austrália, regiões africanas diversas como Nigéria, Etiópia e Angola, as ilhas Malaca, o Caribe, as Américas do Norte e do Sul, Egito, Oriente Médio e até mesmo Groelândia e Sibéria” (2003, p. 41). Ver também, a respeito, Mauriés (2011) e Findlen (1996). 4

The men who formed collections of curiosities could be members of the nobility able to buy

anything, merchants whose collections were usually more specialized, and less wealthy intellectuals engrossed in some particular aspect of study. It is possible to define the ‘collector’ as a psychological type, a man with a mania for completeness. By taking objects out of flux of time he in a sense ‘mastered’ reality. Such an approach has been called ‘childlike’, though it was often combined with education and intellectual sophistication. Hence the description of the collector as ‘senex puerilis’, the ‘childish old man’ (2011, p. 129).

737

5

“No que diz respeito à forma pela qual tal pensamento se exprimia, as doutrinas dêsses autores

se mostravam claramente muito menos homogêneas do que os economistas clássicos, em seu ataque aos ‘princípios do Sistema Mercantilista’, as fizeram parecer” (DOBB, 1973, p. 247). 6

“In cabinets of curiosities as in any other collection, the presence of any particular object was

justified, a priori, by its rarity. It was a rarity that might be purely contingent (when the item in question was one of the last surviving parts of a series, for instance); or it might concern its origins, whether in time (as with relics) or in space (as with ethnographic objects); or it might derive from its exceptional workmanship (as with pieces of finely worked gold, turned ivory and the like)” (MAURIÉS, 2011, p. 73). 7

O sentido social da liberdade: “Duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias

têm de confrontar-se e entrar em contato: de um lado, o proprietário de dinheiro, de meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de valores que possui, comprando a força de trabalho alheia; e, do outro, os trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte direta dos meios de produção, como os escravos e servos, e porque não são donos dos meios de produção, como o camponês autônomo, estando assim livres e desembaraçados deles” (MARX, 2008b, p. 828). 8

Assim Marx expõe sobre esse tema: “Porque o próprio tempo de trabalho admite diferenças pu-

ramente quantitativas, é preciso que o objeto que terá de ser sua encarnação específica seja capaz de representar diferenças puramente quantitativas, pressupondo a identidade, a homogeneidade da qualidade” (2008a, p. 194). E também: “Inúteis no processo imediato de produção, não são indispensáveis como meios de existência, como objetos de consumo […] Seu valor de uso individual não está em luta com sua função econômica. Doutro lado, o ouro e a prata não são, economicamente, objetos negativamente supérfluos, isto é, não indispensáveis, pois suas qualidades estéticas fazem deles a matéria natural do luxo, do adorno, da suntuosidade, das necessidades dos dias de gala, em síntese, a forma positiva do supérfluo e da riqueza” (2008a, p.195). 9

Ver Ter e Manter de Phillip Blom. Sobre a relação entre individualismo e posse ver Ter ou Ser? de

Erich Fromm. 10

It was this exceptional quality that justified the admission of the object into the collection, and

which in dialetic fashion vindicated the existence of the latter, newly validated as it was with each fresh acquisition. A certain school of psychological thought recognizes in this craving for the unique the basic impulse that drives all collectors: the need to seee reflected in the objects of their collections an exhilarating, narcissistic projection of their own self-image. This quest for rarity among curiosities had the effect of escalating the degree of singularity required of items in ordinary collections: hence-forth only the unique would suffice, the idiosyn-

738

cratic pushed to the point of incongruity. Aberrations and freaks were now eagerly sought in each of the two kingdoms into which creation was divided: naturalia and artificialia (MAURIÉS, 2011, p. 73). ¹¹ Não se pode, contudo, compreender o processo de abertura pública dos primeiros museus modernos nos termos estritos do universalismo iluminista, que, em última análise, jamais se realizou de forma plena no capitalismo. Conforme Poulot, “a abertura de coleções – rágias, nobiliárquicas ou burguesas –, obedecendo a determinados critérios, e não somente ao capricho do proprietário, inaugurou a época dos museus modernos. Seu público, além do microcosmo dos íntimos e dos benefeciários de algum privilégio, compreende os especialistas dos artefatos que estão reunidos nesse espaço – seus fabricantes ou seus intérpretes –, os alunos destes últimos, enfim, uma aristocracia de turistas” (2013, p. 61). ¹² The founding collections, wich Elias Ashmole had promise by gift to the University of Oxford in 1677, and which were supplemented in his bequest of 1692, consisted predominantly of those ‘rarieties’ that the royal gardeners, the Tradescants, John I and John II had accumulated in the first half of the seventeenth century. For that collection, Ashmole and Dr Wharton had compiled the first museum catalogue to appear in Britain, the Musaeum Tradescantium, published in 1656. In 659, three years before his death, John Tradescant II made the collection over to Ashmole by deed of gift. The former, with no surviving male heir, had been concerned, but uncertain, about the future of the family collections; one of his ideas had been that it might go to Oxford or Cambridge. Ashmole had become a member of Brasenose while in Oxford during the Civil War, and it was to Oxford that the collections came (PIPER, 1995, p. 05). ¹³ Ver Lara (2006, p. 47). 14

Dr. Robert Plot foi um naturalista e químico britânico (nota da tradutora Maria Eugênia An-

drade). 15

É recordando Gramsci que Althusser fala: “[Para Gramsci], a distinção entre o público e o pri-

vado é uma distinção interior ao direito burguês, e válida nos domínios (subordinados) em que o direito burguês exerce a sua ‘autoridade’. O domínio do Estado lhe escapa, por estar ‘além do Direito’: o Estado, que é o Estado da classe dominante, não é público nem privado; ao contrário, é a condição para qualquer distinção entre o público e o privado” (ALTHUSSER, 2010, p. 115).

Referências Bibliográficas ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. In: ZIZEK, Slavoj. Um mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. ARRUDA, José Jobson Andrade. A Grande Revolução Inglesa 1640-1780. São Paulo: FFLCH-USP;

739

HUCITEC, 1996. ARRUDA, José Jobson Andrade. A Revolução Inglesa. São Paulo: Brasiliense, 1984. BLOOM, Philip. Ter e manter. Rio de Janeiro: Record, 2003. DAUBENTON; DIDEROT, D. Musée (Verbete). Encyclopédie. Traduzido por: Maria E. G. de Andrade. Disponível em: . Acesso em: 26 mai 2014. DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. ENGELS, Friedrich. Do Socialismo utópico ao Socialismo científico. São Paulo: Global, 1980. FINDLEN, Paula. Possessing Nature: museums, collectings, and scientific culture in early modern Italy. California: UCLA, 1994. FROMM, Erich. Ter ou Ser? Rio de Janeiro: Zahar, 1977. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. LARA, Durval. Museu: de espelho do mundo a espaço relacional (Dissertação de Mestrado). São Paulo: ECA-USP, 2006. MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo de Hobbes até Locke. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008a. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política (Livro 1, Vol. 2). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008b. MAURIÉS, Patrick. Cabinets of Curiosities. London: Thames & Hudson, 2011. MOUSNIER, Roland. Os séculos XVI e XVII: os progressos da civilização européia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. PIPER, David. Treasures of the Ashmolean Museum: an illustrated souvenir of the collections. Oxford: Ashmolean Museum, 1995. POMIAN, Krzysztof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi Volume 1 Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1997. POULOT, Dominique. Museu e Museologia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. RIMA, Ingrid Hahne. História do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 1977. SUANO, Marlene. O que é Museu. São Paulo: Brasiliense, 1986.

740

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.