Uma Aplicação da Teoria de Grupos na “Solução” de Expressões Numéricas sem Signos de Agregação

July 17, 2017 | Autor: Renato Merli | Categoria: Algebra, História da Matemática, Educação Matematica
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UMA APLICAÇÃO DA TEORIA DE GRUPOS NA “SOLUÇÃO” DE EXPRESSÕES NUMÉRICAS SEM SIGNOS DE AGREGAÇÃO Wilian Francisco de Araujo Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Toledo [email protected] Renato Francisco Merli Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Toledo [email protected]

Resumo: As operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) são vistas como essenciais a qualquer atividade matemática. Nesse contexto, as expressões numéricas servem como verificação e avaliação do uso dessas operações por parte dos estudantes e dos professores. Contudo, alguns problemas aparecem quando não existem signos de agregação (parênteses, colchetes e chaves) nas expressões numéricas e aparecem operações com ordem de precedência igual a serem resolvidas. Nesse sentido, buscamos fundamentar a importância desses signos de agregação por meio de um resgate histórico dos mesmos. Quando não for possível utilizá-los ou não aparecerem numa expressão, apresentaremos nossa proposta de precedência, utilizando a teoria dos grupos. Mostraremos que a adição e a multiplicação serão as únicas operações presentes em uma expressão numérica, o que de certa forma, já estabelece a ordem de precedência.

Palavras-chave: Operações fundamentais. Teoria de grupos. Resolução de problemas. Introdução

Pesquisadores da educação matemática têm dedicado atenção especial aos estudos sobre a linguagem, em especial aos relacionados à passagem da linguagem cotidiana para a linguagem matemática. Nesse aspecto, o processo de algebrização da aritmética tem um papel fundamental nessas discussões, pois permite estabelecer uma conexão entre a linguagem abstrata (nesse caso pensada nos processos algébricos) e a linguagem coloquial1 (nesse caso os processos aritméticos).

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Entendemos aqui que os processos aritméticos não são de fato uma linguagem coloquial, já que números são tão abstratos quanto letras. O termo foi usado para denotar que a linguagem matemática mais comum entre os não matemáticos é a aritmética.

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Conforme apontam Lins e Gimenez (2007, p. 9), na comunidade da educação matemática, muitos acreditam que “aprender aritmética deve vir antes do aprendizado da álgebra”. Nossa discussão nesse texto não será a defender o ensino de álgebra antes da aritmética ou vice-versa, mas será de levantar uma discussão sobre a necessidade de que os professores tenham compreensão da teoria de grupos, de modo que tenham em mãos mais uma ferramenta no auxílio do uso dos signos matemáticos e das regras utilizadas nas operações fundamentais das expressões numéricas. Também não defendemos a ideia de uma modernização - no sentido de algebrização -, da matemática, pois essa ideia já foi posta em prática em tempos anteriores e se mostrou pouco fecunda. Pelo contrário, sabemos da importância do uso de problemas do cotidiano, buscando a contextualização. Contudo, procuramos um meio termo, como apontam Lins e Gimenez (2007, p. 23) quando propõem que a escola: [...] é, sim, lugar de tematizações, de formalizações. Esse é um papel importante que ela deva cumprir, o de introduzir as crianças em sistemas de significados que constituem o que Vygotsky chamou de conceitos científicos e, que correspondem a um corpo de noções sistematizadas (LINS; GIMENEZ, 2007, p. 23, grifo nosso).

Nesse sentido, tratamos neste trabalho apenas de discutir a validade do método, o ato de resolver uma expressão numérica recorrendo apenas às regras impostas ou invocadas pelo individuo e, quando, elas não estão postas às claras, como no caso dos signos de agregação. Alinhamo-nos à ideia de Brandemberg (2009, p. 161) ao afirmar que “não podemos querer que a construção do ‘pensamento’ matemático, de milhares de anos, simplesmente, seja apresentada baseada em abstrações complexas e características do período moderno”, portanto, não basta ensinar álgebra antes da aritmética aos nossos alunos. Até porque pesquisas sobre a chamada Early Álgebra2 já vem sendo desenvolvidas no intuito de compreender a relação entre a aritmética e álgebra em séries iniciais. Para ter claro o uso dos signos e das operações fundamentais, faz-se necessária uma breve retomada histórica da origem de tais signos, das operações e de suas propriedades. Assim, neste texto, apresentamos um pequeno histórico da aritmética e de seus signos, a origem da teoria dos conjuntos e alguns de seus conceitos, mostrando alguns “problemas” que aparecem na resolução expressões numéricas por causa do mau

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Para maiores informações acesse http://ase.tufts.edu/education/earlyalgebra/about.asp.

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entendimento e do mau uso das operações e, quando não há a presença de signos de agregação.

Breve Histórico das Expressões Numéricas e Algébricas

O nosso modo de viver atual só foi possível graças ao domínio matemático que o homem estabeleceu. Esse domínio foi e vem sendo construído ao longo dos séculos, de forma gradual e cada vez mais complexa. Foi a partir do desenvolvimento da linguagem, que vemos uma evolução significativa da matemática. Boyer e Merzbach (2012, p. 25) apontam para isso, quando afirmam que o: [...] desenvolvimento da linguagem foi essencial para que surgisse o pensamento matemático abstrato; no entanto, palavras que exprimem ideias numéricas apareceram lentamente. Sinais para números provavelmente precederam as palavras para números, pois é mais fácil fazer incisões em um bastão do que estabelecer uma frase bem modulada para identificar um número (grifos do autor).

Com o advento da linguagem e, consequentemente do uso de sinais para representar os números, a realização de diversas operações foi possível. Por exemplo, Boyer e Merzbach (2012, p. 32) ponderam que a “operação aritmética fundamental no Egito era adição, e nossas operações de multiplicação e divisão eram efetuadas no tempo de Ahmes por sucessivas ‘duplicações’”. Além disso, mudanças nos sistemas numéricos também permitiram evoluir e desenvolver novos conceitos, por exemplo, o “sistema decimal posicional, utilizado por nós até hoje com algumas alterações, representou para a Aritmética o que o alfabeto foi para a escrita: a democratização” (NETO, 2005, p. 15). Essa democratização parece acontecer de fato, apenas quando sabemos utilizar os signos que conhecemos, “é preciso conhecer sua sintaxe para a composição de expressões e fórmulas” (NETO, 2005, p. 44). Assim, quando nos referirmos a símbolo e signo, usaremos a distinção que utiliza Piaget, como aponta Neto (2005, p. 33): [...] símbolos são sinais que sugerem fortemente o significado. Por exemplo: ||||| significando cinco. Ele contém a própria quantidade cinco. Ele representa a sua classe de conjuntos cinco elementos porque ele mesmo é um elemento da classe. Os símbolos podem ser criados pelas crianças, e dão alguma informação sobre o tipo de esquema de ação que estão representando. Os signos são convencionais como o cinco, 5, five, V, etc. Os signos são

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conhecimentos sociais e exigem um trabalho especial de construção (NETO, 2005, p. 33).

Para Cajori (1993, p. 342, tradução nossa) “na álgebra retórica e sincopada, a agregação dos termos foi indicada por palavras. Portanto, a necessidade de símbolos para agregação não era urgente. Até antes dos séculos quinze e dezesseis a conveniência e a necessidade para tais signos não foi definitivamente evocada3”. Até o estabelecimento dos principais signos de agregação que utilizamos atualmente na resolução de expressões numéricas ou algébricas, muitos outros foram utilizados e testados, como barras horizontais sobre os números, o uso de abreviações de palavras e, ainda pontos e vírgulas. Como sugere D’ Amore (2007, p. 249) “parece então que a língua da Matemática seja influenciada pela língua comum, muito mais do que poderia parecer à primeira vista”. Esse uso, de abreviações de palavras, entretanto não prevaleceu, mas sim, dos parênteses, dos colchetes e das chaves que foram historicamente firmados, principalmente por razões tipográficas (CAJORI, 1993, p. 342). O aparecimento dos parênteses, por exemplo, é relatada por Cajori (1993, p. 134), “Clauvius é um dos primeiros que você vê usar os parênteses redondos para expressar uma agregação4” (tradução nossa). Isso pode ser verificado na Figura 1. Tratase de uma página da obra Algebra, de Clavius, publicada em Roma, no ano de 1608. Figura 1 - Aparecimento dos Parênteses

Fonte: CAJORI, 1993, p. 135.

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In a rhetorical or syncopated algebra, the aggregation of terms could be indicated in words. Hence the need for symbols of aggregation was not urgent. Not until the fifteenth and sixteenth centuries did the convenience and need for such signs definitely present itself. 4 Clavius is one of the very first you see round parentheses to express aggregation.

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Em outro momento do mesmo texto, Cajori (1993, p. 139) chama a atenção para o uso dos parênteses que Clavius utiliza “note que

significa √3 vezes x2, não

√3𝑥 2 ; o )( é um sinal de separação de fatores5” (CAJORI, 1993, p. 139, tradução nossa). Esses são os primeiros usos dos parênteses, contudo, como a maioria dos signos matemáticos, eles também evoluíram. Na Figura 2, podemos verificar suas mudanças simbólicas, conforme os anos foram passando.

Figura 2 - Evolução dos Parênteses

Fonte: CAJORI, 1993, p. 552.

Em seguida, Cajori traz que o uso de colchetes foi inicialmente utilizado por Jean Buteon, em sua obra Arithmetica, em 1559, para representar a igualdade. Um exemplo apresentado pelo autor pode ser visto na Figura 3.

Figura 3 - Uso Inicial dos Colchetes

Fonte: CAJORI, 1993, p. 159.

Com relação ao uso das chaves, ela foi usada em 1593 por Vietè e depois em 1637 por Descartes, para indicar a soma dos coeficientes ou fatores de uma dada coluna, conforme podemos verificar na Figura 4.

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Notice that

means √3 times x2, not √3𝑥 2 ; the )( is a sign of separation of factors.

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Figura 4 - Uso Inicial das Chaves

Fonte: CAJORI, 1993, p. 159.

Historicamente, além dos signos de agregação foi necessário estabelecer a ordem com que as operações fundamentais de uma expressão numérica devem acontecer. No site do professor Jeff Miller6, ele elabora uma linha do tempo sobre o aparecimento da ordem de precedência das operações fundamentais. Segundo Miller (2010), em 1892, um dos primeiros a tratar sobre o assunto foi o texto American Mental Arithmetic, de Middlesex Alfred Bailey, no qual o autor aconselha a evitar expressões que contenham tanto ÷ e ×. Em 1898, no livro texto sobre Álgebra, de Fisher e Schwatt, eles indicam que as expressões que aparecem na forma a ÷ b × b devem ser interpretadas como (a ÷ b) × b. Já no século XX, outros autores sugerem que as multiplicações devam ser executadas em primeiro lugar; em seguida, à medida que ocorrem as divisões, da esquerda para a direita e por fim, todas as adições e subtrações, também da esquerda para a direita. No livro Second Course in Algebra, Wells e Hart (1913, p. 4) definem que: [...] em uma sequência de operações fundamentais sobre números, fica acordado que, as operações sob sinais radicais ou com símbolos de agrupamento, devem ser realizadas antes de todas as outras; que, de outro modo, todas as multiplicações e divisões serão realizadas primeiro, procedendo da esquerda para a direita, e depois todas as adições e subtrações, procedendo novamente da esquerda para a direita7” (tradução nossa).

Percebemos nesses pequenos trechos, que não há um acordo geral, ou uma convergência histórica para a ordem de precedência das operações, nem mesmo dos signos de agregação. Isso também pode ser visto no comentário de Cajori (1993, p. 274, tradução nossa) ao afirmar que “se um termo aritmético ou algébrico contém ÷ e ×, não

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Disponível em: http://jeff560.tripod.com/mathsym.html. Acesso em: 07 abr. 2014. In a sequence of the fundamental operations on numbers, it is agreed that operations under radical signs or within symbols of grouping shall be performed before all others; that, otherwise, all multiplications and divisions shall be performed first, proceeding from left to right, and afterwards all additions and subtractions, proceeding again from left to right. 7

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existe atualmente nenhum acordo a respeito de qual sinal será usado pela primeira vez8”. Portanto, nossa proposta é utilizar a teoria de grupos para apresentar uma justificativa para a ordem de precedência das operações fundamentais nas expressões numéricas, quando estas não virem com algum signo de agrupamento e/ou não estiverem em sua forma contextualizada. Dessa forma, na seção seguinte, apresentamos um breve histórico da teoria dos grupos para em seguida, justificar seu uso.

Teoria de Grupos

A teoria de grupos surgiu na tentativa de resolver um problema de solubilidade de equações algébricas. Após a descoberta das fórmulas para encontrar as raízes de equações de grau três e quatro nos anos de 1500, um problema que ficou em aberto por quase 300 anos foi “será que toda equação algébrica é solúvel por radicais?”, ou seja, de modo que a solução utilize apenas operações aritméticas fundamentais e de potenciação e radiciação. Em 1800, Paolo Ruffini afirmou que não existia uma fórmula para equações de grau maior ou igual a cinco, mas sua prova não foi aceita por ter algumas lacunas. Em 1824, Niels Henrik Abel provou que não existia fórmula para resolver equações de grau cinco, como as fórmulas para graus dois, três e quatro, usando certas funções racionais introduzidas por Joseph-Louis Lagrange em 1770. Conforme aponta Domingues e Iezzi (2003, p. 138), uma pergunta ainda permaneceria em pé “já que as equações de grau maior ou igual a 5 não são de modo geral, resolúveis por radicais, mais algum tipo o são, como já se sabia bem antes de Abel, o que caracteriza matematicamente estas últimas?”. Essa pergunta, mais tarde respondida (não diretamente, mas por meio do desenvolvimento de uma teoria) por Galois, utilizaria os chamados grupos de permutações para provar sua existência. De fato, a teoria dos grupos permitiu um pensar matemático voltado para a construção de estruturas matemáticas, refinando ainda mais sua simbologia e sua significação. Para compreender um pouco sobre essa construção de estruturas, 8

If an arithmetical or algebrical term contains ÷ and ×, there is at present no agreement as to which sign shall be used first.

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apresentamos a seguir, algumas definições que julgamos essenciais para o seu entendimento. Dado um conjunto G, não vazio e, uma operação binária *, dizemos que o par (G, *) é um grupo se forem satisfeitas as seguintes condições: 1) (𝑎 ∗ 𝑏) ∗ 𝑐 = 𝑎 ∗ (𝑏 ∗ 𝑐) para todo 𝑎, 𝑏, 𝑐 ∈ 𝐺; 2) Existe um elemento 𝑒 ∈ 𝐺 tal que 𝑎 ∗ 𝑒 = 𝑒 ∗ 𝑎 = 𝑎 para todo 𝑎 ∈ 𝐺; 3) Para todo 𝑔 ∈ 𝐺 existe um elemento 𝑔′ ∈ 𝐺 tal que 𝑔 ∗ 𝑔′ = 𝑔′ ∗ 𝑔 = 𝑒. Se além dessas condições ainda tivermos que para todo 𝑔, ℎ ∈ 𝐺, 𝑔 ∗ ℎ = ℎ ∗ 𝑔, então

(G,*)

é

um

grupo

abeliano.

Os

principais

grupos

estudados

são

(ℤ, +), (ℚ, +), (ℝ, +), (ℂ, +), (ℚ∗ ,×) e (ℝ∗ , . ) e (ℂ∗ ,×). Enfim, com essa pequena inserção da teoria dos grupos, podemos nos perguntar: é possível esperar o quê para as expressões numéricas? De que maneira ela pode nos ajudar a compreender as regras de utilização dos signos de agregação e as operações fundamentais da aritmética? Na próxima seção fazemos algumas discussões sobre isso.

Discussões

Antes de começarmos a discutir, façamos o seguinte esforço. Esqueçamo-nos de todas as regras de precedência de resolução de uma expressão numérica e tentemos resolver 6×2+4÷2−1

Qual o resultado obtido? 13, 36 ou 7? Se usarmos nossa ordem normal das operações; primeiro operamos todas as divisões e multiplicações, da esquerda para a direita, em seguida, todas as adições e subtrações, da esquerda para a direita, temos o seguinte resultado: 6×2+4÷2−1 12 + 2 − 1 14 − 1 13

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Se por outro lado, decidíssemos que a adição e a subtração deveriam ser operadas por primeiro, e depois a divisão e a multiplicação, seria possível obter: 6×2+4÷2−1 6×6÷1 36 ÷ 1 36 E poderíamos ainda operar conforme nossa leitura escrita, ou seja, resolvendo todas as operações como elas aparecem, a partir da esquerda para a direita, sem precedência dada a qualquer coisa. Assim, encontraríamos: 6×2+4÷2−1 12 + 4 ÷ 2 − 1 16 ÷ 2 − 1 8−1 7 Como podemos ver, a necessidade do estabelecimento de regras universais é importante quando os problemas que aparecem não fazem menção a uma contextualização ou não apresentam um signo de agregação. E nesse caso, a simbologia e o uso de regras é uma parte importantíssima nesse contexto, “embora, em essência, ela seja apenas um conjunto de convenções em grande parte arbitrárias, seu adequado estabelecimento tornou mais fácil e prático entender, aprender e trabalhar com conceitos matemáticos cada vez mais sofisticados” (GARBI, 2009, p. 432). Nesse âmbito, a “aritmética escolar, hoje, embora plenamente justificada do ponto de vista dos significados matemáticos, parece não levar em conta necessidades da rua, embora muitas vezes diga que sim” (LINS; GIMENEZ, 2007, p. 16). Por outro lado, professores e pesquisadores têm buscado contextualizar tais expressões, vejamos, por exemplo, o relato de Parmegiani (2011, p. 1), sobre a contextualização do ensino das expressões numéricas. Ela utiliza o problema “Qual foi a mesada do menino Jean, se sua mãe lhe deu uma nota de R$ 10,00 e seu pai lhe deu 4 notas de R$ 5,00?” para construir uma expressão numérica; que nesse caso, pode ser representada por 10 + 4 × 5. Nesse caso, a regra para operar segue do problema, ou seja, fazemos a multiplicação e, em seguida, o resultado é adicionado a 10, resultando em 30. Conforme aponta a autora,

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[...] se a mesma expressão matemática estivesse desvinculada de um contexto, poderia gerar uma resposta absurda, 70, caso fosse efetuada a adição antes da multiplicação, ou seja, 10 + 4 = 14 e 14 · 5 = 70. Sendo assim, o conhecimento do contexto em que uma expressão está inserida facilita, em muito, a sua resolução (PARMEGIANI, 2011, p. 2).

Para esclarecer esse ponto, vamos tomar o exemplo de uma criança e de um matemático que dizem ambos, que “2 + 3 = 3 + 2”. Visto apenas do ponto de vista da afirmação, devemos dizer que ambos compartilham um conhecimento, mas, quando examinamos os significados em cada caso, vamos descobrir que, para a criança, “2 + 3 = 3 + 2” porque “tanto faz como você coloca os dedos: se põe três dedos e dois dedos vão ser sempre cinco dedos”, ao passo que o matemático vai possivelmente falar uma propriedade dos números reais (LINS; GIMENEZ, 2007, p. 26). Fica claro, que o uso de contextos é importante e pode ajudar no estabelecimento das regras. Nesse sentido, muitas vezes, estabelecer uma linguagem ingênua sobre matemática, se torna mais cômoda (D’AMORE, 2007, p. 51), contudo, a matemática: [...] possui uma linguagem específica (ou até mesmo, é uma linguagem específica); um dos objetivos principais de quem ensina é o de fazer com que os alunos aprendam, não apenas entendam, mas também de que se apropriem dessa linguagem especializada; por isso, não é possível evitar que os estudantes entrem em contato com essa linguagem específica, mais ainda, ao contrário, é necessário apresentala (impô-la?) para que dela se apropriem (D’AMORE, 2007, p. 249250).

Assim, temos claro que não adianta também utilizar as visões do passado sobre o ensino de matemática como algo extremamente formal ou simplesmente manipulativo, pois nos esquecemos de que a aritmética inclui também: a) representações e significações diversas (pontos de referência e núcleo que ampliam a ideia simples do manipulativo); b) análise do porquê dos algoritmos e divisibilidades (elementos conceituais); c) uso adequado e racional de regras (técnicas, destrezas e habilidades); e d) descobertas ou “teoremas” (descobertas, elaboração de conjecturas e processos de raciocínio) (LINS; GIMENEZ, 2007, p. 33).

Diante dessa análise, voltemos aos nossos problemas de ordem e precedência. Imaginemos a seguinte expressão a ser resolvida 6 ÷ 2 × 3. Qual será o resultado? 9? 1? Qual a regra a ser utilizada agora? Ou ainda, pensemos nessa outra expressão mais simples, 4 − 2 + 1. Qual o resultado? 3? 1? Outro? Em ambos os casos, não há uma regra específica a ser seguida, já que falamos da mesma ordem de precedência. No primeiro caso temos apenas multiplicação e divisão e,

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no segundo, apenas adição e subtração. Nos dois casos, escolher por uma operação em relação à outra significa obter resultados diferentes. Assim, a primeira coisa a se pensar é qual o conjunto em que estamos trabalhando? ℕ? ℤ? ℚ? ℝ?. Sabendo disto, começa a nossa discussão. Pensando na teoria de grupos, a subtração no conjunto dos números naturais não seria uma operação binária, pois 𝑎 − 𝑏 não está definido para todo 𝑎, 𝑏 ∈ ℕ, mas podemos definir 𝑎 − 𝑏 quando 𝑎 ≥ 𝑏. Quando estamos trabalhando no conjunto dos números inteiros a operação de subtração é uma operação binária, porém não possui todas as propriedades de um grupo abeliano, como por exemplo, a comutatividade e a associatividade. Há um grande problema, quando estamos no conjunto dos números inteiros, pois temos dois significados para o símbolo −, pois podemos a) estar apenas fazendo uma operação de subtração, significando que − é uma operação. Assim, por exemplo, 4 − 2, significa que estamos subtraindo 2 do número 4 ou, b) fazendo uma adição, significando que − é um sinal. Assim, teríamos 4 + (−2), e, nesse caso, não temos nenhum problema, pois a adição é comutativa e associativa. Assim, parece fazer mais sentido operar da esquerda para a direita. Outro detalhe importante é quando o símbolo – aparece à extrema esquerda, sem nenhum outro número antes. Nesse caso, esse símbolo significa necessariamente um sinal e não uma operação. O mesmo ocorre com a operação de divisão, ela só é uma operação binária no conjunto dos números racionais, e mais uma vez, essa operação não é comutativa e nem associativa. Aqui também temos o problema de interpretação quando escrevemos 6 ÷ 2. 1

Estamos fazendo a operação 6 dividindo por 2? Ou estamos multiplicando 6 por 2 ? Quando estamos multiplicando, gozamos das propriedades comutativa e associativa, e dessa forma, quando estamos somente operando a multiplicação faz mais sentido operar da esquerda para a direita. Como podemos ver, a ordem de precedência está ligada à existência da operação, ou melhor, do grupo. E para os dois casos, as operações que se fecham no grupo serão a adição e a multiplicação, enquanto que os símbolos − e ÷ serão vistos não como operações de subtração e divisão, pois não estão definidas nos grupos. O que teremos são sinais, indicando apenas com quais elementos temos que operar. Por exemplo, no nosso caso 4 − 2 + 1, poderia ser escrito na notação de grupo da seguinte

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forma 4 ∗ (−2) ∗ (+1), onde o ∗ indica a operação de adição e os símbolos concatenados aos números indicam os elementos. Portanto, seguindo nossa proposta, nos dois casos que apresentamos 6 ÷ 2 × 3 e 4 − 2 + 1 os resultados seriam respectivamente, 9 e 3, pois tomaríamos apenas as operações de multiplicação e adição, que são as operações que encerram os grupos (ℤ, +), (ℚ, +), (ℝ, +), (ℚ∗ ,×) e (ℝ∗ ,×).

Conclusões

Neste trabalho, estabelecemos a proposta de mostrar que a teoria dos grupos pode auxiliar a resolver o problema de ordem e procedência nas expressões numéricas em que não há o aparecimento de signos de agregação. Para dar conta disso, inicialmente fizemos um breve retrospecto histórico sobre as origens dos signos de agregação, posteriormente apresentamos sucintamente a teoria dos grupos e em seguida, fizemos uma discussão sobre os problemas que podem aparecer na resolução de algumas expressões numéricas que não possuem os signos de agregação. Vale destacar, que o pano de fundo para os problemas apresentados, está no uso da linguagem e nas suas idas e vindas, da natural (do cotidiano) para a formal (da matemática), ou vice-versa. Quando a formal está atrelada à natural, as expressões numéricas não têm problemas de ordem e precedência, já que o próprio contexto faz esse papel. Contudo, quando não há o contexto, no uso da linguagem, estão implícitas regras que muitas vezes não estão claras ou que não sabemos como utilizá-las. E então aparecem os problemas. Para minimizar tais problemas oriundos da forma como as expressões são apresentadas, partimos de uma abordagem com uma perspectiva histórica, buscando “um

direcionamento

epistemologia,

a

do

processo,

evolução

do

ao

considerarmos:

conhecimento

e

o

as

transformações,

interesse

do

a

alunado”

(BRANDEMBERG, 2009, p. 161). Ao abordarmos historicamente a evolução dos signos de agregação bem como das operações fundamentais, vimos que não há uma clareza sobre as regras, sendo necessário, portanto, propor alguns usos.

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Mostramos também que o uso de metodologias que possibilitam a contextualização dos conteúdos relacionados às expressões numéricas permite uma melhoria na formalização das regras, como pudemos ver no relato “Contextualizando o Ensino das Expressões Numéricas no Ensino Fundamental” (PARMEGIANI, 2011, p. 1) e como também pode ser visto no “Bingo das Expressões Numéricas” (OLIVEIRA, 2013, p. 1). Por fim, discutimos as características da teoria dos grupos que podem propiciar ao professor um entendimento maior das regras de utilização das operações fundamentais, bem como de suas ordens de precedência, quando não há signos de agregação, de modo a apresentar um exemplo de aplicabilidade dessa teoria para auxiliar no entendimento da resolução de expressões numéricas.

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