Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa...

September 30, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Economia, Historia Economica
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UMA COISA É UMA COISA,
OUTRA COISA É OUTRA COISA...






Iraci del Nero da Costa
São Paulo, setembro de 2002









Embora não seja especialista no tema e não pretenda nem sequer
roçá-lo, voto esta nota à categoria "produtividade" porque já me
deparei com mais de um colega que, inadvertidamente, confundiu aumentos
de produção com ganhos de produtividade. Sem pretender, pois, ditar
regras, lanço, tão somente, um alerta aos pós-graduandos que se iniciam
nos estudos afetos à área da história econômica.

Ao tratarmos, no âmbito da história econômica, das questões
concernentes ao conceito de produtividade(1) é preciso, creio,
estabelecermos claramente algumas distinções de caráter metodológico a
fim de evitarmos mal-entendidos os quais podem levar a uma falsa
apreciação de como se deram, efetivamente, os processos econômicos
estudados.

Uma primeira distinção deve fazer-se entre a idéia de
produtividade propriamente dita, ou produtividade física, e a de
rentabilidade econômica,(2) ou ganhos (perdas) de rentabilidade.
Enquanto a primeira refere-se estritamente às condições físicas de
produtos, insumos e fatores e à qualificação e capacidade gerencial dos
produtores, esta última envolve, exclusivamente, valores monetários (ou
elementos que podem ser traduzidos em termos pecuniários): custos em
geral, resultados de vendas e ou alienações de bens e/ou direitos,
ganhos ou lucros etc. Como é óbvio, a rentabilidade pode variar sem que
haja qualquer alteração na produtividade; correlatamente, mudanças de
produtividade podem deixar intocada a rentabilidade econômica. Tratam-
se, pois, de tópicos distintos cujas inter-relações têm de ser
analisadas detalhadamente para cada caso concreto.

De outra parte, deve-se ter presente que mudanças de produtividade
– além de alterações quantitativas -- supõem, sempre, variações de
caráter qualitativo nos fatores e/ou nos insumos e/ou nos bens
produzidos e/ou nas capacidades dos produtores. Mesmo no caso de ganhos
decorrentes da escala da produção verificar-se-ão mudanças de caráter
qualitativo, mesmo se se restringirem, apenas, ao âmbito de arranjos
operacionais e/ou gerenciais. Fato semelhante se dá quando a quantidade
produzida permanece constante, mas com utilização de expedientes
poupadores de recursos, evento este denotador de avanços em termos de
eficiência produtiva.

Note-se ainda que, no plano da produção -- quando tomada tão só
sob o prisma quantitativo -- pode ocorrer uma alteração no volume
produzido sem que se dê qualquer mudança em termos de produtividade.
Variações de teor monotônico (ou seja, estritamente proporcionais) são
a expressão do fenômeno aqui aventado.

Por outro lado -- excluindo-se aqui a eventual ocorrência de
alterações de cunho qualitativo que se compensem em termos de "ganhos"
e "perdas" --, mudanças qualitativas dos insumos e/ou dos fatores e/ou
das capacitações acarretarão, necessariamente, impactos sobre o volume
da produção e/ou sobre a qualidade dos bens produzidos.

Destarte, mudanças de produtividade trazem, imediatamente,
alterações quantitativas e/ou qualitativas nos produtos gerados. Assim,
o aumento da produtividade – sempre decorrente de variações
qualitativas – explicitar-se-á, obrigatoriamente, em: a) um maior
volume de produção, mantida a qualidade do produto; ou b) bens de
qualidade superior em maior número; ou c) o mesmo volume de bens
produzidos anteriormente, porém apresentando qualidade superior.

As ponderações colocadas acima devem servir-nos como elementos
acauteladores com respeito a eventuais generalizações que venhamos a
fazer em face de casos concretos colhidos de nossa história econômica.

Assim, o simples fato de verificarmos o aumento da produção deste
ou daquele bem não nos autoriza a tecer, de pronto, considerações sobre
variações de produtividade.

O volume produzido de arroz pode ter crescido por haver-se, dadas
as mesmas condições de produção, ocupado recursos que se encontravam
ociosos por falta de oportunidades produtivas, agora mobilizadas por
causa do aumento da demanda decorrente da chegada de novos contingentes
humanos dedicados à atividade criatória em desenvolvimento na região.

Deu-se aumento da produção de feijão porque na área lindeira
descobriu-se uma faisqueira muito rica que absorve a ação dos
habitantes autóctones e atrai novas levas de migrantes...

A produção de farinha veio abaixo porque os preços internacionais
do algodão alcançaram níveis muito altos fazendo com que os plantadores
da região se voltassem ao seu plantio e passassem a comprar a farinha
produzida em localidades distantes.

E por aí vão, soltas, a imaginação e a própria história.

Mesmo se tivermos certeza de que não existiam recursos ociosos,
seria preciso verificar se o aumento da produção de milho não derivou
da substituição de culturas, sem qualquer mudança em termos de
produtividade.

De outra parte, ganhos de produtividade também podem dar-se de
maneira fortuita. Numa área cuja fronteira agrícola encontra-se em
expansão pode ocorrer que se chegue a terras excepcionalmente férteis,
dai decorrendo um aumento de produtividade absolutamente aleatório.
Este caso parece-me de grande relevância, pois, a meu juízo, o estudo
da produtividade não deve descurar a existência ou não de móveis
conscientes por parte dos produtores bem como o grau de engajamento de
cada parcela deles.

Enfim, constatado o aumento de produção, é necessário, antes de se
passar a discorrer sobre ganhos de produtividade, coletar o maior
volume possível de dados quantitativos e recolher todas as informações
qualitativas disponíveis. Só munidos de um conjunto documental
substantivo, confiável e coerentemente concatenado é que devemos nos
abalançar a qualificar, sempre pormenorizadamente, os processos
econômicos com os quais nos depararmos em nossas pesquisas.







NOTAS




(1) Em termos genéricos, produtividade define-se como a relação entre o
resultado de determinado processo e os recursos mobilizados para a
obtenção desse resultado.

(2) A expressão "produtividade econômica" deve ser reservada para
relações que, além de considerarem apenas valores monetários, também
podem envolver variáveis com características distintas: valores e
quantidades físicas. Exemplo deste caso é dado pela relação: valor
monetário da produção / número de trabalhadores empregados.
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