UMA COMUNIDADE DE PROFESSORES NO ORKUT: DIZERES SOBRE A PESQUISA

June 29, 2017 | Autor: T. Biazi | Categoria: Identidades
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2 UMA COMUNIDADE DE PROFESSORES NO ORKUT: DIZERES SOBRE A PESQUISA

Terezinha Marcondes Diniz Biazi – UNICENTRO/PR

Introdução

Considerando que “os discursos são instrumentos vivos do eu1” (HOLLAND et al., 1998, p.28) que revelam os indivíduos em seus traços de heterogeneidade, esta pesquisa pretende olhar o discurso de professores de uma comunidade virtual do ORKUT, denominada Profissão-Professor, para delinearmos seus possíveis perfis identitários como professores-pesquisadores. Para isso, nossa análise focalizará em depoimentos postados no tópico Professor X Pesquisador para entender o posicionamento identitário dos participantes em relação à questão ser professor e ser/não ser pesquisador e como esses posicionamentos construídos em seus mundos figurados docentes, refratam suas identificações profissionais como professores e/ou pesquisadores (HOLLAND et al., 1998). Trazemos para reflexão neste trabalho a questão referente à prática de pesquisa científica na formação docente presente no discurso educacional contemporâneo (PEREIRA & ZEICHER, 2002), que, a nosso ver, é fator fundamental para que o professor venha a se posicionar no centro do processo de construção de sua profissão, orientando-se por meio da produção de novos saberes científicos. Nesse sentido, adotamos o posicionamento semelhante ao de Guimarães e Orlandi (2006, p.144), quando afirmam que o profissional deve “[...] ser mais do que leitor de uma disciplina científica, não só saber o já sabido, mas procurar saber o que ainda não se sabe” no domínio de conhecimento de seu interesse. Assim, os dois autores (op.cit.) ressaltam que para a produção de conhecimento novo, é essencial fazer pesquisa científica, cujos passos elencados por eles, consistem em: a) escolher um assunto;

1

Discourses are conceived as living tools of the self (tradução nossa).

b) escolher neste assunto uma questão que tenha interesse, e que não tenha sido respondida ainda; c) tomar um ponto de vista teórico; d) assumir um ponto de vista metodológico; e) produzir a análise de materiais específicos relativos à questão escolhida, com uma instrumentação própria da metodologia escolhida no domínio teórico escolhido; f) interpretar seus resultados face às teorias e face ao objeto em questão.

Este trabalho está estruturado em quatro partes. Na primeira, é discutida brevemente a noção de identidade que fundamenta a pesquisa e que fornece suporte para a análise dos dados. Na segunda parte, focalizamos nossa opção metodológica em relação ao contexto de pesquisa, ao instrumento utilizado para geração dos dados e aos participantes. A terceira parte é dedicada à análise dos depoimentos dos professores para entender seus posicionamentos acerca do ser professor-pesquisador. Finalmente, apresentamos nossas considerações finais sobre a análise empreendida, bem como apontamos as implicações desta pesquisa.

Pressupostos Teóricos Construção identitária

Na perspectiva de Holland et al. (1998, apud TÁPIAS-OLIVEIRA, 2006, p.37), a identidade é “[...] construída nos encontros e interações sociais e está sujeita à reorganização dos foros íntimos dos sujeitos (como ele vê a si mesmo) com os foros públicos (como os outros o vêem), nas diversas práticas sociais em que se insere.” Dizse que a identidade é um processo dialético e movente, que se re/produz, que se transforma, que aflora, que continua a ser, no confronto com os outros. Segundo os autores, a construção identitária dos indivíduos constitui-se a partir de alguns movimentos, dentre eles, mundos figurados e posicionamentos. Os mundos figurados são definidos como “[...] mundos de interpretação construídos social e culturalmente nos quais determinados personagens e atores são reconhecidos e o significado é atribuído a certos atos.” (ibidem, p.181). Isso significa que os mundos figurados fornecem uma estrutura para a compreensão de ações e de dizeres dos sujeitos

em seus campos ou cenários de atividades. Nos movimentos do sujeito entre um ou outro campo de atividade, realizado sob a forma de práticas sociais hierarquizadas e pela constatação de semelhanças e diferenças entre si e nos outros dentro dessas relações é que se manifestam os modos de o sujeito compreender a si mesmo e o mundo que o cerca. É, assim, nas manifestações sobre o agir, sobre si mesmo e sobre os outros, advindas dos mundos figurados, que a identidade de cada sujeito se constitui. Nesse sentido, os mundos figurados são auxiliadores na constituição identitária dos sujeitos. Além de os mundos figurados serem coadjuvantes na formação das identidades, eles propiciam uma nova semântica para a interpretação da construção de identidades. Isso acontece porque “[...] os mundos figurados podem ser investigados com base nas práticas vivenciadas nos grupos e nos artefatos culturais ou instrumentos, adotados como pivôs para auxiliar na compreensão da realidade desses mundos.” (TÁPIASOLIVEIRA, 2006, op.cit.). Assim, em nossa pesquisa, temos o mundo figurado docente sendo examinado a partir dos dizeres de professores (elaborados a partir das práticas vividas nesse cenário profissional), que foram postados no tópico Professor X Pesquisador, na comunidade virtual Profissão Professor (que vem a ser o instrumento que propicia um espaço-tempo para o sujeito pensar e discutir sobre o ser pesquisador no seu mundo figurado do Ensino), com o objetivo de compreender a construção da identificação profissional desses docentes. Ao entrarem em contato com esse novo artefato cultural, o espaço virtual, os professores aprendem uma nova forma de manifestarem-se sobre as suas ações na docência, sobre si mesmos e sobre os outros e de exteriorizar o que pensam sobre ser professor/pesquisador, o que possibilita a identificação ou confronto com as idéias do outro, gerando novas compreensões sobre seus mundos na docência. Por sua vez, o posicionamento é outro movimento que auxilia na constituição das identidades, conforme Holland et al.(op.cit.) colocam. O posicionamento também chamado pelos autores de identidade posicional refere-se ao modo de dizer e de ser do sujeito no discurso nos seus diferentes campos de atividades, que é determinado por relações sociais hierarquizadas dependentes de poder, status e posição; que também estão relacionadas à deferência, respeito, legitimidade, e a gêneros, raças, grupos étnicos, castas e sexualidades privilegiadas pela sociedade. Noutras palavras, o modo como as relações sociais determinam o posicionamento de cada indivíduo é explicado pela relação de forças de várias ordens existentes nas relações tanto materiais quanto nas relações simbólicas entre os indivíduos dentro dos determinados campos de

atividades que ocupam. Enfim, os sujeitos afetam e são afetados a cada instante no encontro com as diversas forças de poder, o que os conduz a fazer escolhas de como ser, falar e agir, e nesse movimento, de ora rejeitar e ora aderir às ideias ou comportamentos que se manifestam nos diferentes mundos figurados que habitam, os sujeitos acabam se constituindo. Holland et all (op.cit.) também classificam de posicionamento identitário, determinadas posições que os indivíduos incorporam, no decorrer do tempo, pelo convívio em seus mundos figurados. Os autores explicam que a predisposição para ser e para agir de uma forma ou de outra se constrói a partir do momento que os indivíduos passam a tomar parte ou a desenvolverem-se como especialistas em seus mundos figurados. Para os pesquisadores, dois fatores que auxiliam na definição do especialista são o envolvimento emocional e a responsabilidade com que ele desempenha sua tarefa. Eles explicam que

o envolvimento emocional aparece após a pessoa atingir um certo grau de competência e é, segundo eles, fator necessário para a maestria do especialista. O envolvimento leva à identificação: o novato, que passa a usar a lente dos especialistas ao ser inserido no mundo figurado, adota essa lente para si e começa a ‘compreender e organizar aspectos de seu próprio eu e, pelo menos, alguns de seus próprios sentimentos e pensamentos’ (TÁPIASOLIVEIRA, 2006, p.177).

Tendo como pressuposto teórico a concepção de Holland et all (1998) sobre a construção identitária dos indivíduos em seus mundos figurados, nossa pesquisa focaliza em postagens de uma comunidade virtual que se intitula “Profissão-Professor”2. Consta hoje precisar com um número de 80.783 membros – com fluxo contínuo de internautas, iniciada em 25 de abril de 2004, tipo pública, aberta para não-membros, é constituída de professores que atuam em vários níveis e áreas de ensino e em localidades diversas no país. Essa comunidade aloja vários fóruns de discussão, entre eles, o fórum Professor X Pesquisador, objeto de nossa análise. Optamos em focalizar o tópico Professor X Pesquisador, da comunidade virtual Profissão Professor, em virtude da questão postada pelo moderador anônimo para discussão, que é a seguinte: “Já vi algumas discussões a respeito e já ouvi muita pedrada. Há quem diga que é possível ser professor sem ser pesquisador e há os que 2

Para mais informações sobre a comunidade, ver o artigo Uma comunidade de professores no ORKUT: dizeres sobre a profissão neste volume.

opinam o contrário: todo professor é pesquisador. Qual a opinião de vocês?”. Considerando que entendemos a pesquisa como o fundamento da formação e da prática docente, buscamos analisar os depoimentos dos professores acerca da questão colocada - ser professor e ser/não ser pesquisador – para conhecer seus posicionamentos. No tópico Professor X Pesquisador temos quinze membros, nove do sexo feminino e seis do sexo masculino, todos professores de variadas disciplinas, de diferentes níveis de ensino e de localidades diversas no país. Esse tópico recebeu ao todo 21 postagens, sendo que a última ocorreu, especificamente, em 26 de julho de 2006 e o recolhimento dos dados para esta pesquisa foram realizados entre maio e julho de 2008. Dos 21 depoimentos postados no fórum, selecionamos 13 para análise, sendo excluídos 7 depoimentos que não respondiam a questão proposta pelo moderador. Recorremos ao modelo de análise de domínio desenvolvido por Spradley (1980), que consiste em fazer a leitura dos dados, o levantamento e a categorização de temas pertinentes ao posicionamento dos professores em relação ao ser professor e ser/não ser pesquisador. Portanto, o tópico Professor X Pesquisador, da comunidade virtual Profissão Professor serviu como um instrumento ou um artefato cultural, que propiciou um espaço-tempo para o sujeito-professor pensar e discutir sobre o ser pesquisador no mundo figurado do Ensino, do qual faz parte.

Análise e discussão dos dados Posicionamentos no mundo figurado docente: o que é ser professor pesquisador

Apresentamos abaixo a análise dos depoimentos de cada um dos professores (indicados pela letra P) postados no tópico Professor X Pesquisador com o objetivo de explorar quais são seus posicionamentos identitários (HOLLAND et al., 1998) em relação à questão ser professor e ser pesquisador. Destacamos os trechos mais significativos em itálico. P1: “[...] fico do lado da turma que vota no professor que pesquisa e sempre. Não consigo imaginar o agente ativo do processo de ensino-aprendizagem como um ser que

não estuda, não pesquisa... Sou professora e não consigo exercer a profissão sem estudar.” P2: “[...] para mim, professor e pesquisador são indissociáveis... como prosseguir no dia-a-dia sem revisitar e buscar elementos que subsidiem nosso trabalho? P19: “[...] A ideia que temos de pesquisador é a de que é aquele que trabalha com corpus (sic), experimento etc., mas só o fato de revisar literatura já é uma pesquisa.” P4: “[...] Mas ser pesquisador é uma atividade inerente ao professor. Como é que ele vai dar aula se não estuda? Como ele vai discutir com os alunos, construir conhecimento se está parado no tempo? Aquela ideia de que o professor sempre sabia tudo, de que havia uma verdade, não existe mais. E se o professor não estuda, não pesquisa, corre o risco de ficar desatualizado e desinformado, oferecendo uma péssima formação aos seus alunos. Como fica um professor que não pesquisa e não se atualiza?”

Para P1, P2, P19 e P4 todo professor é um pesquisador. O pesquisador é aquele que estuda, que revisita/revisa conteúdos e que se atualiza por meio de leituras para exercer seu trabalho docente. Assim, para esses professores pesquisa significa estudo e leitura. P1 e P4 demonstram conhecimentos teóricos pertinentes aos seus mundos figurados docentes (HOLLAND et al., op.cit.), empregando terminologias, tais como, em P1 (“agente ativo do processo de ensino-aprendizagem...”) e em P4 (“discutir com os alunos”, “construir conhecimento”). Cabe ainda comentar que P4, em sua postagem, reitera o que, para ele, parece óbvio para um profissional que se encontra inserido no mundo figurado do ensino, quando coloca, “Mas ser pesquisador é uma atividade inerente ao professor”. Na postagem que segue temos a visão de que o professor é pesquisador quando lê e transmite suas leituras critica e reflexivamente para seus alunos, P16: [...] “eu já acho BASTANTE coisa o professor ler o que está sendo produzido e fazer reflexões sobre isso. Ele não precisa, na minha opinião, produzir mais nada. Se um professor é capaz de ler o que já foi produzido e transmitir esse conteúdo de forma

CRITICA e REFLEXIVA, eu já acho de muita utilidade. Isso para mim já é considerada uma pesquisa.” (ênfase do autor)

P16 entende que o professor é pesquisador quando lê e transmite conteúdos para seus alunos. Ele descarta a possibilidade de o professor produzir conhecimento (a partir de suas ações de ensino), quando enuncia, “Ele não precisa, na minha opinião, produzir mais nada.” P16 também marca seu posicionamento docente categoricamente como conhecedor sobre o que enuncia, destacando, em caixa alta, as palavras “crítica e reflexiva”. Isso sugere que a constituição de sua identificação profissional em seu mundo figurado de ensino (HOLLAND ET AL., 1998) parece estar sob as influências do movimento da formação reflexiva, cuja abordagem teórica advoga, grosso modo, que o professor deve olhar para sua própria prática com vistas a um trabalho docente mais analítico. A seguir apresentamos postagens em que o professor é pesquisador quando busca informar-se teoricamente, P6: “[...] Acredito que ler, estar por dentro das novas teorias etc é OBRIGAÇÃO de qualquer professor. E tb acredito que professor e pesquisador não são coisas dissociáveis.” (ênfase do autor) P15: “[...] uma coisa é estar atualizado de FATOS, outra coisa é de TEORIAS que analisam os fatos. O professor precisa das teorias, desse conhecimento.” (ênfase do autor)

A posição assumida por P6 e P15 é de que pesquisar é adquirir conhecimento teórico. Eles veem a necessidade e a obrigatoriedade de o professor estar atualizado das teorias para o exercício docente. Identificando-se como profissionais do mundo figurado do ensino, os enunciantes se autorizam como especialistas para emitir suas avaliações sobre como entendem a relação professor e pesquisador (HOLLAND et al., 1998), enfatizando o conhecimento da teoria na atuação docente. Em outras palavras, pesquisa, para eles, vem a ser a aquisição de um saber já constituído pela academia, do qual eles devem se apropriar, e que se constitui a instrução necessária para o domínio da docência. Contudo, cabe colocar aqui, que os professores não questionam a relação dessa apropriação de conhecimento científico com a prática do professor em sala ou

mesmo a importância da prática de aula na construção de conhecimento teórico. Enfim, as colocações dos professores de que o saber teórico produzido por outros deve ser a mola mestra do trabalho do professor refrata as avaliações dos professores em relação a um entendimento sobre a docência construída em seus mundos figurados de ensino em que o saber teórico produzido por outros parece ser preponderante. De acordo com os participantes do fórum apresentados abaixo, o professor é pesquisador quando busca conhecer a sua sala de aula e seus alunos, P13: “[...] Todo professor deve conhecer o material humano com que trabalha e isso também é pesquisa. A realidade social na qual a escola em que trabalhamos está inserida é o ponto inicial para ensinar melhor. Conhecer o que nossos alunos vivem e a partir daí estabelecer estratégias. Sem isso, toda pesquisa corre o risco de ser vã.”

Aqui a pesquisa do professor consiste em conhecer a realidade de cada sala de aula bem como a realidade social na qual os alunos vivem para que esse conhecimento seja utilizado como referência para o trabalho didático do professor. O mundo figurado docente parece ter proporcionado a P13 um conhecimento prático por meio do qual os autoriza a se colocarem como especialistas em seu campo de atividade. Isso pode ser evidenciado, por exemplo, pelo modo como P13 expressa sua verdade sobre os deveres do professor, quando categoricamente se posiciona (“todo professor deve conhecer o material humano com que trabalha e isso também é pesquisa.”). Temos, também, postagens no fórum que afirmam que o professor deveria ser pesquisador na escola e que há um fosso existente entre a universidade e a escola, P9: “[...] Rita, eu falei aquilo apenas pra gerar discussão mesmo, mas acho que falta uma ligação maior entre a pesquisa na universidade e a escola sim.(...). Também acho que o professor deveria pesquisar e até acho que falta pesquisa na escola.” P10: “[...] Mas que existe um precipício entre as Universidades e a realidade das escolas, ah isso sempre existiu e não há esforço para diminuir esse espaço. A USP tentou, mas logo se cansou e voltou correndo para os confortáveis bancos acadêmicos.”

Vemos que P9 afirma que o professor não faz pesquisa na escola. Por outro lado, P9 e P10 abordam a questão da tão conhecida, e ainda não resolvida desarticulação

entre a universidade e a escola, na incisiva afirmação de P10 (“mas que existe um precipício entre as Universidades e a realidade das escolas, ah isso sempre existiu e não há esforço para diminuir esse espaço”). Assim, os professores manifestam seus posicionamentos adquiridos em suas vivências em seus mundos figurados do ensino sobre a questão do distanciamento entre a universidade e a escola, contudo não explicitam suas visões acerca do que entendem por pesquisa.

Posicionamentos no mundo figurado docente: professor e pesquisador - funções distintas

Dentre as postagens do fórum, cinco delas (P20, P14 e P2) defendem que ser professor e ser pesquisador devem ser funções separáveis e distintas, conforme seguem: P20: “[...] Um professor deve ser um bom orador e ter boa didática. Um pesquisador não precisa disso, precisa ter espírito crítico e questionador. Acho superficial dizer que um bom professor também precisa ter espírito crítico e questionador, afinal todo profissional precisa disso. Mas, como dizem, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.”

Na visão de P20 existe uma distinção bem definida entre ser professor e ser pesquisador no que diz respeito às qualidades necessárias para esses profissionais. O professor precisa ter boa didática e oratória para suas aulas enquanto o pesquisador precisa ter, fundamentalmente, espírito crítico e inquisitivo para suas pesquisas. Contudo, P20 não explicita claramente seu entendimento do que é fazer pesquisa. Temos P14 que traça uma distinção entre esses dois profissionais. Segundo ele, o professor está envolvido com suas atividades didáticas e não tem tempo para fazer pesquisa enquanto cabe ao pesquisador a produção de artigos e teorias. P14: “[...] O discurso é bonito, mas aposto que tem muito filho de Gepeto por aqui. Eu duvido mesmo que depois de 30 a 40 aulas por semana alguém tenha tempo hábil à (sic) pesquisa. Pô, ninguém prepara aula, corrige prova, trabalhos, e tem vida pós-escola aqui não? Em vez das virtudes do pesquisador, existem outros artifícios para se manter atualizado. Um professor que está a par do que sucede no momento presente

e sabe tirar proveito disso para o melhor desenvolvimento de suas aulas vale mais que uma gráfica de artigos ou aspirantes a autores de teorias.”

Por fim, temos P2 que traz uma definição de pesquisa que remete ao modelo acadêmico-científico de fazer pesquisa, com menção à construção de conhecimentos que segue um processo investigativo científico, com as etapas de coleta e análise bem como a socialização de resultados e sua aplicação social. P2 acrescenta que pesquisa é elaborar teorias e que esta deve partir da prática da sala de aula. P2: “[...] Pesquisar é ir a campo, colher informações, estar em contato com o 'objeto de pesquisa', na 'salinha' o trabalho é de organização e projeto antes, e tabulação, classificação e análise do material pesquisado depois; e ainda sistematização e formatação para divulgação dos resultados, bem como suas aplicabilidades. Eu também aspiro ao trabalho como Pesquisadora, mas penso que esse profissional deve partir sempre da verve regencial, ou seja, para direcionar e ter suas pesquisas aplicáveis, tem que ser professor com prática em sala de aula, depois pode até se dedicar exclusivamente à (sic) estudar e elaborar Teorias, mas que estas sejam coerentes aos (sic) colegas que regem as aulas...senão, acontece o que configura nossa realidade”.

Considerações finais

Esta pesquisa investigou depoimentos de professores sobre o tópico Professor X Pesquisador, da comunidade virtual do Orkut denominada Profissão Professor. Nesta investigação, o fórum de debate sobre o tópico Professor X Pesquisador foi considerado um instrumento ou um artefato cultural que serviu para compreendermos como os professores participantes do fórum se posicionaram nas discussões sobre o ser professor e ser/não ser pesquisador, e como esses posicionamentos que são construídos em seus mundos figurados docentes, refratam suas identificações profissionais (HOLLAND et al., 1998). Considerando que os depoimentos fazem parte da constituição da identidade desses profissionais, olhar para esses depoimentos nos auxilia a entender como esses professores se constituem profissionalmente. A postagem do moderador sobre a questão ser/não ser professor-pesquisador resultou em dez participantes que se posicionaram positivamente à ideia de que todo

professor é ou deve ser um pesquisador e, em três que defenderam que o professor não é necessariamente um pesquisador. Apresentamos, a seguir, nossas considerações acerca dos dados analisados. Em relação ao depoimento dos dez participantes, vimos que eles não conseguem ver a atividade de pesquisa desvinculada da prática docente. Entretanto, suas concepções do que seja professor-pesquisador variam. Assim, para eles, o professor é pesquisador quando estuda, quando se atualiza por meio de leituras para exercer seu trabalho docente; quando lê e transmite suas leituras critica e reflexivamente para seus alunos; quando busca informar-se teoricamente; e quando busca conhecer a sua sala de aula e seus alunos. Assim, para esses professores, a pesquisa é então sinônimo de estudo, de atualização, de transmissão de conhecimento, de busca de informação. Com isso, consideramos que os professores veem a pesquisa como uma atividade para aquisição de variados conhecimentos que os auxiliam em suas práticas docentes e que é necessária para se estabelecerem como profissionais especialistas na área de conhecimento em que atuam em seus mundos figurados docentes. Portanto, quando eles falam sobre pesquisa, eles estão se referindo ao saber já constituído num certo domínio de conhecimento, neste caso, no domínio da educação, produzido por pesquisadores e que eles, como professores, adquirem por meio do estudo. Nesse sentido, o professor-pesquisador, o qual eles defendem e se intitulam, é um leitor de pesquisa científica. É este o entendimento e posicionamento que os professores têm acerca de pesquisa, e que, certamente, construíram em seus mundos figurados e que, por conseguinte, fazem parte de suas constituições identitárias momentâneas. Podemos dizer que há dois níveis de pesquisas ou práticas científicas que devem ser consideradas na trajetória da construção do conhecimento humano. O primeiro é o de conhecer na literatura o que já existe num certo domínio de conhecimento e se apropriar desses saberes para seu exercício profissional e o segundo nível, mais avançado, é aquele em que o pesquisador se dedica a produzir conhecimento novo com base no conhecimento já existente em sua área de concentração para assim fazer avançar a produção científica em seu domínio (GUIMARÃES e ORLANDI, 2006.). É então nesse primeiro nível de prática científica que os professores se encontram, o da transferência de conhecimento produzido, para seu exercício profissional. Também encontramos nos dados analisados, três depoimentos de professores cujo posicionamento é de que o professor e pesquisador são práticas distintas. Segundo tais

depoimentos, o professor é o profissional que está envolvido com a sala de aula e o pesquisador é definido como aquele que produz artigos e teorias, e que precisa ter criatividade, disciplina, espírito crítico e inquisitivo. Diferentemente do primeiro grupo de professores que entende que pesquisa é receber ou adquirir conhecimentos produzidos por outros, dois professores do segundo grupo entende pesquisa como produção de artigos e de teorias e quando falam de pesquisa, estão falando da pesquisa de cunho científico, que segue determinados procedimentos teórico-metodológicos. Essas manifestações revelam que esses são conhecimentos constituídos no mundo figurado onde trabalham, e que fazem parte da identificação profissional (HOLLAND et al., 1998) de cada um deles. Nesse sentido, podemos dizer que o posicionamento dos dois professores sobre pesquisa encontra-se no segundo nível, isto é, no nível mais avançado, já que para eles, pesquisa significa a produção de novos conhecimentos ou a elaboração de novas teorias, como foi dito por P14 e P2. Corroboramos esse posicionamento sobre pesquisa, porque é na produção de novos saberes que acreditamos que a docência deve estar direcionada, e que a prática docente deve ser tomada como instrumento de pesquisa por parte do professor,

para

dar-lhe

autonomia,

identidade

e

responsabilidade

por

seu

desenvolvimento profissional. Cabe ressaltar, contudo, que a pesquisa pode acontecer em nível de descrição e de análise e, em práticas científicas mais complexas, ela pode ocorrer em nível metodológico e teórico, que é como estes dois professores a entendem. Em suma, o que os professores compartilham e manifestam por meio da comunidade virtual que ora interagem sobre ser pesquisador - para uns, (a grande maioria) ser leitor de uma disciplina, para outros (poucos), ser produtor de novos conhecimentos - constituem as experiências assimiladas em seus mundos figurados do trabalho docente. Assim, nossa constatação de que poucos professores em seus depoimentos estão familiarizados com os conceitos sobre pesquisa científica ou sobre ser professorpesquisador empregados no universo acadêmico revela que devemos pensar em um novo paradigma de formação no qual a pesquisa, entendida como produção de conhecimento e não apenas como aquisição de conhecimento, seja orientadora da docência e da formação acadêmica. Nos programas de formação continuada, a perspectiva da pesquisa enquanto instrumento teórico-metodológico que orienta o professor no seu processo de produção de saberes científicos deve ser articulado para que haja fortalecimento de sua identidade profissional. E, em programas de formação

inicial, há que se rever o processo formativo de professores, no que se refere às concepções de ensino, de pesquisa, de prática docente e de ser professor-pesquisador, para que a graduação se configure em um tempo e um espaço em que o futuro professor aprenda a desenvolver pesquisa científica, que sua formação seja orientada pela pesquisa, o que lhe dará instrumentos epistemológicos e metodológicos para dialogar de forma sistemática e crítica com sua prática docente futura, para que não se torne meramente um professor-reprodutor/leitor de modelos teóricos dominantes.

Referências Bibliográficas

GUIMARAES, E. ; ORLANDI, E. P. O conhecimento sobre a linguagem. In: PFEIFFER, C.C. & NUNES, J. M. (Orgs.) Linguagem, História e Conhecimento. Campinas/SP: Pontes, 2006, p.143-157.

HOLLAND, D.; LACHICOTTE J.W.; SKINNER, D.; CAIN, C. Identity and agency in cultural worlds. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1998.

TÁPIAS-OLIVEIRA, E. M. Construção identitária profissional no Ensino Superior: prática diarista e formação do professor. 2006. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, IEL/UNICAMP, 2006.

PEREIRA, J. E. D.; ZEICHER, K. (Orgs.). A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SPRADLEY, J. Participant observation. Orlando: Harcourt Brace Jovanovich College Publishers, 1980.

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