Uma dança de mal-entendidos: religião e conceitos de poder na Irlanda elizabetana

June 9, 2017 | Autor: Eoin O'Neill | Categoria: Gaelic Ireland, Irish History
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X SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA - UERJ

19 A 23 DE OUTUBRO DE 2015







Uma dança de mal-entendidos: religião e conceitos de poder na Irlanda
elizabetana



EOIN PAUL O'NEILL

Pesquisador Independente






Resumo
Este trabalho abordará a complexa interação entre identidades, religião
e conceitos de poder na Irlanda elizabetana, particularmente durante a
Guerra dos Nove Anos (1594-1603), uma guerra que não apenas colocou em
xeque o domínio inglês sobre a Irlanda mas o próprio regime elizabetano.

Palavras-chave: Irlanda, poder, religião

Abstract
This paper will look at the complex interaction between identities,
religion, and concepts of power in Elizabethan Ireland, especially
during the Nine Years War (1594-1603), a war which not only threatened
English rule in Ireland, but also the Elizabethan regime itself.
Keywords: Ireland, Power, Religion
Irlanda na década de 1590: transgressão, oportunidade e repressão

Na Inglaterra, o período elizabetano é encarado como uma espécie
de belle époque, quase paradisíaca. Além da própria Gloriana, que, nos
séculos XX e XXI ganhou nova vida através de 'retratos' de cinema e
televisivos, há também a associação com Shakespeare. Ironicamente,
Shakespeare só começou a escrever por volta da última década do reinado
de Elizabeth, uma fase que esteve longe de gloriosa. Elizabeth estava
velha e com a vaidade a pleno; a sua corte assolada por lutas
faccionais. Ela tinha se deixado envolver numa guerra com a Espanha e,
embora o mau tempo e o mau planejamento espanhóis lhe tivessem permitido
ultrapassar a crise da Armada, a guerra continuou ao longo da década de
1590. Sobretudo, durante esta época a Inglaterra viu-se confrontada com
uma guerra na Irlanda que se tornou cada vez mais séria. Embora boa
parte da historiografia inglesa (não-irlandesa, melhor dizendo) minimize
esta guerra, foi o maior desafio com que Elizabeth se defrontou durante
seu reinado. A própria rainha foi em larga medida responsável pela
guerra. Elizabeth não era uma boa governante da Irlanda, suas políticas
e sua ignorância geral sobre a ilha, deixando seus agentes aí causar
estragos sem controle só intervindo quando estes desencadearam uma
revolta, bem como sua hostilidade básica diante dos senhores gaélicos e
ingleses antigos, desestabilizou profundamente a ilha durante seu
reinado. Apesar de na historiografia inglesa (e internacional) ser quase
uma heresia sugerir que Elizabeth foi um rainha ruim, é fácil afirmar
que ela foi uma rainha ruim da Irlanda. O melhor exemplo disto é a
Guerra dos Nove Anos (1594-1603), ápice de anos de instabilidade no
norte da Irlanda, causada essencialmente pela negligência e pela
incompetência de Elizabeth.
Num certo sentido, esta guerra foi o Vietnam da Inglattera. Em
Chester, um dos portos de onde os navios com tropas eram mandados para a
Irlanda, um dito comum era "melhor ser enforcado como um homem na
Inglaterra do que morrer como um cachorro na Irlanda." Milhares de
soldados ingleses foram enviados à Irlanda durante a guerra, onde muitos
morreram - mais por doenças e pelas condições que enfrentavam do que em
batalha. Grande quantidade também desertava. Na verdade, com frequência,
as forças da Confederação Gaélica, que as tropas inglesas enfrentavam,
ao invés de se arriscarem a uma batalha, simplesmente escolhiam deixar
que o clima, as doenças e a espera cobrassem seu tributo. Era mais
barato do que comprar pólvora. Só perto do final da guerra é que os
ingleses conseguiram organizar um sistema de suprimentos adequado -
mesmo assim tacanho em comparação com a Estrada Espanhola utilizada para
transportar tropas e suprimentos da Itália espanhola para os Países
Baixos. Isto resultava em dificuldades adicionais para os soldados
ingleses.
Apesar deste cenário sombrio, a Irlanda não deixava de ser
encarada com uma terra de oportunidades. Por um lado, vários oficiais,
soldados e planters viam na Irlanda um caminho para o enriquecimento; e
parcela significativa foi bem sucedida. Por outro, o dinamismo da
sociedade gaélica, que tendia a aceitar e incorporar os estrangeiros com
mais facilidade do que a cultura metropolitana inglesa, oferecia uma via
alternativa, embora uma que potencialmente envolvia certa transgressão.
Mais ainda, a cultura gaélica tinha um lado sedutor, identificado e
temido pelo poeta Edmund Spenser e por outros escritores seus
contemporâneos. Ameaçadora e rotulada de bárbara, talvez por alguns
aspectos que parecem notavelmente modernos - pós-modernos até. Isto é
particularmente nítido no que toca aos conceitos gaélicos de poder e
identidade, que colocavam em xeque as noções bem mais simplistas dos
ingleses.
No artigo, elaborarei esta ideia. Antes de analisar as ideias
gaélicas de poder, e o que pode ser considerado como uma noção gaélica,
ainda que um tanto rudimentar, de contrato social, abordarei as
identidades sociais na Irlanda no período elizabetano tardio e no que se
lhe seguiu. Um aspecto que se destacará é o entrelaçamento entre
religião e identidade, algo que progressivamente se tornou mais forte ao
longo do século XVII, tanto na Irlanda como na Inglaterra. Em seguida,
retornarei para a questão do poder, um conceito que era entendido de
forma diferente pelos ingleses e pelos irlandeses gaélicos. A
incapacidade da rainha Elizabeth de entender isto contribuiu muito para
os graves problemas sofridos pela Irlanda no período de seu domínio e,
indiretamente, para a correlação crescente entre identidade nacional e
religião.

Tornar-se inglês, tornar-se irlandês: identidade nacional no
início da Era Moderna
Durante o período em pauta, a identidade nacional esteve
interligada com religião, traço que de certa forma se aplica à Europa
como um todo. Na Irlanda e na Inglaterra ocorreram processos análogos,
durante o século XVII, que resultaram na formação de novas identidades
nacionais baseadas em religião. Mais, ambas as novas formas de
identidade precisaram lidar com minorias que não se enquadravam no novo
modelo.
Na Irlanda, no final do século XVI, grosso modo havia três grupos
étnicos culturalmente aceitos: os irlandeses gaélicos; os ingleses
antigos; e os ingleses novos. Durante o século XVII, a separação entre
irlandeses gaélicos e ingleses antigos foi sendo gradualmente erodida,
talvez sobretudo em decorrência de derrotas militares, correspondendo em
paralelo à emergência de um novo grupo identitário, o dos irlandeses
católicos. O eclipsar da distinção entre os dois grupos tinha raízes na
Guerra dos Nove Anos e mesmo antes, e houve esforços conscientes por
parte de literati falantes de irlandês-gaélico, como Keating, Ó Clérigh,
ou Roche, de estimular a produção de uma nova identidade. Todavia, o
processo parece ter-se acelerado em consequência das guerras
Confederadas e de Cromwell. Após a assim chamada Revolução Gloriosa, o
processo estava virtualmente completo, ao menos num de seus níveis: não
havia mais uma elite gaélica separada da elite dos ingleses antigos. Não
obstante, por contraste, havia ainda grande quantidade de camponeses e
outros remanescentes do mundo cultural gaélico..
Os ingleses novos (bem como outros imigrantes britânicos na
Irlanda) passaram por um processo diferente. Eles foram beneficiários
dos conflitos que tanto afligiram a Irlanda no período elisabetano e dos
Stuart, alguns com ganhos superiores mesmo aos dos monarcas ingleses.
Richard Boyle, mais tarde alçado a Earl de Cork, é talvez o mais notável
destes parvenus[i]. Grande número de recém-chegados, além do casamento
com irlandeses gaélicos e ingleses antigos, fez com que este grupo
aumentasse. Ao mesmo tempo, houve um afluxo maciço de escoceses à
Irlanda, especialmente para o Ulster. Este processo conduziu ao, caso
singular nos reinados dos Stuart, desenvolvimento de uma identidade
britânica. Esta identidade, todavia, nunca foi sustentada pela maioria
dos grupos de colonizadores, fossem eles de descendência escocesa ou
inglesa.
A construção de uma identidade irlandesa católica não estava
apenas confinada à Irlanda. Na primeira metade do século XVI, os
colégios da Europa onde os católicos irlandeses eram educados tiveram
importante papel neste processo, destacando-se o colégio franciscano em
Louvain. De certa maneira, estes colégios tendiam a reforçar a divisão
entre irlandeses gaélicos e ingleses antigos, uma separação que
encontrava eco nas ordens religiosas, o último grupo tendendo a preferir
os jesuítas e o primeiro os franciscanos. Apesar disso, estes colégios
contribuíram para a criação das bases da nova identidade. Dois tipos
principais de atividade cumpriram esse papel: um envolveu o que se
poderia chamar de resgate da história da Irlanda gaélica, como
exemplificada na obra dos Four Masters, mas também associada a
hagiografia; o outro girava em torno de um aspecto mais presente - a
afirmação de uma natio católica. Há várias análises sobre os indivíduos
associados a este processo, como as feitas por Thomas O'Connor sobre
David Roche e Thomas Messingham. Na análise sobre Messingham, O'Connor
descreve como ele aplicou a "ciência moderna da hagiografia às questões
de identidade cultural e política" (1999: 158).[ii] Messingham dera-se
conta do significado político da história religiosa tanto para ajudar a
criar, ou sustentar, a idéia de uma natio católica como para atrair o
auxílio de outros países católicos aos católicos perseguidos na Irlanda.
(ibid: 164).
Na Inglaterra, a formação de uma nova identidade nacional seguiu
um processo muito semelhante ao da Irlanda. Na verdade, ao menos em
certa medida, as novas identidades podem ser encaradas como imagens
especulares uma da outra. Ao passo que na Irlanda o que emergiu durante
o século XVII foi uma irlandecidade católica, na Inglaterra tratou-se de
uma anglicidade protestante. Em ambos os estados isto envolveu novas
definições de quem estava incluído e quem estava excluído. Na Irlanda,
os escoceses gaélicos estavam fora. Os clãs e sub-clãs das terras altas
e das ilhas, que partilhavam da mesma cultura da Irlanda gaélica, eram
colocados à parte do novo marco insular e religioso de irlandecidade,
muito embora isto envolvesse romper com o Gaeltacht (área cultural
gaélica) que existia anteriormente. Na Inglaterra, aqueles ingleses
nascidos fora da Inglaterra - em áreas inglesas da Irlanda e de Calais
-, na sua maioria católicos, eram excluídos da definição de
anglicidade[iii]. Esta nova definição de anglicidade foi bastante
contestada, inclusive de forma veemente pelos ingleses antigos da
Irlanda que tentaram manter viva a associação com a categoria. O seu
esforço, todavia, não teve sucesso. A partir de finais do século XVI os
ingleses antigos passaram a ser comumente descritos como tendo caído,
degenerado para algo inferior até aos gaélicos irlandeses. Spenser
talvez seja o mais eloquente e bem conhecido defensor desta crença. Para
além disso, a emergência de uma nova identidade irlandesa católica,
baseada na fusão dos irlandeses gaélicos e dos ingleses antigos, era em
certa medida interdependente do crescimento da nova identidade
protestante inglesa. Assim, quanto mais irlandeses menos ingleses se
tornavam os ingleses antigos.
Ao mesmo tempo, este processo foi bastante intricado, tanto na
Irlanda como na Inglaterra. Por exemplo, ao longo da maior parte do
século XVII, os ingleses antigos encaravam-se como ingleses leais e como
bons católicos, algo visto como anátema por muitos protestantes
ingleses, incluindo-se aí o rei James, que os chamava de "meios
súditos". Ademais, havia outras lealdades e identidades, tais como as de
ordem regional, a um clã ou família, e muita gente quase parecia
especializar-se em conciliar identidades que se sobrepunham e eram
aparentemente contraditórias (Kidd 1988: 322).[iv]

A Irlanda do século XVI: um quebra-cabeça de identidades "étnicas"
e a dimensão "nacional-religiosa"
Antes de passar para a seção seguinte, quero deter-me um pouco
mais na questão das identidades na Irlanda, nos diversos tipos de
identidade, em particular aquelas presentes durante a Guerra dos Nove
Anos. Em trabalhos sobre a Irlanda no século XVI (e boa parte do XVII)
normalmente se divide a população em três grupos: irlandeses gaélicos,
ingleses antigos e ingleses novos. Assume-se implicitamente que estes
grupos eram rígidos e excludentes. Todavia, na realidade eram dinâmicos,
fluídos e havia considerável superposição, ocorrendo também o que um
observador atual poderia encarar como contradições. Os condes de
Clanricard são exemplo disso. Descendentes da família normanda De Burgo,
estavam entre os mais gaelicizados dos lordes ingleses antigos. Não
obstante, Richard Burke, o quarto conde, lutou no lado inglês em
Kinsale, casou-se com uma rica herdeira inglesa, tornou-se membro da
corte da Inglaterra no período Stuart e Conde de St. Albans; além de ser
o único católico a deter um cargo administrativo. Outro exemplo é Hugh
O'Neill – cuja avó era da Casa de Kildare. Foi criado pela família de
ingleses novos (ou, só para confundir ainda um pouco mais, de velhos
ingleses novos) dos Hovenden e também manteve diversos contatos com
famílias de ingleses antigos e novos. Um outro exemplo, que mostra como
a Irlanda era uma zona tanto de transgressão como de oportunidades, é o
de Henry Bagenal, marechal do exército inglês na Irlanda e arqui-inimigo
de Hugh O'Neill. O pai de Henry, Nicholas, fugiu para a Irlanda em 1538
depois de ter morto alguém na Inglaterra. Entrou em contacto com Con
Bacach O'Neill - avô de Hugh O'Neill - e Con Bacach intercedeu junto a
Henrique VIII para que perdoasse Nicholas. Apesar desta entrada pouco
auspiciosa, Nicholas foi capaz de desenvolver toda uma carreira na
Irlanda, que culminou com sua indicação para marechal do exército. Henry
herdou o posto, bem como o assento no Conselho da Irlanda - que
correspondia ao governo de fato da Irlanda. Além disso, Bagenal dedicou-
se com afinco à construção do senhorio, em torno do seu centro de Newry,
bastante próximo ao de Hugh O'Neill. Na verdade, a rivalidade entre
Henry e Hugh baseava-se nas tentativas de ambos de se tornarem o senhor
mais importante do Ulster. Noutros termos, em boa medida, Henry Bagenal
agiu como um senhor gaélico, tentando obter um senhorio para si e até
conseguindo colocar vários senhores menores sob sua influência.
Estas interconexões de grupos "étnicos" no topo da hierarquia
social eram sem dúvida repetidas através da sociedade irlandesa. Mesmo
dentro do Pale, o núcleo forte dos "ingleses irlandeses", vários
camponeses eram gaélicos. Spenser queixava-se das amas-de-leite
gaélicas, que julgava responsáveis pela corrupção dos ingleses antigos.
Os ingleses novos tampouco permaneceram imunes: muitos se casaram com
membros de famílias gaélicas e de ingleses antigos. O próprio Hugh
O'Neill foi criado por um tempo, como se disse, pela família de ingleses
novos (mas católicos) dos Hovenden e Henry Hovenden, desta família,
tornou-se um dos confidentes mais próximos de O'Neill, acompanhando-o no
exílio. Outro exemplo interessante, especialmente em vista do medo de
"corrupção" que parecia ser comum sobretudo entre os ingleses novos, em
particular entre os inclinados ao calvinismo ou ao puritanismo, era a
gaelicização de alguns (talvez de muitos na verdade) soldados. Um dos
exemplos mais evidentes é o Capitão Thomas Lee, que se fez retratar em
trajes gaélicos e se casou com uma mulher gaélica. Esse temor era
particularmente forte entre os ingleses novos, evidenciado na sua
crítica aos ingleses antigos – a afirmação de não-anglicidade destes
últimos, de sua queda, de certa forma -, de que os ingleses antigos
haviam sido corrompidos pelos irlandeses gaélicos. Ao invés de se manter
à parte dos irlandeses gaélicos, os ingleses antigos haviam adotado os
costumes e a cultura irlandeses, tinham se casado com irlandeses
gaélicos e muitos até falavam irlandês. Implícita neste argumento estava
a ideia de algo sedutor na sociedade gaélica, sedução que fora a causa
da queda dos ingleses antigos e algo com que, portanto, os novos
ocupantes tinham que ter muito cuidado. Todavia, vários ingleses novos
ainda se casavam com membros de famílias de ingleses antigos e até
gaélicas, esmaecendo ainda mais as fronteiras "étnicas" da época.
Ao mesmo tempo, havia sinais de emergência de uma nova
irlandecidade católica, que ficou patente durante a Guerra do Nove Anos.
O'Neill recorrera a uma ideologia de fé e pátria, com isso tentando (a
maior parte do tempo sem sucesso) atrair o apoio dos ingleses antigos.
Isto estava claramente sintetizado nas demandas que apresentou em 1599-
1600, onde essencialmente apelava por liberdade religiosa para a Irlanda
e por o país ser governado por irlandeses (católicos). Embora O'Neill
fosse derrotado, a ideologia a que tentou recorrer durante a guerra
acabou, a longo prazo, por ganhar ampla adesão.
A derrota de Hugh O'Neill na guerra resultou na destruição dos
senhorios gaélicos autônomos. Todavia, embora os sistemas políticos
gaélicos tivessem sido destruídos e o país sofrido um processo de
anglicização, a igreja do estado não conseguiu tornar-se aceita pela
maioria da população. Ao contrário, a Igreja Católica, apesar dos vários
problemas com perseguições e com o governo, estava fortemente empenhada
na reconstrução e reforma do catolicismo irlandês, em novos moldes
tridentinos.
Na mesma época, no continente, nos seminários e universidades que
aí haviam sido criados para ensinar católicos irlandeses, estava em
curso um processo notável - de, essencialmente, um renascimento da
cultura gaélica. Apesar disto ter-se dado em várias partes da Europa
Católica, o seu núcleo estava na Flandres espanhola, particularmente no
colégio franciscano de Louvain. Os franciscanos tinham laços muito
próximos com as principais famílias gaélicas do Ulster. O que ocorreu em
Louvain, entre outros lugares, foi uma tentativa de forjar um novo tipo
de irlandecidade. Isto incluía tanto uma missão antiquária de
salvaguarda da memória da Irlanda gaélica, tendo como produto a história
épica da Irlanda dos Four Masters, como (embora seguindo uma trajetória
um tanto diferente) o Foras Feasa ar Éirinn de Keating. A história dos
Four Masters atém-se de modo bastante rígido aos moldes das crônicas
históricas gaélicas tradicionais. Keating é diferente, ele lida de
maneira explícita com um segundo objetivo deste movimento, o de refutar
as "calúnias" contra os irlandeses. Isto envolvia negar que os
irlandeses fossem maus cristãos (ou fossem pagãos), que a igreja
irlandesa durante seu período épico tivesse de fato sido "protestante"
na sua essência e também a contestação de validade às tentativas de
alguns autores escoceses de reclamarem como "seus" os santos irlandeses
e os esforços missionários da igreja gaélica no início da Idade Média.
Para além das comunidades acadêmica e religiosa, também havia no
continente uma comunidade significativa de emigrés gaélicos. Consistia
na sua maior parte de soldados dos vários terços irlandeses a serviço do
exército espanhol - bem como de suas mulheres e famílias. Muito embora
incluísse tanto irlandeses gaélicos como ingleses antigos, os irlandeses
gaélicos tendiam a ter maior importância, com os pretendentes aos
condados de Tyrone e Tyrconnell tendo seus próprios terços. É provável
que vários irlandeses a serviço do exército espanhol houvessem estado em
contato com as idéias do renascimento gaélico, bem como com as da Contra-
Reforma. É aliás de certa forma irônico que seja muito mais fácil ouvir
a voz da Irlanda gaélica nas histórias sobre a Flandres espanhola do que
na própria Irlanda durante este período.

O conceito gaélico de poder: um contrato social esquecido?
Em outubro de 1595, James MacSorley McDonald, senhor do
estratégico castelo de Dunluce, entalado entre as exigências da
Confederação Gaélica de Hugh O'Neill e as do governo inglês, mandou
carta à Rainha Elizabeth explicando-lhe que tivera que mandar uma força
de soldados para O'Neill. Todavia, insistia que fora obrigado a cumprir
com isso, para que O'Neill não o punisse, e que ele era de fato leal, o
que ficaria claro assim que a Rainha mandasse homens para protegê-lo[v].
Numa época em que era abundava uma retórica com frequência obviamente
falsa, é refrescante a franqueza (e o realismo político avant la lettre)
assim expressa. É também uma boa ilustração de como o poder era encarado
na cultura gaélica, do conceito gaélico de poder, bem distinto do
elizabetano.
Nos senhorios irlandeses, o poder não era garantido por herança
nem por investidura. Era mais dinâmico e flexível do que isso e, em
certo sentido, mais simples (bem como mais subversivo, representando um
desafio não apenas para as estruturas de poder elizabetanas como também
para trabalhos teóricos posteriores que fariam a justificativa da
idealização inglesa do poder, com destaque para Locke, mas, em boa
medida, também Hobbes): o poder estava com os que o detinham. O que era
diferente e essencialmente radical quanto a este conceito era a ideia
que os que detinham o poder deviam proteger aqueles que aceitavam o seu
domínio. O poder não era algo absoluto e que vigoraria até a morte do
senhor. Ao invés, envolvia deveres e responsabilidades. Mais, precisava
ser constantemente reformulado e renegociado, não era permanente nem
garantido. Se um senhor ou governo se mostrasse incapaz de cumprir com
suas responsabilidades, particularmente de prover proteção a seus
seguidores, nesse caso o domínio de outros senhores poderia ser aceito
(ou o senhor poderia ser deposto ou, ainda, encorajado a renunciar).
Lordes menores podiam mudar sua lealdade para rivais do senhor que se
mostrava incapaz, e o próprio campesinato tinha opção de se refugiar sob
outro senhor - e, embora houvesse terra com relativa abundância, havia
falta de pessoas para trabalhá-la.
Num certo sentido, isto pode ser encardo como uma fórmula gaélica
de contrato algo, algo que nos séculos XVII e XVIII mereceria debates
filoóficos alentados. De modo talvez um tanto cínico, caberia defender
que a principal distinção entre a versão gaélica do contrato social e as
outras, mais eruditas e iluminadas, é que a gaélica efetivamente foi
posta em prática. Repetindo, essencialmente, o contrato social gaélico
postulava que o poder estava baseado em responsabilidades e deveres, em
particular de proteger aqueles que se lhe submetiam, os quais, em
contraste com o apresentado em algumas versões filosóficas, tinham o
direito de escolher se retirar do contrato se os seus senhores se
mostrassem incapazes de prover proteção. Esta versão gaélica era bem
mais realista do que a versão posterior, pois que baseada em relações
sociais e políticas que existiam de fato. Embora o poder fosse algo
negociado em toda a parte - mesmo que em medidas variáveis, dependendo
das circunstâncias particulares -, no sistema gaélico isto era muito
mais reconhecido.
Um exemplo interessante, que ilumina esta concepção de poder, foi
a execução, em 1590, duvidosa do ponto de vista legal, de Hugh Roe
MacMahon, um dos principais pretendentes ao senhorio de Monaghan. O vice-
rei Fitzwilliam esteve sob forte suspeita de corrupção e de aceitar
propina nesta execução (inclusive do próprio infeliz Hugh Roe). Além
disso, ao promover a reorganização da estrutura de propriedade de terras
em Monaghan, da qual se beneficiaram alguns oficiais do governo, também
- talvez de modo fatal - solapou a confiança gaélica no estado. Neste
sentido, foi também um contribuinte direto para a Guerra dos Nove Anos,
na medida em que vários senhores gaélicos consideraram que as ações de
Fitzwilliam eram ilegais - pelo menos no que se refere a sua concepção
dos hábitos ou leis que regiam a interação social e política. Na sua
visão, Fitzwilliam tinha preso e executado Hugh Roe de forma arbitrária,
sem respeitar as normas (tanto legais como para-legais) que normalmente
regiam as interações entre o estado e os lordes gaélicos. Isto era
agravado pelo fato de acreditarem piamente que o vice-rei tinha aceito
(e talvez mesmo extorquido) um suborno de Hugh Roe. Na verdade, pode-se
defender, com base em Hobbes e outros filósofos contratualistas, que a
execução de Hugh Roe rompeu o contrato social (ou acordo social, se
quisermos pular dois séculos e ir a Burke) entre a Irlanda gaélica e o
governo. Havia regras de conduta estabelecidas. Ao aceitar suborno e em
seguida fazer com que um lorde gaélico fosse prontamente executado com
base no que quase todos acreditavam ser acusações forjadas, Fitzwilliam
quebrou estas regras.
Numa certa extrapolação a partir daí, talvez que o recurso às
armas de O'Neill, bem como dos outros senhores confederados, pudesse se
justificar, nessa perspectiva contratualista, pela quebra dos acordos
sociais básicos entre o monarca / estado e os senhores - ou, na verdade,
também de uma perspectiva Whig, pela violação pelo estado ou pelo
governo dos costumes e direitos tradicionais. Em última análise, isto
correspondeu à essência da justificativa da "Revolução Gloriosa" de 1689
- e, de fato, durante o reinado de Elizabeth, a Irlanda sofreu tantos ou
mais abusos do que a Inglaterra na década de 1680.
Este conceito contratualista gaélico era bastante subversivo e,
como se pode imaginar, colidia com a visão predominante de poder na
Europa na época. Conforme esta, o poder era algo que os monarcas
recebiam por direito, que lhes fora conferido por vontade divina. Era
para ser aceito. Questionar tal poder implicava em questionar a vontade
divina. Por contraste, na concepção gaélica, o poder era dinâmico e
flexível - noção bem mais realista, como já referido. Era
(constantemente) construído e negociado, mais do que herdado, na medida
em que, nesta concepção, poder envolvia direitos e responsabilidades - a
proteção dos que lhe estavam sujeitos entre os mais fundantes. Mais, e
isso talvez constituísse o elemento mais subversivo, os que aceitavam o
poder de um senhor - na mesma linha, de um governo ou monarca - tinham a
direito de, se não fossem protegidos, se o senhor não cumprisse com sua
parte do contrato social, buscar proteção de outro senhor.
Evidentemente, isto se confrontava com o absolutismo de Elizabeth, bem
com as ideologias correntes nos novos estados centralizadores na maior
parte da Europa ocidental. Embora isso tenha variado com o tempo e
geograficamente, os magnatas regionais eram com frequência encarados
como ameaças ideológicas e políticas a uma nova forma de poder que
reivindicava o monopólio do poder militar, justiça e administração do
estado. Na Inglaterra - e, por extensão, na Irlanda - tal se mostrava
com particular intensidade.
Durante o seu reinado, Elizabeth, teve infindas dificuldades com
os senhores da Irlanda. Não obstante, apesar do desejo da rainha de não
gastar dinheiro na Irlanda e de evitar quaisquer maiores envolvimentos,
praticamente não empreendeu esforços no sentido de tentar incorporar
estes lordes ao estado. Alguns vice-reis tentaram implementar programas
de "reforma", mas a maior parte naufragava quando eram necessários
recursos ou quando outro vice-rei assumia. Não houve nenhuma tentativa
de criar uma corte em Dublin - ao contrário do que fez Filipe II, ao
indicar sua filha Isabela e seu genro Alberto soberanos dos Países
Baixos espanhóis em 1598. Ao contrário, mais parece, especialmente na
década de 1590, que a estratégia do governo era o exato oposto. Assim,
Nicholas Bagenal que, como referido, fugira para a Irlanda após matar
alguém na Inglaterra, e seu filho podiam estar no Conselho da Irlanda,
mas não Hugh O'Neill, o Conde de Tyrone, um dos senhores mais
importantes. O fracasso de Elizabeth em estabelecer um laço dos lordes
gaélicos com a administração do estado resultou numa série de rebeliões
e num descontentamento generalizado, que culminaram na Guerra dos Nove
Anos. Por outro lado, ela deixou seus oficiais, tais como Bagenal ou
Bingham, criar seus próprios quase senhorios. Naturalmente, isto afastou
os senhores gaélicos. A questão de por que Elizabeth não fez nenhum
esforço efetivo de integrá-los é complexa e múltipla. Em síntese,
todavia, pode-se dizer que parte da resposta se liga, exatamente, às
concepções diversas de poder. A leitura de poder de Elizabeth - e as
consequentes fidelidade e lealdade que demandava de seu súditos -era que
lhe pertencia por direito, natural, e não algo que tivesse que ser
(constantemente) negociado; com certeza não dependente de que o soberano
cumprisse com determinadas condições.
Embora, em função das guerras religiosas que varreram a Europa nos
séculos XVI e XVII, a noção hegemônica de poder, como algo que os
soberanos detinham por direito e que, em última análise, provinha de
Deus, tenha acabado por ser questionada - provendo justificativa para
revoltas contra monarcas -, permaneceu enquadrada num contexto
religioso. Tampouco envolvia um questionamento da natureza do poder e
da autoridade. Embora uma multiplicidade de questões costumasse estar
envolvida, particularmente de ordem local, as revoltas contra os
monarcas tendiam a ser legitimadas ou como rebeliões ligadas a "mau
conselho" ou - embora em menor grau - a liberdades religiosas. Neste
caso, embora os monarcas pudessem ser destituídos por causa de sua
religião, como no caso de Mary da Escócia, a Revolução Holandesa é um
dos poucos exemplos de caso bem sucedido no início da Era Moderna, de
monarca deposto e substituído por outro soberano, "estrangeiro". Após a
deposição de Mary Stuart, o filho dela assumiu o trono. Na Inglaterra,
na Revolução Gloriosa, o católico James foi substituído por sua filha e
seu genro protestantes. Na Irlanda, durante a Guerra dos Nove Anos, os
confederados de O'Neill ofereceram a coroa da Irlanda à Espanha, um
movimento cujo caráter radical não costuma ser integralmente apreciado.
Na verdade, muito católicos irlandeses, em especial os ingleses antigos,
discordaram disto. Insistiam em permanecer leais à coroa inglesa, apesar
de sua própria lealdade ser posta em questão e seu acesso aos
privilégios de estado ter sido grandemente restrito. Ainda assim, na
medida em que se consideravam ingleses, tornar-se súditos espanhóis era
algo que encaravam como anátema.
À medida que as guerras religiosas começaram a abrandar - e, de
fato, no caso de Locke, como justificativa para a última guerra
religiosa europeia significativa, a assim chamada Revolução Gloriosa -,
os teóricos europeus, especialmente Hobbles, Locke e, mais tarde,
Rousseau, desenvolveram a ideia de contrato social. Nenhum destes
autores se referiu à Irlanda gaélica. Rousseau talvez possa aqui ser
desculpado pelo fato de que a sociedade gaélica parara de existir
bastante antes do período em que escreveu. Já a ignorância de Hobbes e
Locke sobre o assunto é menos justificável. Ambos escreveram quando se
processava a destruição da Irlanda gaélica. Na verdade, os textos de
Locke, apesar de serem encarados como a pedra angular do pensamento
liberal, podem ser vistos, um pouco mais cinicamente, como uma
propaganda - contradizendo por inteiro a leitura usual de seu trabalho -
do que correspondia de fato à expropriação forçada da propriedade e da
posição social dos proprietários de terra irlandeses católicos,
incluindo os remanescentes dos senhores gaélicos que tinham sobrevivido
ao trauma dos períodos de Elizabeth, dos Stuart e Cromwell, e à
criminalização dos irlandeses católicos em geral, que correspondiam à
maioria da população da Irlanda na época. De fato, Hobbes e Locke - e
outros téoricos sociais ingleses - essencialmente ignoram o fato de que
os séculos XVI e XVII representam uma negação do contrato social que
antes funcionava razoavelmente bem na Irlanda, um contrato social real,
ao invés da fábula com que pareciam obcecados. Mais do que isso, o
contrato social e o acordo liberal sobre os quais Locke escreveu e que
propagandeou, ambos, legitimavam a destruição da classe proprietária
católica na Irlanda apenas por sua religião. Assim, o resultado político
da Revolução Gloriosa baseava-se nesta reorganização social, nada
liberal e violenta, da Irlanda. A Irlanda católica precisava ser
esmagada antes que uma Inglaterra liberal - que faria tudo ao seu
alcance para destruir o comércio irlandês - pudesse emergir.
Olhando a partir de uma perspectiva distinta, talvez se possa
escusar Hobbes e Locke. Desde a invasão anglo-normanda no século XII, e
com especial veemência durante os séculos XVI e XVII, a Irlanda gaélica
fora associada e condenada ao "barbarismo" e ao "atraso", a ser
diferente do resto da Europa Ocidental. Era encarada como uma cultura
que precisava ser conquistada, reformada e civilizada, não como um lugar
que pudesse servir de inspiração para novas teorias sociais ou ideias.
Os textos de Giraldus Cambrensius do século XII definiram o padrão para
esta exclusão da Irlanda gaélica do mundo civilizado ou cristão. Os
escritores Tudor e elizabetanos basearam-se fortemente em Cambrensius,
usando-o como base para seus próprios ataques à Irlanda gaélica. Como
ele, não viram praticamente nada capaz de redimir a cultura gaélica. A
ideia de que ideias políticas relevantes poderiam ter sido produzidas
por este mundo teria constituído um anátema para esses escritores.
Na sequência da derrota da Confederação de Hugh O'Neill na Guerra
dos Noves Anos, o sistema político gaélico foi destruído. A lei inglesa
passou a impor-se pela primeira vez sobre a Irlanda como um todo, embora
muitos senhores gaélicos ainda detivessem terras e a maioria da
população fosse gaélica e católica. Ao longo do século seguinte, uma
série de derrotas militares, assentamentos [plantations], perseguições
aos católicos e a monetarização da economia e da propriedade da terra,
de fato destruíram a Irlanda gaélica. No final do século XVII não havia
mais irlandeses gaélicos - nem, na verdade, ingleses antigos. Haviam
sido substituídos por irlandeses católicos e por planters e seus
descendentes, com dificuldades identitárias que levariam séculos para
resolver (se é que se pode falar numa solução). Os senhores e a classe
proprietária de terras gaélica e de ingleses antigos tinha sido
essencialmente aniquilada, destituída ou partido para o exílio. Não
havia lugar na nova filosofia lockeana para eles - ou para suas ideias.
Conclusão
As guerras no final do século XVI e durante o século XVII na
Irlanda envolveram uma batalha de ideias, na qual identidade e religião
tiveram papel fundamental. É irônico que o "selvagem desprezível",
católico, "bárbaro" - "pagão" até -, que constituía a imagem do irlandês
gaélico, buscava limitar os poderes do monarca e defender a tolerância
religiosa. Também é irônico que os ingleses antigos, difamados, embora
menos do que os irlandeses gaélicos, colocassem resistência às
tentativas do governo de criar uma maioria parlamentar artificial. Ou
seja, que o que tentavam fosse garantir aspectos que serão depois
destacados como dentre os mais "gloriosos" da assim chamada "Revolução
Gloriosa", que futuramente seria celebrada pela tradição Whig. Ainda
mais irônico é que o tipo de princípios "Whig" ou "proto-democráticos"
aplicados pela Inglaterra na Irlanda, sob Cromwell ou após 1691, tenha
tido caráter catastrófico - que se pode pensar que acabou por culminar
na Grande Fome da década de 1840.
A Irlanda tornou-se uma anomalia. A grande massa da população
permaneceu católica, um dos poucos países da Europa a desafiar o cuius
regio, eius religio. Neste sentido, vale apontar ainda para mais uma
ironia. Hugh O'Neill tentou sem sucesso recorrer a uma ideologia de "fé
e pátria" durante a Guerra dos Nove Anos. Durante a década de 1640, isto
voltou à cena mas não se consolidou diante da enorme quantidade de
facções e divisões presente. Na década de 1690, quando finalmente havia
um monarca católico e os católicos pareciam unidos, falta de sorte e
inépcia conduziram à derrota dos jacobitas. Não obstante, o que triunfou
após todas estas guerras foi a religião católica - ou, mais
propriamente, a nova identidade de irlandês católico. Num certo sentido,
a guerra teve um efeito perverso sobre a formação do estado na Irlanda.
Antes um reino construído a partir da derrota dos inimigos internos,
tornou-se uma colônia, ao mesmo tempo em que derrota militar e
perseguição dos católicos levou à emergência de uma nova identidade
irlandesa católica e ao desaparecimento das identidades anteriores.
Assim, para permanecer no terreno da ironia, embora a vitória
inglesa na Guerra dos Nove Anos tenha levado à conclusão da conquista da
Irlanda - e aberto caminho para que a Inglaterra se movesse para longe
da Europa, em direção a oeste e ao Império -, podia ter sido evitada.
Elizabeth não queria lutar na Irlanda. Na verdade, não queria ter nada a
ver com a ilha. Contudo, o seu desgoverno gerou grande descontentamento
que, por incompetência dela, levou à eclosão da guerra, que se
transformou na maior ameaça que teve durante seu reinado, e a qual
superou mais por sorte do que por qualquer outro motivo. Ela errou muito
na sua interpretação da Irlanda. Uma área onde isto ficou bem patente
foi na falta de compreensão da natureza do conceito de poder. Como já se
disse, a Irlanda gaélica tinha um entendimento de poder diferente, mais
complexo e subversivo, que se baseava numa espécie de contrato social,
mais real do que o contrato social sobre o qual os teóricos escreveriam
nos séculos XVII e XVIII. No uso que fez da ideia de contrato social, a
guerra de Hugh O'Neill contra Elizabeth encontraria razão de ser na
lógica daqueles que depois viriam a produzir a justificativa da
"Revolução Gloriosa" de 1689.
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[i]Vide RANGER, Terence. "Richard Boyle and the making of an Irish
fortune, 1588-1614". Irish Historical Studies, Vol. X, No. 39, March
1957.
[ii] O'CONNOR, Thomas. "Towards the Invention of the Irish Catholic Nation:
Thomas Messingham's Florilegium (1624)." Irish Theological Quarterly, LXIV:
157-77.
[iii]Vale reparar que, apesar da formação das identidades nacionais
inglesa e britânica ser objeto de várias discussões, este aspecto em
particular é raramente levado em consideração - exceto por historiadores
irlandeses ou baseados na Irlanda, com destaque para Steven Ellis.
[iv] KIDD, Colin. "Protestantism, constitutionalism and British identity
under the later Stuarts." in: BRADSHAW, Brendan e ROBERTS, Peter, (1998).
British Consciousness And Identity: The Making of Britain, 1533- 1707.
Cambridge: Cambridge University Press.
[v] PRO SP 63/183, 80(2).
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