UMA DISCUSSÃO SOBRE AUTOESTIMA NA PERSPECTIVA COMPORTAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO

May 30, 2017 | Autor: Carlos Francinelli | Categoria: Radical Behaviorism, Análise Do Comportamento, Behaviorismo Radical, Autoestima
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UMA DISCUSSÃO SOBRE AUTOESTIMA NA PERSPECTIVA COMPORTAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO1

FRANCINELLI JUNIOR, Carlos Alberto2 DETTONI, Vanessa Siqueira de Medeiros3

RESUMO O presente trabalho detém a intenção de expor e discutir a respeito de um caso clínico de psicoterapia cujo foco principal de discussão refere-se ao déficit em autoestima e autogoverno, acarretando dificuldades no estabelecimento de relacionamentos interpessoais mais reforçadores e gratificantes. Serão exploradas as contingências que levaram ao cliente a estruturar determinado padrão comportamental, assim como informações relevantes como ambiente em que o mesmo vive, círculo social, ambiente profissional e demais variáveis importantes que possam de forma clara e concisa auxiliar na elaboração do diagnóstico e da melhor forma possível de tratar o problema identificado. O trabalho é derivado do conteúdo e análises referentes ao processo de psicoterapia realizado na Clínica de Psicologia Aplicada da Faculdade Anhanguera de Cascavel a partir da abordagem analítico-comportamental, vinculada ao Behaviorismo Radical. Palavras-Chave: Terapia analítico-comportamental; Análise funcional; Autoestima; Autogoverno.

ABSTRACT The present article have the intention to expose and discuss about a psychotherapy clinical case which focuses on the client’s anguish for living its life based in other people’s expectations and in the incapacity of empower yourself towards them due to the low levels of self-esteem. There will be explored the contingencies that led the client to structure its behavioral pattern, just as the relevant information like the environment where the client lives, social circles, workplace and other variables that can clearly and concisely help in the diagnosis’s elaboration and the best way of treating the identified issues. This article was written based in the content and analysis related to the psychotherapy process realized at the Clínica de Psicologia Aplicada (Applied Psychology Clinic) of the Faculdade Anhanguera de Cascavel from the perspective of the functional analytic concept, linked to the Radical Behaviorism. Keywords:

Behavioral-Analytic

Psychotherapy;

Functional

Analysis;

Self-esteem;

Self-

government.

1

Trabalho apresentado na 10ª Fase do Curso de Psicologia da Anhanguera Educacional, como requisito para a formação de Psicólogo na disciplina de Estágio Básico VII - Clínica III - Psicoterapia Analítico-comportamental, no ano de 2015. 2 Acadêmico estagiário da 10ª Fase do Curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Cascavel. 3 Docente Supervisora de Estágio da Faculdade Anhanguera de Cascavel. Psicóloga Clínica. Especialista em Análise do Comportamento e Terapia Analítico-Comportamental. Rua Paraná, 1784. Centro, Cascavel – PR. CEP 85.812-010 Endereço Eletrônico: [email protected]

INTRODUÇÃO

Temas relacionados à violência têm sido cotidianamente discutidos e debatidos sobre as mais diversas pautas: violência nos relacionamentos, violência pública, violência contra a mulher, violência nas escolas, dentre outros. Existe, atualmente, uma preocupação em analisar quais os fatores preponderantes para que determinado ato violento tenha ocorrido, e o principal foco sempre acaba sendo o responsável pela ação na maioria das vezes. Entretanto, a relação entre o autor e a vítima pode ser analisada de forma muito mais profunda, principalmente pelo fato de que existem contingências reguladoras por trás de cada ação tomada por um organismo, e as variáveis que afetam esta relação autor-vítima muitas vezes apresentam nuances extremamente específicas à subjetividade dos casos. Desta forma, é válida a análise profunda de todos os casos que envolvem violência, não considerando apenas suas características de caráter objetivo como o ato e as prováveis consequências para o autor e para a vítima, mas mergulhando na subjetividade da relação entre estes dois entes, no ambiente em que ambos estavam inseridos antes e durante o ocorrido, sua relação e a forma como a violência se deu. É importante ressaltar que esta forma da violência pode variar bastante, mas mesmo assim é importante para que se possa estruturar uma compreensão maior a respeito das prováveis consequências desta para com a vítima, que será o centro das atenções deste trabalho. A vítima exposta a qualquer tipo de violência pode ser acometida por diversas consequências, e estas estão diretamente ligadas às características (forma, duração, motivação, etc.) do ato violento. Nesta análise, o foco será a autoestima da vítima inserida em um contexto conjugal que apresenta violência por parte do homem (João) frente à mulher (Maria), e como este processo fora trabalhado através de psicoterapia, É importante ressaltar que os nomes utilizados e apresentados acima são fictícios para proteger a identidade dos indivíduos abordados dentro do ambiente terapêutico. A autoestima é um conceito baseado em autoimagem, sendo que para Coopersmith (1967), crianças não nascem com a preocupação de serem espertas, boas, más ou estúpidas, mas desenvolvem estas ideias. E esta concepção negativa de si mesmo é resultado de interações sociais diversas, de modo que a pessoa é colocada em uma posição de menor valor em relação às outras. Estudos afirmam que a formação de uma boa autoestima está relacionada diretamente com a infância, levando em consideração o valor que a criança percebe dos outros em relação a si; suas experiências

frente sucessos e fracassos; sua definição de sucesso e fracasso; a forma como a criança exige de si mesma para alcançar o que é imaginado como sucesso e a forma como a criança lida com críticas e comentários negativos (GOBITTA & GUZZO, 2002). Portanto, a análise do caso proposto será focada nos baixos níveis de autoestima e nas contingências que fazem com que estes níveis mantenham-se estáveis, levando a um elevado grau de aceitação e favorecendo padrões comportamentais passivos de uma forma geral.

ASPECTOS GERAIS DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

A Análise do Comportamento é um modelo de aplicação de conceitos baseado no Behaviorismo Radical e subdividindo-se em Análise Experimental do Comportamento e Análise Aplicada do Comportamento. Estes três conceitos formam o tripé da teoria proposta por B. F. Skinner (1904-1990), psicólogo americano considerado o grande nome da ciência do comportamento. Skinner

desenvolveu

o

Behaviorismo

Radical

(etimologicamente,

o

comportamentalismo de raiz), para estudar o comportamento de quaisquer organismos, analisando padrões comportamentais cientificamente e expondo que tais padrões podem ser controlados, analisados, testados e comprovados. Sua intenção de criar uma ciência do comportamento é nítida, sendo que seu objeto maior de estudo sempre fora o comportamento humano. Segundo Skinner, (1971), ainda não é conhecido o que o homem pode fazer consigo mesmo a partir de um enfoque científico. A Análise do Comportamento trata-se de uma subárea encarregada de validar os dados empíricos de uma verdadeira ciência do comportamento (NETO, 2002). Postula que todo comportamento é fruto de uma história de reforçamento, e assim, controlado por suas consequências. Além disso, afirma que o ambiente está diretamente ligado a qualquer comportamento por meio de contingências de reforçamento. Ao modificaremse os estímulos reforçadores, a probabilidade de modificar-se o comportamento é grande, dentro evidente de uma perspectiva explanatória. Por ser uma abordagem interacionista e determinista, o Behaviorismo Radical sofreu várias críticas, entretanto Skinner deixa claro que sua teoria contempla muito bem conceitos como pensamento e sentimento, apenas analisando estes fenômenos de outra forma, como comportamentos encobertos. (CARVALHO, 1999).

É importante ressaltar que ao contrário das demais abordagens, a abordagem comportamental considera o homem como um ser monista, não fazendo a separação de conceitos como corpo e mente. Considera o homem um ser regido por seus aspectos filogenéticos, ontogenéticos e culturais, reagindo inapelavelmente a estímulos e variáveis inesgotáveis a todo instante, estabelecendo e extinguindo contingências, reforçando e sendo reforçado, modificando seu ambiente e sendo modificado por ele. Para Silveira (2007, p. 114), “a visão de homem do terapeuta Analista Comportamental admite eventos mentais sem a mente; o passado sem elos temporais entre sequências causais, o sofrimento do cliente sem que “seja ele o doente” e a espiritualidade, sem que haja um fantasma operando a máquina”.

O

CONCEITO

DE

AUTOESTIMA

PARA

A

ANÁLISE

DO

COMPORTAMENTO

A autoestima é um estado em que o indivíduo encontra-se voltado para si mesmo, e parte da discriminação de vários eventos sócio-verbais, os quais resultam em altos ou baixos níveis de estima, de satisfação para consigo. Isto determina que o que conhecemos como autoestima é o olhar subjetivo do ser humano sobre si mesmo e o valor que o mesmo impõe às questões relativas à si mesmo, partindo dos vários pressupostos aprendidos e reforçados pelo meio social durante toda a vida do indivíduo, além das condições ambientais atuais que o influenciam ou desencadeiam. Para a Análise do Comportamento, os sentimentos não são entes mentais simplesmente abstratos, mas manifestações concretas do organismo. Neste sentido, não há sentimentos sem uma manifestação corporal que seja correspondente a estes. Um exemplo banal é a ansiedade, que quando em alto nível, aumenta o ritmo dos batimentos cardíacos, da frequência respiratória, da pressão sanguínea, etc. (GUILHARDI, 2002). Os sentimentos e as emoções incluem além das funções respondentes, o que podemos chamar de funções operantes. Para Guilhardi (2002), há componentes tanto respondentes quanto operantes que envolvem os processos de sentimentos e de emoções, tais como o agir, o expressar e o falar; todo e qualquer comportamento também é manifestação de sentimentos. A comunidade verbal que rodeia o sujeito disponibiliza palavras para se referir a estas sensações, e estas são os nomes representantes dos sentimentos como raiva, amor ou ódio.

Portanto, os sentimentos de autoestima podem ser descritos como estados corporais associados a eventos ambientais e influenciados por perspectivas de cunho social que o modificam ou desencadeiam. (GUILHARDI, 2002). A partir de outras abordagens ou mesmo do senso comum, poderia ser afirmado que a autoestima de um indivíduo depende muito de sua personalidade. Para o Behaviorismo Radical, esta nomenclatura inexiste, não significando nada mais do que o que podemos chamar de self. Para Skinner (apud CAIXETA, 2009 p. 22), tanto personalidade quanto self podem ser descritos como um “repertório de comportamentos partilhado por um conjunto organizado de contingências”. Para Skinner (1995), a autoestima é o resultado de contingências de reforçamento e de punições por meio social. Em outras palavras, quando o indivíduo age e esta ação é bem aceita pela cultura do ambiente onde está inserido, os estados corporais associados a estas funções e seu produto adquirem funções reforçadoras condicionadas; ou seja, a pessoa passa a perceber que fez o que é instituído como correto, mesmo que não haja ninguém reforçando tal comportamento no momento da ação. Desta forma, para o Behaviorismo Radical, a cultura envolve e prioriza padrões comportamentais socialmente aceitos, e desta forma, a autoestima está relacionada aos comportamentos que são aceitos por um grupo e que são reforçados no indivíduo por este mesmo grupo, aumentando sua frequência de emissão. Isto nos leva à conclusão de que os comportamentos que não são bem aceitos, não sendo reforçados ou sendo punidos pelo meio social, estão relacionados à baixa-autoestima. Para Caixeta (2009, p.35), “o nãoreforçamento e a punição social podem eliciar respostas emocionais aversivas no indivíduo”. Partindo desta premissa e considerando o conceito de generalização, o indivíduo muitas vezes punido socialmente por determinado comportamento acaba por diminuir a frequência deste, inclusive podendo evitar as situações em que as punições ocorreram, emitindo respostas constantes de fuga e esquiva. Portanto, um indivíduo que é cotidianamente punido ou que possui seu comportamento não reforçado, acaba por retrair-se e evitar que novas ocorrências ocorram sob as mesmas circunstâncias ambientais, emitindo comportamentos de passividade e, muitas vezes, de maior aceitação em relação à imposições de outrem. Além disso, em muitas situações o padrão passivo é fortalecido socialmente, haja vista, os ganhos imediatos para as pessoas do convívio, já que esse padrão apresenta respostas de: aceitação, mansidão, retraimento; ou seja, não impõe resistência às vontades alheias.

AUTOESTIMA NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

A baixa autoestima geralmente é sintoma da incapacidade do sujeito de lidar com as relações interpessoais à sua volta. Para Marinho e Silva (1998, p. 233), “nas relações interpessoais pessoas com baixa autoestima emitem comportamentos que dificultam seu relacionamento com os demais”. Ainda segundo os autores, a autoestima não deve ser considerada causa para determinado comportamento, mas o sentir é ocasião de emissão de comportamento. Para Skinner (1991, citado em Marinho e Silva, 1998, p. 233), “um organismo raramente se comporta sem responder a seu próprio corpo”. Entretanto, principalmente no ambiente terapêutico, deve-se focar na maneira como a pessoa observa a si mesma, de forma adequada ou inadequada, e observa os demais. O modo como ela reage a si pode ser um indicativo da maneira como ela reage em suas relações interpessoais. As pessoas com baixa autoestima são geralmente carentes de afeto, e essa carência possui origem histórica, geralmente ligada à infância, em geral, porque a pessoa teve menos exposta a contingências de reforçamento social em que tenha sido valorizada enquanto pessoa. A partir disso, o seu senso pessoal de valor fica menos desenvolvido, compreendendo que apenas será valorizada e amada pelos seus desempenhos, ou seja, para ser aceita deverá emitir respostas que as demais pessoas valorizem, e neste sentido, terá acesso a reforçadores sociais. Nesse sentido, a pessoa com baixa autoestima, está mais suscetível a emissão de um padrão passivo, o qual por sua vez, pode torná-la mais vulnerável ao controle aversivo. Visto que se dispõe à atender as necessidades dos outros em detrimento das suas, se isso garantir certa valorização e afeto. Esta fragilidade pode ser notada em alguns relacionamentos, quando há uma busca incessante em agradar ou em estar junto com o outro, o que nem sempre é correspondido, podendo evocar diversos sentimentos desagradáveis como: humilhação, carência, inadequação, etc. Como consequência, estas pessoas tendem a esquivar-se dos relacionamentos interpessoais e tendem a não conseguir demonstrar ao outro a sua importância. Desta forma, a ausência de um repertório adequado faz com que pessoas com baixa autoestima se comportem com timidez e retraimento (MARINHO & SILVA, 1998). Ainda permeando questões relativas à baixa autoestima dentro das relações interpessoais, chegamos ao conceito de apego. Este conceito foi desenvolvido pelo psiquiatra britânico John Bowlby (1907-1990), que fundamenta sua teoria do apego a partir de conceitos psicanalíticos e etológicos. Entretanto, esta fundamentação mostrou-

se ser importante, já que a posterior utilização de pesquisas em etologia trouxe fundamentos do valor adaptativo do apego, de suas condições ontogenéticas e da rede básica afetiva do ser humano (BUSSAB 2000 apud SAKYIAMA & WEBER, 2005). Segundo Bowlby (1990, apud SAKYIAMA & WEBER, 2005, p. 196) sua teoria do apego é definida como “um modo de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns outros”. “[...] o apego, portanto, é caracterizado pela finalidade de propiciar e manter proximidade com a figura de apego, já que na presença deste existe uma sensação de segurança. Dizer que uma criança é apegada ou tem um apego por alguém, significa que ela está fortemente disposta a buscar proximidade e contato com a figura específica, principalmente quando está assustada, cansada ou doente e, muitas vezes, quando está com medo”. (SAKYIAMA & WEBER, 2005, p. 196).

Portanto, é possível concluir que os comportamentos exibidos na infância em relação ao apego, podem ser também emitidos pelo adulto na relação romântica: tocar, beijar, abraçar, querer ficar com o parceiro, etc. Para Sakyiama e Weber (2005), o indivíduo emite este tipo de comportamento em face de estímulos aversivos como medo, ansiedade, situação de perigo ou mal-estar. Os sentimentos de amor estão relacionados com um intenso desejo da figura do indivíduo amado, assim como com um intenso desejo de que este amor seja recíproco, por esta razão são emitidos comportamentos com o intuito de alcançar este interesse e reciprocidade do parceiro.

REGRAS E AUTORREGRAS

Regras geralmente pautam os comportamentos do cotidiano de qualquer indivíduo. O ser humano especialmente possui diversas regras para controlar e organizar a vida em sociedade. Um indivíduo respeita as regras de trânsito, por exemplo, pois sabe que se não o fizer, haverá consequências aversivas. Para Caixeta (2009, p. 16) “um comportamento pode ser governado por regras ou modelado pelas contingências”. Isso implica que um comportamento não necessariamente necessita ser governado por regras, e que o organismo pode comportar-se de acordo com as contingências de forma autônoma. Este controle decorre direto do contato entre o comportamento e as consequências, sendo assim modelado e tendo sua frequência mantida por elas (BAUM, 1994/1999 apud CAIXETA, 2009). Para Skinner (apud SILVA, 2013), “as regras facilitam o processo de aprendizagem, pois tornam esse processo mais rápido que o comportamento modelado

por contingências”. O mesmo autor refere-se à facilidade que as regras trazem quando contingências semelhantes acometem o indivíduo. Para Skinner (2006) o controle das regras sobre os comportamentos é mais ostensivo do que o das contingências, e os indivíduos que pautam seus comportamentos pelas regras não se comportam da mesma forma aos indivíduos expostos apenas às contingências, pois, segundo o autor, uma descrição das contingências nunca é exata ou completa. Para Castanheira (2001, p. 36) tanto os comportamentos pautados por regras quanto os modelados por contingências são “plausíveis, naturais e eficazes”. A autora afirma que foram aprendidos de maneiras diferenciadas, portanto estão sob distintos tipos de controle e configuram-se operantes distintos. As autorregras podem ser entendidas como estímulos que especificam contingências pelo comportamento verbal do próprio indivíduo. De acordo com Baum (1999, citado por SILVA, 2013) quando o falante e o ouvinte são a mesma pessoa, as regras tornam-se autorregras. Desta forma, quando a pessoa emite comportamentos verbais que servem de estímulo para modificar seu repertório comportamental e essa mudança se dá a partir do próprio sujeito, reconhece-se que foi emitida uma autorregra (SKINNER, 2006). A partir de suas experiências, o indivíduo enxerga o meio a partir de um enfoque subjetivo, e passa, portanto, a formular suas próprias regras. Neste caso, uma parte do repertório do indivíduo afeta a outra parte (ABREU-RODRIGUES & RIBEIRO, 2005, citado em SILVA, 2013). Castanheira (2001) afirma que existem diferenças entre seguir autorregras e regras impostas por outrem, pois quando a pessoa é ouvinte de seu próprio discurso, ela encontra-se em uma contingência social especificamente diferenciada de uma contingência social quando o discurso é emitido por um outro indivíduo. Portanto, quando um sujeito emite um comportamento a partir de uma autorregra, contingências adicionais podem ajudar a manter a frequência de tal comportamento.

CLIENTE

A cliente será denominada Maria; brasileira; vinte e três anos de idade; natural de uma família grande do interior do estado do Paraná. Possui sete irmãos, sendo seis homens e apenas uma mulher. Seus pais divorciaram-se ainda quando criança, sendo que sua mãe perdera sua guarda aos cinco anos de idade e vivera em abrigo até os onze anos de idade, quando mudou-se para a casa da tia. O pai havia perdido o interesse na

criança, até que reaproximou-se e a cliente foi morar com o mesmo aos treze anos de idade, juntamente com outro irmão. Deixou a casa do pai aos quinze anos de idade, de modo a ir morar com um homem muito mais velho, que dizia querer casar-se com ela. Viveu na casa deste homem por aproximadamente cinco anos, não tendo, segundo a cliente, nenhuma relação marital ou sexual com o mesmo. Disse ter ficado todo esse tempo vivendo na casa deste homem pelo fato de que o mesmo possuía excelente situação financeira, permitindo que ela pudesse usufruir destes recursos. Voltou para a casa do pai após separar-se do suposto marido com o qual não mantinha qualquer relação emocional, sendo que decidiu morar sozinha pouco tempo depois. Para sustentar-se, decidiu pela prostituição, atividade na qual realizou por três meses. Viajou, e em outra cidade conheceu João, com quem iniciou um relacionamento e com quem foi morar, vivendo por dois anos e até os dias atuais na casa dos pais dele. Juntamente com o namorado, cursa Educação Física, não trabalha e iniciou o tratamento na Clínica de Psicologia Aplicada com a queixa inicial de que “gostaria de conhecer mais sobre quem realmente era, pois estava cansada de viver sua vida a partir das expectativas dos outros e não de suas próprias”.

METODOLOGIA

Foi utilizada a técnica de psicoterapia breve a partir da abordagem AnalíticoComportamental, pautada nos preceitos do Behaviorismo Radical, da Análise Experimental do Comportamento e da Análise Aplicada do Comportamento. Foram realizadas dez sessões, sendo estas de frequência semanal e possuindo cada uma duração de cinquenta minutos.

INTERVENÇÃO

A partir do início da primeira sessão, os objetivos terapêuticos orbitaram entre uma reflexão profunda sobre quais seriam os conceitos morais (regras e autorregras) da cliente e como a mesma poderia atingir um maior nível de autonomia frente às expectativas alheias. Maria se queixava de que sempre atendia às expectativas de seu namorado, João, e o melhor exemplo citado foi de que ela estava cursando Educação Física juntamente com o mesmo, mas seu sonho era cursar Direito e ingressar na carreira de delegada. Ao ser perguntada sobre os motivos pelos quais acabara sempre

cedendo, suas respostas sempre mostravam-se bastante evasivas, tais como “não sei” e “nem eu mesmo entendo”. Foi lhe perguntado se a mesma acreditava possuir certa dependência de seu namorado, e a resposta fora positiva. Maria dizia odiar o fato de que acabava sempre dependendo demais emocionalmente de algum homem, mesmo não querendo que fosse desta forma. Portanto, o primeiro foco tornou-se identificar as principais contingências relacionadas aos comportamentos cuja cliente acreditava serem inadequados, bem como as regras e autorregras que pautavam seu comportamento. Devido à infância turbulenta, Maria não possuiu modelos de ser humano nos quais pudesse se espelhar para construir suas expectativas, sendo o pai a principal referência da mesma. Isto é perceptível devido à frequência de citações em relação às regras que este pai lhe impunha enquanto vivera com ele, que variavam desde a quantidade de alimentos que poderia ingerir até as atividades domésticas que deveria realizar. Revelou que apanhara muitas do pai, que batia com a prerrogativa de que a filha não poderia tornar-se uma “vagabunda” como a mãe. Maria não sabia no momento, mas havia estabelecido o fato de que não poderia tornar-se uma “vagabunda” como uma autorregra. Na casa dos pais de João, no entanto, a dinâmica ambiental mostrava-se diferenciada, sendo seu sogro, José (nome fictício), aquele que ditava as regras naquele ambiente. A mãe, Benedita (nome fictício), era totalmente passiva em relação à José, realizando todo e qualquer desejo do mesmo. Portanto, esse era o papel que João esperava de Maria, um papel de passividade, pois a regra vigente naquele ambiente era a da passividade completa da mulher frente à soberania masculina. Por não se adequar a esta regra, Maria fora colocada em evidência dentro do ambiente familiar, sendo vítima de brincadeiras e comentários maldosos tanto de João, quanto de José e Benedita. Em relação a João, afirmou que apaixonou-se por um homem carinhoso, amável, que lhe dava atenção e que falava de tudo um pouco, mas que, com a convivência diária, mostrava-se uma pessoa totalmente indiferente quanto ao rumo que o relacionamento estava tomando. O desejo de Maria era de que pudessem arrumar uma casa para morarem e, desta forma, deixarem a casa dos pais de João. No início, seu namorado abraçou a ideia, mas os pais de João lhe convenceram de que isso se configuraria em um gasto desnecessário, convencendo-o de que continuar morando com os pais era a escolha certa a fazer. A presença de João era extremamente reforçadora

para seus pais, não apenas por ser figura presente, mas por ser responsável por quaisquer reparos, obras e concertos na parte mecânica e elétrica da residência. Contrariada sobre suas expectativas de sair daquele ambiente, Maria não tinha seu comportamento reforçado e iniciava discussões acaloradas com João, que rebatia os argumentos de Maria a partir de seu próprio ponto de vista e, segundo ela, não tirando conclusão alguma sobre a questão no final. Com o tempo e com o acúmulo de frustrações, Maria não escondia sua insatisfação com toda a situação, deixando de fazer coisas para João, o que gerava para ele insatisfação, pois estava acostumado com a soberania masculina. Pequenos problemas tornavam-se grandes, e com o passar das sessões, Maria relatava que não conseguia lidar com as atitudes infantis e indiferentes de seu namorado. A mesma tentava salvar seu relacionamento a partir de tentar ajuda-lo nos problemas cotidianos, mas João frequentemente recusava sua ajuda por acreditar que ser ajudado sinalizaria fraqueza. A partir da dinâmica familiar e das regras que regiam os papéis e as relações familiares, João cresceu e desenvolveu grandes habilidades intelectuais, porém, por ter se acostumado a ganhar tudo o que quis e a ser tratado como figura importante, aparenta ter desenvolvido pouquíssima tolerância à frustração. Em várias discussões entre o casal, Maria utilizava-se do ponto fraco de João, seu ego, para tecer seus infames comentários e provocar o namorado nos momentos de agressividade verbal. Fazia comentários como “você não é tão bonito quanto sua mãe te diz” e “você nem é tão inteligente assim”, gerando sentimentos agressivos em João que acabava agredindo fisicamente Maria com socos esporádicos. Segundo a cliente, durante todo o tempo de relacionamento, João havia lhe pedido desculpas formais uma única vez, sendo que até o momento, Maria contabilizava de sete a oito agressões físicas por parte de João. Durante as sessões, foram colocadas em pauta as opções que Maria possuía em relação às agressões de João, sendo que a mesma afirmou não ter interesse em denunciá-lo, pois ainda encontrava-se incerta em relação ao que sentia por ele. Cada vez mais o foco fora se ajustando e demonstrando as variáveis que controlavam o comportamento de Maria, sendo que, aos poucos, reflexões surgiam dentro do ambiente terapêutico a respeito destas variáveis e de como poderia agir para que houvesse uma modificação em relação a estas. Durante a fase final de intervenção, Maria afirmava que era apenas questão de tempo até terminar o relacionamento com João. Não o fazia devido a dependência financeira que possuía em relação a ele, e não saia da casa do mesmo por não querer

voltar a morar com seu pai após tantos anos. A cliente afirmou que achava que João a traia, mas confrontou-se com um dilema quando questionada se gostaria de ter um namorado fiel que lhe tratasse mal, ou um namorado infiel que lhe tratasse bem. Muito fora questionado e apontado frente à relacionamentos e sua dinâmica durante as sessões, sendo que na última e derradeira, Maria afirmou que havia conseguido um emprego. Era o primeiro passo para deixar de depender financeiramente do namorado e de seus sogros. Afirmou que a indiferença de João em relação a ela só crescia, e que o relacionamento dos mesmos estava entrando em fase terminal. No entanto, João voltou a ver a possibilidade de sair da casa dos pais, o que segundo a cliente, a proporcionou uma última esperança. A mesma afirmou que fora da casa dos sogros, outras regras poderiam surgir para modificar o comportamento de João frente a determinadas situações, mas reiterou que se caso ele não concordasse em tentar viver uma vida a dois, ela o deixaria e iria procurar morar sozinha novamente, pois apenas desta forma conseguiria entrar em contato suas particularidades e seguir seus planos.

ANÁLISE Ao identificar sua suposta dependência afetiva em relação ao namorado, a cliente trabalhou durante as sessões para que pudesse analisar os fatos a partir de uma perspectiva mais racional, levando-a a identificar o que lhe afetava, as contingências relacionadas a estes eventos e, posteriormente, como modificar seu comportamento para modificar estas consequências e reduzir seu impacto negativo. Ao final da intervenção, Maria afirmou que modificou seu comportamento, tornando-se mais passiva diante de seu namorado e de seus sogros, e tentando evitar o confronto. Desta forma, ela adequou-se à dinâmica que regulava o ambiente, sendo que a consequência fora uma diminuição da frequência e da intensidade das discussões para com João, e uma leve melhora no relacionamento dela com seus sogros. No entanto, revelou que sentia-se profundamente insatisfeita com esta situação de passividade, e que estava o fazendo apenas para prevenir as consequências que tanto lhe afetaram anteriormente. Possuía planos de deixar aquele local assim que sua dependência financeira e de moradia pudessem ser solucionadas, de modo que intensificou sua procura por um emprego, conseguindo-o no mesmo dia em que fora realizada a última sessão. Decidiu optar por uma vaga no setor de vendas de uma academia, algo que não gostava de fazer, mas que julgou necessário para livrar-se dos

reforçadores financeiros ligados a João e seus pais. A cliente afirmou que tinha medo de deixar a casa dos pais de João sem um emprego, visto que temia recorrer à prostituição novamente, algo que não queria para si, claramente influenciada pela autorregra internalizada a partir da convivência com seu pai. A partir do momento em que a cliente pôde discriminar quais variáveis estavam afetando-a de modo mais frequente e intenso, bem como identificar as consequências de seus comportamentos frente a estímulos ambientais (comportamentos alheios), teve a capacidade de modificar seu comportamento para, consequentemente, modificar as consequências e assim evitar situações conflitantes e desagradáveis. Desta forma, conseguiu organizar seus planos e identificar os métodos aos quais poderia recorrer para alterar as questões relacionadas à questão financeira, fator reforçador importante neste contexto. Todas estas questões relacionadas à identificação de regras, autorregras e contingências e modificação de comportamento por parte da cliente configuram um início promissor de mudança no que se refere à sua vida pessoal e profissional, sua autoestima e seu repertório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do pouco tempo de duração do processo de uma forma geral, foram vislumbradas melhoras em relação à condição inicial da cliente, que não ofereceu resistência ao processo, evidenciando de certa forma sua necessidade e vontade de promover uma mudança em seu ambiente. O processo de psicoterapia acabou por acolher e promover uma mudança comportamental na cliente, que a partir de uma visão e análise mais ampla e profunda acerca da situação em que estava envolvida, pôde compreender as contingências intrínsecas ao ambiente em que vive e seu funcionamento, adquirindo maiores níveis de autonomia e autogoverno. O ambiente terapêutico tornou-se reforçador à medida que o processo fora desenvolvendo-se, de modo que comportamentos ligados à autoestima da cliente foram naturalmente reforçados, gerando um processo gradativo de generalização. Sentindo-se valorizada como ser humano e segura em compartilhar de suas experiências sem o ônus de um julgamento moral por parte do terapeuta, a cliente desenvolveu sua autoestima, o que lhe proporcionou a capacidade de identificar, analisar e modificar seu ambiente de maneira mais assertiva.

REFERÊNCIAS CAIXETA, Bruno Alves. Auto-estima na Perspectiva do Behaviorismo Radical. Faculdade de Ciências da Saúde; Centro Universitário de Brasília, UNICEUB. Brasília, 2009. CARVALHO, S. G. O Lugar dos Sentimentos na Ciência do Comportamento e na Psicoterapia Comportamental. Psicologia, Teoria e Prática, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1999. CASTANHEIRA, S. S. Regras e Aprendizagem por Contingência: Sempre e em todo lugar. Em Guilhardi, H. J.; Madi, M. B. B. P.; Queiroz, P. P. & Scoz, M. C. Sobre o Comportamento e Cognição: Expondo a Variabilidade, 36-45, V. 7. Santo André, SP: ESETec, 2001. COOPERSMITH, S; The Antecedents of Self-esteem. San Francisco: Freeman, 1967. GUILHARDI, José Hélio. Auto-estima, autoconfiança e Responsabilidade. In.: Comportamento Humano – Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para vivermelhor. Orgs: Maria Zilah da Silva Brandão, Fatima Cristina de Souza Conte, Solange Maria B. Mezzaroba.Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2002. GOBITTA, M;GUZZO, R. S. L. Estudo Inicial do Inventário de Autoestima (SEI): Forma A. Psicologia Reflexão Critica, vol.15, no. 1, 2002. MARINHO, G. I; SILVA, A. I. Auto-estima e Relações Afetivas. Artigo baseado em Tema Livre apresentado na I Semana de Psicologia e Terapia Comportamental do UniCEUB, Brasília, 1998. NETO, M. B. C. Análise do comportamento: Behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em Psicologia, Universidade Federal do Pará, 2002. SAKYIAMA, R. R; WEBER, L. N. D. Relações entre Estilos de Apego, Assertividade e Auto-estima. In.: Guilhardi, H. J. & Aguirre, N. C. de (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 16. Expondo avariabilidade. Santo André: Esetec, 2005. SILVA, M. S. G. Regras e Autorregras em Discriminação Simples com Reforçamento Positivo em Adultos. Centro Universitário de Brasília, 2013. Disponível em . Acesso em 02/12/15. SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 2006.

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