Uma experiência de educação para os direitos humanos no currículo de formação inicial de psicólogos

Share Embed


Descrição do Produto

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS NO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO INICIAL DE PSICÓLOGOS

Ana Barbeiro ISEIT/Viseu – Instituto Piaget e CIPsi – Universidade do Minho, Portugal [email protected]

Resumo: A educação para uma cultura de direitos humanos e de cidadania não faz parte, habitualmente, dos objectivos explícitos dos curriculae universitários. Neste trabalho apresenta-se e discute-se uma experiência de educação para os direitos humanos, integrada no curriculo de formação inicial de psicólogos no Instituto Piaget (ISEIT/Viseu), realizada no âmbito da disciplina de “campo e profissão: ética, deontologia e direitos humanos em psicologia”. A educação para os direitos humanos foi uma temática simultaneamente específica e transversal à disciplina, articulando-se com os aspectos ligados à ética e à deontologia dos psicólogos. As estratégias pedagógicas focalizaram-se na exploração activa dos textos fundamentais dos direitos humanos, na discussão de dilemas e no debate, em forma de assembleia de turma, de temas específicos propostos pelos alunos e pelos docentes, muitas vezes articulados com acontecimentos da actualidade. A avaliação da eficácia desta estratégia de sensibilização para os direitos humanos foi realizada a partir da análise dos discursos dos alunos, patentes nos trabalhos escritos sobre a discussão de dilemas e nas respostas a uma questão aberta, apresentada no âmbito da avaliação final da disciplina. As estratégias activas surgiram relacionadas com aprendizagens significativas acerca dos direitos humanos, potenciando a sensibilização dos futuros psicólogos para este tema. Palavras-chave: direitos humanos, educação, ensino superior, psicologia

1

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS NO CURRICULO DE FORMAÇÃO INICIAL DE PSICÓLOGOS

Introdução A educação para a promoção do respeito dos direitos humanos é um compromisso assumido por dezenas de países que, ao longo das últimas décadas, aderiram a Declarações, Pactos e Convenções relacionados com a protecção e promoção dos direitos, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) ou por outros organismos internacionais, como o Conselho da Europa. Também o Estado Português tem assumido este compromisso e, nos últimos anos, diversas iniciativas têm sido tomadas quer ao nível do próprio Ministério da Educação quer ao nível do estabelecimento de parceiras e do apoio a associações e organizações não-governamentais (ONGs). Neste sentido, é de salientar a crescente adaptação e produção de materiais pedagógicos em português disponíveis actualmente em papel e em sítios internet. Para isso terá contribuído a movimentação internacional da Década das Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral em Dezembro de 1994, e que se prolongou até 2004. Todavia, a utilização e a implementação de programas de educação para os direitos humanos tem sido dispersa, faltando ainda uma sensibilização de educadores e outros profissionais para uma intervenção mais sistemática. No que se refere ao Ensino Superior, a educação para uma cultura de direitos humanos e de cidadania não faz parte, habitualmente, dos objectivos explícitos dos curriculae universitários. A educação para a cultura, para os valores e para a cidadania surge neste contexto quando as instituições investem esforço e sinergias no desenvolvimento de actividades extra-curriculares e de ligação à comunidade. No entanto, no caso de alguns cursos, ligados, por exemplo, às ciências humanas ou à saúde, é, possível encontrar algumas disciplinas vocacionadas para a ética e deontologia profissional, o que poderá permitir fazer uma ponte para os direitos humanos. Os aspectos centrais da educação em matéria de direitos humanos abrangem, de acordo com as Nações Unidas (2002), actividades de formação, divulgação e informação destinadas a fomentar uma cultura universal de direitos humanos. Os objectivos deste tipo de intervenção, são de acordo com a Organização citada, “reforçar o respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais; desenvolver em pleno a personalidade humana e o sentido da sua dignidade; promover a compreensão, tolerância, igualdade entre os sexos e amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; possibilitar a todas as pessoas uma participação efectiva numa sociedade livre; estimular as actividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz” (p.4). Ainda assim, nem estes objectivos nem a própria forma de implementar a educação em matéria de direitos humanos tem sido consensual (Tarrow, 1992). Mas, de acordo com esta investigadora, alguns

2

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

aspectos têm sido tomados como linhas comuns entre as várias perspectivas. Assim, um programa educativo deste cariz deve incluir a aprendizagem de determinados conhecimentos e competências, através de um processo específico. Os conhecimentos incluem aspectos como: - as principais categorias de direitos humanos - os textos fundamentais dos direitos humanos (Declarações, Tratados, Convenções), nas suas versões integrais ou resumidas e adaptadas a diferentes grupos de leitores. - os mecanismos de protecção dos direitos humanos, a nível internacional, regional e nacional (legislação, instituições, Comités Internacionais). - aspectos históricos, personalidades e movimentos ligados aos direitos humanos - os problemas actuais de direitos humanos no mundo Por sua vez, são enfatizadas competências como a autonomia, a responsabilidade, a interdependência, a comunicação interpessoal, o pensamento crítico e as competências sociais (cooperação, resolução de conflitos, criação de relações positivas). O processo específico do binómio ensino-aprendizagem deverá caracterizar-se por uma coerência com os conhecimentos e as competências a adquirir. Assim, é dada importância à aprendizagem activa e cooperativa e à auto-disciplina. Os métodos pedagógicos privilegiam os processo de grupo, a criatividade, a participação e a liderança democrática (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, 2002). É preciso ter em conta que se trata de um processo de aprendizagem a longo prazo, e que os diversos conteúdos e metodologias devem ser adaptados aos grupos destinatários. Enfim, um aspecto que também tem sido enfatizado no debate sobre o que deve ser uma educação em matéria de direitos humanos é o papel da educação formal e da educação não-formal neste processo. Alguns especialistas e organismos salientam o papel da educação não-formal e das ONGs na educação em matéria de direitos humanos. No entanto, afigura-se importante a articulação entre estes dois âmbito educativos e a colaboração entre intituições educativas formais e instituições comunitárias (AJPaz, Frade &

Santos, 2004). É com base nestes princípios gerais que a seguir se apresenta e discute uma experiência de educação em matéria de direitos humanos no âmbito do currículo de formação inicial de psicólogos. 1. Os direitos humanos como tema transversal e específico de uma disciplina de formação inicial de psicólogos A disciplina de “campo e profissão: ética, deontologia e direitos do homem em psicologia” faz parte do plano de estudos da licenciatura em psicologia do Instituto Piaget. Trata-se de uma cadeira semestral, de cariz “teórico”, com 40 horas, a leccionar no 1º ano do curso. O programa inicial foi elaborado pelo Professor Pierre Tap1, tendo a autora começado a colaborar na leccionação a partir do ano lectivo de 2000-

3

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

2001, e tendo posteriormente ficado responsável pela disciplina. O que se construiu de seguida, a partir da base inicial, tem os conteúdos genéricos que se apresentam no Quadro 1. Campo e profissão: ética, deontologia e direitos do homem em psicologia – conteúdos programáticos genéricos 1- Âmbito epistemológico da ética e deontologia em ciências humanas – conceitos gerais 2- Normas e valores na história dos direitos humanos: análise e discussão de textos fundamentais dos direitos humanos 3- Normas e valores na formação e na prática dos psicólogos: as dimensões teóricas da identidade e das práticas profissionais do psicólogo; a deontologia 4- Práticas da psicologia nos diferentes domínios: análise de questões e “dilemas” éticos relativos às diferentes práticas da psicologia.

Quadro 1 – Conteúdos programáticos Assim, a temática dos direitos humanos constitui-se como um conteúdo específico da disciplina. Ao mesmo tempo, procura-se uma articulação com os outros conteúdos, nomeadamente da ética e da deontologia dos psicólogos, através do eixo transversal “relações entre indivíduos e grupos”. Cedo foi constatado que os métodos tradicionais para o ensino de uma disciplina “teórica” não permitiam aprendizagens em profundidade acerca destes temas. Por outro lado, o interesse dos alunos pelos conteúdos abordados foi um estímulo para a procura de formas de organizar a relação pedagógica de forma a potenciar esse interesse e promover aprendizagens significativas (de acordo com as definições de Bruner, 1997; 2000). Assim, começou-se por estimular o debate em momentos-chave da aula, procurando que os alunos trouxessem as suas vivências para a discussão. Pouco a pouco, achou-se importante estimular também a pesquisa mais autónoma e pessoal, com a orientação da docente. Ao longo destes anos verificou-se que poucos alunos tinham alguma vez participado em programas de educação para os direitos humanos e para a cidadania. Procuraram-se, então, estratégias que podessem orientar o trabalho nesta disciplina de forma a aproximá-la dos objectivos da educação em matéria de direitos humanos, ainda que relacionando-os com a área específica da psicologia. De seguida faz-se a caracterização do programa de educação para os direitos humanos, tal como ele acabou por se configurar nos últimos anos.

4

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

2. Caracterização do “programa” pedagógico adoptado para a educação em matéria de direitos humanos O “programa” de educação em matéria de direitos humanos na formação de psicólogos que a seguir se apresenta não é um modelo acabado, e tem sido construído em colaboração com os alunos, numa processo de experimentação pedagógica. Assim, tendo como princípio de trabalho a promoção de conhecimentos e do posicionamento crítico sobre temas de direitos humanos, nas sua relação com a psicologia, procurou-se envolver os alunos em actividades significativas de exploração e reflexão sobre este assunto. A implementação destas actividades aconteceu de acordo com dois eixos: um específico, ligado ao tema do programa sobre os direitos humanos (tema 2, cf. Quadro 1), e outro organizado transversalmente aos outros temas. a) Objectivos Os objectivos deste “programa” de educação em matéria de direitos humanos com alunos de psicologia centravam-se genericamente em: - Fornecer aos alunos um conjunto de materiais de base e de linhas de trabalho para a construção de aprendizagens sobre os direitos humanos; - Proporcionar oportunidades de pesquisa, posicionamento e discussão relativamente aos direitos humanos; - Proporcionar oportunidades de desenvolvimento de autonomia e do pensamento crítico relativamente aos temas de direitos humanos; - Proporcionar oportunidades de relacionar, de forma significativa, os temas dos direitos humanos com vivências no âmbito pessoal, no âmbito da formação em psicologia e no âmbito da deontologia em psicologia. b) Metodologia A metodologia adoptada na liderança do processo pautou-se por uma ênfase num modelo de facilitação pedagógica, promovendo-se a participação, a discussão e o confronto de ideias. Incentivou-se também a procura de consensos, a responsabilização e autonomização dos alunos, o trabalho em equipa e o desenvolvimento da criatividade. No entanto, e principalmente por motivos relacionados com uma “economia de tempo” a intervenção caracterizou-se também por alguns momentos de exposição de informação pela docente, se bem que se tenha procurado pontuá-los com o apelo aos comentários dos participantes. O eixo específico do programa consistiu num trabalho que combinou métodos pedagógicos expositivos e activos, incentivo da pesquisa pessoal e promoção do debate – confronto de ideias e criação de

5

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

consensos. Com uma duração aproximada de 8 horas lectivas, compreendeu também trabalho desenvolvido autonomamente pelos alunos, num horário extra-lectivo. Os debates podiam surgir de forma espontânea ou com temas propostos previamente, e decorriam em forma de assembleia de turma, moderada pela docente. As actividades desenvolvidas foram as seguintes: - Enquadramento histórico dos direitos humanos. - Exploração e discussão de textos fundamentais na sala de aula (a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; outros textos que variaram ao longo dos anos consoante as escolhas dos alunos, sobre direitos de grupos específicos – crianças, mulheres, deficientes). - Pesquisa e exploração de textos em trabalho autónomo dos alunos (fora da aula) e sua apresentação resumida e discussão na sala de aula (foram fornecidas aos alunos moradas de sítios internet para encontrar estes textos e outras informações sobre temas de direitos humanos). - Apresentação genérica dos mecanismo de protecção dos direitos humanos e fornecimento de moradas de sítios internet: páginas de instituições de protecção e promoção dos direitos humanos, governamentais e não governamentais, a nível internacional, regional, nacional e local. - Discussão de temas ligados aos direitos humanos, sugeridos pelos alunos (e.g., violência contra as mulheres e crianças, guerra, discriminação de grupos minoritários, situação dos deficientes). O eixo transversal à disciplina centrou-se no incentivo à pesquisa e estabelecimento de relações entre os conteúdos programáticos relativos aos direitos humanos e aos outros temas da disciplina (ética, valores e normas; deontologia da psicologia, práticas profissionais dos psicólogos nas instutuições), através do eixo comum “relações entre indivíduos e grupos”. Neste eixo de intervenção, as actividades principais consistiram na realização de trabalhos de grupo pelos alunos, relativos à discussão de dilemas éticos em psicologia. Os alunos deveriam posicionar-se face a um dilema em psicologia. Para isso seria necessário articular argumentos fundamentados em textos sobre os direitos humanos, com os códigos deontológicos dos psicólogos e com as posições pessoais de cada membro do grupo.Os temas gerais dos dilemas eram fornecidos pela docente, e os alunos deveriam construir uma história concreta para a discussão do dilema. Tratava-se, obviamente, de problemas muito simples (acessíveis a alunos do primeiro ano do curso, sem conhecimentos aprofundados da psicologia), listados com a colaboração de vários profissionais da psicologia – a estes fora solicitado que sugerissem temas para dilémas éticos, a partir da sua própria prática. A apresentação formal do trabalho fez-se de duas formas: apresentação oral de um poster e a apresentação de um relatório final. A apresentação oral fez-se perante a turma, a partir de posters elaborados para o efeito, incentivando-se a criatividade e a clareza na composição gráfica, mas sem pretensões de elaboração de um poster científico. Seguia-se um debate generalizado à

6

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

turma sobre o dilema e as propostas de solução dadas por cada grupo. A partir deste debate, os grupos elaboravam um relatório final, que consistia na segunda forma de apresentação do trabalho. c) Materiais disponibilizados aos alunos Segue-se uma listagem genérica de materiais fornecidos (referem-se apenas aqueles que estão directamente ligados aos direitos humanos: - no programa da disciplina: referências bibliográficas relativas aos direitos humanos (filosofia dos direitos humanos, problemas actuais de direitos humanos); lista de sítios na internet com os textos fundamentais dos direitos humanos, relativas a organizações de protecção e promoção dos direitos humanos, e com outros materiais pedagógicos sobre o tema. - CD com o mesmo tipo de materiais - trabalhos elaborados, no âmbito da disciplina, por alunos de anos anteriores - cópias em papel de apresentações em power-point e acetatos com sínteses dos aspectos teóricos do tema, tratados em momentos expositivos das aulas. d) Avaliação Não se pretende, aqui, fazer uma avaliação da qualidade científica dos trabalhos apresentados pelos alunos, mas somente realizar uma reflexão sobre o impacto deste programa de educação em matéria de direitos humanos. A avaliação centra-se, assim, no desenvolvimento do processo pedagógico (visto na perspectiva da docente) e nos discursos dos alunos sobre os direitos humanos, patentes na “discussão do dilema ético em psicologia” e nas respostas a uma questão aberta, constante da avaliação final da disciplina. Relativamente ao processo e à relação pedagógica, a participação dos alunos revelou o seu interesse por estas temáticas. Pode considerar-se que se evidenciou o desenvolvimento de aplicação de competências de reflexão crítica sobre o mundo e de participação em debates com confronto de diferentes pontos de vista. Chegou a ser dito por alguns alunos que se tratava de “uma cadeira fixe, em que se vai lá para discutir” ou de “uma cadeira onde se aprende muito sobre a psicologia e sobre o seu papel na sociedade”. Os posters elaborados pelos alunos deram mostras de empenho e criatividade na apresentação gráfica e na construção dos argumentos. Tem sido também referido pelos alunos que a sua elaboração é um trabalho que lhes dá prazer. Para além disso, os posters têm ficado afixados na sala de aula, frequentada por alunos de outro cursos e anos, durante cerca de uma semana, o que dá visibilidade ao trabalho dos “caloiros”. Tem sido também com entusiasmo que a autora deste trabalho tem desenvolvido a relação pedagógica, e com um sentimento de que as aprendizagens são mútuas. Os trabalhos de discussão de dilemas mostram competências de procura de informação relevante e do seu confronto com as ideias pessoais de cada membro do grupo. No debate alargado à turma, os colegas

7

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

sugeriram frequentemente outros argumentos relevantes para a resolução do dilema. No entanto, por vezes denotou-se alguma dificuldade de integração de todas as “vozes” sobre o problema, provavelmente relacionada com a dificuldade em interpretar o sentido dos textos de linguagem jurídica (como foi dito pelos alunos). Assim, algumas vezes as soluções encontradas foram claramente no sentido de privilegiar a combinação de perspectivas subjectivas e mais próximas culturalmente, deixando de fora argumentos mais formais/jurídicos, ou atribuindo-lhes interpretações reducionistas. Quanto à questão aberta apresentada no âmbito do exame de avaliação dos alunos, tratava-se de uma “questão de desenvolvimento”, à qual os alunos podiam optar por responder, ou escolher outra, de cariz menos “pessoal”. Ao longo dos anos foram colocadas questões ligeiramente diferentes, mas, genericamente, era pedido ao aluno que discutisse uma aprendizagem realizada no âmbito da disciplina, que considerasse relevante para a sua formação como futuro psicólogo. Muitos dos educandos que optaram por desenvolver este tema referiram-se ao estudo dos direitos humanos (mesmo à exploração do textos fundamentais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que alguns nunca tinham lido) e ao conhecimento dos códigos deontológicos dos psicólogos. Os debates sobre diversos temas e o trabalho de discussão de dilemas tiveram também referências positivas e geradoras de mudança de posicionamentos pessoais, expressos em frases como: “Percebi que para resolver um dilema moral não bastam as minhas opiniões pessoais, mas devo também ter em conta normas como os direitos humanos e o Código Deontológico dos Psicólogos”. “Compreendi que é importante fazer a diferença entre as soluções que eu encontraria se estivesse a falar dos meus problemas e a forma de aconselhar alguém com um problema.” “Percebi que, mesmo que eu nunca fizesse um aborto, como futura psicóloga é importante compreender que outros podem ter posições diferentes.” Para finalizar esta avaliação, é importante referir ainda um aspecto que lança as bases para uma reflexão de follow-up. No terceiro ano do curso de psicologia, os mesmos alunos têm tido oportunidade de voltar a trabalhar com a docente sobre alguns temas relacionados com os direitos humanos, específicos às situações de interculturalidade, no âmbito da disciplina de “psicologia intercultural” (cf. Barbeiro, 2007). E, com efeito, vários foram os grupos de trabalho que retomaram os seus dossiers da disciplina do primeiro ano para encontrar textos fundamentais dos direitos humanos e relacioná-los com a interculturalidade. Deste modo, afigura-se que as aprendizagens realizadas no âmbito desta “educação em matérias de direitos humanos” foram suficientemente integradas para serem retomadas e aplicadas a outras situações, no percurso formativo dos alunos, transformando-se em aprendizagens significativas.

8

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

Conclusão A experiência aqui apresentada não pretende ser mais do que uma iniciação à educação em matéria de direitos humanos para os futuros psicólogos. O seu enquadramento numa disciplina de temática muito abrangente, com um programa que cobre diversos assuntos constitui simultaneamente um aspecto forte e uma fraqueza desta intervenção. Por um lado, o facto de se enquadrar no primeiro ano da licenciatura em psicologia, e permitir relacionar os direitos humanos com aspectos específicos da profissão do psicólogo, potencia o interesse dos alunos, curiosos sobre a profissão que escolheram, e fornece uma base para o desenvolvimento da identidade profissional e de uma prática fundada nos direitos humanos. Mas, por outro lado, as limitações da carga horária, do carácter “teórico” da disciplina e de outras características que se prendem com a própria Univerisdade, apenas permite uma abordagem superficial. Procurou-se, assim, mais do que realizar um trabalho sistemático sobre os direitos humanos, fornecer materiais, lançar desafios e construir um caminho para a pesquisa autónoma por parte dos alunos. Em parte, este caminho tem sido retomado em conjunto pela docente e pelos educandos no terceiro ano da licenciatura, no âmbito da disciplina de “psicologia intercultural” (cf. Barbeiro, 2007). Considera-se, assim, que será importante intencionalizar de forma mais aprofundada, e institucionalmente integrada, este percurso formativo sobre os direitos humanos, quer em articulação com outras disciplinas do curso de psicologia quer através da promoção de actividades extra-curriculares, abertas a outros membros da comunidade universitária. Neste sentido, seria importante procurar o envolvimento da Associação de Estudantes, bem como o da própria Direcção da Escola e de outros docentes interessados. O envolvimentos dos últimos poderá passar pelo incentivo e apoio pedagógico e material a projectos construídos pelos alunos, ligados aos seus próprios interesses, motivações e formas de abordagem dos direitos humanos. Enfim, os alunos do Ensino Superior que têm participado nesta experiência são actores interessados em conhecer o mundo que os rodeia e em procurar formas de intervir socialmente. A educação em matéria de direitos humanos poderá permitir colocar à sua disposição mais uma ferramenta que, como futuros profissionais, poderão usar para a promoção de uma cultura de paz. Referências bibliográficas Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (2002). Formação em direitos humanos – manual sobre a metodologia da formação em direitos humanos. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações do 50.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Década das Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos e Gabinete de Documentação e Direito Comparado.

AJPaz, Frade, S. & Santos, C. M. (2004). Laboratórios de direitos humanos – o direito ao desenvolvimento. Disponível em http://www.ajpaz.org.pt/agitan/edh_04.pdf.

9

Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación. ISSN: 1138-1663.

Barbeiro, A. (2007). Desenvolvimento da“sensibilidade” intercultural na formação inicial de psicólogos – discussão de uma experiência. Actas do IX Congresso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. Bruner, J. (1997). Actos de significado. Lisboa: Edições 70. Bruner, J. (2000). Cultura da educação. Lisboa: Edições 70. Nações Unidas (2002). Educação em matéria de direitos humanos e tratados de direitos humanos. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações do 50.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Década das Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos e Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Tarrow, N. (1992). Human rights education: alternative conceptions. In J. Lynch, C. Modgil & S. Modgil (eds.), Cultural diversity and the schools: Vol. 4. Human rights, education and global responsibilities, pp. 21-50. London: The Falmer Press.

1

Ao Professor Pierre Tap, um profundo agradecimento por todos os momentos de partilha e aprendizagem.

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.