Uma frágil camada de Razão. A clínica das paixões religiosas em França e Portugal. C. 1830-c.1910, in Tiago Pires Marques (org.), Experiências à deriva. Paixões religiosas e psiquiatria na Europa (séculos XV a XXI). Lisbon: Cavalo de Ferro, 171-216

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Descrição do Produto

A pedido do coordenador do presente volume, todos os textos respeitam o Novo Acordo Ortográfico. Este volume recebeu o apoio financeiro das seguintes instituições:

© Cavalo de Ferro, 2013 A tradução do texto de Denis Pelletier reproduzido no presente volume serviu de prefácio ao livro, Le président Schreber. Un cas de paranoïa de Sigmund Freud © 2011, Edition Payot & Rivages Cavalo de Ferro é uma marca propriedade de Theoria, Lda. Revisão: Cláudia Chaves de Almeida Paginação: Finepaper, Lda 1.ª edição: Julho de 2013 ISBN: 978-989-623-167-5 Quando não encontrar algum livro Cavalo de Ferro nas livrarias, sugerimos que visite o nosso site www.cavalodeferro.com

ÍNDICE

Prefácio, por António Matos Ferreira .......................... Introdução, por Tiago Pires Marques ............................

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I PARTE – DEUS, DEMÓNIO, DOENÇA: EXPERIÊNCIAS E LIMITES

Labirintos da formação histórica do eu moral. Decifrando Paulo de Portalegre no Novo Memorial, por Maria de Lurdes Rosa ..............................................

33

As ilusas: religiosidade e transgressão no feminino em Espanha nos séculos xvi e xvii, por Ana Álvarez ............................................................

71

A noite, o sol e o sangue. Nos umbrais da religiosidade barroca em Portugal, por António Ribeiro ........................................................

99

Convulsões e profecias jansenistas no final do século xviii: os Fareinistes, por Serge Maury ............................................................. 139

Uma frágil camada de razão: a clínica das paixões religiosas em França e Portugal (c. 1820 – c. 1910), por Tiago Pires Marques ................................................. 171 O religioso sob suspeita e a desconfiança do outro, por António Matos Ferreira ............................................. 217 II PARTE – O RELIGIOSO E O PATOLÓGICO: ENTRE SUSPEITA E PLURALIDADE HERMENÊUTICA

O patológico na tradição mística. A Fable Mystique e os limites da explicação em Michel de Certeau, por Carlos H. do C. Silva ............................................... 251 Uma história moral da neurose obsessiva, por Pierre-Henri Castel ................................................... 299 O século de Schreber, por Denis Pelletier ..................... 319 Os delírios religiosos na psiquiatria, por Marco Paulino ........................................................ 339 O religioso na psiquiatria contemporânea, por Françoise Champion ................................................. 361 Índice das ilustrações ................................................... 389 Notas biográficas dos autores ...................................... 391 Agradecimentos ............................................................ 399

UMA FRÁGIL CAMADA DE RAZÃO A CLÍNICA DAS PAIXÕES RELIGIOSAS EM FRANÇA E PORTUGAL (C. 1820 – C. 1910)* por Tiago Pires Marques

No século xix e nas primeiras décadas do século xx, comportamentos e fenómenos psicossomáticos não ordinários ocuparam um lugar importante na psiquiatria nascente, então designada por alienismo. Entre estes encontramos inúmeros casos de visões, estigmatizações, êxtases e outros estados alterados de consciência, jejuns prolongados, possessões por entidades sobrenaturais e experiências de intensa dor física e moral. No alienismo francês, que inspirou médicos e instituições de outros países, incluindo Portugal, estes comportamentos e fenómenos foram agrupados no campo da religiosidade patológica. Em França, os conceitos de «monomania religiosa» e «delírio místico», inicialmente articulados com a ideia de «paixão» (da raiz grega pathos, aquilo que se sofre, também na origem de «patológico»), deram-lhes uma objetividade psiquiátrica. Antes experimentados e observados a partir de tradições teológicas, mágico-religiosas e místicas, tal como vimos nos capítulos anteriores, estes estados e fenómenos eram frequentemente colocados no campo da doença e da loucura. No entanto, apesar de existirem já observações e classificações médicas das patologias que hoje chamamos «mentais», a loucura permanecia um fenómeno fundamentalmente moral e espiritual. Estas categorias psiquiátricas inscrevem-se, assim, não só num processo de «secularização da mente»1, mas também num movimento tendente à sua naturalização. A partir da década de 1870, os conceitos de «monomania religiosa» e «delírio místico» perderam grande parte

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da sua pertinência clínica em França. Porém, foram apropriados pela psiquiatria portuguesa e tiveram, no Portugal da viragem do século xix para o século xx, ressonância na vida política. Este capítulo constitui uma análise histórica comparativa da clínica das paixões religiosas nos contextos nacionais francês e português. Nesta análise observam-se diferentes formas de naturalização das patologias mentais, de modelos abertos aos significados socioculturais a interpretações psiquiátricas de base inteiramente biológica. Veremos, assim, que a construção, adoção e aplicação desses modelos são condicionadas por variáveis contextuais, nomeadamente políticas, morais e religiosas.

Os loucos de Cristo

O historiador do romantismo francês, Frank Paul Bowman, vários historiadores da cultura religiosa do século xix2, e especificamente Jacques Maître no quadro do catolicismo pós-revolucionário3, colocaram em evidência a forte presença, no espaço público da primeira metade do século xix, de autoproclamados messias, místicos e profetas. O capítulo de Serge Maury sobre os Fareinistes, neste volume, apresenta um estudo de caso representativo do ambiente profetista desse período. À semelhança dos autores acima citados, Maury situa o fenómeno na vaga religiosa do período da Restauração, mas não sem continuidade com os milenarismos do século anterior (neste caso, os convulsionários). Com efeito, um dos filões do Romantismo oitocentista deve compreender-se nessa continuidade religiosa. Exemplo particularmente expressivo é o do escritor Gérad de Nerval, que, na obra Les illuminés, publicada em 18524, fez a crónica de várias expressões excêntricas de deísmo e de loucuras religiosas do século das Luzes, enquanto era ele mesmo sujeito

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a «crises nervosas» diagnosticadas como «teomanias» e «demonomanias»5. Cobrindo um vasto leque de sensibilidades sociais e políticas, o campo religioso oferecia então uma linguagem operatória a estes arautos do fim dos tempos e do começo de novas eras, simultaneamente fundadores de cultos e reformadores sociais. Situando-se sempre numa posição marginal e crítica das instituições sociais, as suas proclamações religiosas, assentando em experiências místicas e visionárias, remetiam invariavelmente ou para um «profetismo monárquico» e católico integrista6; ou, no polo oposto, para utopias comunitárias e libertárias em rutura com a instituição clerical. Analisando as «loucuras religiosas» da primeira metade do século xix a partir das suas orientações políticas, Bowman notava a dificuldade em situar estes «teómanos» no mapa político («teómanos», na expressão contemporânea de Esquirol, ou seja, literalmente, maníacos de Deus)7. Contudo, um elemento constante liga, por exemplo, os saint-simonianos, defendendo uma reforma social para a qual convocavam formas litúrgicas inspiradas no catolicismo, e os sacerdotes cismáticos, que fundavam novas «Igrejas católicas» com o objetivo de restaurar o modelo da Igreja primitiva: a ideia de uma comunidade religiosa orgânica, enquanto forma político-religiosa e social oposta ao liberalismo. Porém, não era só no campo estritamente político que os teómanos se exprimiam. Nas décadas de 1830-1840, o positivismo científico de Comte desenvolveu-se igualmente sob um fundo de inspiração religiosa. Numa leitura recente e original do comtismo, o historiador da medicina Jean-François Braunstein mostra como a «crise cerebral» de Comte em 1826 se refletiu no sistema positivista. Nessa crise, Comte terá experimentado sentimentos que classificou como «místicos», os quais, segundo ele, validavam a teoria dos três estados. A evolução mental da

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humanidade – do estado teológico, caracterizado pela racionalidade místico-religiosa, ao estado metafísico ou filosófico, e, por fim, ao atual estado científico – seria a mesma que percorriam, em sentido inverso, ele e todas as vítimas de uma desorganização ou crise nervosa8. Outro caso significativo é o do escultor romântico Téophile Bra, que ligava o tema da mística, não à ciência, mas à política e à expressão artística. Este escultor eminente, depositário de importantes encomendas oficiais durante toda a sua carreira, descreve, num texto ditado ao seu secretário e intitulado L’Évangile rouge, uma longa experiência mística, entre 1828 e 1930, induzida pela prática então em voga do magnetismo animal9. Repleta de citações do Apocalipse e do Corão, e de autores como Goethe, Walter Scott e Rousseau, o texto era ilustrado por desenhos a que Bra chamava «os símbolos» e que deveriam integrar a obra a publicar com o fim de dar forma visual às suas intuições místicas10. O político-religioso integrava, nesta experiência mística, também uma dimensão estética. Se em Comte a mística – ou, do ponto de vista dos críticos, o episódio de loucura religiosa – tomava a forma de um messianismo científico, em Bra manifestava-se como «messianismo artístico» ou estético11. «Sócrates foi chamado louco, Cristo foi chamado louco, assim como os seus seguidores exaltados; também eu fui chamado louco por ter acreditado compreender a sua doutrina», escrevia Bra no seu Évangile. O tema secular do Christus insanit ressurgia no contexto do individualismo romântico e marcava a época. Alphonse Esquiros, outro reformador utópico de inspiração cristã, autor de um Évangile du peuple, escrevia que «todo o profeta, estando à frente do seu tempo, é tratado como louco, e portanto o louco de hoje é o profeta de amanhã»12. Mais: sendo os loucos à imagem de Cristo, «Jesus valoriza os loucos». O messianismo de Esquiros não deixou, de resto, de chamar a atenção de

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biógrafos e historiadores13. Na acusação de loucura, Bra denunciava uma repressão dos sentimentos religiosos, apesar do discurso oficial de tolerância14. Décadas mais tarde, estes «profetas sociais místicos», como lhes chamava o psiquiatra Maurice Dide em Les idéalistes passionnés (1913), de Esquiros a Saint-Simon e Comte, seriam matéria privilegiada para diagnósticos psiquiátricos retrospetivos, em que as reivindicações políticas «desviantes» figuravam como um indicador adicional de anormalidade psíquica15. Os tratados de alienismo, que proliferam a partir da década de 1830, mostram que já nessa altura estes apaixonados por Cristo e reformadores iluminados chamavam a atenção dos alienistas e eram presença regular nos hospícios16. Ainda que Théophile Bra tenha evitado o internamento, isso não impediu Georget, assistente de Esquirol, de o classificar, a partir dos seus escritos, como «louco raciocinante» (fou raisonnant)17. Em contrapartida, Comte e Nerval fizeram várias estadias em clínicas para alienados. Comte foi tratado por Esquirol e Georget na clínica de Charenton em 1926, e Nerval foi internado, nas décadas de 1840 e 1850, na então célebre clínica do doutor Esprit Blanche, em Montmartre18. Porém, mais significativo é o grande número de casos de «delírio religioso» inventariados, para estas décadas, por Jean-Marie Dupain. A tese deste aluno de Charcot e Magnan, publicada em 1888, ao mostrar a importância das manifestações religiosas da loucura nos asilos do alienismo da primeira metade do século xix, permite afirmar a representatividade destes casos19. A este texto pouco conhecido pelos historiadores da psiquiatria, e que no entanto assinala bem a passagem do paradigma do alienismo à psiquiatria, voltarei mais adiante.

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A herança teológica e iluminista

A patologização destas experiências e discursos no século xix não nos deve fazer esquecer que muitos dos seus temas se inscrevem num movimento histórico identificável. Estes temas são inseparáveis, nomeadamente, de transferências da Alemanha para França de correntes deístas, teosóficas e místicas que se desenvolveram no contexto da reação antirrevolucionária20. Interpretados no espírito deísta das Luzes, os escritos dos místicos medievais – de Mestre Eckhart, Tauler, Ruisbrook e Jacob Böhme, entre outros – integraram este movimento e foram cruciais na formação da sensibilidade religiosa romântica21. A redescoberta destes autores e a leitura de visionários do século xviii, e de Swedenborg acima de todos, irrigaram as doutrinas ocultistas e teosóficas do século xix22. Atacando o racionalismo e os valores que acusavam de burgueses, estes novos místicos faziam da subjetividade individual o lugar privilegiado de manifestação da vontade divina, com a qual julgavam ser possível estabelecer uma relação direta23. Uma espiritualidade romântica valorizando o Eu como fonte e garante da autenticidade e força dos enunciados religiosos constitui a linha de força mais característica do cristianismo deste período. Se figuras como Téophile Bra são à época olhadas como casos patológicos, tal apreciação resulta mais da natureza excessiva das suas posições e da excentricidade da sua experiência do que de uma descontinuidade com as formas de consciência religiosa do seu tempo: a sua escrita e os seus enunciados têm características semelhantes aos de personalidades religiosas do romantismo católico (por exemplo, Saint-Martin, Ballanche e Lamennais). Como nota Bowman, todos estes escritos têm em comum a proliferação de maiúsculas e itálicos, as exclamações e ejaculatórias, os parágrafos curtos e ritmados, o gosto pelas etimologias24, enfim, todas as marcas de um estilo

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que pretendia restaurar a unidade entre o divino e a criação, e, pela sua dimensão profética, inscrevê-lo no espaço público. Porém, se há um modo de escrita das paixões religiosas claramente epocal, a cultura da paixão religiosa tem raízes mais profundas no cristianismo25. Reconstruindo uma tradição religiosa da loucura por Cristo, cujas origens remontam a São Paulo, o teólogo Frédéric Le Gall mostra que, nesta tradição cristã, ser «louco por amor de Cristo» é, em certa medida, ser louco com Cristo e partilhar a sua paixão pelos pobres e pela humanidade sofredora. A paixão religiosa liga-se pois, e não só no romantismo, ao tema do Christus insanit – o Cristo louco aos olhos do mundo, que, se voltasse a viver entre nós, seria, já não crucificado, mas provavelmente internado num hospício26. Simultaneamente, as autoridades religiosas deram, ao longo de séculos, grande atenção aos «desvios» das paixões religiosas. A manifestação do extraordinário, do falso, do bizarro e do mal, a coberto da paixão cristã, é central na problemática católica da santidade e da revelação divina. Desde os místicos medievais e do Renascimento, os estados limite da experiência religiosa foram objeto de atenção e de exercícios de codificação. Estas observações e vagas de codificação teológica deram lugar a uma certa forma de ciência das visões e das revelações privadas27. Ora, foi também contra esta tradição, valorizadora das epifanias extraordinárias, que Lutero estabeleceu o princípio teológico da sola scriptura, negando todas as revelações privadas posteriores à Bíblia. Ao mesmo tempo, em convergência com o espírito da Reforma protestante, os grandes místicos católicos dos séculos xvi e xvii tenderam a classificar as revelações privadas não ordinárias como epifenómenos patológicos da experiência mística. No século xvi, para São João da Cruz, por exemplo, a única revelação digna de fé era Cristo; e Santa Teresa de Ávila não se cansava de alertar para o perigo das visões e das vozes que acompanhavam

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os êxtases. Na via mística, só os frutos da experiência e a conformidade doutrinal com os enunciados da Santa Sé davam segurança de autenticidade28. Quanto ao século xvii, designado como o século da «invasão mística» numa obra clássica de Henri Bremond, o historiador Jacques Le Brun traça um perfil religioso marcado mais pela suspeição e condenação da mística do que pelo seu sucesso. Antes de passar por um processo de racionalização e depuração, a mística representava «a ameaça da ilusão, o medo da novidade, do estrangeiro, do inimigo espanhol, do arcaísmo, a antiguidade pagã, as filosofias mais ou menos esotéricas, a desconfiança perante os fenómenos suspeitos da cumplicidade do corpo ou da sensualidade»29. Sistematizada no século xviii por Prosper Lambertini – antes de ser designado papa (Bento XIV) –, a «ciência» oficial das revelações privadas considerava que as experiências religiosas extraordinárias eram acompanhadas de manifestações patológicas. Foi precisamente este aspeto que justificou a sua sistematização: em cada experiência mística, tornava-se necessário discriminar os elementos que atualizam e iluminam a verdade cristã revelada daqueles que devem ser imputados quer ao diabo, mestre da ilusão e da mentira, quer às causas naturais e morais30. Assim, sempre que as experiências religiosas limite ou extraordinárias entravam no campo da santidade, as autoridades clericais mobilizavam procedimentos visando discernir a natureza dos fenómenos em causa, incluindo a observação teológica, moral e médica. Na Igreja Católica pós-tridentina, o processo do discernimento combinou-se assim com um ceticismo crescente quanto à natureza miraculosa das curas taumatúrgicas e outros fenómenos do extraordinário religioso. Nos séculos xvii e xviii, elaborou-se gradualmente um sistema complexo de provas, dando um espaço maior às perícias médicas e às explicações naturais31. No século xix, esta tendência continuou a desenvolver-se: a crítica

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dos fenómenos extraordinários, na linha de um cristianismo erudito e racional, em harmonia com o espírito das Luzes32, ajuda a compreender, por exemplo, o sucesso teológico e devocional da pequena via mística proposta pela irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (Santa Teresa de Lisieux), em contraste com a mística – expressiva, extática, grandiloquente – da sua antecessora carmelita, Teresa de Jesus (Santa Teresa de Ávila)33. De acordo com uma pista de leitura proposta por Marcel Gauchet e Gladys Swain em La pratique de l’esprit humain, ao Grand renfermement dos séculos xvii e xviii correspondeu, paradoxalmente, uma redução da alteridade implicada pela noção de loucura sagrada típica do Renascimento: ainda que pela religião o louco tivesse, neste período, um lugar na cultura, tal lugar construía-se como figura de alteridade radical. Nesse sentido, o louco constituía um «elo fatal na grande cadeia dos seres»34. A redução da alteridade da loucura parece, pois, ligar-se a um duplo processo: a sua secularização (aqui no sentido de dessacralização) e a sua exclusão da cultura. Porém, à luz das considerações anteriores, não devemos perder de vista que o movimento de secularização do extraordinário religioso se operou igualmente no interior do universo cristão, conduzido, em boa medida, a partir do interior da Igreja. Michel Foucault observara já que no período marcado pelo misticismo protestante e pelo Jansenismo (c. 1680 – c. 1740), respondendo ao apelo simultâneo das autoridades católicas e do Estado, os médicos se tornaram presença frequente sempre que se tratava de «mostrar que todos os fenómenos de êxtase, inspiração, profetismo, possessão pelo Espírito Santo se deviam (no caso de heréticos, evidentemente) aos movimentos violentos dos humores ou dos espíritos»35. Segundo Foucault, esta anexação do religioso à medicina não decorreu de um desenvolvimento interno a esta última. Pelo contrário, «foi a própria experiência religiosa que, para se distinguir, fez apelo, e

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de uma forma subsidiária, à confirmação e à crítica médicas»36. Mais tarde, no momento da definição positivista da doença mental, este apelo das autoridades religiosas à medicina voltar-se-ia contra a Igreja e o mundo cristão pela patologização do conjunto dos fenómenos religiosos. Por outra via, situando o seu ponto de observação no interior da tradição mística ocidental, também Carlos Silva atribui à auto-observação experimental dos místicos dos séculos xvi e xvii a tendência para a somatização dos significados religiosos, decorrente de «um ciclo de decadência da espiritualidade cristã e católica»37. Associada ao regime confessional de um agostinianismo renascente, a «fixação das representações do corpo» fez nascer a anormalidade no seio da experiência religiosa 38. Talvez por essa razão, nem mesmo durante o século xix, marcado por maior conflituosidade entre homens de fé e homens de ciência, as autoridades católicas deixarão de recorrer à medicina, e especificamente à psiquiatria, quer como auxiliares do «discernimento teológico», quer com um objetivo terapêutico. Por exemplo, no caso da possessão coletiva de Morzine, em França (1861-1863), ainda que disputando entre si o monopólio das consciências, alienistas e autoridades religiosas agiram essencialmente de uma forma cooperante39. A história religiosa da França dos finais do século xix dá-nos outros exemplos desta colaboração: os internamentos psiquiátricos das religiosas ursulinas a pedido das suas superioras, analisados pela antropóloga Giordana Charuty40; o conhecido caso da mística falhada, Pauline Lair Lamotte (ou Madeleine Lebouc), sob escrutínio ora de diretores espirituais, ora de psiquiatras41; e as funções confiadas aos médicos no santuário de Lourdes42 são exemplos significativos de uma afinidade de fundo entre a primeira psiquiatria e a racionalização religiosa de inspiração científica no catolicismo deste período. Neste ponto, impõe-se, pois, a questão

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fundamental de saber de que forma as lógicas religiosas e os discursos teológicos afetaram os saberes sobre a vida mental patológica.

Teologia e alienismo

Uma visão historiográfica corrente tem dado ênfase ao saber médico da Antiguidade Clássica43 e da tradição estoica enquanto fontes da clínica alienista. Evelyne Pewzner, por exemplo, atribui particular importância a este último elemento44. Sem implicar nenhuma forma de determinismo, o tema estoico do domínio das paixões permite situar o alienismo num contexto histórico. Com efeito, os estudos sobre o individualismo em França no processo de industrialização, associada à ascensão política, económica e cultural das camadas sociais intermédias, têm mostrado a importância atribuída às virtudes da medida e da prudência, necessárias ao compromisso entre um sistema social hierárquico e o ideal igualitário da Revolução, assim como à articulação entre o individual e o universal45. Ao mesmo tempo, Pewzner estabelece uma relação entre a cultura cristã do Ocidente e o pensamento alienista, inscrevendo-a numa duração longa: o alienismo viria reelaborar os temas de uma culpabilidade progressivamente individualizada e interiorizada, em combinação com o valor moral atribuído à Razão, «só ela capaz de guiar o homem no caminho do Bem»46. Após a Revolução Francesa, esta relação atualizou-se no quadro terapêutico secularizado do alienismo, o «tratamento moral», articulando a ótica da culpabilidade – já que a cura passa pelo reconhecimento da loucura como uma falta contra a Razão – com uma pedagogia da falta que prolonga a direção espiritual da tradição cristã e que conhecerá novas formulações na psiquiatria dinâmica e na psicanálise47.

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Neste ponto, é crucial observar as formas concretas através das quais o alienismo francês mobilizou as referências clássica, estoica e cristã e os seus efeitos sobre os conceitos clínicos. A obra de Esquirol – a personalidade mais influente do alienismo da primeira metade do século xix – é o melhor local para proceder a tal observação. Esquirol defendia que, para os autores da Antiguidade, a melancolia e a mania, principais tipos de loucura, se distinguiam pela tonalidade dos afetos (tristes ou alegres) e por uma etiologia naturalista que diferenciava duas formas de delírio. Em contrapartida, para os modernos, incluindo Pinel – seu mestre e grande reformador da assistência médica aos alienados –, a melancolia tendia a tomar a forma, já não de um delírio total provocado por uma afeção orgânica, mas de um delírio sobre um objeto ou um pequeno número de objetos com predominância de uma paixão triste ou depressiva. Esquirol procurou fixar a forma moderna da melancolia como «delírio parcial», opondo-a à definição clássica da «mania», esta acolhida sem objeções da medicina clássica (na mania, «o delírio estende-se a todos os tipos de objetos e acompanha-se de excitação»)48. Para designar a «melancolia dos Antigos», Esquirol propôs o neologismo «lipemania» (do grego, π = tristeza e 5 = loucura). Porém, segundo Esquirol, os delírios parciais podiam manifestar-se também com um humor alegre e expansivo. A sua maior inovação consistiu, pois, no agrupamento destas duas formas de delírio parcial numa só categoria, as «monomanias». Contrariamente às manias, a que Esquirol atribuía uma causalidade orgânica (por exemplo, lesões cerebrais), as monomanias resultavam de uma perturbação da relação entre o organismo e as faculdades mentais. Para pensar esta relação, Esquirol utilizava o conceito de «paixão»49. Ora, segundo o alienista, as paixões compunham-se de uma força e de um objeto – o seu conteúdo, sobre o qual incidia a força orgânica – e deviam compreender-se como

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a tradução, nos organismos humanos, de um excesso na relação entre o Eu e o seu meio. Este conceito permitiu-lhe desenvolver uma semiótica dos estados mentais patológicos onde o elemento religioso tinha um lugar destacado. Tal como Pinel, Esquirol afirmava que a religião podia ser um fator patogénico. Contudo, os dois autores acentuavam elementos distintos no mecanismo patológico: se para Pinel o potencial patogénico da religião resultava da contradição entre os escrúpulos religiosos e as «tendências do coração»50, Esquirol incriminava a capacidade patogénica do conteúdo em si. As paixões religiosas davam lugar, num processo de aumento de intensidade – a desmesura atrás referida –, às «monomanias religiosas», particularmente frequentes nos asilos de alienados. Tal como nas manias, as monomanias manifestavam-se em delírios, e, pelo exame destes, o alienista deveria ser capaz de distinguir umas das outras, com vista ao diagnóstico, prognóstico e recomendações terapêuticas. Na mania, caracterizada por uma desordem geral da razão que se manifesta «na multiplicidade, rapidez e incoerência das ideias», as paixões são também exaltadas e corrompidas51. Contudo, tal desordem seria resultado de uma patologia puramente orgânica (cerebral). Esquirol recomendava assim um exame dos delírios assente em três questões: em que quantidade surge o objeto ou objetos das paixões visíveis no delírio (delírio sobre todos os objetos do mundo ou apenas sobre um objeto ou conjunto limitado de objetos)? Qual o tipo de relação existente entre a inteligência e as paixões (i. e., a qual dos dois termos se deverá atribuir prioridade causal)? E qual é a tonalidade, triste ou alegre, das paixões? Da resposta a estas questões, orientando o alienista para um diagnóstico de mania, lipemania ou monomania (delírio parcial), dependia a possibilidade de mobilizar, na terapia, a parte sã do espírito para efetuar a cura da sua parte patológica. Tal possibilidade limitava-se pois às monomanias,

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pelo caráter parcial dos delírios e pela sua relação com o meio envolvente. No caso das monomanias, os indivíduos enlouqueciam, pois, em função das paixões da sua época histórica. Por isso, afirmava Esquirol, este tipo de loucura refletia os «progressos» da sociedade no campo das ideias52. As monomanias religiosas (a que chamava «demonomanias», por adaptação do grego53) haviam sido a forma predominante de loucura nos tempos históricos dominados pelas paixões religiosas. A Idade Média era, para o alienista, a época por excelência das «demonomanias», a doença mental que afligia as bruxas e possuídos pelo diabo, por exemplo. Estas podiam, no entanto, ter também uma força expansiva e um conteúdo alegre. Era o caso dos loucos de Deus descritos por Esquirol ou, com maior detalhe, por alguns alienistas seus contemporâneos, como Lélut, autor de patografias célebres na sua época (Le démon de Socrate, 1836; L’amulette de Pascal, 1846); e das «epidemias» de extáticos medievais inventariadas por Louis Florentin Calmeil em dois extensos volumes54. A esta forma expansiva de monomania religiosa, Esquirol reservava a designação de «teomanias», nas quais os alienados «creem ser Deus, imaginam falar, ou ter comunicações íntimas com o Espírito Santo, os anjos, os santos; pretendem ser inspirados, ter recebido uma missão do Céu para converter os homens»55. Esta categoria estendeu-se, como vimos, aos reformadores político-religiosos iluminados do seu tempo. Porém, em relação ao seu século, Esquirol defendia que, apesar de ainda existentes, as monomanias religiosas estavam em declínio, tendendo a desaparecer no inevitável processo de rarefação das paixões religiosas e, pela mudança do conteúdo do delírio, a dar a lugar a outras formas de loucura 56. Os temas do excesso e do bizarro, da culpa e das autoidentificações diabólicas e messiânicas ligavam, através de um fio impercetível, porque cuidadosamente escondido pelos alienistas, o cristianismo

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e a clínica das doenças mentais. Outros tópicos cristãos exerceram uma influência mais transparente na formação do alienismo. Por exemplo, o tema das falsas perceções – ou alucinações – nas experiências religiosas, amplamente discutido por místicos e teólogos, foi transposto para o alienismo sem ocultação da sua origem, tornando-se uma das suas preocupações centrais a partir da década de 1840. Em 1845, Baillarger, para citar um exemplo conhecido, propunha uma distinção entre alucinações psicossensoriais e alucinações psíquicas, apoiando-se explicitamente nos resultados das «observações feitas pelos autores místicos»57. O mesmo se aplica aos conceitos de «escrúpulo» e «obsessão», como o ilustra amplamente o capítulo, neste volume, de Pierre-Henri Castel.

A individualização e naturalização da loucura

A teoria de Esquirol foi o paradigma dominante do alienismo das décadas de 1830 a 1860. Um caso clínico relatado nos Annales médico-psychologiques, relativo ao ano de 1847, constitui um bom exemplo da sua aplicação na interpretação da loucura: «Já há algum tempo que se via entrar em igrejas um indivíduo que se entregava às demonstrações mais singulares: deitava-se por terra, batia no peito como um grande criminoso, ou ficava em êxtase durante um tempo infinito [...]. Este pobre maníaco pertence a uma boa família; recebeu uma excelente educação; é mesmo um indivíduo erudito e não desatina se nada o reconduzir às suas ideias místicas. Viajou durante muito tempo pelas Índias, e a sua conversa, nos seus momentos mais lúcidos, é fortemente aliciante. O seu espírito desarranjou-se por querer estabelecer um novo sistema religioso que não tem nada de austero. Foi enviado para um hospício.»58

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Na década de 1840, o fenómeno do êxtase tendia já a ser considerado numa perspetiva naturalista, nomeadamente como manifestação da paralisia cerebral causada pela sífilis. Contudo, a causa desta mania religiosa coincide ainda com a paixão religiosa do indivíduo (a sua vontade de estabelecer um novo sistema religioso, talvez sob influência da mística hindu). A observação da razoabilidade do discurso do paciente inscreve este delírio religioso no campo dos delírios parciais, portanto das monomanias. As ideias místicas surgem desligadas da parte sã deste espírito culto, capaz de manter um diálogo lúcido e mesmo de suscitar simpatia. Por outro lado, a falta austeridade do seu sistema religioso delirante remete, não para uma monomania triste ou melancólica, mas para o terreno das teomanias. A loucura é assinalada, em primeiro lugar, pelo comportamento bizarro em espaços públicos, mas identifica-se com a «desrazão» da sistematização mística, finalização mórbida de uma paixão religiosa. Note-se, porém, que contrariamente às epidemias históricas de teomanias, se tratava aqui de um caso isolado: de fenómeno epidémico de tempos passados, a teomania surgia agora como patologia individual, sem conexão particular com a época ou um meio social. A partir da década de 1860, as noções de hereditariedade e degeneração acentuaram a individualização e consagraram a naturalização destas formas de loucura, alterando radicalmente a perspetiva alienista sobre as manifestações religiosas fora da norma. Em 1860, Benedict Auguste Morel, alienista católico célebre pela teoria da degeneração desenvolvida a partir do fim da década de 185059, propôs uma teoria geral da loucura. Nas suas causas e formas, a loucura explicava-se inteiramente pela transmissão hereditária patogénica: a doença, o alcoolismo, os maus hábitos higiénicos e alimentares e os vícios sexuais e morais causavam lesões cerebrais que se transmitiam de geração em geração60.

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Este substrato mórbido intensificava-se no processo de transmissão geracional, o que fazia da hereditariedade o princípio dinâmico da transmissão da loucura. Com base nesta teoria, Morel propôs uma nova classificação das doenças mentais (uma nova nosologia): em vez de fazer refletir os sintomas na classificação das doenças, como em Esquirol (por exemplo, monomania religiosa ou homicida), Morel definia os tipos de loucura apenas pelas suas causas61. Da classificação mista (etiológica e sintomática) do primeiro alienismo, passava-se a uma classificação inteiramente etiológica. Tal como nas obras dos seus predecessores, a questão das epidemias de delírios religiosos ocupava um lugar destacado nos tratados de Morel. O alienista observava também a sua maior frequência no passado, mas referia exemplos de tais epidemias no seu tempo. Por exemplo, nos anos imediatamente precedentes à escrita do Traité des maladies mentales (1860), epidemias deste tipo tinham sido observadas em países protestantes, como a Noruega, a Suécia, a Alemanha e a Inglaterra. Nos Estados Unidos, o médico identificava movimentos religiosos particularmente «extravagantes», como os Jerkers (literalmente, os convulsivos) e os Barkers (literalmente, os que ladravam). Porém, era sobretudo na Índia, entre os budistas [sic] e os da «seita da Brama», que a superstição e o «erro» em matéria de religião tinham maior influência patogénica62. Morel comparava estes fenómenos com os da Idade Média, período que considerava dominado por superstições, heresias, imposturas religiosas e pela ignorância; em suma, por desvios à religião e moral sãs. Estes desvios, verdadeiros vícios morais, eram segundo Morel uma das causas mais importantes de «obscurecimento da razão humana», dando lugar a «transmissões hereditárias de má natureza»63. Neste sentido, o «erro religioso» podia provocar a loucura, quer como fator de desencadeamento

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(«causa predisponente geral»), quer pela sua ação patogénica nos processos de transmissão hereditária («causa predisponente individual»). O enviesamento motivado pela dogmática católica na teoria de Morel é evidente. Vários autores observaram já que a teoria da degeneração naturalizou e deu autoridade científica à teologia do pecado original: após um estado primordial de perfeição, ter-se-ia verificado um processo de corrupção da humanidade, resultado do erro e da falta moral64. Há pois uma síntese entre criacionismo e naturalismo, síntese operada pela contiguidade entre as normas morais e religiosas, por um lado, e a ordem natural, por outro. Os exemplos e os termos escolhidos para ilustrar a loucura religiosa não são neutros: enquanto para os protestantes Morel fala de «erro» e de «superstição», vendo aí um desvio do sentimento religioso, aos budistas e hindus reserva o termo de «misticismo». Pela referência a uma temporalidade ancestral, o «misticismo» tem uma ressonância de fundo religioso profundamente enraizado, tornando-se, em certa medida, parte da natureza e assim simultaneamente causa e figura de uma degeneração coletiva65. Daí «o defeito de aptidão intelectual em certas raças» e «a perversidade nativa dos seus instintos»66. Analisando o «misticismo», Morel observa, de seguida, semelhanças entre os escritos dos reformadores religiosos dos séculos xvii e xviii – como Madame Guyon, Jacob Böhme, Swedenborg e outros – e os delírios de «alienados místicos» nos hospitais. Tal observação colocava um problema novo, que Morel exprimia da forma seguinte: «O que nisto nos causa grande espanto é ver que em todas as épocas da humanidade as inteligências da elite se deixaram prender a tais extravagâncias»67. A explicação destes «estados doentios da inteligência e dos sentimentos»68 tornar-se-á, na década de 1860, um dos grandes

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temas do alienismo, nomeadamente no tópico do «louco lúcido». Em 1861, Ulysse Trélat, alienista na secção feminina do hospital de Salpêtrière em Paris, publicava um estudo baseado em observações empíricas destes loucos que «apesar da sua desrazão, respondiam corretamente às questões que se lhes fazia, não parecendo em nada alienados a observadores superficiais e frequentemente não se deixando penetrar e adivinhar senão na vida íntima». Estes loucos são tanto mais perigosos na vida privada quanto têm a capacidade de camuflar a sua loucura em público69. Trélat descobre então que o delírio se pode construir de forma estruturada e integrar elementos que lhe permitem adaptar-se às situações correntes da vida quotidiana. Para outros alienistas deste período, como Falret e Moreau de Tours, que se interessaram pelo mesmo problema da «loucura lúcida», era mesmo da natureza do delírio dotar-se de uma aparência de normalidade, através da adaptação de toda a personalidade ao movimento próprio do delírio. Moreau de Tours é, pois, categórico neste ponto: no delírio, por muito normal que o indivíduo pareça, é todo o Eu que está doente70. Na sua obra maior, La psychologie morbide, Moreau de Tours utiliza a categoria de «misticismo» para pensar o Eu (le Moi) afetado e transformado pelo delírio. Como já antes numa obra em que analisava as suas experiências de indução laboratorial de alucinações e delírios pelo haxixe71, Moreau de Tours sustentava que a loucura é, em qualquer caso, comparável a um sonho – tópico central na noção de «desrazão» (déraison), através da qual, segundo Foucault, a loucura se definia no século xviii72. Na loucura, o indivíduo viveria num mundo privado, para onde fora conduzido pela desordem das paixões. Ora, para o alienista, a forma arquetípica de um mundo mental privado era a loucura dos teómanos, a loucura dos loucos de Deus, mesmo quando esta se adaptava, em aparência, à vida em sociedade.

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Se em Esquirol e nos seus discípulos o louco partilhava, sob a forma do excesso, as paixões dos seus contemporâneos, integrando-se por isso numa ordem cultural, a geração de alienistas que lhes sucedeu retomou alguns tópicos do século xviii, dando-lhes agora uma sólida base natural (neurológica). Por outro lado, e também em contraste com as representações correntes no século anterior, podia ser-se louco e adaptado, anormal e normal. A loucura religiosa, sobretudo na sua variante mística, era o nome dessa anormal normalidade. Ela assinalava a subtração do indivíduo à ordem comum, a um mundo sociopolítico e sensível partilhado com os seus semelhantes. Em suma, aderindo em bloco à teoria da degeneração, as novas teorias distanciaram-se da semiótica das patologias mentais características do alienismo e construíram um novo sistema de interpretação da loucura. Esta era agora estritamente uma doença do cérebro, doença que, como qualquer outra, produzia sinais e sintomas (alucinações, delírios, comportamentos bizarros, etc.). A semiótica alienista assentava, como vimos, nos conceitos de «paixão» e «delírio parcial», e postulava uma comunicação permanente entre o indivíduo e o seu meio social ou época histórica, vendo no cérebro um operador e catalizador dessa comunicação. O novo sistema interpretativo, ancorado na neurologia, nascia precisamente no momento da rejeição do conceito de «delírio parcial» e da desvalorização do impacto causal do meio social e moral no processo da loucura.

A laicização do alienismo e o nascimento da psiquiatria

Era grande a distância entre uma experiência privada e pessoal em excesso, reivindicada pelo «louco místico», e a experiência social e racional que os psiquiatras republicanos proclamavam como norma.

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Essa distância continuaria a crescer nas décadas seguintes, em contexto de rápidas mutações políticas, socioeconómicas e religiosas. A III República francesa foi marcada, como é bem conhecido, pela consolidação de uma ética republicana laica, fortemente anticlerical, assente na ideia do Estado como figura da Razão universal73. Ao mesmo tempo, as décadas de 1870 e 1880 foram de intensa dinâmica religiosa. As mudanças no campo religioso são contraditórias: por exemplo, a década de 1880 foi simultaneamente a do apogeu das práticas religiosas e do movimento de desafetação confessional e descristianização das classes mais escolarizadas. Mas estes anos marcaram também o início de uma vaga de conversões de intelectuais, frequentemente associadas a referências ou experiências místicas74. A religião das camadas populares e rurais exprimia uma rejeição vigorosa do mundo moderno, contestação que tomava por vezes acentos apocalíticos. Apropriando-se de símbolos da tradição mística católica, o fervor religioso popular foi um terreno fértil para aparições, visões, êxtases, profetismos, estigmatizações e jejuns místicos75. Através da valorização do milagre e do sofrimento expiatório pelos pecados da modernidade, a piedade ultramontana da segunda metade do século contrariou a tendência de redução do maravilhoso e do pathos religiosos observada nas instituições católicas desde o século xvii76. Diferentes sensibilidades religiosas e teológicas afrontavam-se pois no interior de um universo católico cada vez mais diversificado. O interesse da psiquiatria deste período pelas possessões místicas é bem conhecido77, bastando aqui traçar as suas linhas de força e apontar os efeitos das mutações religiosas sobre o saber psiquiátrico. Podemos, neste ponto, observar duas atitudes distintas, com uma sobreposição cronológica parcial. Num primeiro momento, a psiquiatria respondeu a esta efervescência religiosa pelo recurso sistemático aos conceitos e métodos dos anos

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1860 e 70, nomeadamente a interpretação da morfologia do delírio (os seus afetos e organização interna), que considerava refletir uma causalidade cerebral. Este método deixava de lado a questão, cara ao alienismo, do conteúdo dos delírios. Num segundo momento, sobretudo a partir da década de 1890, observam-se algumas inovações, dando relevância ao problema do sentido dos enunciados do doente mental. Estas inovações, resultantes das metodologias de Pierre Janet, em Paris, e de Freud, em Viena, viriam a dar origem às primeiras psicoterapias. Porém, a sua influência tardou a tomar uma dimensão socialmente significativa. Valentin Magnan, psiquiatra do hospital parisiense de Sainte-Anne, e os seus colaboradores mais próximos constituem um exemplo do primeiro tipo de reação. As suas intervenções devem compreender-se no contexto de uma releitura da teoria da degeneração. Relativamente à teoria de Morel, Magnan radicalizou a noção de causalidade orgânica. O criacionismo implícito da primeira teoria da degeneração e as ambiguidades relativas à existência da alma, presentes na obra do alienista católico, deixaram de ter lugar na psiquiatria naturalista destes anos78. Desapareceram também as categorias da classificação de Morel relativas às formas mentais. Para Magnan, a única classificação concebível das formas psicopatológicas incidia sobre os diferentes momentos do processo delirante79. Foi neste contexto, e por sugestão de Magnan, que o já citado Jean-Marie Dupain defendeu a tese sobre os delírios místicos. Publicado em 1888 com o título de Étude clinique sur le délire religieux. (Essai de séméiologie), este estudo pretendia provar que a entidade mórbida até então designada de «delírio religioso» ou «místico» não existia enquanto tal. Na psiquiatria, só a forma do delírio – a sua maior ou menor sistematicidade, a sua rigidez, a sua tonalidade afetiva – tinha relevância clí-

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nica. Os conteúdos, religiosos ou outros – o «texto do delírio» –, como escrevia o médico, podiam quando muito ajudar ao diagnóstico e à identificação da fase do delírio, mas não formavam uma entidade patológica nem eram decisivos na atividade clínica80. Em França, a questão das paixões religiosas foi assim evacuada do campo psiquiátrico, continuando, porém, a interrogar a psiquiatria a partir da experiência mística. Mas esta projetava-se sobretudo num passado mais ou menos distante, facto ao qual não era alheio, para além das tendências patologizantes das experiências religiosas não ordinárias, a vaga de estudos psicológicos, históricos e antropológicos, que vinham colocar o problema da cultura81. Não esqueçamos que no início do século xx a «religião» surgia como um dos principais objetos de estudo da sociologia e da antropologia emergentes, nomeadamente nos influentes trabalhos de Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo, 1904-1905), Durkheim (As formas elementares da vida religiosa, 1912), de Lévy-Bruhl (As funções mentais nas sociedades inferiores, 1918; A mentalidade primitiva, 1922). Em contrapartida, noutros casos filiados na tradição alienista francesa, como o português, a clínica das paixões religiosas continuou a marcar o campo psiquiátrico. De um ponto de vista historiográfico, este desfasamento entre duas tradições psiquiátricas próximas é extremamente interessante, já que permite ter uma noção mais clara do impacto de condicionantes políticas, socioculturais e especificamente religiosas na medicina das doenças mentais.

Linhas de força da psiquiatria portuguesa

A historiografia portuguesa tem dado amplo relevo ao papel dos psiquiatras na vida política e cultural em Portugal nos finais

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do século xix e início do século xx, sobretudo no que toca ao movimento e ao regime republicanos. Nomes como Júlio de Matos, Miguel Bombarda, Egas Moniz, Sobral Cid ou ainda o «médico-antropólogo» António Aurélio da Costa Ferreira pontuam a memória da psiquiatria e neurologia portuguesas; porém, alguns evocam com a mesma força o período conturbado da I República. Acentuando a articulação entre pensamento higienista e psiquiatria, autores como Jorge Crespo e Rita Garnel defendem que o médico das «doenças da mente» entrou em território até aí da alçada do clero, desempenhando uma função morigeradora simétrica do sacerdócio num regime laico, que se pretendia organizado segundo o espírito da ciência positiva82. Contudo, se é certo que alguns psiquiatras se apresentavam como reformadores sociais particularmente preparados para superar o espírito «escolástico» ou «burocrata» do padre e do jurista, a sua penetração na sociedade portuguesa e a sua capacidade de a transformar eram reduzidas. Além disso, e apesar do prestígio político e científico de alguns psiquiatras, em Portugal a psiquiatria tinha pouca autonomia enquanto disciplina médica, só em 1911 sendo oficialmente introduzida no programa dos cursos de medicina. Acrescia a escassez de publicações especializadas83, pelo que a grande maioria dos artigos sobre temas de saúde mental eram publicados em revistas de medicina generalistas. Era o caso da revista fundada em 1883 por Miguel Bombarda, Manuel Bento de Sousa e José Tomás de Sousa Martins – A Medicina Contemporânea – que, no entanto, consagrou a psiquiatria como disciplina capaz de articular todos os outros ramos da medicina com a então chamada «questão social». Colocando-se no topo da hierarquia dos saberes médicos, a psiquiatria reclamava a função de veículo de «regeneração social», que partilhava com o higienismo. A ideia de uma intervenção regene-

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radora, associada à noção de urgência no estancamento das causas da «degeneração» da sociedade, marcou fortemente a temática da psiquiatria deste período. Entenda-se neste sentido o privilégio dado à antropologia criminal e às questões médico-legais, assim como a centralidade dos estudos sobre os delírios, as alucinações e as paranoias. Assim, em contraste com o que sucedia em França pela mesma altura, onde a histeria e as neuroses ocupavam um lugar destacado na clínica psiquiátrica, a psiquiatria portuguesa emergente foi fundamentalmente uma psiquiatria das psicoses84. Se em França a psiquiatria dos anos 1870 e décadas seguintes, pela sua ligação a uma psicopatologia da vida urbana irredutível a manifestações «atávicas», permitiu conceber experiências que, ainda que consideradas patológicas, existiriam em continuidade com a vida mental «normal»; em Portugal, as ciências psi não se demarcaram do paradigma médico, fortemente naturalista e teorizando uma radical separação entre o normal e o patológico. Assim, os casos de perturbações menos graves, que noutros países começavam a formar o campo das neuroses e se tornavam objeto das psicoterapias, continuariam por longos anos a integrar a clínica geral ou, em certos casos, o território da direção de consciência de referência religiosa85. Este aspeto lança alguma luz sobre a insistência dos psiquiatras portugueses na questão do «delírio religioso», transformado em arma de arremesso contra a autoridade concorrencial do clero.

A loucura religiosa

Três exemplos, colhidos em momentos representativos da história da psiquiatria portuguesa, ilustram bem a presença e função do conceito de «loucura religiosa» no discurso médico.

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1. A religião como fator do processo delirante: António Maria de Sena e Basílio Freire

António Maria de Sena foi uma figura de charneira entre o alienismo e a psiquiatria (aqui, no sentido de especialidade médica institucionalizada tendo por objeto específico as doenças mentais). Ex-seminarista, com ligações à Geração de 70 86, Sena foi professor em Coimbra, exercendo influência sobre toda uma geração de médicos, nomeadamente através da sua obra maior, Os alienados em Portugal, de 1884. Sena foi leitor de Proudhon, Taine, Littré e Comte, e, no campo psiquiátrico, a sua obra reflete a psiquiatria francesa do seu tempo, nomeadamente as leituras de Magnan e as teorias da degeneração aplicadas à psiquiatria por Morel e Krafft-Ebing. Para Sena, a psiquiatria moderna era uma forma de conhecimento que se opunha às «doutrinas nebulosas dos escolásticos e dos padres, que consideravam os alienados, em geral, como possessos do diabo, bruxos e feiticeiros»87 e, em geral, às doutrinas tradicionais da dualidade e da imortalidade da alma88. Na modernidade, a psiquiatria impor-se-ia inevitavelmente ao «espírito clerical», ainda que a custo, já que este último havia «impregnado» profundamente a mentalidade dos povos. Sena via a psiquiatria como a chave para a compreensão «do homem, da sociedade e dos povos», pois o funcionamento patológico do cérebro permitiria iluminar o seu funcionamento normal. Interessado sobretudo no problema dos «delírios», e fiel às conceções então em voga, para Sena o «delírio» era um processo mórbido, de caráter orgânico, em que «impressões nascidas nos recônditos do organismo» são elaboradas de forma lenta e sistemática, assim se formando os «caracteres especiais, tenazes, obcecados, sem maleabilidade intelectual para afeiçoarem seus juízos aos factos variadíssimos que sobem ao sensório; para os quais a evidência não é luz, a razão não é força, senão

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quando labora no campo preparado por sua especial educação»89. Segundo o psiquiatra, o paradigma deste tipo de «caráter» era o jesuíta. Mas se acusava os jesuítas de predisporem um povo inteiro para o «delírio», Sena recomendava a mesma atitude de tolerância e compreensão devida aos alienados, pois, como dizia Littré, «o cérebro dum povo não se modifica com uma lei»90. Estabelecendo uma relação direta entre a crescente tolerância religiosa e política com a maior tolerância para com os alienados, Sena defendia, contudo, uma profilaxia tendente a evitar a procriação de alienados e predispostos91. Tal prevenção deveria incidir essencialmente em indivíduos das classes mais elevadas: vendo nas classes mais baixas uma menor complexidade de «vida cerebral», eram sobretudo as primeiras que, por efeito de fatores degenerativos, se encontravam mais expostas à loucura92. Na sua tese de psiquiatria intitulada Os degenerados (1886), Basílio Freire, discípulo de Sena, ecoou os conceitos, o antijesuitismo e a atitude relativa à religião preconizados por Sena. Assim, se os jesuítas eram uma grama tenacíssima que a civilização não logrou ainda desarreigar do solo social da Europa»93, a ciência em si não é irreligiosa. Na realidade, os que desprezam a ciência – continuava Freire – é que são irreligiosos e ateus porque recusam o estudo da Criação, sendo a dedicação pela ciência uma «oração tácita»94. Em contrapartida, considerava o «misticismo» um fenómeno delirante e, por conseguinte, puramente patológico95. Assim, os principais erros cometidos no desenvolvimento da psiquiatria moderna e os grandes inimigos da psiquiatria positiva e experimental são apelidados pejorativamente de «místicos»: as oposições «místicas» e dualistas à psiquiatria moderna96, o «misticismo científico» de Stahl de finais do século xviii97, ou o «ultramisticismo» de Heinroth (em referência à escola espiritualista alemã98).

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2. A religião como delírio: Miguel Bombarda

Miguel Bombarda foi uma das principais personalidades da história do republicanismo em Portugal. Juntamente com as circunstâncias da sua morte (às mãos de um doente mental, dois dias antes da revolução que implantou a República), o seu anticlericalismo agressivo é o aspeto mais recorrente na memória histórica que dele se construiu. Porém, recentemente, Miguel Bombarda tem sido objeto de um renovado interesse, motivando estudos que colocam em evidência o caráter multifacetado das suas intervenções públicas e alguma originalidade científica99. Com Miguel Bombarda, os ataques psiquiátricos à «mentalidade» religiosa e clerical, e em particular aos jesuítas, radicalizaram-se. Convém, no entanto, ver em que contexto e em que termos. Do ponto de vista científico, Bombarda foi relativamente atípico no panorama psiquiátrico português: ainda que partilhando muitas das referências dos seus contemporâneos, Bombarda desenvolveu uma leitura da vida psíquica a partir de estudos histológicos das redes neuronais, acompanhando de perto a investigação que então se fazia na Alemanha e em Espanha. A sua obra principal, A consciência e o livre-arbítrio (com 1.ª edição em 1898 e 2.ª edição em 1902), reflete fortemente a influência do espanhol Ramón y Cajal (prémio Nobel da medicina, em 1906, pelos seus estudos sobre os neurónios). Próximo também do sensacionismo e associacionismo ingleses, o seu modelo de formalização da vida psíquica não era, de um ponto de vista epistemológico, mais materialista ou determinista do que o da maioria dos psiquiatras naturalistas do seu tempo. Pelo contrário, a sua visão de uma grande plasticidade do cérebro opunha-se à antropologia dos tipos atávicos, segundo o qual certos indivíduos nasciam irremediavelmente predestinados para certo tipo de comportamentos antissociais. No entanto, a escala a que

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Bombarda observava a vida mental fornecia-lhe material para se pronunciar, de forma precisa, sobre os processos de formação das representações e da vontade, e, por conseguinte, sobre a natureza da consciência. E, neste domínio, Bombarda sustentou a tese de que a consciência, sendo inteiramente determinada pela atividade neuronal e não agindo como causa sobre si própria, não existe como plano autónomo de vida psíquica. A consciência seria, pois, uma «ilusão», tal como é ilusória a perceção de uma autonomia da vontade (o «livre-arbítrio»)100. Ora, da determinação unívoca da consciência pela atividade neuronal à negação do conceito religioso de «alma» o passo era pequeno, e Bombarda não hesitou em dá-lo. Assim, a sua argumentação científica confunde-se frequentemente com uma crítica de noções centrais do cristianismo, servindo a um ataque aos fundamentos da autoridade clerical. Em 1898, Bombarda foi afrontado, no plano científico em que colocara a questão dos conceitos religiosos de «alma» e livre-arbítrio», por um jovem padre jesuíta bem informado sobre os debates científicos do seu tempo. Em O materialismo em face da sciência, Manuel Fernandes Santana avançava um esmagador acervo de referências científicas e filosóficas para refutar as teses do psiquiatra. Entroncando na corrente à época chamada «espiritualista», Fernandes Santana representava em Portugal a filosofia neotomista, que então vinha sendo elaborada nos meios científicos católicos como via alternativa quer ao dualismo cartesiano, quer ao monismo materialista de que Bombarda se reivindicava101. A polémica que se seguiu, largamente publicitada, radicalizou os termos de um conflito que, para além de científico e filosófico, se tornou também pessoal102. É neste contexto que Bombarda, a partir de 1900, passa a utilizar sistematicamente a psiquiatria para desautorizar os seus adversários clericais, desenvolvendo em A ciência e o jesuitismo. Réplica a um padre sábio uma teoria da «loucura jesuítica». Porém,

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se é certo que a virulência da linguagem e a projeção pública dos seus ataques constituíam um novo patamar na psiquiatria anticlerical, Bombarda limitou-se a ampliar tópicos correntes à época. A expressão mais aguda da linguagem anticlerical formulada em termos psiquiátricos encontra-se na equiparação dos jesuítas a uma raça alienígena: em 1909, Bombarda fala de uma «invasão da raça clerical» como de «uma raça inteiramente distinta das raças humanas», comparando a guerra travada contra os jesuítas com a guerra dos mundos de Wells103. Se este aspeto torna evidente a manipulação ideológica da ciência, em si mesmo não é significativo de um pensamento científico particular: o conceito de «raça» era há muito utilizado pela psiquiatria (encontramo-lo, por exemplo, nas obras acima citadas de Sena e de Freire) e fazia parte da utensilagem conceptual das ciências humanas e da medicina da época. Por outro lado, vivia-se um momento de plena ebulição da máquina propagandística republicana. O uso da noção de «raça» é pois aqui mais revelador da radicalização da linguagem política do que de uma particularidade de teoria psiquiátrica. Mais significativo é o conceito de «loucura jesuítica». Depois de sublinhar a inexistência de delírios parciais – como vimos, tópico da psiquiatria desde final da década de 1860 –, Bombarda aborda a «loucura jesuítica», não como uma «monomania religiosa», mas como um «misticismo», referindo-se especificamente ao «misticismo jesuítico» como um fenómeno cerebral conducente ao predomínio mental de uma ideia fixa. Tratar-se-ia, neste caso, da ideia de Deus – «ideia delirante» que, segundo Bombarda, estava na base de um sistema de racionalização, a «paranoia», garantindo uma aparente adaptação ao mundo real104. Porém, para o psiquiatra republicano, o «misticismo» não era específico dos indivíduos religiosos: tratava-se de uma forma mental primitiva, predominante nos povos não civilizados, nos criminosos e nos loucos, a que o clero teria dado um desenvolvimento

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«paranoico»105. Ora, o esquema desta categoria nosológica pode já ser encontrado nas passagens acima citadas da obra de António Maria de Sena, refletindo-se igualmente no pensamento de Júlio de Matos.

3. A religião como mentalidade primitiva e patológica: Júlio de Matos e Manuel Laranjeira

Com a instauração da República, os jesuítas foram mais uma vez expulsos do país. Em novembro de 1910, a revista Ilustração Portuguesa publicava várias fotografias das mensurações antropométricas de crânios de jesuítas detidos no forte de Caxias na sequência da Revolução de 5 de Outubro (Figura 6).

Figura 6 - A mensuração do padre Alves, Superior do Convento do Barro (pelo mensurador das Cadeias de Lisboa).

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As imagens pontuavam um artigo em que se fazia a resenha dos motivos da expulsão, sublinhando-se a ação nefasta da Companhia de Jesus para a própria Igreja Católica, pela manipulação de alguns bispos e o espírito de rivalidade com outras ordens religiosas. Os motivos resumiam-se ao uso do púlpito e da imprensa para conspirar politicamente contra o movimento republicano e a democracia; e a manipulação insidiosa do clero e dos seculares através da direção espiritual, do confessionário, de retiros e do ensino106. A mensuração dos crânios dos presos era então prática habitual, justificada pelas teorias criminológicas que concebiam o criminoso como um degenerado. Mas em nenhum momento do texto citado se alude à loucura ou degeneração dos jesuítas. Não era necessário. A propaganda psiquiátrica da década anterior dispensava explicações adicionais: as imagens bastavam para afirmar o triunfo da ciência republicana sobre o misticismo racionalizado personificado pelos jesuítas. Júlio de Matos, com Teófilo Braga, um dos principais entusiastas do positivismo em Portugal, sucedeu a Miguel Bombarda na direção do Hospital de Rilhafoles. No campo da psiquiatria, também ele se interessou sobretudo pelas alucinações e pelos delírios107. Ainda que sem chegar aos extremos verbais de Bombarda, um sentimento antijesuíta percorre igualmente a sua obra108. Encarando-os pelo prisma da teoria da degeneração, Júlio de Matos colocava os jesuítas no mesmo plano de outros grupos, também supostos portadores de uma «mentalidade primitiva», nomeadamente os socialistas, os delinquentes e o povo supersticioso109. Tal como para Sena, Freire e Bombarda, para Júlio de Matos a religião era simultaneamente um facto natural e social. Numa obra publicada em 1911 para servir como manual de psiquiatria, Júlio de Matos fornece uma análise mais detalhada deste aspeto.

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Descrevia nos termos seguintes a relação problemática entre as várias formas de «mentalidade»: «Na sua grande maioria os homens creem ainda no sobrenatural e essa crença indiscutida subordina os seus mais altos interesses morais, como o prova a sobrevivência de um grande número de religiões disputando-se no domínio dos espíritos. E se é certo que a fé tem diminuído na medida em que os conhecimentos experimentais avançam e se difundem, não o é menos que o estado de emancipação científica, por Augusto Comte denominado positivo, só plenamente o atingiram até hoje alguns cérebros excecionalmente dotados; os outros, ainda os melhores, conseguiram apenas lançar sobre as milenárias estratificações teológicas acumuladas por herança uma ténue camada, transparente e frágil, de noções científicas incompletas (...). E é que precisamente nos pontos em que as estratificações mentais da teologia são mais antigas e mais espessas, é mais recente e mais diáfana a camada evolutiva das noções científicas. Opondo-se à marcha natural do espírito na direção da positividade, as crenças religiosas constituem pelo menos um motivo de íntimas e profundas lutas para os homens progressivos, na idade em que todos os conceitos são submetidos a uma análise crítica. Exageradas até se tornarem preocupações dominantes, elas preparam a loucura, quando não são mesmo a denúncia da sua existência. Sémérie sustentou, confirmando uma auto-observação de Augusto Comte, que na loucura o espírito passa do estado positivo ao teológico, percorrendo em sentido inverso o caminho da evolução normal. A observação clínica de alguns delírios místicos em homens de ciência completamente emancipados das conceções religiosas conduz-nos a aceitar este modo de ver, inteiramente concordante com o princípio geral de que as últimas aquisições mentais são as mais instáveis e as que mais facilmente se perdem.»110

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Por outras palavras, a relação entre as várias «mentalidades» sobrepostas, identificadas com estratos cerebrais justapostos pelo processo da evolução, era problemática. Não sendo completo o seu triunfo sobre a mentalidade primitiva, presente mesmo nos «homens de ciência» – incluindo-se o próprio fundador da sociologia e do positivismo, Auguste Comte –, a modernidade era em si mesma patogénica. A crise mística corresponderia assim, no contexto da civilização científica, à reativação de um núcleo cerebral primitivo, outrora «normal» porque de acordo com as condições gerais da sociedade, mas patológico na nova fase evolutiva. É interessante notar que em França a psiquiatrização das experiências religiosas não ordinárias ocorria no laboratório e no hospital, onde os pacientes, retirados dos seus contextos no processo de objetivação clínica, eram privados dos seus atributos sociais111. Em Portugal, pelo contrário, as fotografias conhecidas de «loucuras religiosas» procuravam captar, na própria análise clínica e na sua divulgação, os sinais evocativos do seu habitat social e religioso. As fotografias dos jesuítas são o exemplo mais conhecido, mas não o único. No seu manual de psiquiatria, por exemplo, Júlio de Matos ilustra o «delírio religioso» através de dois casos, o de um homem que «trocara o seu nome plebeu e banal de Domingos pelo de Pedro Paulo» e uma mulher fotografada de frente e de perfil, com imagens ocupando duas páginas, mas à qual o psiquiatra dedica apenas cinco linhas (Figura 7).

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Figura 7 - Delírio religioso.

No manual lê-se que Pedro Paulo «pregava a renúncia dos bens terrenos, andou descalço e mal alimentado por países vários, foi preso por anarquismo em França e na Itália; e, todavia, o seu desmedido orgulho manifestava-se à menor controvérsia». Colocando em relevo a sua missão apostólica, «a conversão de todos ao catolicismo era o seu empenho». O caso de Pedro Paulo demonstrava que, por detrás da falsa humildade deste profeta, se escondia uma «enorme hipertrofia pessoal», indicando que a sua patologia pertencia ao campo dos «delírios ambiciosos». Por outro lado, ainda que as alucinações visuais e auditivas não fossem raras nos «ambiciosos místicos», segundo Matos há pacientes que não as sofrem ou sabem ocultá-las. Estes «paranoicos» surgem assim como mestres de dissimulação, «extraordinariamente

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ativos e contagiantes»112 . À paciente aplicam-se observações idênticas: «A doente da figura 47 explorava tão bem o beatério de dois concelhos que chegou a sustentar com esmolas um instituto religioso; a despeito da sua excitação vesânica evidente, era escutada no seio de muitas famílias e alcançou passes gratuitos nos caminhos de ferro, cujos viajantes superiormente exprimia.»113

Nada para além destas observações e imagens justifica o diagnóstico psiquiátrico, mas ambos evocam um modo de vida ou um certo universo católico: o primeiro do profetismo evangelizador, o segundo da religiosidade popular. À capacidade de sedução do profeta corresponde, na economia da imagem da doente, a sugestão de uma transmissão hereditária ou contagiosidade da loucura religiosa. Nas suas três modalidades: religiosa, erótica (os «erotómanos») e política (os «reformadores sociais»), estes delírios são inscritos no campo das paranoias114. É aqui importante notar que Matos se afasta da teoria francesa e alemã da paranoia como delírio interpretativo – i. e., como patologia do Eu consciente – preferindo a teoria dos italianos Tanzi e Riva. Para estes, a paranoia não é uma doença, mas sim uma anomalia resultante de uma «degenerescência intelectual» ou, noutra formulação, «uma anomalia atávica da intelectualidade»115. Próximo das conceções lombrosianas na criminologia, este conceito de paranoia é, para Júlio de Matos, mais antropológico que médico. Com efeito, «o paranoico é, antes de tudo, um ser anacrónico, um primitivo, um contemporâneo mental das épocas remotas; a sua mesma egocentricidade é uma revivescência do passado humano.»116 O subtexto destas imagens torna-se pois mais claro: a própria normalidade religiosa é, no mundo moderno, anormal. Ora, a teoria das

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mentalidades sobrepostas oferece a narrativa necessária à tese da religião como anormal normalidade. Outro exemplo permite ilustrar melhor este ponto. Em 1907, o médico e escritor Manuel Laranjeira defendeu, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, uma tese intitulada A doença da santidade. A obra de Laranjeira, sem observações clínicas diretas, baseava-se exclusivamente em tratados psiquiátricos importados e em fontes médicas de segunda mão. Laranjeira propunha-se analisar o «misticismo» e os «êxtases» como fenómeno natural e patológico. Enquanto processos naturais, estes dois fenómenos, apesar de historicamente associados à santidade, não eram pois exclusivamente do campo religioso. Daí que Laranjeira inclua, entre os seus «casos», personalidades como Platão, Marco Aurélio, Descartes, Tolstoi e, acima de tudo, Antero de Quental, o poeta suicida que gozava de uma aura de santidade no meio literário português. Curiosamente, pouco depois deste escrito, em correspondência com um dos seus amigos literários, o pintor António Carneiro, Laranjeira autodiagnosticava-se também ele como «místico»117 – mas de um misticismo cuja expressão era a «Arte». Todos estes eram, na sua terminologia, «místicos laicos». Pela mesma lógica, a santidade era um fenómeno natural. Para provar este ponto, e para além das habituais referências a Santa Teresa d’Ávila (e neste caso, também a São Francisco de Sales), Laranjeira apresentava o caso de uma mulher da Arrifana, concelho da Feira, venerada como santa pela população local. Um médico da zona – de resto, próxima da sua residência – fornecera-lhe uma peça clínica relativa àquela que o povo chamava a «Santinha da Arrifana», a mesma que Eça de Queirós satirizara n’O crime do Padre Amaro, dando-lhe o nome de Santa Arrogaça, e da qual a sua mãe, «criatura de uma religiosidade fervorosa», fora devota. De acordo com o relatório médico, constava que a «santinha» tinha «ataques de êxtase» desde os 16 anos, apresentados

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como a prova da sua santidade. Prossegue, então, Laranjeira: «Essas crises produziam-se principalmente quando a doente comungava. E como ela sacramentava em dias certos, chegaram a fazer-se à Arrifana peregrinações de crentes, que iam suplicar à santa para interceder junto de Deus a favor deles, em várias conjunturas aflitivas da vida angustiosa»118. Os «transes» ou «êxtases» davam-se do modo seguinte: «A doente comungava, rezava uma pequena oração e, ao pronunciar a última palavra, caía em transe. Neste estado, seguia todos os movimentos do portador do cibório (automatismo rotatório?) e virando constantemente o tronco e a face para ele, com uma grande rigidez de evoluções.»119

Segundo Laranjeira, perante a população piedosa, era este fenómeno de elevação ou suspensão que teria dado origem à lenda de que «a santa ficava suspensa depois da comunhão», conservando-se por vezes horas com «os membros inferiores totalmente paralisados, estendidos ao longo da cama, o tronco e a cabeça levantados, hirtos, numa posição oblíqua com o plano do leito e dele desviada a cabeça uns dois palmos aproximadamente, os membros superiores colocados sobre o peito, as mãos postas em atitude de prece»120. Em geral, o êxtase terminava quando o sacrário era encerrado; mas contava-se que, uma vez, a «santa» estivera nesta postura durante três dias «a pedir pela alma do seu irmão, que estivera no purgatório, sem subir ao céu, durante esse tempo».121 Contrariamente a Júlio de Matos, Laranjeira não se reclamava apoiante de uma teoria em particular. Porém, o esquema teórico que sustentava a análise conjunta destes casos tão díspares era a mesma ideia de uma evolução cerebral conducente à justaposição de estratos de complexidade crescente, chamando «místicas»

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às operações mentais do estrato inferior. O patológico resultava das brechas desta construção instável, que permitiam ao húmus religioso vir ao de cima e manifestar-se em plena civilização. De uma penada, a teoria das mentalidades sobrepostas permitia pois explicar certas doenças mentais, a loucura de alguns «génios» e «loucos raciocinantes», e patologizava a religiosidade popular enquanto forma atávica de pensamento reativada pela propaganda clerical. A mobilização de Comte por Júlio de Matos em 1911 adquire pois um significado que ultrapassa a mera curiosidade científica. Trata-se, com efeito, de um elemento sintomático da situação da psiquiatria portuguesa daquele período, e por isso merecedor de um comentário adicional, que, em jeito de síntese, servirá também de momento conclusivo desta análise.

Uma frágil camada de Razão

Em França, para além do citado e praticamente desconhecido Eugène Sémérie, a teoria dos três estados da vida mental não teve ressonância na psiquiatria. Porém, alguns dos seus elementos são análogos às teorias da «loucura lúcida», descobrindo no místico, como se disse, um «louco raciocinante». As novas interpretações da teoria da degeneração, a sistematização nosológica fina de Magnan, a complexa teoria da vida psicopatológica de Pierre Janet e os ecos dos estudos de William James sobre a relação entre o subconsciente e a experiência religiosa permitiam, cada um a seu modo, abordar a religiosidade patológica. As publicações de Charcot sobre a histeria dominavam as interpretações das formas não ordinárias da vida religiosa, nomeadamente os estados místicos. A questão dos estados religiosos patológicos deslocou-se da psiquiatria para a psicologia, disciplina então florescente.

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Psicólogos como Théodule Ribot, Georges Dumas, Henri Delacroix, o suíço Théodore Flournoy, ou o médico nobelizado Charles Richet (promotor dos estudos de «metapsíquica»122) interessaram-se pelos estados de consciência alterados no contexto da vida religiosa, da mística e do espiritismo. Porém, embora conhecidos dos psiquiatras portugueses, como o indicam algumas citações e traduções pontuais, estes autores não tiveram em Portugal impacto significativo. A religião permanecia firmemente associada à psiquiatria das psicoses, assente numa visão «antropológica» da doença mental e na ideia de uma transmissibilidade – hereditária e contagiosa – das constituições paranoicas. A longevidade da referência comteana em Portugal manifesta pois, na forma esquemática de uma teoria do cérebro, o núcleo político e filosófico da psiquiatria enquanto movimento militante pela regeneração da sociedade, incidindo tanto nas elites quanto nas classes populares. Concebida como um todo orgânico, a sociedade surgia como um museu vivo recolhendo os múltiplos produtos, conseguidos e falhados, do processo evolutivo. Para esta geração de psiquiatras, a religião, entendida como forma ancestral de pensamento, bloqueava a realização da sociedade científica e republicana. As massas religiosas representavam uma ameaça externa, ainda que relativamente dócil e maleável, a esse ideal. Os jesuítas, por seu turno, ao colocarem a razão ao serviço da crença religiosa – nos termos do comtismo, o estrato evolutivo superior ao serviço dos estrato inferior –, pervertiam, de forma insidiosa, a relação natural entre pensamento religioso e razão. Porém, a «loucura religiosa» ou «mística» era um perigo a que nem os espíritos mais científicos e republicanos estavam imunes: a «mentalidade mística» tinha raízes profundas na natureza humana, alojando-se por isso nas zonas recônditas dos seus próprios cérebros, em estratos primitivos que, em certas condições, podiam ser reativados. Encastrados numa sociedade

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simultaneamente clerical e ritmada por formas arraigadas de religiosidade popular, estes psiquiatras republicanos nomeavam um perigo externo e angustiantemente interno. Tal como a modernidade surgia como uma camada fina, disposta sobre um fundo sociológico rural e tradicional, era pois o próprio racionalismo científico que se descobria frágil, uma aquisição recente e arriscada do corpo social, e por isso se angustiava diante daquilo que considerava irracional.

NOTAS *! Este artigo reformula e aprofunda dois textos anteriormente publicados, para os quais muito contribuíram os comentários e sugestões de Pierre-Henri Castel, António Matos Ferreira e Claude Blanckaert. Deixo-lhes aqui o testemunho do meu sentido reconhecimento. 1 O. Chadwick, The Secularization of the European Mind in the Nineteenth Century, Cambridge, Cambridge University Press, 1990 [1975]. 2 Para uma visão geral, consultar A. Viatte, Les sources occultes du romantisme. Illuminisme. Théosophie, 1770-1820, vol. II – La génération de l’Empire, Paris, Honoré Champion, 1979; P. Bénichou, Le temps des prophètes: doctrines de l’âge romantique, Paris, Gallimard, 1977; P. Bénichou, Les mages romantiques, Paris, Gallimard, 1988, pp. 407-442; F. P. Bowman, Le Christ des barricades, Paris, Éditions du Cerf, 1987; B. Plongeron, «Le christianisme comme messianisme social», in Jean-Marie Mayeur et al., Histoire du christianisme des origines à nos jours, tomo x – Lés défis de la modernité (1750-1840), vol. coord. por Bernard Plongeron, Paris, Desclée, 1997, pp. 837-906; P. Muray, Le XIXe siècle à travers les siècles,  s. l. , Gallimard/Denoël, 1999; R. D. E. Burton, Blood in the City: Violence and Revelation in Paris, 1789-1945, Ithaca e Londres, Cornell University Press, 2001. Sobre os conteúdos políticos dos discursos dos «teómanos», ver F. P. Bowman, «Une lecture politique de la folie religieuse ou "théomanie", in Romantisme, 24 – Écriture et folie, 1979, pp. 75-87. 3 J. Maître, «Visions et/ou hallucinations chez les visionnaires-prophétesses catholiques», in Évolution Psychiatrique, 65, 2000, pp. 255-272. 4 G. Nerval, Les Illuminés. Aurélia. Pandora, Introdução, notas e dossier por Michel Brix, Paris, Librairie Générale Française,1999 [1852]. 5 «Lettre à Mme. Alexandre Dumas, du 9 novembre 1841», cit. por P. Bénichou, L’école du désanchantement. Sainte-Beuve, Nodier, Musset, Nerval, Gautier, Paris, Gallimard, 1992, p. 302. 6 J. Maître, op. cit., p. 262. 7 F. P. Bowman, «Une lecture politique de la folie religieuse ou théomanie», op. cit., p. 75. 8 J. F. Braunstein, Vaches carnivores, Vierge Mère et morts vivants. La philosophie de la médecine d’Auguste Comte, Paris, Presses Universitaires de France, 2009, pp. 12-14.

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9 J. Carroy, Hypnose, suggestion et psychologie. L’invention de sujets, Paris, Presses Universitaires de France, 1991, pp. 124-156. 10 J. de Caso, «L’urgence du mot», prefácio de Téophile Bra, L’Évangile rouge, prefácio de Jacques de Caso e posfácio de Frank Paul Bowman [1830], s. l. Gallimard, 2000, pp. 7-28, 24-25. 11 Utilizo um conceito proposto por Jacques de Caso a propósito da obra de Théophile Bra. Ibidem, p. 14. As utopias inspiradas por Saint-Simon têm, de resto, uma dimensão artística evidente. P. Bénichou, Le temps des prophètes, op. cit., pp. 314-324. Duas obras de Jacqueline Carroy sobre as relações entre magnetismo, sentimentos religiosos, a noção de sujeito e expressões artísticas diversas no século xix permitem sustentar a representatividade histórica do caso de Théophile Bra. J. Carroy, Hypnose, suggestion et psychologie, op. cit.; J. Carroy, Les personnalités doubles et multiples. Entre science et fiction, Paris, Presses Universitaires de France, 1993. 12 F. P. Bowman, Le Christ des barricades, p. 213. 13 J. P. V. der Linden, Alphonse Esquiros, de la bohème romantique à la république social, Heerlen et Paris, Winants/A.-G. Nizet, 1948; A. Zielonka, Alphonse Esquiros (1812-1876): a study of his works, Paris e Genebra, Champion/Slatkine, 1985. 14 T. Bra, L’Évangile rouge, prefácio de Jacques de Caso e posfácio de Frank Paul Bowman [1830], s. l. , Gallimard, 2000, p. 225.  15 «La vie de ces prophètes sociaux mystiques offre aux neurologistes des observations très pures d’idéalistes passionnés dégénérés, observations d’autant plus précieuses qu’elles sont rédigées par les hommes eux-mêmes dont les œuvres sont suffisantes pour les juger.», M. Dide, Les idéalistes passionnés, prefácio de Caroline Langin-Lazarus, Paris, Éditions Frison-Roche, 2006 1913 . A título de exemplo, ver também a obra de Georges Dumas, Psychologie de deux messies positivistes (1905). 16 A obra recente de Laure Murat confirma esta presença e analisa, sobretudo do ponto de vista dos conteúdos políticos, os discursos destes pacientes. L. Murat, L’homme qui se prenait pour Napoléon, Paris, Gallimard, 2011. 17 J. de Caso, op. cit., p. 18. 18 P. Bénichou, L’école du désenchantement, p. 302. 19 J.-M. Dupain analisou 142 observações clínicas, feitas por ele próprio e por outros médicos, de delírios religiosos, pertencendo a diversas espécies nosográficas. J.-M. Dupain, Étude clinique sur le délire religieux. (Essai de séméiologie), Paris, Librairie Adrien Delahaye e E. Lecrosnier, 1888, pp. 41 e segs. 20 E. Benz, Les sources mystiques de la philosophie romantique allemande, Paris, J. Vrin, 1968; A. Viatte, op. cit., pp. 41-63. 21 Veja-se, por exemplo, o caso de Louis Claude de Saint-Martin, «descobridor» de Böhme, que se tornou personagem lendária nos meios teosóficos e na literatura romântica. A. Viatte, op. cit., p. 18. 22 P. Bénichou, Le sacre de l’écrivain. 1750-1830. Essai sur l’avènement d’un pouvoir spirituel laïc dans la France moderne, Paris, Gallimard, 1996, pp. 265-273. 23 Ibidem, p. 70. 24 F. P. Bowman, «Une lecture politique de la folie religieuse ou "théomanie"», p. 86. 25 M. Certeau, La Fable Mystique, 1, xvie-xviie siècle, Paris, Gallimard, 1982, pp. 48-70. 26 Terceira Parte: «La tradition de la folie sainte», in F. L. Gall, La folie saine et sauve. Pour une théologie catholique de la folie sainte, Paris, Éditions du Cerf, 2003, pp. 232-341. Sobre a identificação com o sofrimento de Cristo como tema central da mística

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ocidental, ver M. Hulin, La mystique sauvage. Aux antipodes de l’esprit, Paris, PUF, 2008 [1993], p. 283. 27 P. Adnès, «Révélations privées», in Dictionnaire de spiritualité ascétique et mystique, tomo XIII, Paris, Beauchesne, 1993, pp. 482-492; P. Adnès, «Visions», in Dictionnaire de spiritualité ascétique et mystique, tomo XVI, Paris, Beauchesne, 1993, pp. 950-1002. 28 P. Adnès, «Révélations privées», p. 484. 29 J. Le Brun, «Refus de l’extase et assomption de l’écriture dans la mystique modern», in Savoirs et clinique, 8 – L’écriture de l’extase, 2007, pp. 37-45. 30 Ibidem, p. 40. 31 F. Vidal, «Miracles, Science, and Testimony in Post-Tridentine Saint-Making», in Science in Context, 20 (3), 2007, pp. 481-508. 32 F. Vidal, «Extraordinary bodies and the physicotheological imagination», in Lorraine Daston e Gianna Pomata (eds.), The Faces of Nature in the Enlightenment Europe, Berlim, Berliner Wissenschafts Verlag, 2003, pp. 61-96. 33 J. Maître, L’orpheline de la Bérésina. Thérèse de Lisieux (1873-1897), Paris, Les Éditions du Cerf, 2005, pp. 123 e 128. 34 M. Gauchet, G. Swain, La pratique de l’esprit humain, Paris, Gallimard, 2007 [1980], pp. 492-493. 35 M. Foucault, Psychologie et maladie mentale, Paris, Presses Universitaires de France, 2008 1954 , p. 77. 36 Ibidem. No mesmo sentido, ver Le Brun, op. cit., p. 43. 37 Carlos H. do C. Silva, «O patológico na tradição mística...», p. 32. 38 Ibidem, p. 33. 39 J. Carroy, Le mal de Morzine. De la possession à l’hystérie (1857-1877), Paris, Solin, 1981, p. 8. 40 G. Charuty, Le Couvent des fous. L’internement et ses usages en Languedoc aux XIXe et XXe siècles, [s. l.], Flammarion, 1985, p. 336. 41 J. Maître, Une inconnue célèbre. La Madeleine Lebouc de Janet, Paris, Anthropos, 2003. 42 H. Guillemain, Diriger les consciences, guérir les âmes. Une histoire comparée des pratiques thérapeutiques et religieuses (1830-1939), Paris, Éditions la Découverte, 2006, pp. 230-236. 43 J. Pigeaud, Aux portes de la psychiatrie. Pinel, l’Ancien et le Moderne, Aubier, Paris, 2001, p. 16. 44 E. Pewzner, L’homme coupable. La folie et la faute en Occident, Paris, Odile Jacob, 1996 1992 , pp. 72-73. 45 J. R. Pitts, «French Catholicism and secular grace», 1964, in Jeffrey C. Alexandre e Steven Seidman, Culture and Society. Contemporary Debates, Cambridge et al., Cambridge University Press, 1996 1992 , pp. 134-143; A. Ehrenberg, La société du malaise, Paris, Odile Jacob, 2010, pp. 189-200. 46 E. Pewzner, L’homme coupable, p. 64. 47 E. Pewzner, ibidem, pp. 72-74. 48 Ibidem, p. 22. 49 Capítulo IV «Ce que les passions permettent de penser», pp. 316-353, in M. Gauchet e G. Swain, La pratique de l’esprit humain, op. cit. 50 P. Pinel, Traité médico-psychologique sur l’aliénation mentale, 2.ª ed., Paris, Chez J. Brosson, 1809 [1800 , p. 52. 51 Jean-Étienne Esquirol, op. cit., p. 134. 52 Ibidem, pp. 134 e 400.

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53 No grego, « », traduzido por via do latim cristianizado como «demónio», e como bem observa Esquirol, não tinha conotação negativa, significando «espírito», «génio», «inteligência». Esquirol engloba no conceito as duas formas, triste e expansiva, a primeira designando-a por «cacodemonomania» (vocábulo que colheu na peça de Aristófanes, As Nuvens, significando «o último grau de furor»), a segunda por «teomania». Ibidem, pp. 482-484. 54 L. F. Calmeil, De la folie considérée sous le point de vue pathologique, philosophique, historique et judiciaire: depuis la renaissance des sciences en Europe jusqu’au dix-neuvième siècle, tomos I e II, Paris, J. B. Baillière, 1845. 55 Jean-Étienne Esquirol, op. cit., pp. 482-483. 56 Ibidem, pp. 486-487. 57 Jules Baillarger, «Sur les pseudo-hallucinations chez deux délirants mystiques», Annales médico-psychologiques, 197, pp. 573-574, cit. por G. Charuty, Le couvent des fous. L’internement et ses usages en Languedoc aux XIXe et XXe siècles, [s. l.], Flammarion, 1985, p. 334. 58 «Un fou religieux» (1847), in Annales médico-psychologiques, 1848, p. 126. 59 B. A. Morel, Traité des dégénérescences de l’espèce humaine, Paris, J. B. Baillière, 1857. 60 J.-C. Coffin, La transmission de la folie, 1850-1914, Paris, L’Harmattan, 2003, pp. 6-7 e 100. 61 Ibidem, p. 72. 62 B. A. Morel, Traité des maladies mentales, Paris, Masson, 1860, p. 83. 63 Ibidem, p. 85. 64 Ver em particular J.-C. Coffin, op. cit., pp. 7 e 86. 65 B. A. Morel, Traité des maladies mentales, p. 83. 66 Ibidem, p. 85. 67 Ibidem, p. 84, nota 1. 68 Ibidem, p. 84. 69 U. Trélat, La folie lucide étudiée et considérée au point de vue de la famille et de la société, Paris, A. Delahaye, 1861, p. x. 70 J. Moreau de Tours, La psychologie morbide: dans ses rapports avec la philosophie de l’histoire ou de l’influence des névropathes sur la dynamisme intellectuel, Paris, V. Masson, 1859, pp. 231 e 244. 71 J. Moreau de Tours, Du hachisch et de l’aliénation mentale, reimpresso em 1970, prefácio de Gaston Ferdière e Henri Ey, Paris, Fortin, Masson et Cie., 1845. 72 Moreau de Tours, ibidem, p. 43; M. Foucault, Histoire de la folie à l’âge classique, s. l. , Gallimard, 1972 1961 , pp. 306-307. 73 A. Ehrenberg, op. cit., pp. 196-197. 74 R. Tombs, France. 1814-1914, Harlow, etc., Longman, 1996. Citado por C. Taylor, 2003, La diversité de l‘expérience religieuse aujourd‘hui, [s. l.], Bellarmin, 2003, p. 15. Ver também E. Poulat, Critique et mystique, Paris, Le Centurion, 1984. 75 Sobre a cultura religiosa do sofrimento na mística cristã feminina, J.-P. Albert, Le Sang et le Ciel. Les saintes mystiques dans le monde chrétien, [s. l.], Aubier, 1997; especificamente para o século xix, ver R. D. E. Burton, Holy Tears, Holy Blood: Women, Catholicism, and the Culture of Suffering in France, 1840-1970, Ithaca, Cornell University Press, 2004. 76 R. D. E. Burton, Holy Tears, Holy Blood, pp. xi-xiii. 77 G. Charuty, Le vouvent des fous, op. cit.; H. Guillemain, op. cit.; sobre o espiritismo, em particular, ver P. Le Maléfan, Folie et spiritisme. Histoire du discours psychopathologique sur la pratique du spiritisme, ses abords et ses avatars (1850-1950), L’Harmattan, 1999; P. Le Maléfan, 2001, «De Clérambault et la voyante H. C.», L’évolution psychiatrique, 66, pp. 506-511. 78 J.-C. Coffin, op. cit., pp. 100, 138 e 186.

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79 Ibidem, pp. 138-139. 80 J.-M. Dupain, Étude clinique sur le délire religieux, pp. 37-38. 81 Émile Poulat analisou esta questão em Mystique et Critique, fonte de preciosas referências. Devemos, no entanto, salientar a obra influente de Henri Delacroix, Études d’histoire et de psychologie du mysticisme. Les grands mystiques chrétiens (1908); os numerosos estudos de Henri Bremond, em particular a monumental Histoire littéraire du sentiment religieux en France depuis la fin des guerres de religion jusqu’à nos jours, obra em 11 volumes publicada entre 1916 e 1933; e o estudo essencial de Jean Baruzi, Saint Jean de la Croix et le problème de l’expérience mystique (1924). Émile Poulat, op. cit., passim. O texto de Carlos Silva publicado neste volume recenseia, para este período, um grande número de publicações francesas relevantes neste campo. 82 Jorge Crespo, História do corpo, Lisboa, Difel, 1990, pp. 103-104; Rita Garnel, «O poder intelectual dos médicos. Finais do século xix – início do século xx», separata da Revista de História das Ideias, vol. XXIV, 2003, p. 252 (pp. 213-253). 83 Apenas a Revista de Neurologia e Psiquiatria, publicada entre 1888 e1918. 84 B. Fernandes, A psiquiatria em Portugal, Lisboa, Roche, 1984, nota da p. 257. 85 Ver, neste aspeto, o contraste com o caso francês em H. Guillemain, op. cit., passim. 86 Grupo de estudantes em Coimbra que se propunham regenerar a sociedade portuguesa, decisivo na vida cultural da época e na interpretação da identidade nacional, que incluiu personalidades como Eça de Queirós, Antero de Quental e Oliveira Martins. 87 A. M. Senna, Os alienados em Portugal, vol. I, História e Estatística, Lisboa: Administração da Medicina Contemporânea, 1884, p. ix. 88 Ibidem, p. xi. 89 Ibidem, p. xiv. 90 Idem. 91 Ibidem, p. xviii. 92 Ibidem, p. xix. 93 B. Freire, Os degenerados, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1886, p. 247. 94 Ibidem, pp. 247-248. 95 Ibidem, p. 146. 96 Ibidem, p. 19. 97 Ibidem, p. 29. Georg Ernst Stahl (1660-1734). 98 Ibidem, p. 31. Johann Christian August Heinroth (1773-1843). 99 Ver, nomeadamente, as atas de um colóquio em torno da figura e obra de Bombarda: A. L. Pereira, J. R. Pita (coords.), Miguel Bombarda (1851-1910) e singularidades de uma época, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006; e P. Araújo, Miguel Bombarda: Médico e Político, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2006. Quanto ao enquadramento da obra de Bombarda no debate científico e filosófico sobre as relações entre a atividade neuronal e a vida mental, ver, em particular, M. Curado, «O problema da consciência em Bombarda», in Miguel Bombarda (1851-1910) e singularidades de uma época, op. cit., pp. 105-116. 100 Ibidem, pp. 107-108. 101 M. F. Santana, O materialismo em face da sciência. A propósito da consciência e livre-arbítrio do Sr. Prof. Miguel Bombarda, vol. II, Lisboa, Tipografia da Casa Católica, 1900, pp. 139 e 193-194. 102 Sobre este conflito, ver S. R. Martins, A polémica entre Miguel Bombarda e M. Fernandes Santana (No Contexto do Século XIX Português), tese de mestrado em História Moderna e Contemporânea [texto policopiado], Porto, Faculdade de Letras da Universidade, 1995.

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TIAGO PIRES MARQUES

103 M. Bombarda, «Estado e o Clericalismo», conferência publicada no jornal O Mundo, a 29 de junho de 1909, na 1.ª página. Citado por S. R. Martins, op. cit., pp. 117-118. 104 M. Bombarda, A ciência e o jesuitismo. Réplica a um padre sábio, Lisboa, A. M. Pereira, 1900, p. 187. 105 M. Bombarda, A consciência e o livre-arbítrio, Lisboa, Tipografia da Parceria António Maria Pereira, 1902, pp. 360-361. 106 «Os jesuítas em Portugal», in Ilustração Portuguesa, 7 de novembro de 1910, pp. 582-588. 107 A. L. Pereira, «Júlio de Matos: a ciência e a política», in Psiquiatria Clínica, 4, (1), 1983, p. 50. 108 Ibidem, p. 55. 109 Ibidem, pp. 54-55. Ver, também, L. M. Abreu, «A Filosofia Positiva na modelação do anticlericalismo em Portugal», in Actas do Colóquio – Anticlericalismo português: história e discurso, coordenado por Luís Machado de Abreu e António José Ribeiro de Miranda, Aveiro, Universidade, 2002, p. 64. 110 Português atualizado. J. Matos, Elementos de Psychiatria, Porto, Lello & Irmão, 1911, pp. 30-31. 111 Vejam-se, por exemplo, as experiências de Charcot, reproduzindo estados místicos em pacientes «histéricas» no hospital da Salpêtrière, e as de Pierre Janet, com a sua paciente estigmatizada, Paul Lair Lamotte (conhecida como Madeleine Lebouc). P. Janet, De l’angoisse à l’extase, tomo II, Paris, Librairie Félix Alcan, 1927. Consultável na internet: http://classiques.uqac.ca/classiques/janet_pierre/angoisse_extase_2/ angoisse_2.html. No mesmo sentido, ver a obra essencial de Georges Didi-Huberman, que analisa a produção da «objetividade» das imagens como elemento da prática clínica da histeria, condição de possibilidade figurativa da construção de um tableau a partir de um caso. Georges Didi-Huberman, Invention of Hysteria. Charcot and the Photographic Iconography of the Salpêtrière, Cambridge (Mass.) e Londres, The MIT Press, 2003 [1982], pp. 21-25 e 30. 112 J. Matos, Elementos de Psychiatria, p. 587. 113 Ibidem, pp. 588-589. 114 Ibidem, p. 591. 115 Ibidem, p. 558. 116 Ibidem, p. 559. 117 Carta a António Carneiro datada de 02/10/1906, in Cartas, citado por A. Monteiro, O misticismo laico de Manuel Laranjeira, Lisboa, Roma Editora, 2006, p. 75. 118 M. Laranjeira, A doença da santidade, 2.ª ed. com prefácio de Maria Bello, Lisboa, Labirinto, 1986 [1907], p. 99. 119 Ibidem, p. 100. 120 Idem. 121 Nota em ibidem. 122 Richet criou em 1919 o Institut Métapsychique International com o objetivo de estudar os fenómenos paranormais. Por métapsychique Richet entendia «o estudo dos fenómenos mecânicos ou psicológicos devidos a forças que parecem inteligentes ou a poderes desconhecidos latentes na inteligência humana». N. Marmin, La métapsychique (1875-1935): Une impasse fructueuse dans l’histoire de la science de l’esprit, Tese de doutoramento, Université Paris V – René Descartes, 2001.

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