Uma introdução à história editorial brasileira

May 25, 2017 | Autor: Anibal Bragança | Categoria: Brasil, Livros, história editorial brasileira
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Indicação para citações bibliográficas: BRAGANÇA, Aníbal. “Uma introdução à história editorial brasileira”, in Cultura, Revista de História e Teoria das Ideias, Vol. XIV, II série, 2002, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), p. 57-83.

# Uma introdução à história editorial brasileira* Para Sílvia Borelli. Aníbal Bragança Universidade Federal Fluminense Niterói – Rio de Janeiro Resumo: O artigo apresenta uma abordagem nova da história editorial brasileira, com a proposição dos conceitos do editor-impressor, editor-livreiro e editor, desenvolvidos a partir – e em contraposição – à proposta do historiador Roger Chartier para a história editorial francesa. Nesta introdução, esses conceitos são utilizados para balizar, como figuras paradigmáticas desses “tipos ideais”, respectivamente, os editores Paula Brito, Francisco Alves e Monteiro Lobato. Abstract: The article presents a new approach of a history of the Brazilian publishing trade, with a proposal to concepts of publisher-printer, publisher-bookseller and publisher, developed from – and an opposition – a Roger Chartier proposal to a history of the French publishing. In this introduction these concepts are employed to signalized, as a paradigmaticals models of this “ideal-types”, respectively, the publishers Paula Brito, Francisco Alves and Monteiro Lobato.

Mas a evolução do editor, como figura específica, diferenciada do mestre livreiro e do impressor, ainda demanda um estudo sistemático. Robert Darnton1, 1990

* Resultado parcial da pesquisa sobre Francisco Alves, realizada com bolsa do Ministério da Educação (PICD/CAPES). 1 Darnton, 1990: 123.

O lançamento recente promovido pela Edusp, a Editora da Universidade de São Paulo, da coleção Memória Editorial, destinada à publicação de trabalhos acadêmicos produzidos nesta área2, indica-nos que se consolida em nosso país o campo intelectual dos pesquisadores e estudiosos do universo do livro. Tal fato reforça um movimento que se tem acentuado no Brasil nos últimos três anos. Outras editoras universitárias como a Com-Arte (da Escola de Comunicações e Artes da USP/Universidade de São Paulo), a da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a EdUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense), a da UNESP (Universidade Estadual Paulista), a EdUnB (da Universidade de Brasília), além de instituições públicas como a Fundação Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional, e editoras privadas como a Giordano, Ateliê e Mercado de Letras, dentre outras, têm dedicado atenção, maior ou menor, à edição de obras sobre esse universo. A isto se pode acrescentar um número significativo de teses e dissertações que se preparam, ou foram defendidas recentemente, e que em breve poderão ser encontradas nas prateleiras e nos sítios eletrônicos das livrarias. Esse movimento, paralelamente à realização de encontros acadêmicos, de grupos de trabalho, seminários e congressos3, está contribuindo para a construção de um conhecimento mais amplo e aprofundado da história de editoras, gráficas, bibliotecas e livrarias e para reavaliar a importância que tiveram e têm na cultura brasileira. A partir de contribuições de importância fundamental dadas por autores como Carlos Rizzini, Rubens Borba de Moraes, Eduardo Frieiro, Maria Beatriz Nizza da Silva, Brito Broca, Antônio Cândido, Virgílio Noya Pinto, Nelson Werneck Sodré e outros, trabalha intensamente uma nova geração de pesquisadores, estimulados pelo atual interesse do mundo acadêmico internacional pelos estudos do livro. E são os primeiros frutos desse trabalho que estão indo agora para as livrarias. Deve destacar-se ainda a contribuição estrangeira, na figura de Laurence Hallewell, autor de O livro no Brasil, sua história, lançado em 1985, que se tornou fonte indispensável para os pesquisadores da área.

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Vol. 1: de Elisabeth Rocha del Torresini, 1999, Editora Globo; uma aventura editorial nos anos 30 e 40; vol. 2: de Sônia Maria de Amorim, 2000, Em busca de um tempo perdido; edição de literatura traduzida pela Editora Globo (1930-1950). 3 Como o I Congresso de História da Leitura e do Livro, promovido pela Associação de Leitura do Brasil e Universidade Federal de Minas Gerais (CEALE/FAE) e realizado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, São Paulo) em outubro de 1998, de que resultou o volume, organizado por Márcia Abreu (Abreu, 2000), e as reuniões do Grupo de Trabalho - Produção Editorial, Livro e Leitura, da Intercom, que se realizam anualmente desde 1994.

Na verdade, desde o lançamento pela Francisco Alves, em 1976, dois anos depois do original da Gallimard, da coleção História: novos problemas, novas abordagens, novos objetos, dirigida por Jacques Le Goff e Pierre Nora, onde aparece no volume sobre “novos objetos” o artigo “O livro: uma mudança de perspectivas”, de Roger Chartier e Daniel Roche, observa-se que o interesse dos pesquisadores brasileiros pela história cultural tem provocado a ampliação da bibliografia do livro no país.

História editorial Editor, vocábulo de origem latina, indica-nos dois movimentos: “dar à luz” e “publicar”4. Surge na Roma antiga para identificar aqueles que chamavam a si a responsabilidade de multiplicar e cuidar das cópias dos manuscritos, zelando para que fosse correta a sua reprodução. Tinham para essa tarefa escravos copistas. Eram ricos, em geral, e amigos dos autores, como Ático foi de Cícero. Em português, a palavra editor foi dicionarizada pela primeira vez em 1813.5 Roger Chartier, no seu texto “De la historia del libro a la historia de la lectura”6, afirma que na história do livro sucedem-se três “modos de edição”: o primeiro, anterior à imprensa, constitui-se pelo ato de tornar público um texto, cujo manuscrito tenha sido verificado e autenticado pelo autor; o segundo, chamado de “antigo regime tipográfico”, vai, na França, de 1470 até aos anos de 1830; o terceiro, daí até nossos dias, quando surge a edição como profissão autônoma e o editor no sentido moderno do termo. Vamos aqui deter-nos nos dois últimos “modos de edição”, apresentando o que, segundo Chartier, os caracteriza. Inicialmente, ele justifica a longa duração do chamado “antigo regime tipográfico” pela estabilidade, nesse período, do processo de fabricação do livro, que pouco se alterou, mantendo as oficinas tipográficas as mesmas estruturas e até, muitas vezes, o mesmo tamanho que tinham nas suas origens. Os problemas que têm de enfrentar, basicamente, são os mesmos: o provimento de papel e as boas relações com os

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En latín ‘publicar un libro’ se dice generalmente edere, emittere, (di)vulgare, afirma Tönnes Kleberg em “Comercio librario y actividad editorial en el Mundo Antiguo, in Cavallo, 1995: 71. 5 Cunha, 1982: 284. 6 Chartier, 1994: 13-40.

aprendizes e mestres da oficina. Segundo Chartier, a inovação, quando existe, não transforma fundamentalmente nem as técnicas nem os gestos. Para o historiador francês, nesse “regime”, os mercadores livreiros são os “donos do jogo” e a atividade tipográfica está a eles submetida. Afirma serem os mercadores livreiros que buscam e conseguem a proteção e os privilégios das autoridades, controlam as oficinas a quem entregam a impressão de suas edições, além de dominarem o mercado do livro, desenvolvendo as suas livrarias de varejo. Assim conseguem vender não só suas próprias edições como também a de seus colegas, que obtêm através das freqüentes trocas que praticam. Impõem, ainda, sua lei ao autor, remunerando-os, durante muito tempo, apenas com exemplares. Quando se trata de contrafação, falsificação ou mesmo reedições – o manuscrito é vendido perpetuamente – inexiste qualquer pagamento. São raras as vezes, e mais no final do período, em que os autores recebem pagamento em numerário por um manuscrito. A atividade editorial é, segundo Chartier, sobretudo uma atividade mercantil, na qual se cruzam duas lógicas: a primeira, a ótica do capitalismo comercial, dirigido pela demanda, que exige da empresa grandes investimentos financeiros, audácia e uma atenção completamente voltada para a venda, mas, ao mesmo tempo, afirma, essa forma de edição é atravessada pela lógica do patrocínio, onde os editores são obrigados a buscar a boa vontade das autoridades monárquicas – que concedem ou não as permissões e privilégios, controlam os competidores, toleram ou proíbem a circulação das obras – o que conduz inevitavelmente a um forte vínculo entre a edição e o poder. O terceiro “modo de edição”, afirma Chartier, só pôde surgir quando, de um lado, o trabalho de edição se emancipou do comércio da livraria, com o qual antes se confundia, por outro, quando a totalidade do processo de fabricação de um livro (desde a escolha do original às soluções técnicas, das opções estéticas às decisões comerciais) se concentrou nas mãos de um só indivíduo. Aparece aí, então, o editor como “um intermediário inteligente entre o público e todos os trabalhadores que concorrem na confecção de um livro e que conhece todos os detalhes do trabalho de cada uma dessas pessoas”7.

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Palavras de León Curmer, editor francês, em 1839, citado por Chartier, 1994: 31-32.

Entendemos, como Roger Chartier, a necessidade de se caracterizar diferentes situações e práticas editoriais, criando modelos e tipos ideais que nos permitam abordar, com metodologia adequada, a realidade que pretendemos conhecer. Ressalvamos, entretanto, que, pelas razões a seguir apontadas, não incluímos aqui o “editor” de manuscritos, que na realidade existiu na Roma antiga, embrionariamente, e mais com as características do que hoje chamaríamos de editor de textos. E, ainda, entendemos que é necessário distinguir o impressor-editor do livreiroeditor. A história da edição permite-nos afirmar que, pelo menos até as primeiras décadas do século XVI, senão até meados do século, houve inclusive uma hegemonia do impressoreditor sobre os negócios do livro. Assim, pretendemos com este texto apresentar a proposta de uma outra tipologia dos modos de edição, aplicável à história editorial brasileira. Nosso objetivo será plenamente atingido se este trabalho puder contribuir para a superação de certos lugarescomuns que se repetem na nossa historiografia do livro e da leitura, carente como está de uma sistematização conceitual e teórica. Inicialmente vamos caracterizar, em grandes traços, três situações e modos de edição, não só no nível técnico como nas estratégias de ação dos editores, para, a seguir, apresentarmos os principais marcos da história editorial brasileira, onde, finalmente, iremos situar os editores paradigmáticos, Paula Brito, Francisco Alves e Monteiro Lobato.

Modos de edição Partimos com Robert Escarpit que afirma: “Na história das instituições literárias o editor é um personagem recente”8 e também com Américo Cortez Pinto9, que garante: “A impressão numerosa que constitui a edição é uma prática conseqüente à invenção dos tipos”. E nós entendemos que a figura do editor só se constitui plenamente no mundo moderno, após a invenção da tipografia, quando mais do que simplesmente dar à luz o importante é publicar, isto é, a “ação de pôr à disposição anônima” 10.

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Escarpit, 1969: 99. Pinto, 1948: 10 Escarpit, 1969: 99, 101. 9

Portanto, atendo-nos apenas às características do editor moderno, da invenção da tipografia, em meados do século XV, até meados do século XX, os 500 anos da Galáxia de Gutenberg11, propomos que se distingam três tipos básicos: o impressor-editor, o livreiroeditor e o editor pleno ou independente, que chamaremos de editor, simplesmente. Para definir as características desses tipos ideais, devemos atentar para o eixo central de sua atividade, a que lhe dá sustentação, que a move e direciona. E isto independentemente da época em que estejam atuando, pois embora o seu surgimento se dê num contexto histórico específico, que o explica, os tipos coexistem, um não desaparece quando surge o novo. Pode, sim, ocorrer, e ocorre, um deslocamento de sua importância nos processos econômico, cultural e editorial. Por mais que a realidade histórica apresente múltiplas combinações, como apresenta, que só a pesquisa metódica e cuidadosa possibilita desvendar ou aproximar, pode-se identificar na história européia do livro, a partir do Renascimento, os três momentos em que surgem e se tornam hegemônicos esses tipos propostos. Grosso modo, podemos afirmar que, de 1450 a 1550, há a hegemonia do impressor-editor; cerca de 1550 a 1850, surge e se torna hegemônico o livreiro-editor; no período de 1850 a 1950, há a emergência e logo hegemonia do editor, pleno ou independente. A realidade brasileira, à qual nos vamos ater, pelas vicissitudes bem conhecidas de sua formação histórica, apresenta de forma concomitante, ou quase, os dois primeiros tipos, sendo um pouco retardada a emergência do terceiro. Deve ser lembrado, também, que os marcos cronológicos são sempre apenas indicadores, mais ou menos arbitrários. A história é um processo, os marcos apenas sinalizam mudanças que se vêm realizando ou estão em embrião. Podem ser aproximados para mais ou para menos.

Impressor-editor

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Original e brilhantemente “formada” por Marshall McLuhan.

Seu patrono é Gutenberg. O seu saber essencial é o domínio das técnicas da tipografia, desde a fundição dos ponções e tipos à composição e impressão do texto. E isso o caracteriza, é o seu eixo. Seu centro é a oficina tipográfica. O que lhe assegura o exercício da função de editor, além do seu saber de mestreimpressor, é a propriedade da sua oficina ou atelier, dos instrumentos e dos meios técnicos, prensas, tipos etc. Assim ele consegue, quando precisa, o que não é raro, sócios capitalistas ou financiamentos de banqueiros e investidores interessados em participar nos lucros que trazem os produtos que saem de sua oficina. É o impressor que centraliza o processo de seleção dos livros a editar, excetuandose, claro, as encomendas. É ele também que está à frente das vendas ao público, quer nos seus balcões, quer nas feiras, onde além de vender, faz trocas com outros impressores para abastecer a sua ou as suas lojas. Pode usar também o serviço de viajantes ou vendedores ambulantes. Mas é sempre ele o “elemento-chave em torno do qual gira[a]m todos os arranjos” e “ponte entre vários universos”12. No contexto histórico em que surge, na Europa, é maior o número potencial de leitores do que de autores em atividade. Seu principal desafio é editar obras de autores mortos, com fidelidade, correção e beleza. São tarefas que exigem mais esforço e concentração em identificar, organizar originais ou exemplares. Para isso, além de seus conhecimentos, quando desenvolve o seu negócio, precisa ter um corpo de auxiliares de grande saber. Seus serviços são também usualmente solicitados por instituições diversas: igrejas, universidades, governos e sua burocracia, que precisam de livros, folhetos, impressos de ocasião, editais, diplomas etc. Quase sempre editam também publicações periódicas. Em geral procura ter boas relações com os poderes, muitas vezes recebendo benesses das autoridades, e mesmo títulos e honrarias, em troca de prestação de serviços ou apoio. Com o tempo, quando começa a dedicar-se à publicação de autores vivos, pode iniciar a remuneração dos autores pela compra dos originais e pode vir a substituir a tradicional figura do mecenas. Para garantir seus interesses comerciais, procura conseguir privilégios ou permissões que o garantam contra contrafações ou falsificações.

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Eisenstein, 1998: 41.

Quase sempre é seu nome, ou de sua família, que aparece no título de sua casa.

Livreiro-editor Nasce na loja e não na oficina. Seu centro é o mercado. Precisa estar atento às demandas existentes e ter boas relações com os clientes. Pode criar novas demandas, mas o fundamental é a criação e o domínio de canais de comercialização. Seu saber é o do empresário mercantil, que sabe como atender a sua clientela potencial, de forma lucrativa para sua empresa. Após definir em que segmento editorial atuará, seu faro é dirigido para conseguir os autores ou as obras que o mercado pede. Isto é sua meta. O importante é ter um bom fundo editorial, um bom catálogo. Para isso, num primeiro momento, o livreiro-editor, como o impressor-editor, depende de boas relações com o poder, para conseguir os privilégios e permissões, já que as edições são mais do que nunca controladas. Num segundo momento, a partir da criação e aplicação das leis de direito autoral, e da liberdade de imprensa, seu êxito dependerá de suas boas relações com o mercado e os autores. Nesse novo contexto, o número de tipografias aumenta, a técnica de impressão se dissemina e ele pode contratar os serviços gráficos ou montar oficina própria, se preferir.

Editor, simplesmente Seu centro é o autor ou, melhor, o original. Seu lugar é o escritório. O mercado se diversificou e passou a exigir novos lançamentos, novos textos, novos autores, novos produtos, cada vez mais bonitos e mais baratos ou mais ilustrados e requintados. A nova tecnologia gráfica a todos oferece essas possibilidades. Ajudados pelo progresso econômico, pela imprensa periódica, pela ampliação da rede escolar que cria novos leitores, pelo desenvolvimento urbano e pelo aumento das classes médias, os autores ganham certa preeminência e se profissionalizam. O editor específico, autônomo, moderno, ou simplesmente, o editor, pode ter ou não experiência anterior no mundo das gráficas ou no mundo das livrarias. O importante é

que tenha um conhecimento do mercado de bens culturais, para criar uma política editorial e estabelecer as linhas de atuação para realizá-la. Deve estar pronto a decidir no processo de seleção de originais, que nesse momento são, proporcionalmente, em maior número do que o potencial de consumo dos leitores. É conveniente que conheça os processos de produção, de suas técnicas e estética, mas poderá delegar a profissionais as tarefas de execução dos projetos editoriais da empresa. Deve conhecer o bem mercado e as técnicas mercadológicas, mas pode entregar a comercialização a empresas especializadas em distribuição e venda. Pode ter gráfica ou livraria, mas isso não é necessário, o importante é estabelecer com elas boas relações. Mais do que o mestre-impressor ou o livreiro, origens dos outros tipos de editor que assinalamos, este, em geral, tem boa formação intelectual e é movido por objetivos que são, ao mesmo tempo, econômicos e culturais. Muitas vezes sente-se com responsabilidades políticas diante de sua sociedade13, o que não o dispensa da exigência de grande aptidão empresarial para mobilizar recursos, próprios ou de terceiros, que possibilitem viabilizar seus empreendimentos.

O começo da história editorial brasileira: A Casa Literária do Arco do Cego e a Impressão Régia do Rio de Janeiro Até 1808 as autoridades portuguesas, nos quadros do antigo sistema colonial, não só não estimularam a criação, como impediram a continuidade daquelas oficinas criadas no século XVIII, por destemidos impressores interessados em atender às demandas do mercado em formação – público leitor, comércio e instituições. Elas foram expressamente proibidas. Quando as circunstâncias históricas levaram a família real portuguesa a instalar-se no Rio de Janeiro, já o processo de desenvolvimento da tipografia e da edição estava quase entrando no final do período de hegemonia do livreiro-editor na Europa. Foi com a transferência da Corte para o Brasil que aqui se instalou a primeira tipografia estável e oficial. Isso ocorreu menos de dois meses após a chegada, porque na comitiva já vinha uma oficina completa de impressão. Mais do que isso, vinham também

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Bragança, 1992.

mestres impressores que haviam participado de um empreendimento gráfico e editorial na Metrópole, que, apesar da curta duração, foi de enorme importância histórica, no campo cultural e político e mesmo no técnico. Por isso, devemos destacar, o que não foi feito até aqui pelos nossos historiadores14, que, já em 1796, um brasileiro nascido em Minas Gerais, em 1741 ou 1742, Frei Mariano da Conceição Veloso, botânico ilustre, “comparado aos melhores naturalistas europeus” e tipógrafo, está em Portugal “envolvido no criar uma rede de tipografias disponíveis para, a exemplo das ‘nações cultas e civilizadas’, dar a conhecer a nova agricultura baseada nos princípios agronômicos da filosofia natural setecentista”. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro da Marinha, o teria incumbido de “ajuntar e trasladar em português todas as memórias estrangeiras que fossem convenientes aos Estabelecimentos do Brasil, para melhoramento da sua economia rural e das fábricas que dela dependem, pelas quais ajudadas houvessem de sair do atraso e atonia em que actualmente estão...”. Mais tarde, o mesmo D. Rodrigo o convidou para assumir a direção de um “novo ‘estabelecimento scientifico’ que se iria fundar no sítio denominado do Arco do Cego”. Tal empresa, segundo Maria de Fátima Nunes e João Carlos Brigola, autores do estudo “José Mariano da Conceição Veloso (1741-1811) – Um frade no Universo da Natureza”15, “nascida de uma vontade política, de um projecto iluminista de operar reformas no Reino, esta casa tipográfica converteu-se igualmente num cadinho intelectual de jovens brasileiros que se encontravam na Metrópole e que gravitavam em torno de Mariano Veloso, Hipólito José da Costa, os irmãos Antonio Carlos e Martim Francisco de Andrade e Silva, José Feliciano Fernandes Pinheiro, Vicente Seabra da Silva, Manuel Rodrigues da Costa, José Ferreira da Silva, José Viegas de Meneses, João Manso Pereira, Manuel Arruda da Câmara, Manuel Jacintho Nogueira da Gama,”, onde muitos deles “fizeram traduções ou edições próprias nos prelos tipográficos do Arco do Cego”. Para esses autores, pesquisadores da Universidade de Évora, havia no projeto da tipografia “um apreço pelos brasileiros miticamente identificados com os ‘mineiros’...”, que

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Borba de Moraes chega a afirmar peremptoriamente: “A transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, foi o começo de tudo.” In Camargo & Moraes, 1993: XVII. 15 In A Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801), 1999: 51-75.

se revelou em várias ocasiões do “breve mas intenso historial da Casa do Arco do Cego”, que vai apenas de 1799 a 1801. Pode perceber-se que, como ocorreu com a imprensa periódica brasileira, que teve o seu início fora do Brasil com o Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa16, publicado em Londres, na Inglaterra, também a nossa imprensa de livros, terá tido seu marco inicial ainda em Portugal na tipografia do Arco do Cego. Sua existência material e mesmo o seu projeto editorial, e especialmente as pessoas envolvidas, a começar por D. Rodrigo de Sousa Coutinho17, em parte antecederam o que seria a Impressão Régia do Rio de Janeiro em seus anos iniciais e, inclusive, se poderá pesquisar se algumas das melhores obras publicadas aqui não estavam já previstas no projeto editorial de Frei Veloso para lá serem publicadas. Além disso, vários materiais que sobraram de seu desmonte em Lisboa, inclusive chapas calcográficas, foram transferidos para a oficina brasileira. Borba de Moraes, afirma que, nos primeiros anos da Impressão Régia, “prosseguindo a obra de Frei Veloso no Arco do Cego, publicaram-se livros e brochuras, ora traduzidas, ora originais, de naturalistas brasileiros como Manuel Arruda da Câmara, José Vieira Couto, João da Silva Feijó e José Carneiro da Silva”18. Quando aqui se instalou oficialmente a primeira tipografia, em 1808, já havia um comércio de produtos impressos relativamente ativo, embora restrito pelas condições sócio-culturais e políticas de então. A dependência de fornecedores externos de livros e produtos impressos, e o controle de sua circulação, dificultavam, mas não conseguiam impedir, o atendimento das demandas dos leitores já existentes na Colônia. Estes eram estimulados pela inevitável difusão das idéias que as comunicações humanas instalam. Quer pelos fluxos comerciais, quer pelo trânsito dos viajantes, era inevitável que, nessa época, aqui aportassem as profundas transformações da Era Moderna no campo das técnicas, no pensamento e nos

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Ressalte-se que Hipólito foi um dos integrantes do círculo do Arco do Cego. Varnhagen o definiu como “um grande patriota, que do próprio Brasil descendia pelo costado materno, e tinha na província de Minas um morgado” in Historia geral do Brazil, t. II, p. 1041, cit. por CURTO, Diogo Ramada, “D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a Casa Literária do Arco do Cego”, in A Casa Literária..., p. 19. 18 Camargo & Moraes, 1993: XXV-XXVI. 17

modos de vida, que faziam cada vez mais indispensável, especialmente nas cidades, o acesso à leitura. Os poucos livreiros que já existiam no Rio de Janeiro, em 1755, chegaram a requerer à Metrópole que lhes fosse permitido se organizar em corporação, para que lhes pudessem ser “concedidos os mesmos privilégios, isenções e liberdades” que gozavam os de Lisboa. O Regimento do Ofício de Livreiros em vigor desde 1733, assegurava, dentre obrigações e direitos, que quaisquer “mercadores de livros”, natural ou estrangeiro, que “mandar vir, ou trouxer de fora, partidas de Livros, de nenhuma maneira as venderão por Si, nem por outrem em sua caza assim encadernados, como em papel e Só os poderá vender por junto, ou por partidas, e não pello miudo”19, o que lhes assegurava a não concorrência, principalmente dos mercadores franceses, no varejo. O pedido não foi aceito. E nesse mesmo ano também as corporações em Portugal, com o decreto de setembro de 1755 que criou a “Junta de Comércio destes Reinos e seus Domínios” teriam de suportar “os vendavais”20 do período pombalino. Muitas vezes o acesso à leitura e aos produtos impressos – livros e jornais ou revistas – se fazia por meios “alternativos”21 ou mesmo clandestinos, para escapar aos controles oficiais.22 A tipografia havia sido um “fermento” contínuo nas transformações sociais, culturais e religiosas. A Europa vivia intensamente as lutas políticas e econômicas nascidas das transformações da primeira revolução industrial e das idéias liberais. No Velho Continente a hegemonia do livreiro-editor, com seus privilégios reais, se encontrava sob contestação. Desde 1710, com o Copyrigth Act decretado pela Rainha Ana, transferindo o direito de publicação e da cópia para o autor, ao contrário dos privilégios que eram concedidos (em geral) aos livreiros, se iniciava um período de grandes transformações na edição. Na França, autores e livreiros lutavam por seus direitos. Diderot foi encarregado de defender o ponto de vista dos segundos, em defesa da manutenção dos privilégios já

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Guedes, 1993: 141. Id., ib.: 80. 21 Abreu, 1998. 22 Pinto, 1986: 22; Neves, 1993; Abreu, 1998. 20

concedidos23. Cinco decretos em 1777, completados por outro de 30 de julho de 1778, determinaram que, daí em diante, os autores gozassem de privilégios indefinidos sobre seus textos e os livreiros de privilégios temporários. Qualquer autor, após obter o privilégio passa a ter o direito de mandá-lo imprimir por sua conta, no tipógrafo de sua escolha e fazêlo vender pelo livreiro que escolher24. Será mergulhada nesse contexto de expansão do impresso e da leitura, que aqui já se refletia nas livrarias, até então proibidas de editar e imprimir, que se inaugurou oficialmente a história editorial brasileira. Tudo aqui, portanto, acontece quase ao mesmo tempo.

Impressores-editores brasileiros Nesta categoria devem incluir-se, além da Casa Literária do Arco do Cego e a Impressão Régia, os negociantes europeus, liberados por lei do Príncipe Regente D. João para aqui se instalarem, após a “abertura dos portos às nações amigas”, que especialmente favorece os ingleses, mas logo se abre também aos franceses. Eles são atraídos para este novo mercado, que se amplia após a vinda da Corte imperial portuguesa e as transformações daí decorrentes. Além dos impressores e livreiros estrangeiros, também se incluem os que aqui se formaram, nativos ou imigrantes. A Impressão Régia passou a ser um celeiro de mestres impressores. O mesmo ocorreu nas oficinas particulares. O primeiro tipógrafo a conseguir licença para instalar-se no Brasil foi o português Silva Serva, do Porto, que em 1811 montou a Typographia de Manoel Antonio da Silva Serva, em Salvador, Bahia, tendo editado obras em latim e português, originais e traduções25. Em 1816 é Ricardo Fernandes Catanho que consegue licença para instalar-se como tipógrafo em Pernambuco, mas não chegou a produzir livros. A Revolução Constitucionalista do Porto em 1820, que acabou com a Inquisição e a censura à imprensa, teve profundas repercussões no então Reino Unido, e não só no Rio

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Diderot, 1995. Febvre & Martin, 1992: 248-9. 25 Ipanema, 1972: 188. 24

de Janeiro. Em 28 de agosto de 1821 D. Pedro decretou a regulamentação da liberdade de imprensa no Brasil. Todas as províncias se mobilizaram, contra ou a favor, em face da nova situação, o que levou a grande agitação de idéias e ao surgimento de novos grupos político-sociais organizados. A imprensa era, agora, mais necessária do que nunca e, então, tornou-se possível. O grande número de trabalhos em perspectiva levou à fundação de novas tipografias por todas as grandes cidades, especialmente, em Pernambuco, Maranhão, Bahia, Paraíba, e Pará, além da Corte. Em 7 de setembro de 1822 o Brasil marcaria sua independência de Portugal. Borba de Moraes afirma que muitas tipografias foram “fundadas com mais entusiasmo do que capital, para defender os novos ideais constitucionais e a Independência, e produziram uma quantidade de gazetas efêmeras, hinos patrióticos, proclamações, discursos, cartas e folhetos políticos”26. Mas despontam assim muitos impressores-editores brasileiros, inclusive alguns que se notabilizaram. No Rio de Janeiro surgiram, em 1821, A Nova Officina Typographica, em 1822, a Typographia do ‘Diario’ [do Rio de Janeiro], a Typographia de Santos e Souza - Typ. dos Annais Fluminenses, a Typographia de Torres e Costa, Officina de Silva Porto e Companhia. Em 1824 instalam-se a Typ. Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher & C., em 1827, a Typographia d’Astréa, a Typ. da Viúva Ogier & Filho e Souza & Comp.; em 1831, a Typographya de Thomaz B. Hunt e C., em 1836, a Typ. Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & Comp., fundada por Junius Constancio de Villeneuve, francês que veio para o Rio de Janeiro contratado para servir na Marinha de Guerra, que anos depois viria a assumir a direção do Jornal do Commercio. Georges Leuzinger, emigrante suíço, que chegara ao Rio de Janeiro em 1832, adquiriu, em 1840, uma papelaria e oficina de encadernação, a que, cinco anos depois, acrescentou uma oficina de estamparia e gravura em talho-doce. Em fins de 1852, comprou uma tipografia e, no ano seguinte, uma litografia. Seus trabalhos enriqueceram as artes gráficas no universo editorial brasileiro com a marca da Typographia de Georges Leuzinger.

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Camargo & Moraes, 1993: XXI.

Eduard Laemmert, depois de se ter formado na Europa nos misteres de tipógrafo e livreiro, veio para o Brasil como representante dos interesses das livrarias francesas Bossange e Aillaud. Após cumprir seu contrato, decidiu continuar residindo no Brasil, negociando com livros, por conta própria. Depois de seis anos, volta à Europa. Quando retorna, em 1835, traz seu irmão Heinrich. Juntos continuam com sua loja de livros, a Livraria Universal. Em 1838 criam, talvez, o maior estabelecimento gráfico do Rio de Janeiro, na época, a Typographia Universal, dos Irmãos Laemmert, reunindo oficinas de tipografia, estereotipia e encadernação. Apesar de suas origens como livreiros, setor em que continuaram a atuar até 1909, terá sido certamente como impressores-editores que melhor realizaram suas potencialidades, como provam seu justamente famoso Almanak e o apuro técnico que alcançaram nas suas edições. Um dos mais importantes editores no século XIX, e paradigma de nossos impressores-editores, foi o brasileiro Francisco de Paula Brito, nascido no Rio de Janeiro, mulato, de origem humilde. Foi aprendiz na Tipografia Imperial e Nacional, transferindo-se mais tarde para a Tipografia de R. Ogier e, em seguida, para a de Seignot-Plancher, onde foi compositor e ocupou os cargos de diretor de prensas, redator e tradutor. Em 1831, com 22 anos, comprou a um primo a loja de encadernação e livros, localizada na Praça da Constituição 51, atual Praça Tiradentes, à qual anexou uma pequena tipografia. O empreendimento cresceu e, já amigo de D. Pedro II, conseguiu seu apoio para criar, em 1850, a grande Empreza Typographica Dous de Dezembro de Paula Brito, Impressor da Casa Imperial, onde além da oficina tipográfica, acrescentou uma litografia e uma livraria. Paula Brito publicou vários periódicos, como “A mulher do Simplício ou A Fluminense exaltada” e “A Marmota”, além de grande número de obras de escritores brasileiros, muitas delas em edições princeps: O juiz de paz na roça e O noviço, peças de Martins Pena; O filho do pescador, romance de Teixeira e Sousa; Conselhos à minha filha, de Nísia Floresta; A estátua amazônica, peça de Manuel de Araújo Porto Alegre; os romances Rosa, Vicentina e A carteira do meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo; Últimos cânticos, de Gonçalves Dias, Épicos brasileiros, de F. A. Varnhagen; A confederação dos tamoios, de Gonçalves de Magalhães; As primaveras, de Casimiro de Abreu, e, dentre

muitos outros, os primeiros livros de Machado de Assis, Queda que as mulheres têm para os tolos e Desencontros, fantasia dramática. Machado de Assis, que havia sido seu auxiliar na tipografia, afirmou, em crônica de 5 de janeiro de 186527: “Paula Brito foi o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”. O português Silva Serva, os franceses Pierre Plancher e Junio Constance de Villeneuve, o brasileiro Francisco de Paula Brito, os germanos Eduard e Heinrich Laemmert, todos foram impressores-editores e, além de livros, publicaram periódicos e outros impressos. Prestaram grandes serviços à formação da indústria editorial brasileira e à cultura de nosso país, que, em menos de meio século, “deu um salto imenso em termos de expansão gráfica e produção editorial”28. Todos estiveram próximos do poder. Alguns receberam privilégios, comendas e outras honrarias. Paula Brito chegou a ter o imperador como seu sócio. O pesquisador Marcelo de Ipanema, em 1972, afirmou que “Editora e tipografia são palavras de significado comum nas décadas iniciais de nossa história gráfica. Editor e proprietário de tipografia confundiam-se quase sempre e eram uma e outra coisa no milagre da semeadura das idéias dos autores, que, costumeiramente, respondiam também pela impressão de seus trabalhos” 29 , isto é, pagavam a edição.

Livreiros-editores brasileiros Segundo Borba de Moraes, “Paulo Martin, filho, é nosso primeiro livreiroeditor”.

30

Nizza da Silva afirma: “Paulo Martin é o único caso que conheço de livreiro-

editor no Rio de Janeiro deste período”, embora admita a hipótese de haver outros mercadores de livros com capitais suficientes para isso, “principalmente de folhetos pouco dispendiosos e de consumo certo, como aliás eram os publicados por Martin”.31 As edições

27

Publicada no Diário do Rio de Janeiro, in Assis, J. M. Machado de. Crônicas, II (1864-1867). Rio de Janeiro ; S. Paulo: Livro do Mês, 1961. P. 264. 28 Ipanema, 1972: 188. 29 Ipanema, 1972: 189. 30 Moraes, 1979: 46. 31 Silva, 1981: 147.

que fazia eram impressas na Impressão Régia, portanto depois de 1808, mas a livraria é anterior. O fundador, Paulo Agostinho Martin, português, chegara ao Rio de Janeiro, com 20 anos, em 1799. Neves32 afirma “não ter sido possível verificar o momento em que Paulo Martin iniciou as suas actividades livreiras no Rio de Janeiro”. Mas supõe que, desde a sua chegada, vendia aqui livros por conta da empresa de seu pai, o francês radicado em Portugal, Paul Martin, “negociante de livros”. Certamente a atividade comercial do filho não foi logo registrada devido à oposição dos livreiros portugueses, que através dos Juízes do Ofício de Livreiro chegaram a solicitar à Junta de Comércio que impedissem a sua vinda (e de outro filho de livreiro francês, Francisco Rolland) para o Brasil, porque “esses mercadores estrangeiros já lhes tinham causado vários prejuízos e, não contentes, queriam aumentá-los, ‘intentando estabelecer duas casas de comércio de livros na cidade do Rio de Janeiro”. Mas desde 1808 sabe-se que está instalado com livraria à rua da Quitanda, onde aparece como depositário da Gazeta do Rio de Janeiro. A livraria-editora, filial da empresa lisboeta33, funcionou até 1823, “mais ou menos”.34 Outro livreiro francês, Pierre Constant Dalbin, veio para o Brasil em 1816. Logo se estabeleceu como livreiro-editor35 com a firma P. C. Dalbin & Ca. Era representante ou, pelo menos, mantinha boas relações comerciais com colegas europeus, pois garantia a sua clientela poder “mandar vir promptamente todos os [livros] que se lhes encommendão”. Borba de Moraes afirma que Dalbin “associava-se a colegas e patrícios, em Paris, para publicar obras que vendia no Brasil” 36. Retornou para a França em maio de 1821, encerrando suas atividades. Baptiste Luiz Garnier, nascido na França, em 1823, era irmão e empregado de Augusto e Hippolite Garnier, donos da Libraire Garnier Frères, fundada em 1833, em Paris. Veio para o Rio de Janeiro, em 1844, para instalar uma filial da empresa Garnier Frères. Em

32

Neves, 1993: 64 e seg. Abreu, 1998. 34 Hallewell, 1985: 26. 35 Berger, 1984: 5. 36 Moraes, 1979: 47. 33

184637, já estava localizada na rua do Ouvidor, como muitos outros negociantes franceses que tinham interesse no mercado brasileiro de elite. O processo de expansão das editoras parisienses, que tiveram início em 1813 quando começaram a enviar representantes comerciais à procura de encomendas da parte dos livreiros das províncias, foi muito favorecido no exterior pelo “domínio cultural do mundo contemporâneo pela França”, que lhes propiciava boas oportunidades de negócios em mercados estrangeiros.38 Antes da Garnier Frères, instalaram filiais no Brasil, diretamente ou por associação, os livreiros-editores Bossange e Aillaud, Mongie e os irmãos Firmin Didot. Estratégia dos livreiros-editores franceses para expandir seus negócios foi a publicação, na França, em línguas estrangeiras, não só para atender aos exilados em Paris, mas principalmente para exportar para os respectivos países. A Aillaud, a Firmin Didot, com livros em português39, e a Garnier, com livros em português e em espanhol, foram empresas, dentre muitas, que exploraram bem os mercados ibérico e ibero-americano. A “Garnier Hermanos”, departamento de espanhol da empresa, em Paris, tinha em catálogo, em 1914, 1173 títulos espanhóis para 1.455 títulos franceses. Nesta época, Garnier se vangloriava de ganhar com seus livros em castelhano mais que todos os editores de Madrid juntos40. Segundo avalia Botrel, “a conjugação de dois fatores – subdesenvolvimento e atração – explica, em parte, a publicação de obras de escritores hispanoamericanos em Paris, que deste modo reforça seu prestígio”.41 Baptiste Luiz Garnier, cuja firma comercial era B. L. Garnier, além de vender os livros franceses que trouxera junto com outras mercadorias, difundia as edições da matriz parisiense e atendia a uma clientela fascinada pela cultura francesa. Passou a oferecer aos autores brasileiros serviços gráficos e editoriais. Mandava imprimir as obras nos estabelecimentos franceses com o selo de sua casa, que tinha endereço duplo, Paris e Rio de Janeiro. Calcula-se que chegou a imprimir 665 obras de autores brasileiros42.

37

Berger, 1984: 56. Hallewell, 1985: 126. 39 Ramos, 1972. 40 Botrel, 1993: 645-6. 41 Idem: 653. 42 Senna, s/d: 29. 38

Segundo o depoimento do próprio, em requerimento dirigido ao governo Imperial, solicitando uma honraria da qual julgava ser merecedor, o livreiro-editor B. L. Garnier afirma que auxiliava [sic] os autores nacionais, “comprando-lhes as edições e fornecendolhes os capitaes para a respectiva impressão”,43 que, podemos supor, eram pagas à Garnier Frères pelos autores. Certamente essa não foi regra geral, porque se conhecem os contratos, draconianos, diga-se, que fez com (dentre outros) José de Alencar e Machado de Assis44, aos quais comprou parte da obra, de forma definitiva. E, refere-se também o editor na mesma petição, que “um serviço real prestou o peticionário fazendo reimprimir os Classicos da língua portuguesa, alguns dos quais já eram raríssimos no mercado” e, isso fez, obviamente, por sua conta e risco. O editor chegou a estabelecer uma tipografia no Rio de Janeiro, em 1873, onde imprimiu edições de sua casa. Já se tinham passado 27 anos do início de suas atividades no Brasil. Chamou-lhe Typographia Franco-Americana, e seu gerente foi Charles Berry, também francês, e durou apenas um ano45. Nos últimos anos de sua vida, lamentava-se por não ter conseguido ficar tão rico como seus irmãos de Paris46. Faleceu em 1o. de outubro de 1893. Ao seu enterro, no cemitério de S. João Batista, compareceram três escritores47, entre eles Machado de Assis, que lhe ofereceu uma oração fúnebre48. Modelou sua imagem póstuma. Seu irmão Hyppolite Garnier, um dos donos da Garnier Frères, assumiu a firma. A partir de 1898, o francês Julien Lansac foi designado para assumir a gerência da livraria no Rio de Janeiro. Ao chegar contratou para auxiliá-lo o jovem livreiro Jacinto Silva, que se transformou na “alma da casa”. O prestígio da Livraria Garnier Irmãos49 na vida cultural, especialmente na vida literária do Rio de Janeiro, alcançou maior relevo a partir de 1901, depois da inauguração do prédio de quatro andares que a empresa fez construir, com projeto de arquitetos 43

In Hallewell, 1985: 125. Lajolo & Zilberman, 1996: 88-95; Bragança, 1997; Bragança, 2000. 45 Berger, 1984: 56. 46 Moraes Filho, 1904: 292. 47 Moraes Filho, 1904: 292. 48 Assis, J. M. Machado de, [1900]: 257-62. 44

franceses, na mesma Rua do Ouvidor. Suas instalações eram amplas, modernas e bem aparelhadas. Os seus umbrais ficaram conhecidos como a “sublime porta” que levava à fama aqueles que conseguiam ser admitidos nalgum dos grupos que ali se reuniam em torno de grandes nomes, como Machado de Assis, Alberto de Oliveira, João Ribeiro e outros50. A Garnier, segundo o escritor João Luso51, ampliava a Academia, e reparava injustiças devidas à sua insuficiência de lugares para tantos que a ela aspiravam. Paralelamente à avalanche de traduções de autores franceses para o português – e espanhol – os interesses da Garnier no mercado ibérico favoreceram a edição de traduções para o espanhol de algumas obras de Machado de Assis. A casa em Paris chegou a editar, também, dois de seus romances em francês, mas impediu, na época, sua publicação em alemão, por outro editor52. Hyppolite Garnier morreu em Paris em 1911 e o gerente da filial brasileira, Julien Lansac regressou à França em 1913. Segundo Hallewell, a direção da empresa pensou em fechar a filial brasileira, mas “acabou enviando para o Rio outro gerente francês, Émile Izard”. Após o fim da Grande Guerra a influência hegemônica da cultura francesa vai passando para os Estados Unidos e isso se refletiu nos negócios estrangeiros dos editores franceses. O fim da Garnier no Brasil acabou acontecendo em 1934, como o mais bemsucedido empreendimento de livreiros-editores estrangeiros no país.

Outros livreiros-editores Embora menos do que impressores-editores, os quais, além de livros e periódicos, tinham também os serviços de tipografia e impressos em geral para oferecer, para garantia de continuidade de seus negócios, surgiram com os novos tempos muitas livrarias, pelo Brasil afora. Dentre elas, destacam-se: em Campos, na província do Rio de Janeiro, a Ao Livro Verde, em 1844, ainda hoje em atividade; no Maranhão, a Livraria Universal, em 1846, e a Livraria Borges, em 1875; em Minas, a Livraria Oliveira Costa, em 1886; em

49 As edições passaram, numa época, a trazer a marca H. Garnier - Livreiro-Editor e depois, simplesmente, Livraria Garnier. Sempre com os endereços da matriz e do Rio. 50 Edmundo, 1957:701 e seg.; Broca, 1975: 40 e seg. 51 citado por Broca, id., ib. 52 Hallewell, 1985: 192-3.

Belém, do Pará, a Livraria Clássica, em 1885; no Recife, a Livraria Contemporânea, em 1888. No Rio de Janeiro podem incluir-se na categoria de livrarias-editoras: a de Serafim José Alves, fundada em 1871, depois dirigida por Jacintho Ribeiro dos Santos; a Livraria dos Irmãos Cruz Coutinho; a Livraria Moderna, de Domingos Magalhães & Cia.; a Livraria do Povo, do livreiro-editor Pedro da Silva Quaresma, de 1879; a Livraria Castilho; a Livraria H. Antunes, que editou livros e folhetos populares, assim como a Livraria João do Rio, de Savério Fittipaldi53. Algumas dessas livrarias-editoras alcançaram longa tradição e contribuíram de forma importante para a nossa história editorial. Desses livreiros-editores, certamente, apenas os Irmãos Cruz Coutinho podem ser considerados estrangeiros, já que estão ligados a empresas editoriais portuguesas. Entretanto, em muitas dessas empresas se irá encontrar imigrantes, especialmente portugueses, que, além de dominarem parte do comércio a varejo, marcam com sua presença quase todas as atividades econômicas no jovem país, ao lado dos já aqui nascidos, aproveitando as oportunidades que uma sociedade capitalista em construção oferece aos homens empreendedores. Mas, nascidos ou não aqui, suas empresas são brasileiras.

O livreiro-editor Francisco Alves Dentre as livrarias-editoras brasileiras do período certamente a mais bem-sucedida foi a Livraria Clássica, empresa fundada em 1854, pelo imigrante português Nicoláo António Alves, minhoto, natural de Cabeceiras de Basto, que havia emigrado para o Brasil, com 11 anos, em 1839. A história dessa casa, que existe até hoje, e é a mais antiga editora em funcionamento no Brasil, pode ser comparada à do livreiro-editor espanhol Victoriano Hernando y Palacios, fundador da Casa Hernando, no ano de 1828, em Madrid, e de seu contemporâneo francês Louis Hachette, que fundou em Paris sua pequena livraria em 1830. Como essas, também a Livraria Clássica começou modestamente com suas atividades

53

Cardoso, 1994; Bragança, 1999: 59-60 e 190.

voltadas para o atendimento do mercado escolar e veio a tornar-se uma das maiores editoras do país. O crescimento da livraria fundada na Rua dos Latoeiros, chamada depois de Gonçalves Dias, insere-se nas transformações sócio-econômicas desencadeadas no Império, especialmente no Rio de Janeiro, com o fim do tráfico negreiro, em 1850. Durante toda a segunda metade do século XIX houve grandes investimentos nos transportes e nas comunicações, ampliação da estrutura mercantil e bancária, crescimento das camadas médias da sociedade e desenvolvimento do mercado interno. Paralelamente desenvolveu-se uma imprensa combativa e criaram-se novas instituições escolares, tudo isso se refletindo, finalmente, num aumento do público leitor e do mercado para o livro. Mais ainda, foi importante nesse período a formação de uma mentalidade empresarial moderna, que paulatinamente impregnou as práticas comerciais, exigindo maior dinamismo e deixando para trás os tempos em que o sistema de privilégios e bons relacionamentos com autoridades contavam mais que visão e empenho empresarial, e comendas e honrarias valiam mais que lucros. Francisco Alves de Oliveira, sobrinho de Nicoláo Alves, chegou de Portugal com 14 anos, em 1863. Foi um dos milhares de emigrantes jovens alfabetizados que partiram na época para o Brasil com o objetivo de fazer carreira numa economia de maior dimensão e dinamismo, onde sabiam existir muito mais oportunidades para trabalhar por conta própria ou para exercer uma vocação empresarial54. Vinha com carta de chamada do tio e foi trabalhar na Livraria Clássica, paralelamente aos estudos no Colégio Vitório55. Após alguns anos, e depois de ter trabalhado como caixeiro em outra casa comercial, estabeleceu-se por conta própria com o negócio de livraria, na Rua São José, no centro do Rio. Após três anos de uma experiência bem-sucedida, tendo conseguido acumular algum dinheiro, regressou a Portugal. Em 1876, Nicoláo Alves decidiu chamá-lo novamente, para trabalhar na Clássica, agora como sócio. Francisco atendeu a seu pedido e voltou ao Brasil, disposto a ficar definitivamente. Logo depois de chegar ao Rio de Janeiro pediu, e lhe foi concedida, 54 55

Leite, 2000: 187. Abreu, 1977: 58/9.

cidadania brasileira. Passados seis anos, em 1882, o fundador, adoentado, decidiu afastarse da empresa, entregando a direção a seu sobrinho. Em 1897 Francisco Alves compra a parte de seu tio e se torna o único dono da casa. A segunda metade do século XIX, além de ter sido um período de grande desenvolvimento das forças produtivas no mundo e também no Brasil, as lutas políticoideológicas, especialmente, em favor da Abolição da escravatura e pela República, criaram um ambiente muito favorável à ampliação do público leitor. Na República, com uma sólida posição conquistada no país, com filial em São Paulo, tendo já adquirido e incorporado várias empresas concorrentes no Brasil, Francisco Alves expandiu seus negócios para a Europa, onde já mandava imprimir muitas de suas edições e de onde fazia grandes importações para suas lojas. Em 1902 admitiu como sócio minoritário o seu auxiliar, engenheiro Manuel Pacheco Leão, filho de Teófilo das Neves Leão, um velho professor e amigo. Em 1907 fez uma sociedade com Júlio Monteiro Aillaud e passou a controlar a livraria e tipografia Aillaud, de Paris, e, tendo o mesmo Aillaud como associado, adquiriu em 1908 a Livraria Bertrand, de Lisboa. Individualmente já havia adquirido em Portugal as empresas “Biblioteca de Instrução Profissional” e a “A Editora”, esta sucessora da casa David Corazzi, todas de grande importância no mercado de língua portuguesa. Foi assim, certamente, o primeiro editor brasileiro a incorporar a seus negócios, com sede no Rio de Janeiro, livrarias-editoras da França e de Portugal, invertendo o percurso dos seus contemporâneos europeus, como os Garnier. Em 1910 abriu filial em Belo Horizonte, na nova capital do Estado de Minas Gerais. Além das filiais, Francisco Alves credenciou livrarias-papelarias como depositárias em várias cidades brasileiras. Como a Hachette, a Nacional e a Ática, Francisco Alves não se restringiu à edição escolar. Além de um extenso e variado catálogo de livros técnicos, jurídicos etc. fez edições literárias de grandes autores contemporâneos brasileiros, como Olavo Bilac, Raul Pompéia e Euclydes da Cunha, e de estrangeiros, como Edmond de Amicis e Carlos Malheiro Dias. Sua atuação como editor literário, embora sem a importância que teve como editor escolar, foi fundamental para lançar as bases de uma nova relação com os autores e na

consolidação da profissão do escritor no Brasil56. Ele, contrariamente ao que era habitual entre os editores de seu tempo, estabelecia contratos com os autores, em que o interesse destes era respeitado, reconhecendo-lhes o valor de seu trabalho, remunerando-os dignamente57, mesmo para os padrões atuais, além de cumprir de forma irrepreensível e pontual os seus compromissos. Sua importância em nossa história editorial, faz dele o paradigma de livreiro-editor em nosso país. Francisco Alves lançou as bases modernas da edição escolar no Brasil. Fez fortuna, e chegou a ser conhecido como o “Rei do Livro”, mas a morte levou-o antes de completar 69 anos. Sem filhos, deixou seu vultoso patrimônio, em testamento, para a Academia Brasileira de Letras, uma instituição que congregava alguns dos autores da casa, e que vivia em constantes dificuldades financeiras. Exigiu apenas, que esta promovesse a cada cinco anos dois concursos, um para premiar os melhores trabalhos sobre a difusão da língua portuguesa e outro premiando os melhores trabalhos sobre a melhoria do ensino escolar. Livraria Clássica, depois Livraria Alves e, finalmente, Livraria Francisco Alves, a casa desenvolveu-se, alcançando o topo no universo editorial brasileiro. Paulo de Azevedo, o auxiliar que o sucedeu na direção da casa, seguiu-lhe os passos com muito êxito.

O editor, simplesmente O editor que, no Brasil, primeiro se destacou na figura do editor independente, desvinculado da tipografia e da livraria, e, por isso, se tornou paradigmático, foi, sem dúvida, o jornalista, advogado e escritor Monteiro Lobato. Sem nunca ter tido experiência no ramo editorial, Lobato resolveu investir o dinheiro de uma herança na compra, em 1918, da Revista do Brasil, de São Paulo, que havia sido fundada três anos antes pelo jornalista Júlio de Mesquita e um grupo de colaboradores.

56

Bragança, 2000. Em carta dirigida a um amigo, o historiador português João Lúcio de Azevedo, Capistrano de Abreu afirma: “ainda não houve no Brasil quem desse tanto dinheiro aos autores”. Carta de 2.07.1917.

57

Já em seguida Monteiro Lobato confidencia a um amigo esperar que “desta brincadeira da Revista do Brasil me saia uma boa casa editora”58. Publica o seu livro de contos Urupês, iniciando uma série de lançamentos, com alguns grandes sucessos editoriais (especialmente de livros de sua autoria). Publicitário nato, conforme afirma Cassiano Nunes59, Monteiro Lobato começa a utilizar, da forma mais ampla possível, a imprensa, em anúncios e divulgação, para atingir um público leitor que se amplia nas cidades, inclusive nas do interior. Em carta a Godofredo Rangel, afirma “o nosso sistema não é de esperar que o leitor venha, vamos onde ele está, como o caçador. Perseguimos a caça. Fazemos o livro cair no nariz de todos os possíveis leitores dessa terra. Não nos limitamos às capitais, como os velhos editores. Afundamos em quanta biboca existe”60. Para isso, e aproveitando-se do sistema habitualmente usado pela imprensa periódica (e também por editores europeus de livros) começa a formar uma rede de consignatários por todo o Brasil. O escritor Leo Vaz, auxiliar de Lobato na Revista, sobre esse processo, afirmou: “A primitiva rede de livrarias consignatárias foi aumentando e completando-se, até que já dificilmente haveria no Brasil uma freguesia ou povoado, onde houvesse dois ou três sujeitos capazes de adquirir e ler livros, aonde não chegasse pelo menos um pacote mensalmente com exemplares das edições da Revista do Brasil. Dessa forma, por menos que uma obra apresentasse ou prometesse possibilidades de êxito como matéria de leitura, entretenimento ou informação, à sua tiragem inicial já se oferecia larga chance de absorção, pois raras seriam as localidades onde para dois volumes não se deparassem outros tantos possíveis leitores e adquirentes”. Segundo Leo Vaz, esse foi “o grande feito que Monteiro Lobato displicentemente realizou, ensinando, amador e leigo no ofício, o segredo da eficiência e do êxito no campo editorial”.61

58

Koshiyama, Alice Mitika. Monteiro Lobato, intelectual, empresário, editor. S. Paulo: T. A. Queiroz, 1982. P. 68; Azevedo et al. Monteiro Lobato, Furacão na Botocúndia. S. Paulo: Ed. Senac São Paulo, 1997. P. 122. 59 Nunes, Cassiano. Monteiro Lobato, o editor do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. P. 14. 60 Cit. em: Luca, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. S. Paulo: Ed. Unesp, 1999. P. 69. 61 Vaz, Leo. Páginas vadias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. P. 80.

Em entrevista concedida à revista Leitura62, Monteiro Lobato explicou o que podemos considerar a sua idéia “revolucionária” no campo editorial, e que ele próprio chamou de “a Grande Idéia”. Diferentemente de Francisco Alves, cujas edições tinham um mercado regulado pelas regras do consumo do livro didático, que garantiam, às boas edições, uma demanda mais ou menos cativa, atendida prontamente em suas filiais ou representantes, Monteiro Lobato entendia que não sendo o livro [que editava] “gênero de primeira necessidade” era preciso “ser posto debaixo do nariz do freguês, para provocar-lhe a gulodice”63. E a “Grande Idéia” veio em forma de uma circular que enviou a uns mil e trezentos negociantes, cujos endereços obteve “com algum esforço”. Nessa circular o editor propunha aos destinatários a venda “duma coisa chamada ‘livro’, que eles receberiam em consignação”. Os livros não vendidos seriam devolvidos e os demais pagos com 30% de abatimento, a título de comissão. Com essa proposta a editora de Monteiro Lobato, afirma, ampliou o número de (re)vendedores de “40 ou 50” para 1300. Naquele momento, sem dúvida, Lobato estava, mesmo sem se dar conta, fazendo o que os novos editores franceses, de quase um século antes haviam começado a fazer. Também desvinculados de gráficas e livrarias, sua preocupação maior era divulgar suas publicações numa outra escala, mais ampla do que a dos livreiros-editores, abrindo novos mercados, buscando novos públicos64. Monteiro Lobato afirmou, mais tarde, que “editar é fazer psicologia comercial”, mas isso não o afastava da utopia de “despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo”65. A falta de tradição letrada, o baixo índice de alfabetização e uma classe média que apenas lentamente se ia engrossando com a urbanização ainda impunham grandes limitações ao mercado brasileiro. E o empreendimento de Monteiro Lobato iniciado com a compra da Revista do Brasil, mesmo bem-sucedido, era frágil. Diante de dificuldades imprevistas, soçobrou.

62

Incluída em Lobato, J. B. Monteiro. Prefácios e entrevistas. S. Paulo: Brasiliense, 1959. P. 253. Vaz, op. cit. P. 84. 64 Blasselle, Bruno. Histoire du livre, II - Le triomphe de l’edition. Paris: Galimard, 1998. P. 37 65 Azevedo et al., op. cit. Pp. 102 e 201. 63

A seguir, Monteiro Lobato e seu sócio Octalles Marcondes Ferreira tentaram de novo o mercado do livro, mas aí voltados fundamentalmente para o livro didático66. Em 1925 criaram a Companhia Editora Nacional, da qual Lobato foi levado posteriormente a afastar-se. Após alguns anos, a Nacional iria ocupar a liderança que pertenceu durante décadas à editora de Francisco Alves. Monteiro Lobato tornou-se uma figura exemplar de editor “ilustrado” 67 no Brasil. Outros seguiram-lhe os passos. Para só lembrar os mais próximos, Ênio Silveira e Caio Graco Prado, que dirigindo, respectivamente, as editoras Civilização Brasileira e Brasiliense, levaram a figura do editor moderno, no Brasil, a seu ápice.

Conclusão As inovações tecnológicas, as transformações na economia e na cultura que se operam na sociedade, a partir de meados do século XX, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, configuram um outro e diferente contexto para a função editorial, no qual surgem novos agentes e relações, que tendem à hegemonia, embora, como anteriormente, coexistam, em nova configuração, com os tipos anteriores. É possível afirmar-se que o processo de fusões do capital industrial com o financeiro vai criando, com associações entre empresas nacionais e internacionais, de tecnologias de comunicação de massa e da indústria do entretenimento, novas condições de trabalho para o editor e a empresa editorial. Nessa realidade a figura do editor deixa de ser o eixo do negócio editorial. Cada vez mais em seu lugar se encontram executivos, que pouco ou nada têm do perfil específico do editor, e onde, na maioria das vezes também, sua atuação é enquadrada nos limites de uma estratégia empresarial previamente definida, que visa primordialmente a maximizar a rentabilidade do capital acionário.

66

Mesmo antes de criar a Companhia Editora Nacional, Monteiro Lobato decidira “imitar o tão bemsucedido Francisco Alves, privilegiando a produção da mercadoria didática”, cf. Koshiyama, op. cit. P. 87 67 Bragança, 1992, pp. 220-234.

Essas transformações no mundo da edição se refletem fortemente no Brasil após 197068.

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