Uma introdução à objetividade histórica em Jörn Rüsen

June 7, 2017 | Autor: Krisley Oliveira | Categoria: History, Narrative, Geschichte, Teoria da História, Metodologias de Pesquisa, Jörn Rüsen
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Universidade Federal de Goiás Krisley Aparecida de Oliveira

Uma introdução à objetividade histórica em Jörn Rüsen

Goiânia 2015

Krisley Aparecida de Oliveira

Uma introdução à objetividade histórica em Jörn Rüsen

Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História pela Universidade Federal de Goiás, sob orientação do Prof. Drº Luiz Sérgio Duarte da Silva.

Goiânia 2015

Eles sabem...

AGRADECIMENTOS Este é um momento de extrema felicidade e, ao mesmo tempo muito difícil, pois trago no peito o medo de deixar de mencionar alguém por descuido. Portanto dividirei esse “epitáfio” em quatro partes, primeiro o apoio familiar, depois os amigos que sempre estiveram ao lado, em terceiro, a parte acadêmica, e por fim, aos meus heróis. Primeiramente, esse trabalho não existiria se não fossem meus pais, logo, os agradeço de forma inenarrável, não apenas por me incentivar a estudar, mas por ser quem são, os exemplos maiores de sabedoria que já tive. Agradeço imensamente aos meus tios e tias, pelo apoio e palavras amigas de motivação. Agradeço aos meus vários primos (as), que por serem todos mais velhos que eu, sempre me mostraram os caminhos da vida, alguns meios tortos às vezes, mas sempre de grande valia. Em especial a minha prima Aline, que apesar de caminhos totalmente opostos terem sido tomados, foi quem ajudou a brotar na criança que fui, o desejo por estudar e ir além. E também a minha prima Léia, que mesmo hoje estando longe, sempre esteve por perto. Agradeço a irmã que tive o privilégio, honra e alegria de poder escolher, Ana Caroline (Inha Inha), obrigado por estar presente em minha infância e me ajudar em uma nova vida, que foi minha ida à Goiânia, sempre suportando minhas crises e mau humor, obrigado pelas cervejas e momentos de atenção. Nesse momento, agradeço a todos os companheiros de vida, amigos que hoje, possivelmente eu não reconheça na rua, mas, que trago a imagem de criança visível e clara. Tamara, minha amiga de infância, de escola, e de “malandragem”, muito obrigada. Agradeço aos colegas da época de Ensino Médio, que fizeram de meus dias e noites, momentos de descontração. Aos amigos do Rock And Roll, das procuras de noites com bom som nas “Abóboras”, sem vocês eu viveria triste, Júlia, Nayhelle, Rodolfo, Kiko e Carlucio. Aos meus amigos de Goiânia, bons amigos, sem vocês com certeza eu não teria conseguido, Nalda, Bruno, Giivago, Jullyana, agradeço às cervejas e congressos. Em especial, Sarah, obrigada por sempre ser sincera e me dar força nos momentos mais difíceis, até mesmo os que você nem sabe, mas me ajudou e ajuda demais. Natália, obrigado por me fazer companhia nesse pseudo existencialismo que gostamos de gerir em nossa volta e pelas tantas cervejas. Juh, obrigada por me ensinar a ser mais aberta a Literatura que não é clássica e a superar momentos. Néia, obrigada por estar sempre lá, me ouvindo, me fazendo rir, engordar, chorar e beber mais, em nome de um ser social, sei o quão dura é a convivência comigo, acredite, você é inigualável.

De forma acadêmica, devo começar a agradecer desde os professores da Maria Brígida, que me consolavam na escola quando eu chorava por não querer ficar lá, até os professores do OPC que me consolaram na escola quando eu chorei por não querer sair de lá. Vocês foram os melhores exemplos de pessoa que um aluno podia ter. Por isso decidi ser professora, como vocês. Agradeço ao meu (des)Orientador Luiz Sérgio, vulgo Serginho, sem suas aulas no boteco, seus devaneios, indicações e conselhos, esse trabalho não teria acontecido, obrigado por ser mais que um professor que me orientou academicamente, obrigado por a cada dia renovar meu desejo e gosto pela História, são professores como você que devemos seguir o exemplo. Agradeço ao professor Ulisses, que de bom grado auxiliou-me e deu ideais e importantes conselhos para a redação do trabalho, sendo sempre um criterioso avaliador, sem suas contribuições, a realização desse trabalho não teria acontecido. Agradeço imensamente aos professos da Faculdade de História da UFG, suas aulas mudaram a minha vida. Em especial a professora Armênia, que me deu “uns tapas” e disse: “Vai menina, vai pesquisar que tá na hora”, e logo em seguida estendeu a mão em sinal de vou com você, e, sempre que precisei foi extremamente solicita, e ao professor Rafael Saddi, por me ensinar que a história é feita com os pés. Agradeço em especial, não somente de forma acadêmica, ao meu primo Makchwell, que sempre me ajudou e incentivou a crescer, e continua o fazendo até hoje, sendo para mim um referencial. Por fim, devo agradecer a todos os maus professores que já tive, com vocês aprendi o que não quero ser e não devo fazer, e, aos grandes Mestres que já tive o privilégio de conhecer, se um dia eu for metade do que vocês são, serei um ser humano realizado. Essa última parte é dedicada aos aspectos de minha vida extremamente ligados a esse trabalho. Agradeço aos grandes autores que me causaram a utopia e transtorno literário de pagar para ver o que era a História, não poderia e tampouco aqui caberia, todos eles, mas, citarei os meus favoritos, que entre uma leitura e outra, entre uma ideia do que escrever e outra, entre apagar algumas páginas e outras, ao longo da pesquisa e escrita desse trabalho, sempre estiveram próximos, Dostoiévski e Bukowski, obrigadão, em meio às minhas “Memórias de Subsolo” aprendi que a vida é um “Misto-quente”. Aos grandes ídolos Belchior e Raul Seixas, meu sincero muitíssimo obrigado por alegrar meus dias com suas sensacionais músicas e manter esse “Coração Selvagem” sempre sendo uma “Metamorfose Ambulante”.

RESUMO

A investigação, explicitação e interpretação de princípios comuns aos estudos históricos em todas as suas variações é de suma importância para tentarmos compreender a História e a tarefa do historiador. E, para fazer tal análise devemos ir para além das relações “préestabelecidas”, e analisar a constituição de sentidos. Segundo Jörn Rüsen o pensamento histórico salienta a relação entre tempo, história e sentido. Pensar historicamente é abrir possibilidade para conceber com outra dimensão cultural o mundo natural. Certa parte da temporalidade que é inerente aos processos do dia-a-dia, no que diz respeito a tomar decisões, é trazida a conhecimento por meio do pensamento histórico, e esse procedimento amplia significativamente a orientação que a cultura disponibiliza ao agir e sofrer do homem. Com isso iremos lançar mão de uma análise de como Rüsen estabelece a

objetividade nas ciências históricas, debatendo temas muito importantes para a construção do conhecimento histórico, tais quais, a verdade, o método e a objetividade. Tentaremos salientar que a verdade histórica não é o mesmo que a objetividade histórica, e que, somente utilizando-se de métodos de racionalização histórica, é que, o historiador poderá alcançar a tal objetividade.

PALAVRAS-CHAVE: Narrativa; Ciências Históricas; Jörn Rüsen; Objetividade; Método.

Sumário Introdução ........................................................................................................................8 Capítulo I: A objetividade das ciências históricas ......................................................10 1.1 – Racionalização modernizadora........................................................................11 1.2 – Verdade x Objetividade ...................................................................................14 1.2.1 – Verdade histórica...............................................................................................14 1.2.2 – Objetividade histórica .......................................................................................17 Capítulo II: As operações da história ..........................................................................22 2.1 – Perspectivas de interpretação histórica .........................................................23 2.2 – Métodos de pesquisa empírica ........................................................................26 2.3 – Operações processuais .....................................................................................28 2.3.1 – Heurística ..........................................................................................................29 2.3.2 – Crítica .................................................................................................................31 2.3.3 – Interpretação ......................................................................................................33 2.4 – Operações substanciais ....................................................................................35 2.4.1 – Hermenêutica .....................................................................................................35 2.4.2 – Analítica..............................................................................................................37 2.4.3 – Dialética ..............................................................................................................39

Considerações finais ......................................................................................................41 Referências Bibliográficas: ...........................................................................................44

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INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo, de forma inicial e introdutória explorar os aspectos que levam a constituição da cientificidade histórica, tendo como principal referencial teórico Jörn Rüsen, teremos como um dos pontos fundamentais, tentar estabelecer como, para Rüsen, é vista a questão da objetividade histórica. Rüsen é um historiador e filósofo alemão. Seus textos e investigações abarcam, sobretudo, os campos da teoria e metodologia da história, da história da historiografia e da metodologia

do

ensino

de

história.

Ele

estudou história, filosofia, literatura e pedagogia na Universidade de Colônia, onde fez também seu doutorado no ano de 1966, apresentando um trabalho acerca da teoria da história do intelectual oitocentista Johann Gustav Droysen. De 1974 a 1989, foi professor na Universidade de Bochum. Em 1989, foi para a Universidade de Bielefeld, um importante e destacado polo de pesquisas históricas na Alemanha da segunda metade do século XX. Em 1997, Rüsen transferiu-se para a Universidade de Witten, à qual se encontra vinculado até o presente momento. Para desenvolver essa pesquisa utilizaremos como fonte bibliográfica, principalmente, sua coleção “Teoria da História”, que se baseia em três volumes, cada qual apresentando de forma sistemática determinados aspectos do processo de escrita da história. O primeiro livro é “Razão Histórica: os fundamentos da ciência histórica, 2010” (Historische Vernunft: Grundzüge einer Historik I: Die Grundlagen der Geschichtswissenschaft, 1983), esse é o livro introdutório onde Rüsen trata de investigar a fundamentação do conhecimento histórico científico e as pretensões de racionalidade do pensamento histórico na ciência histórica, a abordagem do livro referese à relação da ciência histórica com a vida humana prática, onde podemos ver o trato que o historiador dá a grandes temas, como por exemplo: os pressupostos existenciais da história como ciência; a tarefa e função de uma teoria da história; as especificidades da forma de pensar e os critérios de cientificidade do pensamento histórico, dentre outros. O segundo livro da coleção é “Reconstrução do Passado: os princípios da pesquisa histórica, 2010” (Rekonstruktion der Vergangenheit. Grundzüge einer Historik II: Die Prinzipien der historischen Forschung, 1986), onde o mesmo trata dos princípios da pesquisa histórica, ou seja, ele examina o que constitui a história como ciência, apontando na teoria e no método os dois fatores mais importantes para a pesquisa, explicitando que a apresentação das estruturas e das funções das teorias na história,

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esclarecem a precisão da elaboração teórica na ciência da história e de sua utilização. O terceiro e último livro de sua trilogia, é o “História Viva: formas e funções do conhecimento histórico, 2010” (Lebendige Geschichte. Grundzüge einer Historik III: Formen und Funktionen Wissens, 1989), onde ele apresenta as formas e funções do conhecimento histórico, partindo da ideia de que todo trabalho de um historiador passa sempre por determinada forma de apresentação, e que, cada uma dessas formas está em determinado contexto prático, e são nessas apresentações formadas e em suas funções na vida social e cultural dentro de seu determinado tempo que o saber histórico vive. A escolha dessa coleção para a efetivação dessa pesquisa dá-se pelo fato de tentar sanar, assim como Rüsen, os questionamentos que tangem o que faz o historiador quando está a fazer história. E essa é uma questão que está longe de ser simples, tentar chegar a resultados plausíveis e satisfatórios nos implica a direcionar nosso olhar para uma infinidade de teorias e práticas intelectuais muito diferentes, cujo cerne comum na maioria das vezes é apenas fazer parte de uma mesma comunidade acadêmica, que é a dos historiadores profissionais, e responder a tais questões levantadas ao longo desse processo, leva a assumir posições epistemológicas e normativas particulares e controversas. E é isso que fez com que Rüsen apresentasse sua teoria da ciência histórica como apenas uma teoria, e não a teoria definitiva e absoluta que tange todo o processo do pensamento histórico. No entanto, o fato do mesmo não apresentar uma teoria unívoca a ser seguida, sem sombra de dúvidas configura uma excelente resposta. Portanto utilizar e familiarizar-se com a obra de Rüsen significa entrar em contato com uma referência privilegiada para a compreensão geral da natureza, da significação e das funções da ciência histórica. Dividiremos a redação desse trabalho em duas partes, na primeira, tentaremos, de forma introdutória apresentar como Rüsen estabelece a importância da objetividade na história, tentando salientar a relação da mesma com a questão da verdade histórica, e, na segunda parte, apontaremos os processos de metodização da pesquisa histórica apresentados por Rüsen (apresentados, e, não criados de forma totalitária), pois, pensamos que, é a partir desse processo de regulamentação, que o historiador pode alcançar a objetividade histórica.

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CAPÍTULO I A OBJETIVIDADE NAS CIÊNCIAS HISTÓRICAS O passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa. Marc Bloch

Para dar início a nosso trabalho, nesse primeiro capítulo, iremos tratar da questão da cientificidade histórica, tendo em vista que acreditamos nela, como um meio da história tentar firmar-se enquanto ciência. Portanto, nesse momento inicial, entendemos a história como um campo de aplicação do conhecimento histórico, ou seja, a história sendo entendida como o objeto próprio do pensamento histórico. Para Jörn Rüsen a história enquanto ciência deve ser vista como uma realização particular do pensamento histórico que está inserido em fundamentos da vida corrente. O agir é um modo corriqueiro na vida humana, o homem está em um ininterrupto processo de interpretação do mundo e de si. E, para dar sentido a todas as significações do homem no mundo, é necessário que façamos uso da narrativa, no entanto, quando pensamos na objetividade dessa narrativa, bem como na objetividade histórica, temos um problema de contrariedade entre ambos. Quando nos atemos à categoria da narrativa1 fazemos uma associação da mesma à literatura, ou seja, é a proclamação do caráter literário da historiografia e os princípios linguísticos e procedimentos que constituem a “história” como uma representação do passado, cheia de sentido e significado, com o que diz respeito às práticas culturais da memória histórica. A objetividade2 de outra forma é a categoria que declara determinado tipo de conhecimento histórico, obtido através do procedimento de pesquisa regulado metodicamente, e ao apresentar isso de forma sólida, situa essa objetividade acima do campo de opinião arbitrária. 1

Entendemos a narrativa como a ferramenta final do historiador, após todo o processo de pesquisas regulamentadas de forma racional, o historiador, por meio da narrativa, apresenta seus resultados. 2

Entendemos a objetividade histórica como uma forma de pretensão de verdade, que está relacionada de forma íntima com a racionalização do pensamento histórico e com seu caráter acadêmico.

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Os princípios do pensamento histórico e da historiografia, como o que tratamos aqui, a objetividade e a narratividade podem ser organizados historicamente, de acordo com o discurso pré-moderno e o discurso moderno, é o que veremos mais a frente. Conforme nos fala Luiz Sérgio Duarte da Silva (2000), a consciência da modernidade se radicaliza, opondo-se a tradição3.

Sabe-se, no entanto, que esse

movimento pode ser reconstruído, e é paralelo a afirmação de consciência histórica no séc. XIX. O estudo do passado enquanto atividade científica constitui o historicismo4 como matriz disciplinar. Entre varias características, sobressaía o clamor de uma forma de interpretação específica para o tratamento dos fenômenos culturais, podemos constatar isso com Silva: “A compreensão do sentido da ação possibilitada pela compreensão da motivação valorativamente orientada, ou seja, simbolicamente, comunicativamente.” (2000, p. 146), e além desse clamor, o método crítico de pesquisa das fontes, ou seja, as operações processuais da heurística crítica e hermenêutica, que será o tema de nosso segundo capítulo. 1.1 Racionalização modernizadora Os princípios do pensamento histórico e da historiografia, como a objetividade e a narratividade podem ser organizados, historicamente, de acordo com Rüsen (1996), de acordo com as seguintes justaposições: o que diz respeito à tradição pré-moderna da retórica, o ofício dos historiadores era discutido e entendido como uma prática literária de narração, seguindo orientações de pretensões de verdade. No que Rüsen nos informa quanto ao processo da racionalização modernizadora, que fez da história uma disciplina acadêmica, essas pretensões de verdade foram elaboradas sob a estrutura de regras que fazem da investigação histórica, uma garantia de objetividade. E, esse é o ponto que trataremos ao demonstrar no próximo capítulo as operações processuais e substanciais da história, pois, temos em mente que, somente com esse exercício metódico e racional, o historiador poderá chegar à objetividade. 3

Entendemos aqui, a tradição da forma mais simplória possível, a que faz menção àquilo que é contínuo ou permanente; visão de mundo, costumes e valores de determinado grupo ou local. 4

Entendemos o historicismo como algo oriundo de uma concepção moderna de temporalidade, onde os eventos tem lugar não somente na história, mas também através dela.

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Tendo em vista que aqui, entendemos que a objetividade significava a validade geral do conhecimento histórico, tendo como base a relação com a experiência do passado e na racionalidade do tratamento cognitivo dessa experiência, assim como Rüsen, podemos ver diferenças entre o discurso pós-moderno e o pré-moderno (deixamos claro que nosso objetivo não é fazer uma discussão acerca desses dois elementos, mas sim, como na visão de Rüsen, os mesmos influenciaram na questão narrativista). No que tange o discurso pós-moderno, podemos perceber que havia uma crítica à atitude da validade geral do conhecimento histórico como uma falsa consciência, escamoteadora de processos linguísticos da narração que constituem a natureza distintiva da história, como um construto mental de representação do passado para finalidades culturais da vida atual. Já no que nos remetemos ao discurso pré-moderno, enfatizava a conexão entre os historiadores e seu público. Era retido nos princípios morais que faziam do passado algo importante para o presente e, dessa forma, amoldava sua representação em uma mensagem moral, pronta para habilitar seus interlocutores a entender e a operar as regras da vida humana. Referente ao discurso moderno entende-se que o mesmo criticou a atitude moralista da história e ressaltou a relação entre os historiadores e a experiência do passado, dada no material das fontes. A meta-história5 explicou, pela racionalidade do método, a competência dos historiadores profissionais em proclamar a experiência histórica.

Com a consagração da pesquisa histórica enquanto uma disciplina acadêmica e com sua pretensão de estabelecer padrões de cientificidade para o conhecimento histórico, a meta-história ganhou uma função dupla: ela deve legitimar o caráter acadêmico da profissão do historiador tanto pelo destaque da especificidade dessa

5 Para nós, meta-história é o discernimento de algumas etapas sem as quais o trabalho do historiador torna-se indescritível, podemos de forma sucinta organizá-las como: (1) a percepção das crises de orientação social e culturalmente localizadas; tendo em vista que este domínio pode ser trabalhado a partir de temas e conceitos como memória, esquecimento, tradição, crise; (2) elaboração de ideias capazes de refletir e pensar acerca de sujeitos históricos; trata-se de um campo cujos textos pertencem às ditas “filosofias da história”; (3) fundamentação do método de um conhecimento fiável e verificável; este é o que entendemos que é frequentemente chamado de “teoria da história”, ou até mesmo “metodologia da história”; (4) estratégias de apresentação e construção do discurso; nessa parte podemos encontrar os debates de história da historiografia e teoria da historiografia; (5) formas de construir a identidade a partir da comunicação e ensino do conhecimento metodicamente elaborado e formalmente narrado; nesse campo, pensamos que o mais comum é encontramos estudos sobre didática da história.

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disciplina, que faz sua distinção das demais, sobretudo das ciências naturais, quanto pela ênfase na natureza “científica” do conhecimento histórico produzido pela pesquisa. Vejamos o texto da professora Sônia Lacerda: A história, como disciplina, constitui-se com vistas ao atendimento de um ideal de ciência; talvez seja mais certo dizer com vistas à condição de conhecimento positivo, tendo em conta o quase geral reconhecimento, desde cedo, com sua incompatibilidade com o modelo de ciência fixado pelas ciências que estudam o mundo físico.” (1994, p. 31)

No entanto podemos perceber, também como lembra o professor Luis Costa Lima (1989), que esse modelo de ciência utilizado pelas ciências exatas e biológicas vem sendo questionado. Podemos de forma superficial, tomar como exemplo, a ciência matemática nos evidenciar a certeza de que o valor de PI (que é uma proporção numérica que tem origem na relação entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro) é aproximadamente 3,14. Tendo em vista que o mesmo pertence aos números irracionais e transcendentes, desde a antiguidade diversas aproximações e métodos de cálculo para o mesmo, envolvendo séries infinitas de divisões, somas e multiplicações, vêm sendo desenvolvidas, e, no entanto, sempre há atualizações, tanto quanto ao valor, supostamente final, quanto à forma de chegar-se a esse valor. Sendo assim, como creditar uma ciência que tenha exatidão plena? Na ciência da história, as funções de orientação abrem possibilidades de construção e consolidação histórica de identidade, uma vez que orientam intelectualmente o agir a partir da recepção das narrativas históricas. Ou seja, entendemos, em Rüsen, que o uso prático do saber histórico é efetivamente resgatado enquanto reflexão da teoria da história. Para agirem e sofrerem de acordo com intenções formadas a partir das representações que cultivam acerca da natureza e do mundo social, os seres humanos sempre estão diante de carências existenciais de orientação cultural. Para Rüsen, o pensamento histórico surge precisamente em resposta a essas carências. (ASSIS, 2010, p. 15)

Costa Lima (1989), tratando do caso da narrativa, tema ao qual abordaremos de forma mais contempladora um pouco mais adiante, ao fazer uso de Isaiah Berlin, remetendo-se aos métodos Inglês e Americano (nesse caso fazendo menção à Hayden White, e suas críticas à história, e, “compilamento” da mesma em narrativa), remete que se fosse ser encaixada no modelo de ciência vigente, a história não seria então ciência,

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e, seria então nesse contexto, e em nenhum outro, que as teses narrativistas iriam prosperar. (p. 42). 1.2 Verdade x Objetividade Devemos tentar explicitar as diferenças entre verdade e objetividade histórica, tendo em vista que, sabemos que essas diferenças são essenciais para o trabalho historiográfico. De acordo com Rüsen a pesquisa histórica é o momento de produção do conhecimento histórico no qual as informações contidas nas fontes são processadas, sendo assim, induz-se a concretização e a modificação das perspectivas diretoras da interpretação, que será o objeto de análise de nosso próximo capítulo, para tentar sustentar a ideia de que a objetividade histórica só poderá ser atingida mediante ao processo metódico de pesquisa. Conforme podemos ver com Rüsen (2009) durante a maior parte do tempo de seu desenvolvimento nos tempos modernos, os estudos da história tendem a refletir sobre sua própria dimensão cognitiva, principalmente no nível da meta-história. Eles estavam apreensivos em busca de legitimar seu estatuto “científico” e suas reivindicações por verdade e objetividade para também compartilhar o prestígio da “ciência” como a forma mais convincente e verdadeira na qual a cognição e o conhecimento podem servir a vida humana. Isso tem sido feito de forma ampla e variada, e com diferentes conceituações desse “caráter científico”. Na maioria das vezes, parte dessas manifestações dos estudos históricos irá reivindicar certa autonomia epistemológica e metodológica no que diz respeito às disciplinas acadêmicas. 1.2.1

Verdade

De acordo com Rüsen, a objetividade é um critério de validade que torna a historiografia e o pensamento histórico plausíveis, ou seja, uma certa forma de pretensão de verdade, que está ligada de forma íntima com a racionalização do pensamento histórico e com seu caráter acadêmico, para não dizer científico. Com isso percebemos que a verdade sempre foi o compromisso da historiografia, no que diz respeito à tradição retórica pré-moderna da meta-história, a verdade era concebida e prescrita aos historiadores como uma atitude que devia seguir a moral de historiógrafos e como um princípio retórico de sua historiografia.

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Sendo assim, a mesma estava direcionada contra os preconceitos e as deformações das perspectivas históricas devidas à parcialidade unilateral saindo em benefício de uma facção ou de um ator no passado apresentado, além de estar de forma igual voltada contra o uso de elementos ficcionais na apresentação do passado. Contar a verdade acerca do passado era imaginado e visto principalmente como uma simples deliberação dos historiógrafos em fazê-lo. Os limites da interpretação eram estabelecidos pelas regras morais como diretrizes tanto para o trabalho historiográfico como para o entendimento do que passou, aplicando o conhecimento assim obtido às situações quotidianas atuais da vida humana e a suas perspectivas de futuro. Todos aqueles que ressaltam a intencionalidade de uma busca da verdade no que diz respeito à narrativa (produto final da história, resultado do processo metódico de racionalização sobre o conteúdo histórico) histórica, a questão a ser colocada é que, cada um tem uma concepção de verdade própria, inclusive aqueles que defendem que a narrativa histórica é a mesma que a ficcional, transformando assim a História em um ramo da literatura, portanto, cabe aqui o argumento de Cushing Strout (1992) de que o historiador tem uma ânsia pela verdade, no entanto, não nos cabe aqui discutir o que é verdade para cada um dos autores, ou se a verdade existe ou não, nos restringiremos na intencionalidade da busca de uma verdade, seja ela qual for (p. 153 – 162). No entanto, conforme podemos notar em Silva (2007), a escrita da história demonstra aspectos performáticos, bem como a obra ficcional pode explicitar determinado caráter documental. Vejamos: Dizer que a história respeita a verdade apenas por registrar documentalmente os fatos é um despropósito, assim como acreditar na ideia de que a ficção não é registro. Sabemos que o valor cognitivo das narrativas está em oferecer uma conexão unitária de mundos que, sem elas, seriam inacessíveis. (SILVA, p. 83)

A história tenta ditar as regras da vida humana diante da acumulação de experiência que vai além do horizonte de uma “única” vida. A representação histórica tem que produzir prudência, ou seja, a competência para organizar a vida prática em conformidade com regras gerais oriundas da experiência acumulada. A história tem a aptidão, e de certa forma, tem a obrigação de fazê-lo, ao organizar a experiência do passado em forma de uma narrativa que contenha a mensagem que formula as regras gerais e os princípios da atividade humana. A pretensão de verdade é necessária, com vistas à realização dessa relação com a experiência.

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Temos todo um debate travado acerca da verdade e objetividade histórica. Com o que diz respeito ao Movimento dos Annales 6, vamos seguir o diálogo apresentado por Costa Lima, “[...] desmantelar a história narrativa seria comprometer o pressuposto da história objetiva, substituindo-o por aquele que dá a primazia à seleção e, daí, à interpretação dos fatos.” (1989, p. 20). Fazendo uso de Lucien Febvre, Costa lima apresenta a ideia de que a história interpreta, organiza, reconstitui e completa as respostas. Com isso, ainda utilizando-se de Febvre, percebemos que, contra a ideia de substancialidade dos fatos, o mesmo insistia em seu caráter de construção, que estaria intimamente ligado a noção do trabalho do historiador como interpretação. Seguindo sua análise, Costa Lima (1989), aponta que, com a segunda geração dos annalistes, o combate contra a história factual, prolongando-se contra as categorias de longa duração, da história das mentalidades, da história quantitativa, logo, para ele, todos manteriam sua oposição à história narrativa. Enquanto essa objetividade que antes se acreditava ser alcançada pelo mosaico dos fatos era negada, em troca a pretensão que os annalistes mantém, de consolidar uma história científica não iria admitir transigência alguma, portanto, era negada uma concepção de fato, e com isso, a não-problematicidade do relato para que se mantivesse uma meta, que era contribuir para o alcance de uma história que fosse efetivamente científica. É nesse momento que, segundo Costa Lima, aparece à fragilidade da Escola dos Annales: Talvez por considerarem que, não sendo epistemólogos, não lhes competia desenvolver uma reflexão específica sobre a ideia de ciência, deixaram-se conduzir por sua noção difusa. A opinião comum afirmava: fazer ciência é o único modo que importa para a sociedade. (1989, p. 22)

A relação exclusiva da ciência com a utilidade intelectual era (e, não deixou de ser), favorecida pela resistência generalizada, tanto nas disciplinas que são mais fluídas 6

O que chamamos de Escola dos Annales é um movimento historiográfico que foi constituído em torno do período acadêmico francês, o Annales d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História. Fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929, propunha-se a ir além da visão positivista da história como crônica de acontecimentos (histoire événementielle), fazendo assim, uma substituição do tempo breve da história dos acontecimentos pelos processos de longa duração, com o objetivo de tornar inteligíveis a civilização e as "mentalidades". A professora Lilia Moritz Schwarcz, do Departamento de Antropologia da USP, em sua apresentação a Apologia da História, de Marc Bloch (2001), diz que os Annales, “[...] Tratava-se de uma espécie de guerra de “trincheiras” contra a história exclusivamente política e militar; uma história ate então segura e tranquila diante dos eventos e da realidade que buscava anunciar” (p. 8)

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quanto nas mais nobres, ao ver a reflexão epistemológica, e até mesmo a metodológica, como derivativos, senão como uma pedra no caminho das pesquisas concretas. Seguindo a análise, Costa Lima trata agora da crítica de Lévi-Strauss à história, onde o mesmo a acusa de forma abrangente e incisiva. Dizendo que, a força da história estaria em promover o mito em crer que a vida humana seria dotada de sentido. Portanto, o privilégio da história perante as demais ciências humanas estaria resumido ao travestimento ideológico pelo qual o Ocidente podia frente às demais culturas, encarar-se como ocupantes de uma posição de superioridade, a partir do qual, iria lançar seu grande olhar humanista. O sentido de que o historiador captura e oferta as demais pessoas, tem o mesmo caráter da história, ou seja, o intuito será sempre “uma história” para alguém. A ciência histórica como modalidade do pensamento histórico tem a finalidade de constituir sentido, desempenhando funções de orientação cultural. Rüsen classifica o pensamento histórico em três tipos distintos de pertinência: a empírica, a normativa e a narrativa. Ao que se refere à pertinência empírica, diz respeito à propriedade da relação entre pensamento histórico e experiência do passado. A pertinência normativa refere-se à relação do pensamento histórico e as normas e significados do contexto de produção e recepção de determinada narrativa histórica. E, por fim, a pertinência narrativa tem relação com a plausibilidade do sentido das histórias, e a relação entre as intenções de futuro e as experiências passadas, reconstituídas nas narrativas históricas. Com base na argumentação de Rüsen, podemos endossar o que diz Costa Lima, de que não importa se o historiador busca uma história muda, que irá se desenrolar na lenta sucessão dos séculos ou que os métodos quantitativos utilizados pela história revelem constantes com as quais não se enquadrava com a história política, “[...] seus resultados sempre apresentarão significações conscientes, com os quais serão racionalizados os atos de certa sociedade.” (LIMA, 1989, p. 24). 1.2.2

Objetividade

Para dar inicio ao ponto que trataremos da objetividade na história, iniciaremos pela abordagem do ponto que pensamos que é o final, que é a representação da história, logo, falamos da narrativa histórica. Achamos importante abordar, ainda que de forma superficial, pois o tema do trabalho não se trata de dar ênfase e demonstrar o aspecto da narrativa em Rüsen, essa

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operação, pois, em nossa perspectiva, ao tratar de todo o processo metódico da pesquisa histórica para demonstrar nossa teoria de pretensão de objetividade, não podemos nos esquecer que após esse processo de cognição, o historiador deve, com sua capacidade argumentativa descritiva, demonstrar o fruto de sua pesquisa. Segundo Rüsen a narrativa histórica é um meio intelectual utilizado para dar fundamento ao pensamento histórico e ao conhecimento histórico científico. Sendo assim, a narrativa tem a sua função elementar de constituir sentido sobre a experiência do tempo. A partir disso, precisamos pensar na distinção entre narrativa ficcional e não ficcional (que não adentraremos nesse trabalho, por não ser nosso foco, mas, não desprezando sua importância). Tendo em vista que essa distinção é extremamente problemática, pois o “sentido” que é constituído sobre a experiência do que é o tempo por meio da interpretação narrativa está para além da diferenciação entre ficção e facticidade de acordo com Rüsen. Vejamos: A retomada da reflexão sobre o papel que a narrativa exerceu em relação à constituição do texto histórico possibilitou a descoberta de novos elementos que são parte integrante do ofício do historiador no que se refere à escrita, enquanto “construção” articulada, mediante a disposição de elementos que não se encontram na “realidade”. No entanto a descoberta desses mesmos elementos colocou em xeque a capacidade da história referir-se ao passado, do ponto de vista da narrativa. Resumindo, a aproximação entre o historiador e o romancista, de um lado, e a relativização da noção de “prova” associada à verdade por outro, resultou em uma série de aporias, quando nos referimos ao estatuto cientifico da história em particular, e à teoria da história, em geral. (BERBERT JÚNIOR, 2007, p. 33)

A lembrança no que diz respeito à experiência do tempo representa um processo de adaptação e que constrói sentido no passado. Essa forma de relação com a experiência é à base da distinção entre a narrativa histórica e a ficcional ou “literária”. A narrativa historiográfica é a mais segura para Rüsen, pelo fato de possuir um controle metódico para com os eventos narrados. No mais, as ciências históricas buscam um determinado objetivo de validade da narrativa histórica, que é a verdade de cada história narrada, em nosso subitem anterior podemos notar a importância da noção de verdade histórica, para o construto da objetividade.

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Portanto, podemos dizer que existem critérios de verdade do pensamento histórico que sugerem pretensões de validade. As histórias, sempre falam de sua própria verdade, quando levantadas dúvidas sobre sua credibilidade. Rüsen nos informa também que o ele chama de científica, seria a constituição metódica da ciência da história. Sendo que, a história como ciência é um meio de buscar e garantir a validade que às histórias, de forma geral, pretendem possuir. A fundamentação das histórias narradas é obtida por meio de especificidades científicas que garantem uma validade metódica. Rüsen tenciona a dizer que: Ciência” é entendida, aqui no sentido mais amplo do termo, como à suma das operações intelectuais reguladas metodicamente, mediante as quais se pode obter conhecimento com pretensões seguras de validade. O pensamento histórico-científico distingue-se das demais formas do pensamento histórico não pelo fato de que pode pretender a verdade, mas pelo modo como reivindica a verdade, ou seja, por sua regulação metódica (2010a, p.97).

Sendo assim, podemos, com o mesmo, afirmar que ciência é método. Se considerarmos que o pensamento histórico é cientifico, quando ele procede metodicamente à medida que os fundamentos de suas pretensões de validade se tornam integrantes da própria história, podemos então dizer, que o pensamento histórico é científico quando submetido à regra de tornar o conteúdo empírico das histórias controláveis, ampliáveis e garantíveis pela experiência do tempo. Portanto, podemos concluir que esses elementos citados fundamentam a história como ciência, e, dão a mesma a propriedade de afirmar-se como objetiva. Rüsen nos informa que a objetividade é uma inter-relação da representação histórica com experiência do passado. Ele irá transcender todo um grau complexo da cognição histórica e determinar duas formas de significação para o termo objetividade. De maneira a tentar fazer uma problematização acerca das questões metodológicas apontadas por Rüsen que contribuam com nossa tentativa de formulação da objetividade histórica por meio da metodização, tentamos de forma exploratória buscar relação entre o conceito de método em Hans-Georg Gadamer (1999), uma vez que, para nós, entendemos que ciência é método para Rüsen. Procuramos fazer conexão entre os dois autores, e percebemos que Gadamer irá discutir a metodologia das ciências do espírito e da natureza em busca da verdade, tendo como base os princípios hermenêuticos. Gadamer demonstrará que o fenômeno da compreensão e da forma correta de se fazer a interpretação do que se entendeu não é só um problema da doutrina dos métodos,

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que são aplicados nas ciências do espírito. Interpretar e entender os textos não é apenas um esforço da ciência, porque isso pertence ao todo da experiência do homem no mundo. Sendo assim, a hermenêutica não é um problema de método. Além disso, Gadamer afirma que: [...] o que se denomina método na ciência moderna é algo único e o mesmo por toda parte e só especialmente nas ciências da natureza cunha-se como modelar. Não existe nenhum método específico para as ciências do espírito. (1997, p.45).

Mesmo concordando com Rüsen, e o utilizando para fundamentação de nossa perspectiva, devemos pontuar que o próprio historiador faz uma ressalva quanto ao que diz acerca do conceito de “método histórico”, o mesmo diz o método é equívoco, pois ele demonstra de um lado todas as regras do procedimento observadas pelo pensamento histórico, quando tem procedência cientificamente. Mas, de outra forma, refere-se de forma estrita a “pesquisa histórica” e engloba suas regras básicas. Portanto, ele irá defender uma unidade metodológica, preferindo pensar em uma metodologia para a pesquisa histórica e não em “o método histórico”. Vejamos: O critério da objetividade por consenso outorga à multiplicidade de procedimentos metódicos na pesquisa histórica seu caráter de racional, de constitutiva da ciência. Por outro lado, contudo, fornece um ponto de referência para construir a unidade “do” método histórico nessa multiplicidade e para evitar a consequência nefasta da anarquia metódica da pesquisa histórica. A história é constituída como ciência por meio do princípio metódico da metodização das referências normativas (RÜSEN, 2010b, p.107).

Nas ciências históricas, as funções que são de orientação abrem possibilidades para a construção e consolidação histórica de identidade, sendo que podem orientar de forma intelectual o agir a partir da recepção das narrativas históricas. De forma geral, em Rüsen, o uso prático do saber histórico é de forma efetiva, resgatado enquanto reflexão da teoria da história. Podemos pensar conforme o professor Rogério Chaves da Silva (2009) e assumirmos que essa ligação não significa diminuir os índices de cientificidade do pensamento histórico, significa sim convencer-se de que a subjetividade não precisa ser reprimida, mas sim ordenada e aceita de forma adequada e compatível com a cientificidade do conhecimento histórico.

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De forma contrária ao que o objetivismo estreito legou à ciência da história, Rüsen aponta que a regulação metódica não deixa de viabilizar o trabalho de produção de sentido a que também está revestido o conhecimento histórico. Portanto, conforme exposto acima, e, de acordo com o que vimos até o momento, antes de adentrar ao capítulo em que trataremos especificamente das operações substâncias e processuais, podemos pensar a pretensão de objetividade no âmbito de uma relação constitutiva com a experiência histórica, e que pode ser “facilmente” legitimada pela referência aos procedimentos metódicos de pesquisa consagrados para os estudos históricos. Devemos convir que o método histórico sofre grande influência da abordagem heurística da experiência histórica, chegando até a depender dela, que inclui, na relação especificamente histórica entre o passado e o presente, elementos que irão constituir a subjetividade, como sentido, significado e significância. E, não tão longe, a racionalidade metódica da pesquisa alcançou uma validade que não pode ser colocada de tal forma em dúvida que a informação das fontes perca seu valor cognitivo como limite da interpretação.

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CAPÍTULO II AS OPERAÇÕES HISTÓRICAS

[...] enriquecimento e aprofundamento do presente, mediante esclarecimento sobre seu passado, e esclarecimento sobre o passado mediante exploração e desdobramento daquilo que disso, muitas vezes, ainda está disponível no tempo presente em estado latente. Johann Gustav Droysen

Para dar início a nosso segundo capítulo, deixamos claro, o entendimento de que o que se tratará aqui é embasado na obra de Jorn Rüsen, em especial, em seu segundo livro da trilogia da Teoria da História, que é “Reconstrução do Passado: os princípios da pesquisa histórica” (2010). No entanto, temos consciência que o que é exposto é fruto de grande estudo e racionalização metódica de teoria da história feito por Rüsen, portanto, o mesmo faz também apropriações de categorias e conceitos de outros historiadores, tal como, o também utilizado de forma recorrente por nós, Droysen. Logo, não iremos adentrar de forma tão profunda (não por considerar desnecessário, evidente) no processo que o próprio historiador fez para chegar ao resultado de sua teoria, pois nosso ponto fundamental de discussão no segundo capítulo será tentar fundamentar que por meio das operações processuais e fundamentais descritas por Rüsen, podemos alcançar a objetividade histórica a qual decorremos no capítulo anterior. A pesquisa histórica é constituída de um conjunto de operações cujo intuito é realizar a validação do conhecimento histórico a ser comunicado pela historiografia, e as narrativas elaboradas pelos historiadores profissionais podem ser a portadoras das garantias buscadas pelo senso que se tem de ciência, pois tais narrativas são fomentadas a partir da fundamentação na pesquisa. O pensamento histórico se torna especificamente cientifico quando segue os princípios da metodização7, quando submete as operações da consciência histórica a 7

Segundo Rüsen (2010), metodização significa a sistematização e ampliação dos fundamentos que garantem a objetividade. Somente quando esse ponto de vista é utilizado para os diversos fatores da matriz disciplinar é que estes se transformam em uma estrutura de matriz disciplinar. Remete também a

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regras, cujas pretensões de validade se baseiam nos argumentos das narrativas aos quais esses fundamentos são ampliados sistematicamente. Portanto, segundo o que aponta Rüsen, dessa forma, a razão8 que é reivindicada pela história como ciência, é fundamentada no princípio da metodização, e, é com base nesses princípios que tornam o pensamento histórico racional, ou seja, que definem o seu caráter como o que ele chama de “argumentativo-fundante”, que a história se constrói enquanto especialidade. Segundo o que aponta o professor Arthur Assis (2010), em sua análise da obra de Rüsen, os componentes fundamentais da matriz disciplinar9 da ciência histórica são dois: as perspectivas diretoras da interpretação histórica e os métodos de pesquisa empírica. 2.1 Perspectivas de interpretação histórica As “perspectivas diretoras da interpretação histórica” são apontadas por Rüsen para designar os esquemas conceituais mais comuns e gerais do pensamento histórico. É a partir da indagação do que faz com que uma experiência do passado a torne uma experiência histórica, que Rüsen vai em direção a uma compreensão maior e mais abrangente acerca das operações da pesquisa histórica. Ele faz então, como chama Assis (2010), uma redefinição do problema da totalidade histórica, transfere sua resolução das clássicas filosofias da história para o campo que chama de “antropologia teórico-histórica”, essa antropologia tem por objetivo explicar as categorias de acordo com suas evoluções temporais, e como elas podem ser pensadas e interpretadas como processos históricos.

definição de Th. S. Kuhn, onde o mesmo aponta que a metodização do pensamento histórico de forma geral, significa dar forma de paradigma aos fundamentos da ciência da história. 8

“Razão significa aqui algo de elementar e genuíno no pensamento histórico, algo que é totalmente natural para qualquer historiador: é “racional” todo pensamento histórico que se exprima sob a forma de argumentação. Ele não se contenta em apenas afirmar alguma coisa sobre o passado da humanidade, mas indica sempre as razões para tanto, por que se deveria aceitar tal afirmação e por que as que dizem outra coisa não convenceriam. “Razão” quer pois, designar o que caracteriza o pensamento histórico que se processa na forma de um debate movido pela força do melhor argumento.” (RÜSEN, 2001, p. 21) 9

O conceito que chama-se matriz disciplinar foi exposto por Thomas Kuhn, em 1969. Uma matriz disciplinar é de acordo com ele, o conjunto de elementos determinantes da filiação de um cientista, tanto a uma comunidade acadêmica quanto a uma tradição cientifica.

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Rüsen ressalta ainda que, dentro de sua antropologia histórica, as representações e ideias de suas representações históricas não são identificadas fora ou além de uma determinada história individual, mas sim dentro dela. A antropologia teórico-histórica não tem preocupação em demonstrar o sentido geral da história, tem antemão, preocupação em dizer respeito aos critérios, que em cada história, delimita a dimensão especificamente histórica da experiência no tempo. Como podemos ver em R.G. Collingwood a noção de pensamento histórico está dada sobre a questão de “[...] nunca poder ser um isto, porque nunca é um aqui em um agora.” (1975, p. 355). Ou seja, os objetos do historiador ao demonstrar como ocorre a constituição do pensamento histórico, são de eventos que já ocorreram e de condições já não mais existentes, somente quando já não são perceptíveis é que se tornam objetos do pensamento histórico. Os elementos sobre os quais um historiador raciocina não são plurais e universais, mas sim singulares e individuais, não são indiferentes ao tempo e espaço, mas sim, possuidores de um “onde” e um “quando” específicos, mesmo o onde não se identificando com o aqui e o quando com o agora. A história não pode combinar-se com teorias das quais seus objetos de conhecimento são abstratos e imutáveis. Como apontado por Rüsen, o aspecto generalizador das teorias da história podem induzir um falso juízo de que as mesmas teriam um caráter parecido com as teorias das ciências da natureza. Quanto à coerência histórica, podemos utilizar o que o professor Berbert Júnior em seus estudos acerca da narrativa demonstra: A história e a constituição de identidade atuam com eficácia sobre a coerência histórica na medida em que são reguladas de duas maneiras: a) por meio dos vestígios do passado que, em nosso entender, funcionam como prova e b) por meio da argumentação, que visa convencer os seus destinatários. (2007, p. 36)

Portanto, em conformidade com o que foi apresentado acima, podemos observar dois tipos de critérios: o interno, que é vinculado à pesquisa, e o externo, vinculado à persuasão e argumentação. Avançamos então na discussão de Rüsen acerca das perspectivas diretoras de interpretação, e chegamos ao ponto que o mesmo aponta a impossibilidade de dissociação da universalidade das teorias da pretensão de esclarecer casos particulares. Faz-se

então

necessário

a

particularização

e

concretização

de

tais

universalidades por meio de informações contidas nas fontes, e isso será então tarefa

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dos conceitos históricos, que são ferramentas que efetivamente permitem a interpretação da experiência do passado, a luz de sua experimentação significativa para a formação da atualidade e dos processos de construção da formação da identidade. Conforme o que disse H. I. Marrou (s/d) o espírito do historiador constrói uma resposta às perguntas por meio das quais se avançaram as descobertas ao encontro do passado, o que nos leva a investigação, compreensão e exploração dos documentos. O mesmo afirma que ninguém pode de forma segura se contentar em dizer que algo existiu, sem precisar de alguma forma, o que existiu. Como vimos anteriormente, o objeto do historiador está em uma condição que não mais existe, logo, não podemos apreender as coisas tais quais elas foram, nesse caso, especificamente, mesmo sabendo do posicionamento oposto do historiador a nossa argumentação, concordamos com o que aponta Keith Jenkins (2007), o passado e a história não são a mesma coisa, não estão um ligado ao outro de forma a qual possamos ter somente uma leitura histórica do passado. Um existe livre do outro, estão distantes entre si no tempo e no espaço, o mesmo objeto de investigação pode ser interpretado de formas diferentes, existem diferentes leituras interpretativas. O passado já ficou, a história é o que os historiadores fazem com ele quando colocam às mãos a obra, e é por meio dos conceitos que foram elaborados que podemos pensar a problemática relação entre o passado e a escrita dele. É certo que esses conceitos, assim como aponta Marrou (s/d), não nos chega de forma direta, e nos fornece uma imagem “mutilada” da realidade humana, no entanto, esses mesmos conceitos são obtidos por meio de um processo de esquematização, processo esse que não detém apenas a utilização de conceitos, mas também, da constituição da escrita da história. Voltemos então à questão dos conceitos, Rüsen faz a distinção entre conceitos, categorias e nomes próprios tipicamente históricos. As categorias históricas fazem referência aos elementos universais que tem em si o sentido de totalidade discernível em toda a história. Os nomes próprios indicam a existência singular dos “objetos” do passado. Por fim, os conceitos históricos que dão substância à conexão entre categorias e nomes próprios, onde exerce um trabalho de especificação, com o que diz respeito às categorias e de generalização em relação aos nomes próprios. Esse desempenho, para Rüsen, determina a importância dos conceitos para a cientificização do pensamento histórico, vejamos:

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Conceitos históricos são o recurso linguístico que aplicam perspectivas de interpretação histórica a fatos concretos e exprimem sua especificidade temporal. Designam, pois, a relevância que os estados de coisas referidos possuem, no contexto temporal, em conjunto com outros estados de coisas, e que não são designados por nomes próprios. Conceitos históricos mediam categorias e nomes próprios, eles introduzem a realidade temporal dos estados de coisas designados por nomes próprios no contexto de sentido designado pelas categorias. Em relação às categorias históricas eles possuem uma função particularizante e, em relação aos nomes próprios, uma função generalizante. (2010b, p. 94) Conforme o que podemos notar com Antoine Prost: Os conceitos são assim, abstrações utilizadas pelos historiadores para compará-las com a realidade; nem sempre tal procedimento é explicitado. De fato, eles orientam a reflexão a partir da diferença entre os modelos conceituais e as realizações concretas. (2008, p. 123)

Ainda utilizando-nos de Prost, o mesmo nos dá a ideia de que os conceitos são praticamente armas que o historiador pode utilizar, eles são instrumentos com os quais os historiadores podem consolidar a organização da realidade, além de, fazer com que o passado exprima suas especificidades e suas significações. Conforme podemos perceber com Marrou (s/d), o historiador constrói respostas às perguntas que lança as suas pesquisas, por meio da investigação, compreensão e exploração dos documentos. No entanto, devemos precisar, de uma perspectiva lógica, quais são os instrumentos que o mesmo irá utilizar para efetuar tais elaborações, de forma que, tenha-se credibilidade ao que está sendo narrado. Portanto, como o mesmo aponta: “O problema para nós é determinar a validade desses conceitos, a sua adaptação ao real, a sua verdade”. (s/d, p. 133) 2.2 Métodos de pesquisa empírica Segundo Assis, Rüsen constata que a relação entre pensamento histórico com a experiência, ainda que pré-direcionada por categorias e conceitos, só é efetiva por meio dos métodos de pesquisa histórica. Vejamos que o mesmo diz que: “a inter-relação metódica entre a subjetividade conhecedora e o conteúdo empírico do passado [...], é uma condição necessária para o conhecimento histórico-cientifico”. (2010, p. 45). De acordo com Rüsen a pesquisa histórica é o momento de produção do conhecimento histórico no qual as informações contidas nas fontes são processadas,

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sendo assim, induz-se a concretização e a modificação das perspectivas diretoras da interpretação. Tendo em vista essa definição que Rüsen faz de que a história se distingue por acomodar princípios de metodização, fica claro que ele propõe um conceito de método histórico singular. Com isso, entendemos que ele pretende superar definições clássicas do final do século XIX, contidas nos manuais metódicos que se tornaram consagrados nesse período, como por exemplo, os manuais de Bernheim, de 1889 e Langlois & Seignobos, de 1909, onde o método histórico foi apresentado como um conjunto de estratégias para a certificação dos enunciados contidos nas fontes históricas. Segundo essa definição, a tarefa do historiador seria então, estabelecer grau de confiança das informações obtidas das pesquisas, como colocado por Assis, de uma perspectiva um pouco exagerada, mas ao mesmo tempo não, muitos partidários dessa concepção clássica de método acreditavam e ainda tendem a acreditar que, se os usos das técnicas de pesquisa forem feitos de forma apropriada e correta, seria possível vivenciar o passado da forma a qual ele ocorreu, ou seja, chegar a absoluta verdade, ponto ao qual discordamos, tendo em vista que para nós, a verdade histórica é uma das pretensões da objetividade, além disso, estaria ligado a noção de que técnica seria meramente para realizar a tarefa de crítica das fontes, e não aos seus próprios métodos e ao trabalho do historiador enquanto “produtor” de conhecimento. Sendo assim, o método seria um conjunto de instrumentos que permitiriam a extração da objetividade dos fatos da subjetividade das fontes, ou seja, nos permitiria obter um saber imediatamente correspondente à verdade absoluta, tomada como a objetividade do passado vivido. Desde a segunda metade do século XIX vários historiadores pesquisadores das ciências humanas têm defendido essa noção de metodização, várias vezes motivados pela intenção de elevar o conhecimento histórico à categoria de ciência, ou ao mesmo patamar de prestígio das ciências naturais. Nossa percepção é que ainda que Rüsen dialogue com a tradição metodológica clássica, ele sugere um conceito de método histórico mais abrangente e epistemologicamente mais sofisticado. Para ele o termo “método histórico” permite tanto a abordagem empírica da fonte quanto uma historicização da experiência do passado.

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Rüsen reafirma diversas vezes ao longo de sua obra que a orientação exercida pelas regras do método sobre a pesquisa histórica não favorece a produção de um conhecimento que forneça verdade absoluta ou conclusiva sobre o passado, ele aponta o oposto disso, o conhecimento histórico que é obtido de forma metódica está intrinsecamente ligado a carência de orientação, pois a interpretação do material histórico e a crítica do mesmo não se dissociam de contextos significativos, normativos e valorativos. Podemos verificar a elaboração de uma reflexão semelhante ao nos debruçarmos sobre os estudos de Johann Gustav Droysen (2009), que nos apresenta uma teoria sistemática e uma metodologia para a história, onde procura sintetizar o universal e o particular, o empírico e especulativo, a relação entre o objeto e o sujeito do conhecimento histórico. Com Droysen foi que o método histórico se desprendeu do filosófico, foi um dos primeiros a demonstrar que o presente é a real fonte de sentido da história e não o passado: “A ciência da história é o resultado de percepções empíricas, de experiências e da pesquisa”. (2009, p. 36). Ainda no que diz respeito ao desenvolvimento do método histórico por Rüsen, podemos notar sua crítica aos modelos generalizantes da história (2010b), essas teorias que tendem a enunciar a história como um todo, como um espaço de tempo englobando toda a evolução temporal do homem em seu agir no mundo, essas teorias como um todo são precárias do ponto de vista tanto histórico quanto sistemático. O que o mesmo tenta demonstrar são os procedimentos que definem a unidade das estratégias diferentes utilizadas nas pesquisas presentes no cenário contemporâneo, ele tenta abarcar a unidade do método histórico em meio a diversidade das técnicas de pesquisa. Ele faz a diferenciação dos processos internos que caracterizam a pesquisa histórica apresentando três operações sistemáticas que estão ligadas sucessivamente, são elas: heurística, crítica e interpretação. 2.3 Operações processuais Conforme as orientações substantivas do método, perspectivas diretoras da interpretação histórica, teorias, categorias e conceitos históricos, podemos encontrar as operações processuais, ou, como chama Rüsen, operações formais, são elas a heurística, a crítica e a interpretação, garantindo assim, que no desempenho de suas funções de

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orientação, a historiografia possa se manter conectada as carências de orientação encontradas em toda a base do conhecimento histórico.

2.3.1 Heurística A heurística é a operação metódica em que as perspectivas diretoras da interpretação são feitas em perguntas direcionadas a experiência do passado, a formatação das perspectivas nas perguntas é importante porque confere uma referência concreta aos trabalhos de seleção e classificação das fontes. Podemos corroborar isso com o que Rüsen diz acerca dessa operação: “[...] são reguladas metodicamente as hipóteses de sentido (teoricamente explicáveis) do pensamento histórico, que abrem o acesso às informações das fontes”. (2010b, p. 118). Antes de iniciar o processo de pesquisa das fontes, é preciso que o historiador aguce o olhar histórico em relação ao passado presente na fonte para que possa se extrair o máximo de proposições do conteúdo informativo que as fontes carregam. É heuristicamente fecunda uma hipótese histórica se corresponder às carências de orientação das quais, em última instância, se originou. Se exige que as ordenações teóricas do saber histórico a partir do ponto que a pesquisa deve obter um novo saber, devam ser questionáveis e assim, modificáveis. Rüsen vai falar acerca do que chama de “anarquização” da experiência histórica, ou seja, isso se consiste na questão da pergunta histórica superar o direcionamento e a limitação do olhar histórico, a estrutura ordenada, a apreensão e a apropriação da experiência histórica diante dos construtos teóricos da narrativa histórica, que são colocados entre parênteses. A domesticação cognitiva da experiência histórica por meio do saber teórico deve ser compensado de forma metódica, ou seja, heuristicamente, para que novas formas de experiências possam ser abertas, e em seguida, por meio da crítica e da interpretação (que são as outras duas operações processuais que daremos destaque posteriormente), apropriem-se cognitivamente por meio da aplicação das teorias que os apreendem e o interpretam. Dessa forma, o olhar histórico não deve se perder em meio a experiências temporais não compreendidas, mas sim se tornar apto ao conhecimento por meio de concepções teóricas modificadas ou menos novas, logo:

30 Tornar as perguntas históricas heuristicamente produtivas significa, portanto, dirigir o olhar histórico questionador para novas áreas de experiência do passado, superar sua limitação aos campos de experiência já apreendidos e libertá-lo pela sensibilidade às carências atuais de orientação e pelo fascínio por tudo o que é historicamente estranho. (RÜSEN, 2010b, p. 120)

Dessa forma de pensar resultam as regras de procedimento ligadas à elaboração heurística de dado questionamento fecundo, a operação heurística é ordenada pelo princípio metódico da plausibilidade explicativa. De acordo com isso, a fecundidade heurística das questões que orientam a pesquisa é controlada de forma intersubjetiva de duas maneiras: 1) com relação ao seu ponto de partida no que diz respeito à carência de orientação de conhecimento sobre os problemas de orientação, especificamente históricos ou de relevância histórica que ocorrem no contexto social da pesquisa; 2) e o relacionamento de seu direcionamento com a experiência história já acumulada na pesquisa e no saber de outras ciências conexas ou afins. A aproximação do conteúdo informativo das fontes com as perguntas e conjecturas produtivas, está dado em coletar, examinar, classificar e avaliar de forma sistemática as fontes relevantes para responder as perguntas históricas colocadas. A decisão da relevância das fontes para a pesquisa em andamento depende das perguntas históricas que são postas. Conforme o que disse Marrou (s/d), é necessário aprender a conhecer as condições de utilização de diversas categorias históricas, bem como sua natureza. A pesquisa da fonte também está intimamente ligada à exploração da “bibliografia” existente acerca do assunto, quando o historiador começa um trabalho, é necessário que se vá atrás de “tudo” o que já foi produzido, os temas vizinhos e as matérias auxiliadoras que o cercam. No entanto, não importa também, somente, ir atrás de vasta documentação e não saber o que procurar, e isso vêm, conforme aponta Marrou, com a experiência, quanto mais a pessoa tenha acumulado experiências variadas, maior será sua receptividade às possibilidades indefinidas da ação, o que leva diretamente ao ponto de vista defendido por Rüsen, do homem agir no tempo. O conhecimento do passado humano não pode ser limitado apenas aos dados propriamente humanos desse passado, afinal, o homem não vive em um vidro isolado, a

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ação humana é inseparável do “meio” em que vive, portanto, é necessário ao historiador compreender os sinais. Conforme podemos comprovar com Carlo Ginzburg (2001) existem atividades que buscam distinguir o “real” a partir de pistas há muito tempo, uma dela é quando utiliza o exemplo da caça primitiva, onde o mesmo aponta que, talvez, o caçador tenha sido o primeiro a “narrar uma história”, pois ele era capaz de ver/ler nas pistas mudas, deixadas pelas presas uma série coerente de eventos, ou seja, isso caracteriza uma capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis remontar determinada realidade não experimentável diretamente. Deve-se tentar fazer uma qualificação heurística da fonte, para que se possa saber o que ela tem a oferecer ao historiador em termos de conteúdos informativos. Há ainda a distinção que se deve fazer entre a tradição e o resíduo, que diz respeito a heurística, pois existe o fator intencional da vida humana prática como momento constitutivo do pensamento histórico e da experiência histórica. A tradição é uma manifestação empírica do passado humano, onde há expressão de sentido e significação, o que ainda nos vale dizer é que o contexto histórico específico de sentido está manifesto em sua própria facticidade. As fontes com determinada qualidade de tradição tem grande característica de apresentarem suas informações sobre o passado como constituinte de sentido. Todos os monumentos que carregam vestígios da intenção de lembrança possuem qualidade heurística semelhante. Ao contrário disso, os resíduos são manifestações empíricas que não comportam tais vestígios, sem estar dotados de qualidade própria dos constructos de sentido, testemunham que determinada coisa foi o caso.

2.3.2 – Crítica Com a crítica das fontes o historiador pode colocar os pés no chão de forma mais confiante, a crítica das fontes é o ponto fulcral da objetividade histórica, ela leva a proposições históricas que por sua referência a experiência metódica e regulamentada além de forma empírica e intersubjetivamente. É com essa garantia de princípio metódico de pretensão de verdade que o conhecimento histórico científico se diferencia do não-científico. A crítica é a investigação dos dados heurísticos que são trazidos à tona.

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Naturalmente tende-se a ver a crítica das fontes como a forma metódica da pesquisa histórica, que faz decisões acerca do caráter científico da história, já que é essa a operação que leva ao conhecimento sobre aquilo que foi e não foi do passado, essa validação da crítica ocorre por conta dos historiadores partirem do pressuposto de que as fontes, com as informações do passado que contém, dão respostas suficientes às perguntas históricas, o que não é o caso: A história, como estado de coisas do passado humano a ser conhecido historicamente, não está coisificado na base de dados das informações das fontes, de tal forma que já estaria narrada nas fontes e que, assim narrada, só poderia ser conhecida pela crítica das fontes. (RÜSEN, 2010b, p. 124)

Se assim fosse, na condução das pesquisas históricas, os historiadores estariam caiando na negligência do conhecimento histórico, ignorando que, as fontes nessa autosatisfação de história, são a dissimulação empírica do passado, distorções e transposições que ofuscam o olhar do historiador sobre o que ocorreu realmente no passado como história, ou seja, dessa forma é desprezada a noção de que as perguntas históricas são orientadas pelos contextos temporais em constructos de sentidos e significações. Portanto, é incorreto dizer que a crítica das fontes produziria um conhecimento seguro dos fatos históricos, ela responde, de forma suficiente, e mais aproximadora possível da objetividade histórica. O que é especificamente “histórico” em um fato, e com isso, a objetividade cientifica, tal qual a referência das proposições históricas frente à experiência, regulada metodicamente e intersubjetivamente controlável não é o objetivo das fontes. No entanto, isso não quer dizer que a operação de pesquisa crítica das fontes, seja meramente externa, pelo contrário, ela vem da função de ser uma ferramenta de controle indispensável para o conteúdo factual de todo o processo de proposição histórica. A pesquisa faz um filtro das manifestações do passado obtidas de forma empírica, ela faz a distinção entre as fontes corretas e incorretas, ou como Rüsen diz: “mais ou menos corretas e mais ou menos incorretas” (2010b, p. 125-126). A última parte do controle de plausibilidade informativa de um dado das fontes é a noção de realidade que o historiador constrói a partir de seu mundo concreto. Para esse controle deve estar bem evidente o que pode realmente ser de fato e o que pode ser

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histórico, e essa decisão depende previamente do critério de facticidade, que irá decidir o que é empiricamente possível. Para a averiguação crítica de fontes de um conhecimento empírico garantido, a historiografia desenvolveu há muito tempo um conjunto de regras metódicas diferenciado, e um sistema complexo de ciências auxiliares específicas, Rüsen fazendo uso de Ahasver von Brandt diz que é equivocado ver nessas ciências auxiliares a ferramenta de um historiador (2010b), da mesma forma que não se pode, naturalmente, ir contra o fato de que a crítica das fontes seja uma operação metódica indispensável, e que, sem as ciências auxiliares ela não pode ser executada, ou somente de forma deficiente, e menos ainda que a competência metódica do pesquisador se esgote nela. Somente quando são extraídos os contextos históricos das fontes pela interpretação histórica é que temos a ferramenta que corresponde ao estado das coisas históricas, no qual então, não se trabalha mais com as disciplinas auxiliares, mas sim, de modo propriamente histórico. 2.3.3 – Interpretação Esse é o terceiro momento peculiar a pesquisa histórica, na interpretação são organizadas e verificadas as informações obtidas a partir da crítica das fontes. Essas informações são assimiladas a uma estrutura pré-narrativa que terá a funcionalidade de um molde para o trabalho da representação histórica, que, após o processo de racionalização, endossa nossa teoria de que a objetividade história pode ser alcançada e, assim, representada. Voltando à questão da interpretação, Rüsen sintetiza tanto as perspectivas diretoras, que no processo de heurística foram projetados sobre a experiência, quanto aos fatos do passado, averiguados através da crítica das fontes. Vejamos o que ele diz: Interpretação é a operação metódica que articula, de modo intersubjetivamente controlável, as informações garantidas pela crítica das fontes sobre o passado humano. Ela organiza as informações das fontes históricas. Ela as insere no contexto narrativo em que os fatos do passado aparecem e podem ser compreendidos como historia. (RÜSEN, 2010b, p. 127)

Na operação da pesquisa, o que importa no que diz respeito à interpretação é sintetizar as perspectivas, elaboradas de forma heurística, que questionam a experimentação do passado a partir das conjecturas acerca de sentido, com os fatos do

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passado obtidos a partir das críticas das fontes. As informações que estão contidas nas fontes somente se tornam fatos históricos mediante a operação metódica da interpretação. A interpretação é um trabalho sintético. Remete as perspectivas teóricas ao passado, nos quais esse passado é revestido de manifestações históricas, com um conteúdo informativo de manifestações empíricas, mediante um passado que se faz perceptivelmente presente. Logo, as perspectivas teóricas são modificadas ao remeter a experiência a teorias com o maior conteúdo informativo possível. O princípio metódico que determina o trabalho de síntese deve levar em conta a relação entre teoria empiria, fazendo mediação entre as representações abstratas, que são determinadas por critérios de sentido, das estruturas de processos históricos e as informações que são concretas, e, determinadas pelas experiências sobre o que, quando, onde, e como determinada coisa ocorreu; entre os modelos abertos de interpretação e experiência que são abertos à interpretação; entre o geral e o particular. Portanto a interpretação histórica obedece ao príncipio metódico da plausibilidade explicativa, ou seja, as informações das fontes são ordenadas de forma narrativa mediante constructos teóricos, de forma que sua sequência temporal é composta por capacidade explicativa máxima. Como explicação, a interpretação é uma síntese entre os constructos teóricos gerais dos processos teóricos e os diversos estados das coisas factuais que são contidos neles, revelados pela crítica das fontes. Portanto a interpretação não vai diretamente para uma teoria da história, mas sim, reelabora, para que os fatos que foram descobertos pela crítica das fontes sejam incorporados em um contexto narrativo que se caracterize pela capacidade explicativa máxima. Logo, ela está sempre lidando com as singularidades das mudanças temporais, utilizando as teorias relevantes para essas mudanças, para tentar explicar sua singularidade. Explicar de forma histórica significa demonstrar a especificidade de um processo determinado e torná-lo cognoscível como uma efetivação particular de um processo histórico geral, como operação de pesquisa da explicação histórica, a interpretação está configurada como um processo de individuação regulado de forma metódica e controlado de forma intersubjetiva, no contraponto entre a teoria e a empiria. Então, uma interpretação histórica “ideal” não é uma síntese na qual as teorias, por conta de seus conteúdos factuais, se tornam menos teóricas, e os fatos, por conta de sua referência teórica menos factuais.

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2.4 – Operações substanciais Na pesquisa histórica há outro ponto a se tratar, que é o das operações substanciais, que estão ligadas ao que vimos anteriormente sobre a antropologia teóricohistórica, essas operações vão determinar o contorno concreto das perguntas e das interpretações históricas e irão orientar o tipo de material histórico a ser utilizado e pesquisado. 2.4.1 – Hermenêutica Segundo o que diz Assis (2010), a hermenêutica é uma estratégia substantiva utilizada pelo historiador para reconstruir metodicamente o passado, que Rüsen considera adequada para apreender as experiências vivenciadas. Nesse momento, as perguntas históricas são dirigidas aos campos de significados que em outro momento, os seres humanos atribuíram aos suas vidas e seu próprio mundo. A representação da continuidade, que é determinante para a constituição narrativa de sentido, posterga o direcionamento intencional das ações humanas. Vejamos o que Rüsen nos diz: Quem reconstrói o passado metodicamente por meio da hermenêutica, parte de uma experiência histórica própria e de uma auto-interpretação própria, nas quais tempo, como fator intencional, desempenha um papel importante. Imagina-se que as mudanças temporais do homem e de seu mundo são movidas pelas mesmas forças, que são introduzidas no jogo da vida prática para poder se afirmar no passar dos tempos e se fazer valer. A historia é constituída a partir da lembrança como um contexto de sentido no qual as intenções individuais se encaixam sem rupturas, ou ao menos se associam. (2010b, p. 136)

A experiência histórica é a experiência de determinações de sentido que são empiricamente pré-formadas do próprio presente, vejamos o que Rüsen nos diz: “O passado encaixa-se nessa concepção de história na medida em que seus vestígios no presente (fontes) sempre falam a linguagem do historiador-intérprete.” (2010, p.136) O sentido que a história tem, é refletido nos enunciados das fontes, “Eles préformam sua interpretação histórica com os sinais de sua relevância.” (RÜSEN, 2010b, p. 137). Conforme o que apontou Marrou (1978), o bom historiador não será apenas aquele que conseguir formular os problemas da melhor maneira possível, mas sim aquele que souber de melhor forma, elaborar um programa prático de pesquisa, que lhe permita encontrar, fazer surgir, os melhores e mais reveladores vestígios.

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Vejamos: Em síntese, tudo aquilo que, na herança subsistente do passado, pode ser interpretado como um indício, que revela alguma coisa da presença, da atividade, dos sentimentos, da mentalidade do homem de outrora, entrará em nossa documentação. [...] ela depende do historiador, da sua iniciativa, da sua habilidade em utilizar os seus instrumentos de trabalho e os seus conhecimentos, mas antes de tudo daquilo que ele realmente é, da sua inteligência, abertura de espírito, cultura. (MARROU, 1978, p. 63)

Na concepção hermenêutica de pesquisa a desvalorização da tradição10, se dá como requisito necessário à pesquisa, porque sem o distanciamento entre o objeto e o historiador, não será possível uma investigação crítica e racional acerca do objeto pesquisado. Na hermenêutica é apreendido por meio da pesquisa na experiência do passado, um contexto histórico de sentido cujos critérios determinantes também são pertencentes à tradição presente nos testemunhos do passado. A história é, portanto, um contexto temporal de fatos do passado, que podem ser compreendidos quando se interpretam os fatos à luz dos significados que foram atribuídos a eles de forma objetiva pelas intenções culturais humanas. Como nos diz Silva (2007), o conhecimento histórico tem uma estrutura narrativa homogênea, ele constitui-se como uma organização de acontecimentos transmitidos em estruturas temporais, que peritem a sua localização e o seu relacionamento, assim sendo: “A hermenêutica refere-se à narrativa como representação, tanto no sentido da interpretação (leitura assumidamente recortada) como no sentido da substituição (não da coincidência) simbólica.” (2007, p. 84) Portanto pensamos que a hermenêutica histórica, é o ato de interpretação a partir de uma perspectiva, ou seja, um conjunto de fenômenos simbólicos. Conforme o que aponta Rüsen, temos a heurística hermenêutica que traz para o horizonte de interesse das pesquisas as fontes que podem ser válidas como intencionais e objetivadas, como manifestações de intenções e interpretações determinantes e orientadoras do agir, nos quais é suposto estar o contexto histórico do sentido. Essa heurística hermenêutica não limita a visão histórica, ela direciona o olhar histórico para as fontes que se tornam compreensíveis sistemas abrangentes de ação. 10

É necessário que entendamos que a experiência histórica, apreendida e apropriada por meio da pesquisa, é antes de tudo, tradição. E, no decorrer do processo de racionalização científico, a tradição se torna um questionamento dos resíduos, portanto, a destradicionalização pode ir menos ou mais longe e a relação entre significado tradicional e informação das fontes, obtida de forma crítica, pode ser definida diferenciadamente.

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Já a crítica hermenêutica extrai das fontes fatos que são compreensíveis, sobretudo por conta das ações intencionais e de suas complicadas conexões. De acordo com cada tipo de facticidade11 são extraídas críticas diferentes, em cada caso deve-se extrair das fontes informações que se referem à facticidade dos estados das coisas no passado, portanto, ela retira as informações qualificadas sobre os fatos que podem ser entendidos como atos de fala. 12 A interpretação hermenêutica adquire plausibilidade de explicação da qualidade explicativa dos fatos, ela faz a organização do contexto histórico de fatos compreensíveis pelo fio condutor, da importância que os torna, de certa forma, compreensíveis. Ela faz a historicização da compreensão ao interpretar as mudanças temporais “[...] como transformações das intenções e interpretações do agir que causa a mudança. Ela interliga os fatos compreensíveis do passado no plano de seu significado para os interessados”. (RÜSEN, 2010b, p. 142). 2.4.2 – Analítica A concepção analítica da pesquisa não está orientada pelas pretensões hegemônicas culturais, e sim pela intenção de relativiza-las e enquadra-las em requisitos de plausibilidade de tipo não-cultural. Ela faz a história cultural parecer reflexo de uma história totalmente diferente. A pesquisa histórica não se ocupa mais, na concepção de método analítico com a qualidade temporal de ações compreensíveis, mas sim no contexto de efeitos de mudanças operadas por circunstâncias externas ao agir. Vejamos a seguir: Nessa concepção de pesquisa, as fontes não são mais investigadas, criticadas e interpretadas como portadoras da tradição da constituição de sentido histórico a ser realizada pela pesquisa, mas sim como resíduos que manifestam as condições sob as quais foram possíveis as criações culturais que formam a tradição. (RÜSEN, 2010b, p. 146)

A experiência histórica é apreendida pela pesquisa como um campo de mudanças temporais que possuem caráter de “tempo natural”. Essas mudanças não são induzidas por atos intencionais, de forma contrária, são elas que determinam o agir, ou

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Entendemos aqui, o termo como uma forma de ser, um objeto de investigação “desinteressado” longe de qualquer interesse prático ou pessoal. Tendo relação com condições contingentes que não dependem de nossas escolhas, minúcias factuais sob as quais não se tem controle. 12

Entendemos por atos de fala, a extração de informações qualificadas das fontes que estão sob análise.

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seja, falamos de fatores de mudanças que colocam um desafio à determinação do sentido do agir. Para melhor entendermos o que foi exposto acima, é necessário suscitar que a narrativa histórica forma a identidade do homem. O tempo natural e humano13 são articulados entre passado, presente e futuro implorando por uma unidade, que dessa forma, constitui a narrativa histórica que é o agente responsável pela constituição da identidade do homem

A analítica questiona para além do horizonte da compreensão que é aberto pelas fontes ao fazerem aparecer o agir e o sofrer passados na autocompreensão dos agentes, ou seja, são colocadas questões atrás desses horizontes, que nos levam a questionamentos dos motivos, impulsos, necessidades e consequências da vida humana prática. A analítica decifra o poder das circunstancias no ato de escrita de sua apropriação cultural, com isso, ela coisifica as tradições como resíduos de forma mais decisiva do que hermenêutica, ela dá exatamente o passo decisivo, e que a semântica cultural do passado deixa de ser condição necessária de sua reconstrução histórica. Pra algumas formas de concepções analíticas de pesquisa, é mencionada a questão das legalidades históricas, coforme o que aponta Rüsen, esse enunciado é equívoco e enganoso, tanto quanto a ideia de que a história opera com conhecimento nomológico e o utiliza na forma de explicação nomológica, e, conforme explicitado pelo mesmo, o conhecimento nomológico somente opera como forma de ciência auxiliar para a explicação dos contextos dos fatos; logo, ele não cuida diretamente de formular o contexto histórico de cada caso de forma específica. De forma material, a capacidade de explicação do procedimento analítico de interpretação da história se caracteriza a partir de condições objetivas e não de intenções subjetivas dos autores. Ele está concentrado na força das circunstâncias sob as quais ocorrem as mudanças temporais, e identifica as ramificações sistemáticas das condições da vida humana prática para desvelar a evolução histórica, operando desde a perspectiva de coerções objetivas que delimitam os espaços de decisão de direcionamento de mudanças e recorre a “possibilidade de objetividade” na análise de processos complexos, a fim de descobrir determinações precisas.

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Existe uma contraposição entre tempo natural e humano. O tempo natural é a mudança involuntária, onde o limite será a morte. E o tempo humano, é a tentativa de eternização por meio da memória e da construção da narrativa histórica.

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Tais aspectos materiais e formais determinam, para a concepção analítica de pesquisa, o início metódico da plausibilidade explicativa, que é a essência à interpretação histórica. Essa noção adota a forma explícita de teoria explicativa, materialmente vinculada aos contextos sistemáticos de fatores condicionados de forma objetiva na vida humana prática ao longo de processos temporais. Conforme podemos notar com Arrais (2010), entre a abordagem hermenêutica e a abordagem analítica, existiria a abordagem dialética (que será nosso próximo ponto a ser discutido), com uma importância análoga ao modelo narrativo de explicação histórica, desenvolvido no primeiro capítulo da obra Reconstrução do Passado (2010). Muito embora a pretensão dialética esteja explícita, a tentativa de aproximação entre os dois modelos conota uma evidente submissão da analítica à hermenêutica. Dessa forma, não se realiza de forma exata um movimento dialético, mas uma incorporação de contextos de causalidades e de processos estruturais e sistêmicos do agir humano aos processos reconstrutivos de sentido desse mesmo agir. 2.4.3 – Dialética Segundo o que aponta Rüsen, a hermenêutica e a analítica são lados de uma relação oposta, sua eficácia só poderá ser desenvolvida como concepções de pesquisa se forem mediadas entre si, onde a oposição não desaparece, mas é articulada, e é exatamente isso que ele designa como sendo o termo “dialética”. A experiência do tempo histórico, onde as intenções subjetivas e as condições objetivas se articulam, formando assim, o tempo histórico, é onde podemos empregar o método da dialética. No método dialético, as estratégias hermenêuticas e analíticas, seriam de certa forma combinadas para que possamos perceber, na justaposição entre as experiências do tempo humano e do tempo natural, experiências que sejam propriamente históricas. Portanto, para uma operação substantiva da história, é de extrema importância. Na verdade, conforme aponta Rüsen, a dialética não é mais um conceito a ser abordado ao lado das operações da hermenêutica e da analítica, mas sim um entremeio para desenvolver a complexa relação interna entre ambas, de forma que elas sejam sintetizadas em um terceiro conceito subsumidas. A hermenêutica e a dialética em certo momento inclinam-se ao seu oposto quando se particularizam e centram em si, no entanto, é possível fazer um exercício mental:

40 Uma vez centrada em si, a hermenêutica torna a experiência histórica de tal forma subjetiva, que esta perde seu caráter histórico na intimidade de um movimento mental ou intelectual no tempo. A historia é sublimada heurística, crítica e interpretativamente em um contexto diacrônico de sentido da comunicação humana, diante do qual as circunstancias exteriores da vida antes parecem disfuncionais ou fatores de perturbação. [...] Essa irrealização do propriamente histórico no movimento temporal do homem e de seu mundo empurra a realidade do tempo para um espaço de experiências não apreensível pela hermenêutica e que, no entanto, não deixa de ser hermeneuticamente constatado. (RÜSEN, 2010b, p. 155)

O eixo de tempo da evolução da história, que estão presentes nas objetivações culturais do espírito humano não fica de forma suficiente explicado pelas interpretações ou intenções dos respectivos agentes, mas pela teia de suas relações comunicativas, que são condicionadas, por sua vez, pelas circunstâncias. A hermenêutica deve então, recorrer a esse lado objetivo do processo histórico se não quiser perder de vista o caráter histórico específico das mudanças do tempo, ela deve então se abrir a analítica se não quiser cair nas explicações intencionais, ou seja, se não quiser explicar o curso factual dos acontecimentos como resultado de intenções de um sujeito metafísico. De forma inversa, se a concepção da pesquisa, de forma metódica, centrada em si, obtiver a experiência histórica, cai-se em um determinismo, no qual as evoluções históricas são derivadas do conjunto de circunstâncias de certo modo aparentado a obrigações das leis. Somente a mediação dessas duas concepções irá colocar a pesquisa histórica na trilha empírica de processos temporais especificamente históricos e torná-los capaz de um entendimento histórico que não irá desmentir sua narrativa, porque é nessa mediação que a intencionalidade da pesquisa hermenêutica como fator de mudanças no tempo, recebe contramedida específica de sua dependência das condições prévias e de objetivações que imprimem ao processo temporal, direções não-intencionais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme podemos perceber, com a metódica de Rüsen, as operações processuais da pesquisa, (heurística, crítica e interpretação), que apresentamos ao longo do segundo capítulo, são consistidas em regras que são, sobretudo, procedimentais. No entanto, para o mesmo, o que é e pode assim, ser obtido das experiências do passado como história não é, originalmente, um problema de regras da pesquisa, mas das perspectivas acerca do passado humano (RÜSEN, 2010b, p.134). Sendo assim, o trabalho das operações processuais, na pesquisa histórica, é complementado pela intervenção das operações substanciais (hermenêutica, analítica e dialética), que irão decidir acerca do conteúdo material da pesquisa, referindo-se a diferentes dimensões de autointerpretação dos sujeitos, e que estão interligados de forma sistemática. Conforme percebemos, na hermenêutica, o questionamento é voltado às nuances do universo de sentido das experiências do passado, ou seja, ao conjunto das manifestações que exteriorizam as intenções dos homens do passado. Com essa operação, o cuidado é voltado para as intenções e interpretações que estão situadas na essência do agir humano, para arrancar delas a factualidade na qual se realizaram. Na operação analítica, são abordadas as experiências nas quais o tempo é experimentado como limite definidor das possibilidades do agir. Com isso, pensamos que essa operação refere-se às circunstâncias que, mesmo ao estabelecer fronteiras entre as quais a capacidade interpretativa da subjetividade humana deve obedecer, são externas a ela. As fontes serão indagadas não referente àquilo que dizem sobre as ações a que se referem, todavia para que sejam levadas a desvelar algo sobre os fatores de determinação do agir (circunstâncias, contexto) que, de forma direta ou indireta, influenciaram as ações por ela referidas. E, enfim na dialética, as estratégias hermenêutica e analítica seriam uma combinação, para que o historiador possa perceber, na justaposição entre as experiências do tempo humano e do tempo natural (lembrando, como já dissemos ao longo do trabalho, que o tempo natural é a mudança involuntária, onde o limite será a morte; em contrapartida ao tempo humano, que é a tentativa de eternização por meio da memória e da construção da narrativa histórica) experiências propriamente históricas.

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Nesta operação, a unilateralidade da hermenêutica ou, da analítica é enfraquecida de forma que se retire das fontes, tanto a intencionalidade da ação humana quanto o fator de mudanças no tempo inerentes à experiência humana do passado. Rüsen irá nos mostrar, portanto a importância da pesquisa histórica enquanto etapa primordial para a constituição do conhecimento histórico, não somente por nós, que endossados por ele, acreditamos na objetividade da história, mas também, pelos historiadores que discordam de nós. Até porque, o mesmo nos apresenta a pesquisa histórica encarada não como um fim em si mesmo, mas interligada a critérios de constituição histórica de sentido que orientam e conduzem a pesquisa para além do trabalho com as fontes. Embora de forma metódica e regulada, o que assegura que a experiência humana seja controlável, a pesquisa histórica irá transpor esse mero trato do passado através das fontes, e relaciona-los com perspectivas orientadoras do passado que provêm das carências de orientação da vida atual e, com isso, possibilitará a construção de um saber linguístico, a historiografia, que abre possibilidades para o futuro. A contribuição de Rüsen está, portanto, no tratamento do método não como uma etapa vedada da elaboração teórica e, menos ainda, como uma investigação transplantada para a historiografia, isto é, Jörn Rüsen nos mostra a interdependência entre o trabalho interpretativo das perspectivas orientadoras (teorias históricas) e a natureza das operações e procedimentos que irão caracterizar a pesquisa empírica, nos fazendo compreender assim, que a pesquisa em historiografia, não é uma mera transposição dos resultados da pesquisa. Assim sendo, vejamos: Muitos historiadores profissionais consideram que seu serviço à verdade só pode ser prestado se isolarem sua representação do passado com relação aos embates de suas épocas. Essa neutralidade é uma esperança vã. Nenhuma narrativa histórica é possível sem uma perspectiva e os critérios de sentido histórico com ela relacionados. Esses critérios são derivados da orientação cultural da vida prática. Eles têm de estar expressos numa forma conceituai tal que mantenham sua relevância para a vida atual, mesmo se versam sobre coisas passadas. Assim, a objetividade histórica não exorciza, da representação histórica, a variegada multiplicidade da vida prática, pelo contrário: ela é um princípio que organiza essa variedade. Emoção, imaginação, poder e vontade são elementos necessários da produção histórica de sentido. (RÜSEN, 1996, p. 101) Como o mesmo aponta a pretensão de que a história seja objetiva, não irá lhes retirar o vigor da vida, a objetividade pode ser reconhecida como uma forma de seu “brilho pessoal

43 encantador”, onde as narrativas históricas, fundamentadas pelos processos racionais da história, reforçaram a experiência e a intersubjetividade no que tange a orientação cultural. Se assim o fizerem, nos referimos aos historiadores, como diz Rüsen (1996), eles tornariam o peso da vida, um pouco mais suportável, quem sabe?

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