Uma leitura sobre a exposição da obra de Farnese de Andrade em Belo Horizonte em 2016

Share Embed


Descrição do Produto

Por Leandro Machado,    Farnese  de  Andrade:  Arqueologia  existencial  foi  uma  maravilhosa  exposição  viabilizada  pelo  Ministério  da   Cultura  e  Fundação  Clóvis  Salgado,  além  de  inúmeros  outros  patrocinadores. A curadoria é de Marcus de Lontra Costa, e a mostra ocorreu entre 7 de abril a  3  de julho de 2016 na Grande Galeria Alberto Guignard no Palácio das Artes na região central  de Belo Horizonte.    Augusto  Nunes­Filho,  Presidente da Fundação Clóvis Salgado,  argumenta sobre o teor  da  obra  dessa  exposição  ressaltando  que  ela  “cria,  sobretudo,  uma  contundente  alfabetização  subjetiva.  Molda  objetos,  fabrica  símblosos,  desloca  signos  na  elaboração  de  uma  singular  gramática,  estranha  e  familiar,  intangível  e  tocante”.   No  raciocínio  de  Nunes­Filho  “o  artista  se  expõe  em  [ex]votos,   oratórios,  e  imagens;  resquícios  de  deslembranças,  modulações  de  histórias e figuras de memórias; cruas coisas, herméticas simbologias e reveladores cenários.     Angelo  Oswaldo  de Araújo  Santos, Secretário de Estado de Cultura, ao contribuir com  sua  crítica  à  obra  do  artista plástico mineiro, aponta para um aspecto interessante, o de que há  na  obra  uma  perturbação  crescente:  “É  como  se  a  mão  do  artista  tivesse  retirado  esses  estranhos  fragmentos  dos  interstícios  mais  ocultos  do  inconsciente  do  espectador.  As  obras  insinuam  conflitos  insuspeitados.  Uma  trama  de   traumas  se desdobra sob a afronte do estilete  com  que  o  criador  atormenta  sua  memória”.  Farnese  fora  aluno  de  Guignard  na  escola  do  Parque  e,  ainda  nas   palavras  do  Secretário  “tomou  caminho  que  o  levou  a   um  ponto  alto  na  arte  brasileira,   a  partir  do  qual,  voyeur  de  si  próprio,  desvelou a galeria de enigmas nos quais  cifrou, com um trágico, todas as angústias do mundo.”     A  exposição  se  deu  no  espaço  dedicado  ao  mestre  de  Farnese,  dentro  do  Palácio  das  Artes,  a  Grande  Galeria  Alberto  da  Veiga  Guignard.  Este  maravilhoso  espaço  possui  área  livre  de  500m²  e  está repleto de condições técnicas de iluminação e climatização que atendem  de  forma  apropriada  aos parâmetros internacionais para a  realização das exposições de grande  porte.  A  Grande   Galeria  possui  frente panorâmica para a Avenida Afonso Pena e é um espaço  privilegiado  para  a  realização  de  mostras  que  abordam  diversos  campos  da  arte,  da história e  da  cultura.  O  acesso  à  exposição  foi  gratuito,  o  que  possibilitou  uma  gama  bem  variada  de 

visitantes  oriundos  dos  mais  diversos  pontos  da  cidade  e  também  do estado de Minas Gerais.  A seguir, algumas imagens de fotografias digitalizadas oriundas da minha visita à exposição: 

    Michel  Pêcheux  aborda  de  forma  metafísica  e  discursiva  as  questões   existentes  no  imaginário ideológico da sociedade assim como tal imaginário, fomentado pelo que ele chama  de  aparelhos  ideológicos,  se   faz  reproduzir  no  tempo  e  no  espaço,  como  um  “espírito  da  época”,  quando   simbolizado  pelo  sujeito.  A  arte de Farnese expõe angústia, absurdo,  religião,  repressão  e   prisão.  O  artista  fora  vítima  de  enorme  preconceito  social  por  conta  de  sua  homossexualidade,  não  tinha  bom  relacionamento  com  seu  pai  e  com  sua  família,  pois  o  reprimiam,  e  procurou   se  “exilar”  no  Rio  de  Janeiro  como  uma  forma  de  fuga  de  tanto  preconceito1.  Na  exposição  podemos  perceber  a  questão  da  família,  ou  melhor,  da  infância,  nas  figuras  carregadas  de  bebês  (bonecos);  altares  de  madeira  estilo  barroco,  que  nos leva ao  tradicionalismo  católico  de  Minas  Gerais,  e  a  angústia,  que  é  representada  pelas  figuras  1

 Essas informações sobre a vida pessoal do artista mineira foram dadas durante a visita guiada, da qual tive o  privilégio de participar, em 3 de julho de 2016 pelo curador Marcus de Lontra Costa. 

agonizantes  dos  bonecos,  partes  soltas  de  corpos  (mãos,  braços,  pernas),  estátuas  de  cabeça  para  baixo,  e  cores  sombrias  e  e  fúnebres.  A  arte  de  Farnese  mostra  a  necessidade  do  artista  em  se  libertar,  via  arte,  da  ideologia  tradicional  e  repressiva  de  sua  terra  natal  expondo  formações  discursivas  na  construção  de  seu  imaginário  que  o  colocava  em  uma  posição  de  sofrimento  junto  ao  que  Pêcheux  chamou  de  aparelho  ideológico  da  sociedade  na  qual  o  artista mineiro fora criado.     A ideologia  não  se  reproduz sob a  forma  geral de um  Zeitgeist (isto é, o  espírito  da  época,  a  "mentalidade"  de  uma  época,  os  "hábitos  de  pensamento"  etc,)  imposto  à  "sociedade"  de  maneira  regular  e  homogênea,  como  uma  espécie  de espaço preexistente à  luta  de classes:  "Os  Aparelhos   Ideológicos  de  Estado  não  são  a  realização  da ideologia  em geral..." (PÊCHEUX, 1996, p. 144) 

  Durante  a  visita  guiada  que  ocorreu  no  dia  da  minha  visita,  3  de  julho,  Marcus  de  Lontra  Costa,  Curador,  nos  informou  que  as  obras  de  Farnese  articulam  habilidosamente   a  tradição,  seja  barroca,  romântica  ou  simbolista,  com  elementos  regionalistas,  populares,  pessoais  e  mesmo  com  lições   oriundas  das  chamadas  vanguardas  negativas,  como  o  Dadaísmo  e o Surrealismo. De acordo  com o Curador, as obras do artista mineiro, que embora  tenha  vivido  a  maior  parte  de  sua  vida  no  Rio  de  Janeiro  nunca  perdeu  a  essência  da  cultura  mineira  tão  bem  simbolizada  em  sua  arte,  são  confissões,  que  emergem  das  profundezas  de  uma  alma  que  presta  devoção  a  uma  realidade  artística  nacional  da  qual  ela  própria  foi  por  vezes  excomungada,  já  que  a  sua  essência  contrasta   com  um   projeto  abstracionista,  construtivo  e  de  essência   positivista,  que  imbuiu  nossa  arte  durante  décadas  e  que  ainda  dá  forma  aos  trabalhos  de  muitos  artistas  e  dita  o  pensamento  de  uma  parcela   considerável  da  crítica acadêmica de arte.    REFERÊNCIA    PÊCHEUX, 

Michel.O 

mecanismo 

do 

(des)conhecimento 

ideológico.In:ZIZEK, 

Slavoj.(org.)Um mapada ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 143­152   

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.