Uma longa e sangrenta Primavera Árabe

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28/11/2011 - 08h59 . Atualizada em 28/11/2011 - 09h05 Agência Anhanguera de Notícias

Vedovato explica que esse importante movimento demonstra a insatisfação da população e que a democracia nesses países pode ser mais eficiente que qualquer combate armado ao terrorismo (Foto: Divulgação/Ricardo Lima)

Funari lembra que nos protestos em praça pública predominam os jovens urbanos e antenados, sem que se saiba bem qual o alcance das reinvidicações dos manifestantes no campo e nos rincões menos conectados (Foto: César Rodrigues/AAN) Tags

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O movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe chacoalhou países do Oriente Médio e Norte da África, derrubou governos e desencadeou uma série de manifestações populares desde o final do ano passado, depois que um jovem se autoimolou na Tunísia, em protesto contra a corrupção e a falta de liberdade. A internet e as mídias sociais tiveram um importante papel nesse processo. Foi pelos meios virtuais que a oposição convocou os manifestantes a sair às ruas. Nesta entrevista, o professor da PUC-Campinas, advogado e doutor em direito internacional pela USP, Luís Renato Vedovato, e o professor e coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp, Pedro Paulo Funari, analisam a região e países envolvidos.

Correio Popular — Como o senhor avalia o movimento chamado de Primavera Árabe? Luís Renato Vedovato — É um importante movimento que demonstra que a democracia nesses países pode ser mais eficiente que qualquer combate armado ao terrorismo. Demonstra a insatisfação da população que aflora num momento em que o Ocidente está economicamente enfraquecido. Pedro Paulo Funari — Trata-se de uma onda que se iniciou na Tunísia e que se alastra pelos outros países. Em nenhum deles, à exceção do Líbano, onde o movimento, por isso mesmo, não teve ainda repercussão forte, há tradição democrática. Regimes ditatoriais ou, ao menos, bem fechados, não oferecem oportunidades de expressão para amplas parcelas das sociedades. As manifestações em praça pública são uma das poucas maneiras de fazerem ouvir suas reivindicações. Nessas manifestações predominam os jovens urbanos e antenados, sem que se saiba bem qual o alcance das reivindicações no campo e nos rincões menos bem conectados.

Dos países mobilizados por mudanças, em quais as chances de que seja instalada uma democracia de fato são maiores? Por que razões? Vedovato — Muito difícil de se dizer agora, porém, aqueles países com menos riquezas naturais e menos importância estratégica tendem a sofrer menor pressão externa, por isso,

imagino que Tunísia e Egito tenham mais chances do que a Líbia, por conta das riquezas, e Síria, por conta do local estratégico em que se situa. Funari — Não há tradição democrática em nenhum deles e, desse ponto de vista, não será fácil em nenhum. Contudo, a Tunísia apresenta as melhores perspectivas por ser a sociedade mais rica e menos desigual e por ser menos tribal do que a líbia e menos militarizada do que a egípcia.

No Egito, a população derrubou o ditador Hosni Mubarak e agora quer derrubar o governo militar provisório? O que deu errado? Vedovato — É um processo e deve demorar ainda para se consolidar, penso que está dando certo, o povo está, aos poucos, tomando as rédeas. Funari — Foram os militares que retiraram do poder Mubarak, mantendo todo o sistema. Nesse sentido, desde o início, os militares mostraram que, como antes, quem mandava eram as forças armadas. Nunca saíram do poder e não pensam em fazê-lo. A posição dos militares é muito forte no Egito desde a época de Nasser e não há forças civis fortes.

Como o senhor avalia a força do islamismo nessa região e o que se pode esperar do Islã nos diferentes países? Vedovato — Assim como o cristianismo pauta o Ocidente, o islamismo faz o mesmo em vários países do Oriente Médio e Norte da África. O islamismo pode ser um grande aliado para a implantação da democracia e da estabilidade política nessa região. Os ideais de direitos fundamentais em conjunto com os preceitos religiosos podem trazer benefícios para a população. Funari — Até o momento, o islamismo tem tido influência limitada e moderada. Na Tunísia, o partido islâmico obteve bons resultados nas urnas, mas seu discurso é mais moderado, à maneira da democracia cristã na Europa e do partido turco islâmico, que está no poder. Alguns defensores dos regimes autoritários tentam vender o medo do islamismo, mas, até o momento, não há evidência forte dessa ameaça.

A região abriga manifestações extremistas e é vista com reservas pelo Ocidente. É possível que esse cenário se modifique? Até que ponto, nos diferentes países, as mudanças pleiteadas pela população aproximam as sociedades locais do Ocidente? Quais os principais focos de afastamento? Vedovato — É uma questão complexa, mas penso que os extremistas são ouvidos por conta da lacuna democrática existente até hoje nesses países. O levante na Tunísia foi por conta de dívidas, não por conta de religião. Se houver inclusão democrática do povo, os extremistas terão menos espaço e a tendência será de crescimento da cidadania. A ocidentalização pode

ocorrer, mas, devemos lembrar que a discussão de direitos humanos é necessária e, no seu viés contramajoritário, é libertária, permitindo que a população busque a sua efetiva inclusão social. Funari — Uma possível democratização dos países árabes trará consequências contraditórias para as potências ocidentais. Por um lado, os países que se abrirem para regimes menos fechados e mais abertos ao respeito aos direitos humanos, das mulheres e de expressão tendem a se aproximar dos ocidentais nesses aspectos. Contudo, há aspectos das reivindicações populares em diversos países que nem sempre agradam ao Ocidente, como, por exemplo, a confrontação com Israel. Portanto, há tanto aspectos de aproximação como afastamento.

É possível imaginar que países como Egito, Iêmen e Líbia se integralizem ao que chamamos de globalização, no sentido ocidental do termo? Vedovato — Penso que o acontece por lá já é fruto da globalização. Talvez em um nível menor, mas, como inevitável, o vetor é pelo aumento dessa sensibilidade global. Funari — Isso será mais fácil e bem-sucedido em alguns casos do que em outros. O Iêmen é pobre e muito caracterizado por lutas intestinas, sem nenhuma tradição democrática e é o mais distante da globalização. O Egito está já bem mais integrado ao mundo moderno e há uma elite urbana ávida pela globalização. Nesse caso, o desafio é incluir nesse processo as massas rurais e de favelados muito pobres. A Líbia tem petróleo e poderá, pela riqueza e proximidade com o Sul da Europa, ter também boa integração no âmbito das elites urbanas.

O Ocidente teme guerras civis mesmo com a deposição de ditadores. Eleições diretas vão solucionar esse problema? Vedovato — Tenho certeza de que não será fácil, mas é o caminho necessário sempre. Participação popular e eleições. Funari — Não necessariamente, pois sem liberdades civis, estado de direito e outras características democráticas é difícil garantir que sairão governos menos autoritários das urnas.

Como o senhor avalia a influência dessa região no mundo sob o aspecto político? Vedovato — A região é muito importante, especialmente por ser estratégica, no conflito IsraelPalestina, e por ser rica em recursos energéticos. Funari — A influência é muito grande, pois há muito petróleo e há, ainda, interesses estratégicos e militares cruciais. Portanto, embora alguns sejam países pobres, todos são muito importantes, algo que se reflete na importância da região na mídia.

Os Estados Unidos, depois do Iraque e Afeganistão, na gestão de Obama, têm optado por um certo distanciamento dos conflitos nessa região e mesmo a Europa tem evitado confrontos mais diretos. O que isso significa? Vedovato — Pode ser por uma decisão do Ocidente ou pode ser por falta de recursos financeiros para encarar novos conflitos. Como também pode ser uma demonstração de alteração efetiva de tratamento dos países da região. Funari — No caso dos Estados Unidos, isso reflete o desgaste das guerras mencionadas, assim como uma inflexão americana em direção a resolver seus desafios econômicos. Já a Europa está em meio à crise econômica e não tem, sozinha, como ter uma intervenção militar relevante. Mesmo na Líbia, os bombardeios da Otan deveram muito aos americanos.

No caso da Síria, em que o ditador Bashar al-Assad resiste, sem muita intervenção da comunidade internacional, apesar dos massacres diários de civis, o que essa posição política cautelosa do Ocidente representa? Vedovato — É um outro caso delicado, al-Assad tem ligações com o governo iraniano e com o Hizbolah, partido libanês extremista. Isso tudo exige uma cautela maior, pois não se trata de um líder isolado. Ao menos por enquanto. Funari — Não há o que as potências ocidentais possam fazer na Síria, pois faltam recursos, força militar e um plano de intervenção. A oposição da China e da Rússia também é fundamental. Portanto, Assad não tem motivos para ceder e não pode senão aprofundar a repressão, para não perder o poder e a vida.

Qual a posição do Irã, alvo da preocupação ocidental por conta do polêmico programa nuclear, nesse cenário das contestações políticas da região? Vedovato — O Irã merece ser analisado com calma. Entender o Irã pode evitar conflitos no futuro. Não se pode apenas condenar o Irã, mas ele deve também ser analisado com cautela. É um grande país, com grande população e com possibilidade de conseguir resolver os seus problemas internos, o que existe é a necessidade de se incentivar a democracia por lá. Funari — O Irã tenta capitalizar algumas revoltas onde há xiitas, como no Iêmen, mas, no geral, não quer incentivar tais movimentos e apoia, de maneira decisiva, Assad e seu regime na Síria.

E o caso do Iraque, que assistirá ainda este ano à saída das tropas norte-americanas, quais as expectativas políticas para o país? Vedovato — Ainda há horizonte de turbulência, pois o país precisa conviver com seus conflitos internos.

Funari — Com a saída das tropas, espera-se que o país caminhe para menor instabilidade, mas ainda tardará para que o país retome a estabilidade e as perspectivas da democracia são ainda tênues.

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