Uma nova função para a divulgação científica

July 15, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Comunicação, Divulgação Científica
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Uma nova função para a Divulgação Científica Érica Masiero Nering¹ Juliano Maurício de Carvalho² Mateus Yuri Ribeiro da Silva Passos³ RESUMO O Toque da Ciência é um produto de divulgação científica via rádio feito por alunos de jornalismo da UNESP. Seu objetivo é divulgar as pesquisas produzidas por cientistas brasileiros, em todas as áreas, por meio de chamadas radiofônicas curtas, distribuídas para qualquer rádio que tenha interesse em transmitir o programa e divulgar ciência. Este trabalho constitui-se em uma análise crítica da produção discursiva do programa, que é feita por meio de uma análise do processo de produção que tem início no próprio discurso científico produzido pelo cientista, sofrendo transformações para a linguagem jornalística e transformando-se no que conhecemos por divulgação científica. Por meio desta análise foi possível aprimorar o processo de produção do Toque permitindo que fosse produzido um programa mais eficiente no que concerne a um melhor entendimento público da ciência. Ao trabalhar com esse processo, também são considerados os fatores sociais envolvidos tanto nos princípios científicos quanto nos jornalísticos. Apesar do discurso jornalístico não ter a pretensão de ser um discurso didático, ele se constitui em mais um meio que as pessoas têm de se educarem fora da esfera da educação formal. As crianças encontram naquele Toque que ouviram no rádio uma complementação ao que o professor ensinara na sala de aula. _____________________________________ ¹Estudante de Graduação em Jornalismo pela Unesp. Membro do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Contato: [email protected] ²Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital.e docente do curso de Jornalismo da UNESP. Pesquisador e líder do Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (LECOTEC). Doutor em Ciência da Comunicação pela UMESP. Contato: [email protected] ³Mestrando em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar com bolsa da FAPESP. Jornalista (PUC-Campinas), especialista em Jornalismo Literário (ABJL/CESBLU) e Jornalismo Científico (UNICAMP). Membro do LECOTEC/Unesp. Contato: [email protected]

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O adulto que parou seus estudos tem a oportunidade de pensar a ciência, de educar-se informalmente em seu dia-a-dia. Além disso, um importante ponto colocado por Sousa e Silveira é o fato da mídia não educar apenas o “aluno”, mas um importante meio que os professores de ensino fundamental e médio encontraram para informarem-se além de sua formação e do livro didático adotado em sala de aula. A ciência na mídia ajuda o professor a estar sempre interado dos acontecimentos científicos que estão a toda hora em processo de mudança. Entende-se a importância de divulgar ciência como uma iniciativa educacional por parte tanto de cientistas como de jornalistas que têm como função social tomar iniciativas que permitam o acesso de toda a população à ciência produzida nos grandes centros. Para a inclusão da grande parte da sociedade alheia aos processos científicos, é necessário que se invista em uma máxima simplificação da linguagem, permitida através das técnicas de produção textuais radiojornalísticas. Palavras- Chave: Comunicação. Divulgação Científica. Educação informal.

Introdução São poucas as iniciativas que utilizam um meio popular, como o rádio, para levar à população informação científica. Isso porque ciência ainda é um assunto que assusta por seu linguajar técnico, que, supostamente, não combinaria com a linguagem simplificada e pessoal utilizada por programas radiofônicos. Em 1940, o escritor Mário de Andrade já falaria dessa peculiaridade do meio: “Ora, existe a linguagem do rádio também. O simples problema de alcançar o maior número de pessoas, de lhes ser acessível e as convencer a todas, obriga o rádio a uma linguagem mista, complexa, de um sabor todo especial” (ANDRADE, 2005, p.115). Por esta linha, criou-se o projeto Toque da Ciência, um produto de divulgação científica via rádio desenvolvido pelos alunos de graduação em jornalismo da UNESP de Bauru. O projeto visa divulgar a ciência produzida por pesquisadores de todo o Brasil através de programas de rádio de um minuto e meio, onde o pesquisador empresta a sua voz a um texto desenvolvido pelos repórteres, que procuram transformar a linguagem prolixa da ciência em um produto palatável à sociedade. O produto pode ser acessado pelo site www.ciencia.inf.br e sua transmissão é feita gratuitamente por qualquer emissora que tiver interesse em veicular o produto. O Toque da Ciência é um programa que une os objetivos de disseminação e simplificação da linguagem do rádio ao propósito da divulgação científica de atrair a população para o mundo de conhecimentos e descobertas da ciência. O rádio ajuda no sentido de falar diretamente ao ouvinte, de misturar a pessoalidade do rádio à vontade de entender mais sobre a ciência produzida entre as quatro paredes de universidades e centros de pesquisa. Visto isso, esta pesquisa se propôs a analisar o Toque pelo viés de sua função social como propagador da ciência. Objetivos Visa-se criar um acompanhamento crítico do programa de divulgação científica Toque da Ciência, um projeto financiado pelo CNPq, Ciência na Unesp e Proex. Entender a divulgação científica e a criação do discurso científico permitiu que houvesse um aprimoramento no produto com o sentido de desenvolver um trabalho que melhor atinja as necessidades de um público que precisa receber um feedback dos investimentos feitos com dinheiro público em prol da ciência e 195

tecnologia. Fundamentação Teórica Partiu-se dos princípios desenvolvidos pelas teorias do rádio, que o tratam como um meio democrático, de fácil acesso e linguagem acessível. A partir disto, foram utilizados estudos em Divulgação Científica e Análise do Discurso como forma de entender os processos de criação e transformação de linguagem utilizada pelo jornalista, que tem a função de traduzir a ciência em sua forma prolixa para uma forma mais acessível (a própria Divulgação Científica). Um estudo mais específico da produção de um discurso de divulgação científico foi analisado pelas teorias de Burkett (1990). Enfocaram-se os estudos da escola francesa de Análise do Discurso, por meio de suas matrizes teóricas: Michel Foucault e Michel Pêcheux. Esta linha busca entender o discurso como uma forma histórica e ideológica de construção da linguagem, o que justifica as diferenças de discurso entre o jornalista e o cientista, uma vez que a história de seus discursos diverge historicamente em seus sentidos, funções e objetivos. Uma vez que o cientista tem como objetivo disseminar sua pesquisa para seus iguais e o jornalista, para todos. Por fim, estudou-se a sociologia da ciência como tentativa de compreensão do cientista e as influências que ele sofre em seu dia-a-dia que afetam seu discurso e a forma que eles lidam com a divulgação científica, uma vez que há uma dificuldade na compreensão da linguagem simplificada do produto. Os autores desta linha utilizados são Bruno Latour (1997 e 1999) e Karin KnorrCetina e Michael Mulkay (1983). Metodologia Previamente à análise do corpus do Toque da Ciência elaborou-se uma discussão teórica por meio de bibliografia. Foram consultados estudos de caso em divulgação científica, assim como as teorias de produção em jornalismo científico e Análise do Discurso. O método de análise escolhido foi o desenvolvido pela escola francesa de Análise do Discurso (AD), uma vez que a divulgação científica pressupõe uma transformação de discursos que infere diretamente na relação do jornalista com o cientista e dessa forma produzirá sentidos para seu receptor. Para a Análise de Discursos, o discurso é uma representação das influências históricas e ideológicas do sujeito que o produziu. E este sujeito, como alguém inserido em um contexto social. Concomitantemente aos estudos em AD, a análise do produto Toque da Ciência também é feita pelos princípios da sociologia da ciência que, por meio de estudos antropológicos, visa entender a influência do meio nas produções científicas. Por tratar-se de um estudo produzido por quem atua na área jornalística, entendeu-se a necessidade de compreender o outro (pesquisador) e os motivos que o levam a ser arredio aos produtos jornalísticos sobre ciência. A análise do corpus é feita por meio da verificação na alteração discursiva dos produtos textuais de divulgação científica. O processo de produção se dá da seguinte forma: o pesquisador é contatado pelo repórter para uma entrevista. Desta entrevista, o repórter elabora uma lauda para rádio com duração de um minuto e vinte. Esta lauda assa pelo crive do coordenador do projeto, 196

como forma a avaliar se a linguagem está adequada aos objetivos de simplificação exigidos pelo rádio e pela divulgação científica. Esta lauda é enviada ao pesquisador que também deve dar seu aval. Nesta etapa ocorre a avaliação da veracidade científica do produto pelo sujeito produtor. Esta análise vai resultar em um produto final que será gravado posteriormente pelo próprio pesquisador. Essas quatro versões de lauda são recolhidas e avaliadas quanto ao processo de mudança discursiva empregados pela AD. Aplicação da Metodologia Para uma análise do discurso propriamente dita, cabe entendermos o nosso principal objeto de estudo, que é o texto. É ele que dará subsídios para o analista poder compreender o sentido discursivo. No dia-a-dia, o conceito de texto e discurso é muito facilmente confundido, apesar de serem distintos entre si, de se relacionarem. Chegamos ao discurso por meio do texto, mas o texto não pode ser considerado, por si só, um discurso. A questão principal da AD é “Como esse texto significa?” e procura seu sentido no texto (e não do outro lado, como se costuma pensar) (ORLANDI, 2003). Essa busca pelo sentido, considera no texto os sujeitos, os processos de produção, o contexto sócio-histórico, etc, (elementos que serão discutidos logo adiante nesta pesquisa). Isso porque o texto é apenas uma ferramenta lingüística, que dá suporte ao discurso, que o faz mostrar-se, explicita-o. Ele é o que se chama por unidade de significação (ORLANDI, 2003) em que, consideradas as suas condições de produção, o analista consegue encontrar ferramentas que o levem em direção ao discurso. A AD “produz conhecimento a partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma estrutura semântica: ela o concebe em sua discursividade”. (ORLANDI, 2003, p.18). Desta forma, entendemos o discurso como um objeto teórico da AD, enquanto o texto é apenas um objeto empírico (de análise). Charaudeau & Maingueneau (2004, p.169) colocam essa questão do discurso como a inserção do texto em seu contexto, levando-se em conta, portanto, as condições de produção e de recepção. Tomemos como exemplo um texto do Toque da Ciência: O estudo da história da ciência é importante, pois contextualiza a visão absoluta que temos sobre a ciência. É preciso encará-la como um processo, cheio de idas e voltas, que vem acontecendo há milênios. O mapeamento do conhecimento químico serve para entender um pouco mais esse processo. A pesquisa que, junto de minha equipe, realizo envolve, entre outros, estudos em materiais nitrosos, como o salitre, que causou muita cobiça e controvérsia desde a antigüidade, por ser matéria-prima de substâncias economicamente importantes. Para isso, é necessário entender quais eram as técnicas e procedimentos na obtenção e produção dos compostos nitrosos, incluindo, de maneira especial, seu trabalho em laboratório em diferentes períodos. Realizamos o resgate e traduções de manuscritos, comparações com outros documentos e levantamento de fontes. Constantemente apresentando em publicações e encontros, o produto desses estudos indica como se estabeleceram novas maneiras de compreender, obter e utilizar materiais nitrosos. Por exemplo, foi possível descobrir uma incrível história que coloca o salitre como protagonista dos estudos sobre um tipo de princípio material que muitos pensadores acreditavam existir, ainda, entre os séculos dezessete e dezoito. Sou Ana Maria Alfonso-Goldfarb, professora e pesquisadora da Pós-

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graduação em história da ciência na PUC-SP.

O texto significa a superfície lingüística, ou seja, isto que está colocado, sem nenhuma significação além do que se diz. Pra chegar ao discurso, é preciso ir além do texto. Ainda não vamos levar em consideração conceitos como o de sujeito, locutor ou autor do discurso aqui analisado, pois no Toque da Ciência essa questão pode gerar controvérsias. Mas podemos entendê-lo como discurso se o considerarmos, por exemplo, dentro de um contexto sócio-histórico determinado: neste caso, o contexto atual de leigos que entendem a ciência como algo distante e de difícil compreensão, o que acaba gerando certo desinteresse. O pesquisador e divulgador, por sua vez, querem “vender o peixe” de sua ciência (SANTOS, 2002). Neste caso, objetos teóricos nos levaram a entender algum aspecto do contexto. Mas, cabe ao analista encontrar no próprio texto essas marcas. Logo no início deste texto, o Toque afirma e justifica a importância da ciência. A priori, essa frase poderia ser suprimida, uma vez que se supõe que, ao consumir um programa de divulgação científica o receptor provavelmente já deve considerar a ciência importante ou, no mínimo, interessante o suficiente para lhe prender a atenção. Logo depois o texto explana “É preciso encará-la como um processo, cheio de idas e voltas, que vem acontecendo há milênios”. Latour (1997) diz que a credibilidade de um cientista é seu “bem” mais precioso e, para preservá-lo, tenta-se cercar a pesquisa por todos os lados. Ao explicar que a ciência é um processo de idas e voltas, a pesquisadora tenta cercar sua pesquisa e já justifica afirmações possíveis de se refutar no futuro. A explicação da importância do processo e a citação da pesquisa como uma produção em equipe também são elementos de análise que nos levam a uma proteção dos fatos. Para se chegar do texto ao discurso, há um percurso a ser percorrido pelo analista (ORLANDI, 2003) que começa na superfície lingüística constituída pelo texto (fora de sua significação). Este, por sua vez, levará o analista ao seu objeto discursivo, com seus efeitos de sentido, constituindo o que chamamos de formação discursiva. A formação discursiva, dentro da escola francesa, adquire uma grande importância, pois é nela que o sujeito se reconhece/identifica (ORLANDI, 2000), ou seja, é quando o sentido adquire sua unidade. Essa idéia foi primeiro proposta por Foucault em sua arqueologia, mas foi trazida para a AD por Pêcheux. Para ele (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004), dentro do contexto de formação social são caracterizadas formações políticas e ideológicas que se organizam, não individualmente, mas por formações discursivas, que determinam, em um contexto maior de alianças ou dominações, o que pode e o que deve ser dito pelo sujeito. Ou seja, identificar as formações discursivas é como identificar o sujeito e as relações de força que o levam a criar e identificar seus discursos. Este conceito é importante no que concerne a esta pesquisa, uma vez que entendemos os sujeitos do discurso do Toque como integrados às formações discursivas criadas pelo contexto social do entendimento de ciência e divulgação científica (identificação esta feita por meio dos estudos sociológicos da ciência desenvolvidos por Bruno Latour). Voltando ao texto da pesquisadora Goldfarb, ela afirma, em determinado momento, que os resultados de sua pesquisa são constantemente apresentados em encontros e aceitos para publicação. Isso indica a importância dada ao aceitamento de uma pesquisa pela comunidade científica. Latour (1997) diz que “O reconhecimento, como a credibilidade, tem origem essencialmente nos comentários que os pesquisadores fazem de seus pares.”(LATOUR, 1997, p.225). E se artigos de 198

determinados pesquisadores são aceitos para publicações de renome isso, automaticamente, pressupõe uma aceitação do pesquisador pelos seus pares, garante-lhe respeito e “comentários bons”. Por último, as formações discursivas levarão o analista a uma tentativa de entendimento do processo discursivo, ou seja, a formação ideológica do discurso. Orlandi (2000), em nota de rodapé, define as formações ideológicas como o “conjunto de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se reportam mais ou menos diretamente às posições de classe em conflito umas com as outras”. (HARACHE et al, 1975, apud ORLANDI, 2000, p.18). Resultados O Toque da Ciência, por não possuir intenções comerciais, constitui-se em um bom objeto de pesquisa no que concerne à compreensão do processo que se inicia no discurso científico e transforma-se no discurso jornalístico com o único objetivo de chegar à população. Além disso, por tratar-se de um produto radiofônico, trabalha-se com o maior nível de simplificação de linguagem possível dentre os meios de comunicação. As laudas nos fornecem alguns subsídios que reforçam o que a teoria nos diz. Pôde-se constatar certa freqüência de características na transição discursiva entre o científico e o jornalístico. Entre a lauda produzida pelo repórter e a analisada pelo coordenador, as principais mudanças ocorriam no âmbito da linguagem: tradução de jargões, redução de períodos, retirada de palavras repetidas, implantação de vírgulas, etc. Já desta lauda para a modificada pelo pesquisador o que se observava, na maioria das vezes, é uma relutância em retirar jargões, uma tentativa de aumentar o texto inserindo processos técnicos e, principalmente, uma necessidade de contemplar toda a equipe que trabalhou na pesquisa. Já as laudas finais representavam um claro diálogo em que se tentou tanto contemplar as necessidades do jornalista de manter o formato e a linguagem clara, como também do cientista de preservar a legitimidade de sua pesquisa. Por meio desta pesquisa foi possível perceber que os cientistas sentem-se arredios à divulgação científica por recearem que a simplificação da linguagem não contemple todas as nuancem que envolveram o processo de produção de sua pesquisa (GREGORY & MILLER, 1998). O discurso do jornalismo ligado ao do rádio e o pouco espaço para falar da pesquisa assustam o cientista, uma vez que as pressões por financiamento, reconhecimento e credibilidade (LATOUR, 1999) o fazem criar uma proteção acerca de sua pesquisa. Porém, o problema com o qual o repórter de ciência se depara é o contraponto entre as intenções do cientista (preservar sua pesquisa com seus rigores técnicos e lingüísticos) com suas próprias intenções de tornar a ciência acessível a todos os níveis de escolaridade. A comunicação científica ajuda a transpor a brecha que há entre os cientistas e os não-cientistas (BURKETT, 1990) e a linguagem é seu meio para tal. As laudas analisadas no Toque da Ciência mostraram que o pesquisador não se sentia a vontade com o texto da divulgação e o diálogo entre ele e o repórter, na maioria das vezes, se dava na tentativa do pesquisador inserir mais conteúdo e tornar a linguagem mais técnica. Por outro lado, percebe-se um esforço do repórter pela simplificação e concisão necessárias para contemplar o formato exigido pelo produto. Para Foucault (1970), a idéia de discurso científico pode ser ligada ao conceito de poder que o faz ser entendido como discurso da atual verdade. Esta problemática do poder leva-nos a uma constatação acerca do produto Toque da Ciência: o texto científico é mais bem aceito, em uma 199

esfera social, do que o texto jornalístico (OLIVEIRA, 2002), conferindo maior poder de credibilidade ao cientista. A idéia de que uma leitura difícil representa, necessariamente, uma leitura verdadeira é muito recorrente. Atribui-se a quem usa “palavras difíceis” um maior conhecimento, o que nem sempre acontece. O que a divulgação propõe é uma superação desta hierarquização no que concerne aos discursos. Uma linguagem simplificada deve ter igual poder no que concerne ao respeito diante da sociedade para a qual o produto se volta e esta situação só poderia ser atingida em um trabalho conjunto entre divulgadores e cientistas. Foi possível detectar que, quando há um maior diálogo entre o cientista e jornalista, a divulgação científica pode ser mais efetiva e trazer bons resultados no sentido de atingir o seu público (CALDAS, 2004). Desta forma, ao produzirem o Toque da Ciência, os alunos de jornalismo procuram estabelecer um diálogo próximo ao cientista por meio de entrevistas e troca de textos para uma tentativa de criar um consenso entre as linguagens e o formato da mensagem científica. O texto divulgado é o texto produzido em linguagem jornalística, mas, por ser locutado pelo próprio cientista, é necessário que o mesmo autorize o texto para poder emprestar sua credibilidade (sua voz) à mensagem que será transmitida. Um meio como o rádio, rápido e barato, consegue atingir a sociedade de uma maneira democrática e efetiva (BACHELARD, 2005). As revistas aparecem como uma melhor forma de se contemplar com mais precisão os processos científicos, devido ao maior tempo de apuração dos fatos e maior espaço para o debate da ciência. Porém, elas possuem o problema de apenas chegarem àquelas pessoas que já possuem um interesse prévio (mesmo que leigo) em ciência. A segmentação de interesses que pressupõe a criação de uma revista faz com que só consuma ciência quem já tem predisposição para tal. São as pessoas que se dizem alheias à ciência que o Toque da Ciência busca atingir. O fato de o programa ser em formato de drops (chamada de curta duração) chama a atenção do público que não tem um interesse específico pela ciência, uma vez que o Toque incita a curiosidade pelo acaso ao ser inserido nos intervalos comerciais de programas dos mais diversos assuntos. Discussões Por tratar-se de um estudo de caso, foi possível estabelecer uma forte ligação entre o estudado na teoria e o que realmente ocorre na prática. O fato mais presente no dia-a-dia de quem procura divulgar a ciência é o diálogo com o cientista. Apesar de um bom resultado ser obtido por meio deste diálogo mais estreito dos repórteres do Toque da Ciência com os cientistas, ainda assim há muitos casos de cientistas que não aceitam ter a sua pesquisa divulgada. Foi possível constatar a partir disto um importante problema no que concerne ao entendimento público da ciência. Um problema social é a falta de retorno que a população tem do conhecimento produzido nas instituições públicas de pesquisa e este embate entre o discurso científico e jornalístico prejudica esta divulgação da ciência, uma vez que o cientista não se mostra aberto à divulgação. O que se entende é que a forma como se dá o processo de produção do Toque da Ciência influi diretamente em como será o resultado final, inclusive em como se dará a recepção do produto por parte da população. Mas, afinal, por que a divulgação científica insere-se como uma iniciativa tão importante tanto 200

de cientistas quanto de jornalistas? Não só uma forma de devolver um investimento, divulgar ciência também é, em si, um investimento para um futuro melhor em nosso país, que transita pela educação. “A redação científica educa, em vários níveis, adultos cuja educação formal termina no 2° grau ou na faculdade. A redação científica ajuda a educar crianças sobre o mundo natural que as cerca além de seu ambiente imediato, além de suas salas de aula, além de sua limitada experiência”(BURKETT, 1990, p.6). Apesar do discurso jornalístico não ter a pretensão de ser um discurso didático, ele se constitui em mais um meio que as pessoas têm de se educarem fora da esfera da educação formal. As crianças encontram naquele Toque que ouviram no rádio uma complementação ao que o professor ensinara na sala de aula. O adulto que parou seus estudos tem a oportunidade de pensar a ciência, de educar-se informalmente em seu dia-a-dia. Sousa e Silveira (2001) defendem a linguagem da mídia (apesar de generalista, fragmentada e simplificada em excesso) como uma importante ferramenta que pode trabalhar em favor da ciência, por ser acessível à qualquer pessoa com o mínimo de formação. Além disso, um importante ponto colocado por Sousa e Silveira (2001) é o fato da mídia não educar apenas o “aluno”, mas um importante meio que os professores de ensino fundamental e médio encontraram para informarem-se além de sua formação e do livro didático adotado em sala de aula. A ciência na mídia ajuda o professor a estar sempre interado dos acontecimentos científicos que estão a toda hora em processo de mudança. Conclusões O Toque da Ciência permitiu adaptar o discurso denso da ciência a um meio com exigências extremas de linguagem. É o que temos em máximo de simplificação, o que o faz ser um meio mais democrático. Visto isso, podemos concluir que o Toque da Ciência consegue atingir seu objetivo de tirar a ciência dos grandes centros de pesquisa e levá-la à maior quantidade de residências. Como mencionado anteriormente, identificamos três sujeitos fundamentais: o repórter, o coordenador do projeto e o pesquisador entrevistado. Cada um deles carrega em seu discurso uma carga ideológica e social que influencia na produção do seu discurso, nas suas intencionalidades acerca do produto elaborado. Desta forma, o Toque apresentou-se como uma mescla discursiva única, resultado das forças incumbidas a cada sujeito nas relações do poder relacionado a cada um deles. Essa constatação que foi possível enunciar depois de um amadurecimento teórico, discussões e embates autorais, pôde nos dar subsídios para, nesse momento, sugerirmos e apontarmos caminhos que levem a melhores resultados relacionados ao produto aqui em questão. Ao se produzir uma divulgação científica, podemos entender que tanto o papel do repórter, quanto o do cientista são importantes para a obtenção de um melhor resultado. Isso porque a preocupação em atingir o público do discurso jornalístico faz com que o discurso científico torne-se mais compreensível, fora do ambiente prolixo da ciência. Por sua vez, a produção científica a ser divulgada, os resultados, as aplicações e tudo o mais que cabe à DC disseminar, fazem parte do repertório do pesquisador. O repórter, [na grande] maioria das vezes, pouco entende de ciência e dos detalhes da pesquisa. É assim que entendemos que a produção discursiva do Toque da Ciência será mais efetiva 201

quando repórteres e pesquisadores conseguirem estabelecer um diálogo mais próximo. As análises puderam mostrar uma evolução dos sujeitos quanto a esse aspecto, as produções textuais tiveram uma melhora. Repórteres passaram a entender melhor as necessidades do pesquisador, da mesma forma que os pesquisadores também foram por vezes flexíveis quanto ao novo discurso acerca de sua pesquisa. Apesar da melhora, ainda é preciso fazer um esforço dos lados. O pesquisador, por vezes, ainda aceita o texto e acrescenta informações na hora de locutá-lo. O repórter, faz uso do recurso de edição para transformar o discurso de acordo com suas necessidades. Esta pesquisa permitiu mostrar que uma das soluções para que haja uma boa produção em divulgação científica é o diálogo de cientistas e jornalistas sobre o produto a ser distribuído midiaticamente. Desta forma, ambos os lados são preservados sem que haja uma perda da sociedade no que consideramos um direito: o de receber de volta, em forma de conhecimento, todo o dinheiro público aplicado em pesquisa no Brasil. Referências Bibliográficas ANDRADE, Mário de. A língua radiofônica. In: MEDITSCH, Eduardo. Teorias do Rádio: Textos e Contextos. Florianópolis: Insular, 2005. CALDAS, Maria das Graças Conde. Jornalistas e cientistas: a construção coletiva do conhecimento. Comunicação & Sociedade. São Bernardo do Campo: PósCom-Umesp, n. 41, p. 39-53, 1o. sem. 2004. BACHELARD, Gaston. Devaneios e Rádio. In: MEDITSCH, Eduardo. Teorias do Rádio: Textos e Contextos. Florianópolis: Insular, 2005. CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004. BURKETT, Warren. Jornalismo Científico: como escrever sobre ciência, tecnologia e alta tecnologia para os meios de comunicação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 6ª edição- Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2002. FOUCAULT, Michel. L’Ordre du discours, Leçon inaugurale ao Collège de France prononcée le 2 décembre 1970. Paris: Gallimard, 1971. Tradução de Edmundo Cordeiro com a ajuda para a parte inicial do António Bento. Disponível em . Acesso em: 13 fev. 2008. 202

GRANJERO, Cláudia Rejanne P. Foucault, Pêcheux e a Formação Discursiva. In: BARONAS, Roberto Leiser (org). Análise do Discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. São Carlos: Pedro & João Editores, 2007. p.33-45. GREGORY, Jane; MILLER, Steve. Media Issues in the Public Understanding of Science. In: __________. Science in Public- Communication, culture and credibility. New York: Basic Books, 1998. p. 104-131. LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. LATOUR, Bruno. Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 1999. KNORR-CETINA, Karin D.; MULKAY, Michael. Introduction: Emerging Principles in Social Studies of Science. In: KNORR-CETINA, Karin D. (org.); MULKAY, Michael (org.). Science Observed. London: Sage Publications, 1983. OLIVEIRA, Fabíola. Jornalismo Científico. São Paulo: Contexto, 2002. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas : Pontes, 2003. ORLANDI, Eni P. Discurso & Leitura. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. São Paulo: Ed. Da Unicamp, 1988.

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