Uma Proposta de Júri Simulado como Estratégia Lúdica para Ensino de História da Química no Ensino Médio: A Teoria do Flogístico

June 24, 2017 | Autor: Tauan G. Gomes | Categoria: History of Science
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Universidade Federal do Triângulo Mineiro

Tauan Garcia Gomes

Uma Proposta de Júri Simulado como Estratégia Lúdica para Ensino de História da Química no Ensino Médio: A Teoria do Flogístico

Uberaba 2013

Tauan Garcia Gomes

Uma Proposta de Júri Simulado como Estratégia Lúdica para Ensino de História da Química no Ensino Médio: A Teoria do Flogístico

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Química, área de concentração “Ensino de Química”, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Química. Orientadora: Profa. Ms. Luciana Caixeta Barboza Barboza

Banca Examinadora Profa. Ms. Luciana Caixeta Barboza Profa. Dra. Graziela Giusti Pachane Prof. Dr. Breno Arsioli Moura

UFTM UFTM UFTM

Uberaba 2013

Este trabalho, como toda a minha produção, é dedicado à deusa Atena e o que ela representa.

Agradecimentos

À orientadora, professora Luciana Caixeta, pela paciência, pela atenção, pelo carinho, pelas horas investidas, pelo ouvido atento e conselhos estimados, pelas contribuições para minha formação profissional e humana. Ao Esdras, pelo tempo, pelos conselhos e revisões e, principalmente, pela boa vontade. À professora Thaís Cyrino de Mello Forato pela boa conversa e bons ensinamentos em uma tarde paulistana. À Marcela pelas úteis indicações historiográficas. À minha mãe, sempre presente, um apoio, uma força, um carinho. À tia Pat, uma crítica bem vinda e uma observadora instigante. À Família de um modo geral, pelo apoio e pelo refúgio. A todos os professores que passaram pela minha vida, deixando suas marcas e contribuições. Aos deuses, pelas benções e inspirações.

"[...] denomina-se humano o ato livre produzido pelo homem, quando age por autodeterminação."

Luiz Feracine

RESUMO

Neste trabalho buscamos discutir uma proposta de estratégia lúdica, utilizando o Júri Simulado, para desenvolver questões relativas à História da Ciência – como a influência da teoria do flogístico para o desenvolvimento cientifico no século XVIII – na sala de aula do Ensino Básico. Parte-se dos princípios de que a compreensão História da Ciência contribui para a compreensão da Ciência de um modo mais realista; e de que o jogo educacional, quando aplicado com equilíbrio entre o aspecto lúdico e o aspecto educacional, pode ser uma ferramenta de aproximação entre professor e alunos e pode despertar o interesse dos mesmos.

ABSTRACT

In this work we discuss a ludic strategy proposal, using Simulated Jury, to develop questions concerning the History of Science - such as the influence of the phlogiston theory to the scientific development in the eighteenth century - in the classroom of Basic Education. It starts with the principles that understanding the History of Science contributes to the understanding of Science in a more realistic, and that the educational game, when applied with balance between ludical and educational aspect, can be a tool to bring together teacher and students and can arouse them interest.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ................................................................................... 8 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................. 9 2.1 O ENSINO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA ................................................................ 9 2.2 AS ATIVIDADES LÚDICAS................................................................................... 12 2.3 ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO ......................................................... 14 2.4 UTILIZAÇÃO DE BIOGRAFIAS NA HISTORIOGRAFIA .................................... 15 2.5 A TEORIA DO FLOGÍSTICO ................................................................................ 17 2.5.1 Contribuições da teoria do flogístico ..................................................... 18 3 OBJETIVOS ...................................................................................................................... 21 4 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................... 22 5 DESENVOLVIMENTO E PROPOSTA DA ATIVIDADE ............................................... 23 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 26 APÊNDICE ........................................................................................................................... 32

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1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Nos dias de hoje, professores da Educação Básica apontam, por meio de seus instrumentos avaliativos, que os alunos de Ensino Médio têm grande dificuldade de aprendizagem na área das ciências exatas, como física e química. Uma possível causa para essa grande dificuldade é o fato de terem pouca ou nenhuma noção do processo de (re)construção científica (Morin, 2000 1 apud Colares et al., 2011). Outro fator agravante é que, na maioria das vezes, eles se vêm distantes do objeto de estudo dessas disciplinas e de seus professores. Nesse contexto, o estudo da História da Ciência pode ser de grande valia para vencer essa barreira. Dentre os temas que compõem a História da Química, elegemos a discussão à cerca da teoria do flogístico por ela evidenciar a contribuição de diversos cientistas para esta teoria, bem como as divergências entre eles no tocante à mesma. Pensando nisto, que estratégias podemos utilizar para a discussão desta teoria com alunos de Ensino Médio? Para tentar responder a esta pergunta, faremos inicialmente uma discussão sobre o Ensino da História da Química tentando identificar suas contribuições para o ensino básico; a seguir abordaremos as atividades lúdicas, trabalhando a ideia de sua utilização no contexto escolar. Dentro do tópico sobre o desenvolvimento da atividade lúdica que estamos propondo ponderaremos sobre a elaboração de materiais didáticos e da utilização de biografias na historiografia. A seguir trataremos da teoria do flogístico, tópico da História da Química tema central de nosso trabalho, bem como das contribuições dessa teoria para o desenvolvimento científico.

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MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 O ENSINO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA No Brasil o uso da História da Ciência é recomendado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) – um dos documentos responsáveis pelas diretrizes que norteiam a educação e que indicam os rumos para o Ensino Médio, sendo este concebido como um instrumento para a formação humana. Os PCNEM destacam a importância da contextualização histórica para o desenvolvimento das habilidades e competências nas aulas de física, química e biologia (Carmo, 2011; Leme, 2008). Acreditamos que por meio do estudo da História da Ciência o aluno desfaz alguns dos mitos que colaboram com o distanciamento entre a ciência/cientista e as demais pessoas, porque passa a enxergar que na ciência não há verdades absolutas e incontestáveis, que a ciência é construída tanto pelos acertos quanto pelos erros, como a teoria do flogístico, proposta por Becher e Stahl entre 1669 e 1723, e descartada por Lavoisier em 1777; por experimentos, remodelações, releituras, questionamentos e discussões, como a do cientista Pascal e do jesuíta Noël sobre o vácuo, no século XVII (Maar, 2008; Saito, 2006). Isto vai ao encontro da ideia defendida por Carvalho e Vannuchi (2000), de que o conceito de ciência dos estudantes é largamente responsável por seus desempenhos no aprendizado da ciência. Com base nesta ideia, valemo-nos da opinião de Chassot (1993), quando ele afirma: [...] Não concordo com os que relegam a História da Ciência ao papel de simples fonte de valores emotivos, ou então para a canalização de gratuita curiosidade intelectual em horas de repouso. Estou entre os que defendem o extraordinário valor pedagógico, o grande significado cultural e o relevante alcance epistemológico da História da Ciência (p. 114, grifos do autor).

Como Matthews (1995), defendemos que a História da Ciência pode tornar as aulas mais desafiadoras e reflexivas, permitindo o desenvolvimento do pensamento crítico, a aproximação entre a ciência e os interesses pessoais, éticos, culturais e políticos do aluno, auxiliando na formação do professor e proporcionando o desenvolvimento gradativo de uma epistemologia da ciência. Desta forma a discussão da

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História da Ciência pode contribuir no desenvolvimento cognitivo e nas habilidades de argumentação, exatamente por sua natureza construtivista e reflexiva (Carvalho; Vannuchi, 2000). Matthews 2 (apud Carmo, 2011) afirma que a História da Ciência proporciona uma melhor compreensão dos conceitos científicos, neutralizando-se o cientificismo e o dogmatismo que são comumente encontrados nos textos científicos, ou seja, humaniza-se o “fazer” ciência, tornando-o menos abstrato e mais atraente para os estudantes. Desta forma permite-se compreender as interações entre ciência, tecnologia e sociedade, mostrando que a ciência não está isolada, mas sim, que faz parte de um desenvolvimento histórico, de uma cultura, de um mundo humano, sofrendo influências e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade (Martins, 2006). Lederman (2007), em seu texto Nature of Science: Past, Present, and Future, propõe o ensino da epistemologia da ciência para que os alunos entendam que esta é produto de uma cultura, o que está em consonância com Martins (1998, p. 18) ao afirmar que por meio da: [...] história da ciência o educando irá perceber que a aceitação ou o ataque a alguma proposta não depende apenas do seu valor intrínseco, de sua fundamentação, mas que também nesse processo estão envolvidas outras forças tais como sociais, políticas filosóficas ou religiosas.

Outro argumento é que no ensino guiado pela história os estudantes podem escapar da armadilha do positivismo, ou seja, a noção de que há uma única explic ação correta para cada fenômeno natural, o que conduz os estudantes a uma aprendizagem defasada3 (Esktig apud Carmo, 2011). Considera-se ainda que quando não se incluem no currículo as discussões históricas toda uma perspectiva foi excluída do contexto escolar, o que traz consequências como a falta de preparo para examinar os fatos de diferentes pontos de vista, a não consciência da diversidade de opiniões e a ausência de questionamento do propósito da investigação cientifica (Carvalho; Vannucchi, 2000).

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MATTHEWS, M. P. Science teaching: the role of history and philosophy of science. New York: Routledge, 1994. 3 EKSTIG, B. Teaching guided by the history of science: the discovery of atmospheric pressure In: MATTHEWS, M. R.. History, philosophy, and science teaching: selected readings. Toronto & New York: Teachers College Press, 1991, p. 213-17.

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Também é proposto por Carmo (2011) que a História da Ciência pode servir como fonte de inspiração para o planejamento de atividades de ensino, como discussões, simulações/representações e aulas práticas. Ainda sobre o planejamento de atividades de ensino Martins (2006) cita, como barreira para o ensino de História da Ciência, a falta de material didático de qualid ade, o que pode comprometer a aprendizagem, e deturpar a própria natureza da (História da) Ciência, visto que afirmações isoladas e curtas, que trazem apenas um reforço para o assunto abordado, propagam ideias errôneas como: a de que a ciência é apenas feita por grandes personagens; que é constituída a partir de eventos marcantes; que cada alteração da ciência ocorre em uma data determinada e que cada fato é independente dos demais, podendo ser estudado isoladamente. Como contraponto a essa tendência o autor afirma que: [...] Quem conhece realmente a história da ciência sabe que as alterações são lentas, graduais, difusas; são um trabalho coletivo e não individual e instantâneo, dos “grandes gênios”; é difícil ou impossível caracterizar em uma só frase ou em poucas palavras o que foi uma determinada mudança científica; e há estreita correlação entre acontecimentos de muitos tipos diferentes, o que torna difícil isolar uma “descoberta” e descrevê-la fora de seu contexto (Martins , 2006, p. XXV).

O autor argumenta também que o estudo de alguns episódios da História da Ciência deve estar sempre presente para que seja formada uma concepção adequada sobre a natureza das ciências, suas limitações e suas relações com outros domínios. Isto se relaciona com a ideia que defendemos, de que a História da Ciência, juntamente com o ensino interdisciplinar e contextualizado, é uma ferramenta de humanização do ensino de ciências. Dessa forma, propomos um ensino diferenciado da História da Química, pois consideramos que o aprendizado se dá através da experiência, e consideramos experienciar como envolver-se com o objeto de estudo, em nível intelectual, físico e intuitivo, conforme Spolin (2010) defende a cerca do jogo teatral, e que nós extrapolamos para as demais atividades lúdicas.

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2.2 AS ATIVIDADES LÚDICAS O uso de atividades lúdicas em sala de aula pode ser uma maneira de despertar um interesse intrínseco ao ser humano que poderia permanecer latente caso só fossem utilizadas aulas expositivas (Oliveira; Soares, 2005). Essa pode ser também uma estratégia de desconstrução do distanciamento entre professor e aluno resultante do caráter formal da sala de aula convencional. Soares (2008) traz a discussão levantada por Kishimoto 4 de que ao se utilizar do jogo em educação deve-se atentar para o equilíbrio de suas duas funções: a) função lúdica – ou seja, o jogo propicia a diversão e o prazer; b) função educativa – ou seja, o jogo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão de mundo. Assim, se há predomínio da função lúdica, não há ensino, somente o jogo pelo jogo, e se há predomínio da função educativa, não há jogo, somente material didático (Oliveira; Soares, 2005), e aí estamos de volta à aula “convencional”. Kishimoto (1996) defende o uso do jogo na educação, justificando que o jogo favorece o aprendizado pelo erro, além de criar um ambiente adequado para a investigação e busca de soluções. Este ambiente, mais dinâmico está de acordo com a sala de aula da era da comunicação, a chamada Idade Mídia (Rubim, 2000), e para Benefetti Filho e colaboradores (2009) nele é também enquadrado o jogo como estratégia didática. Em seu livro, Jogos para o Ensino de Química: teoria, métodos e aplic ações, Soares (2008) salienta a tendência atual de utilização de diversas atividades lúdicas na sala de aula como estratégia para motivar e despertar o interesse do aluno. Nesse contexto o autor cita trabalhos como o de Cunha5 que propôs uma série de jogos utilizando cartas e tabuleiros; Beltran6 que relatou a utilização de uma série de desenhos sobrepostos para simular um desenho animado; Rocha-Filho7 que apresentou um jogo de construção utilizando-se de cartolina, entre outros autores. Soares ainda cita propostas desenvolvidas em trabalhos internacionais, como o de Russel 8, que

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KISHIMOTO, T. M. O jogo e a Educação Infantil. São Paulo, Pioneira, 1994. CUNHA, M. B. Jogos didáticos em Química. Porto Alegre, Edição da Aurora, 2000. 6 BELTRAN, N. O. Ideias em movimento. Química Nova na Escola, nº 5, 1997. 7 ROCHA-FILHO, R. C. Os fulerenos e sua espantosa geometria molecular. Química Nova na Escola, nº 4, 1996. 8 RUSSEL, J. V. Using games to teach chemistry – an annotated bibliography. Journal of Chemical Education, 76 (4): 481, 1999. 5

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fez uma revisão bibliográfica e levantou um total de 75 artigos distribuídos entre 14 autores, elaborados a partir de jogos simples e conhecidos dos alunos, abordando conteúdos de química do Ensino Médio. Os jogos também são bons para se trabalhar conteúdos considerados difíceis para a compreensão dos alunos e no estreitamento da relação professor-aluno (Godoi; Oliveira; Codognoto, 2010). Nesse sentido propomos o júri simulado, uma atividade lúdica que propicia ao educando a oportunidade de defender suas concepções e expor sua perspectiva referente a um determinado assunto. O júri simulado é uma atividade lúdica em que um ou mais eventos são debatidos, postos em julgamento. Nessa atividade os alunos são divididos em grupos, de acusação, de defesa, do júri, e, em alguns casos, das testemunhas. O professor deve coordenar a ação, no papel de juiz. É muito grande a amplitude de assuntos que podem ser abordados em um júri simulado, mesmo focando-se nos conteúdos da área de química, tais como química ambiental, química industrial, química farmacológica, fitoquímica e, no nosso caso, a História da Química. Por exemplo, Oliveira e Soares (2005) utilizam um júri simulado para abranger questões como poluição, química industrial e ética empresarial. Para colaborar com a discussão sobre o Júri Simulado apresentamos a seguir alguns aspectos relacionados à elaboração de materiais didáticos.

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2.3 ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Para discutirmos sobre materiais didáticos recorremos a Bandeira (2009), que os define como sendo produtos pedagógicos utilizados na educação e, especificamente, como materiais instrucionais (direcionadores da aprendizagem) que são elaborados com finalidade didática, abrangendo textos impressos ou virtuais, material audiovisual, jogos e brinquedos educacionais, etc. Na literatura referente à elaboração de materiais didáticos (Arcoverde, 2009; Bandeira, 2009; Barbosa et al., 2005; Brasil, [s.d.]; Crescitelli e Campos, 2006; Cristovão e Beato-Canato, 2008; Leitão et al., 2005; Moreira, 1986; Oliveira e Quiroz, 2007; Paiva, 2009; Rodrigues et al., 2006; Rodrigues e Padilha, 2008; Saito; Bastos e Abegg, 2008), um dos pontos que se repete é a preocupação com a clareza da escrita, que deve estar adequada à realidade do público alvo (alunos) e adaptada à capacidade de leitura e compreensão textual do mesmo. Assim, esta é uma preocupação que deve permear todo o processo de escrita de materiais educacionais. No nosso Júri Simulado, os materiais didáticos utilizados são o conjunto de textos biográficos sobre os cientistas envolvidos nas discussões sobre a teoria do flogístico no século XVIII, os textos que instruem os grupos (de defesa, acusação e júri) a proceder na preparação para a argumentação e no momento do julgamento, bem como o que instrui o professor na aplicação da atividade. Na elaboração do Júri Simulado, produzimos um material didático para orientar professores e alunos no uso desta ferramenta educacional, utilizando-se a teoria do flogístico como tema central.

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2.4 UTILIZAÇÃO DE BIOGRAFIAS NA HISTORIOGRAFIA Entre os textos que podem colaborar para o Júri Simulado destacam-se as biografias dos cientistas que colaboraram com as discussões sobre a teoria do flogístico no século XVIII. Escolhemos utilizar essa ferramenta por concordarmos com Silva (2012) que afirma que as biografias podem estar aliadas aos estudos sobre a vida privada dos indivíduos, pois tais estudos permitem dessacralizar os papéis estritamente públicos que esses personagens exerceram, revelando as complexas relações entre vida privada e vida pública. Essa característica se relaciona ao intento de desconstruir o mito que coloca os cientistas como gênios responsáveis individualmente pelo avanço da ciência. Entretanto, essa utilização não foi feita sem antes buscarmos referenciais quanto a sua validade. Recorremos primeiramente a Levi (1998) que aponta os per igos e os benefícios da utilização histórica da biografia. Ele argumenta que a biografia requer um tratamento cuidadoso e que ela consiste em um [...] canal privilegiado através do qual os questionamentos e as técnicas peculiares da literatura se transmitem à historiografia. Muito já se debateu esse tema, que concerne sobretudo às técnicas argumentativas utilizadas pelos historiadores. Livre dos entraves documentais, a literatura comporta uma infinidade de modelos e esquemas biográficos que influenciam amplamente os historiadores. Essa influência, em geral mais indireta do que direta, suscitou problemas, questões e esquemas psicológicos e comportamentais que puseram o historiador diante de obstáculos documentais muitas vezes intransponíveis(Levi, 1998, pp. 168-169).

Outras críticas que o autor levanta concernem às diferentes exigências para historiadores e romancistas ao biografar e à tendência que os historiadores têm de imaginar que os atores históricos obedecem a um modelo de racionalidade anacr ônico e limitado (Levi, 1998). Toda a argumentação crítica de Levi (1998) é baseada em Bourdieu (1996) que escreveu sobre a ilusão biográfica, ou seja, a reconstrução de uma vida de forma superficial e subjetiva e que constitui uma armadilha a ser evitada pelo historiador biógrafo. Segundo Levi (1998) a prática biográfica se modificou através dos tempos, se tornando mais ou menos subjetiva, mais ou menos contextualizada (socioculturalmente); assim, ele elabora o que chama de maneiras de abordar o problema biogr áfico, dividindo-as em quatro:

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Prosopografia ou biografia modal: não se tratam de biografias verídicas, mas de uma utilização de dados biográficos para fins prosopog ráficos 9;



Biografia e contexto: o contexto historicossocial permite interpretar os detalhes da vida do biografado. Essa abordagem é baseada na hipótese de que qualquer que seja a sua originalidade aparente, uma vida não pode ser compreendida unicamente através de seus desvios e singularidades, ou seja, cada desvio aparente em relação às normas ocorre em um contexto histórico que o justifica;



Biografia e casos extremos: se refere a quando as biografias são usadas com o objetivo de esclarecer o contexto, evidenciando as margens do campo social dentro do qual são possíveis esses casos;



Biografia e hermenêutica: perspectiva em que o material biográfico somente pode ser interpretado. O que se torna significativo é o próprio ato interpretativo.

Levi (1998) termina seu texto argumentando que a biografia é o método mais adequado a permitir um exame aprofundado para entender o reflexo das interações sociais no individuo estudado. Isto está de acordo com o que alguns historiadores propõem ao reconhecer as biografias como tendo recebido mais espaço na historiografia, mesmo como documentação histórica (Avelar, 2010; Motta, 2000; Pimenta, 2009; Piovesan, 2007; Silva, M. A., 2007; Silva, S. C., 2012). Entre os argumentos em defesa do uso de biografia no trabalho historiográfico, encontra-se que estas revelam formas típicas de comportamento e concentram todas as características do grupo (Alberti, 2000). Além disto, a biografia não se restringe apenas a um indivíduo isolado, mas mostra a história de uma época vista através desse indivíduo (Silva, 2012), e negação da biografia aparece ligada à busca de uma tecnicidade ligada ao positivismo (Motta, 2000). Desse modo utilizaremos biografias de cientistas que estiveram envolvidos com a teoria do flogístico para guiar o estudo e a preparação para a atividade do Júri Simulado.

9 A prosopografia é o estudo da carreira de uma pessoa através da informação sobre ela constante em fontes históricas (BUENO, 1989).

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2.5 A TEORIA DO FLOGÍSTICO A teoria do flogístico ou flogisto, (do grego phlogiston, inflamar-se) vem, gradualmente, perdendo espaço nas aulas e livros de química, como afirma Maar (2008): [...] Os livros-texto de Química Geral e Química básica hoje adotados nas universidades não dedicam uma só linha à Teoria do Flogístico. Lembro-me dos textos adotados no meu tempo de estudante, que mencionavam laconicamente o flogístico em algum ponto de exposição dos aspectos teóricos sobre reações químicas (p. 485, grifo nosso).

No entanto, ela tem enorme potencial de utilização, tanto no Ensino Superior, quanto no Ensino Médio, pois, alem de auxiliar no entendimento do pensamento químico do século XVIII, evidencia a faceta da (re)construção científica (Morin, 2000 apud Colares et al., 2011), pois se trata de uma teoria obsoleta, porém útil pelo inquestionável progresso da Química dela resultante (Maar, 2008). A teoria do flogístico: [...] afirma que os metais são complexos que contêm o flogisto e o que resta depois e perdê-lo são seus derivados deflogisticados (que numa interpretação atual seriam seus óxidos, resultantes da combinação do metal com o oxigênio) (Chassot 2004, p. 267).

Essa teoria é, na verdade, uma adaptação de Stahl da teoria de Johann Joachim Becher, que a concebera preliminarmente como sendo terra pinguis (terra gordurosa), um dos três elementos terrosos, que comporiam, juntamente com a água, os quatro elementos constituintes de toda matéria, uma clara raiz alquímica (Greenberg, 2009). A terra pinguis, entendida como o princípio da inflamabilidade, estaria presente, por exemplo, na madeira, juntamente com a cinza e seria liberada na combustão, na forma de luz e calor (Aragão, 2008; Strathern, 2002). Stahl, que fora aluno de Becher, percebeu o potencial dessa teoria e observou que, de modo análogo, durante a fundição, um minério absorvia terra pinguis para se tornar metal; e que no enferrujamento, o metal liberava de volta sua terra pinguis e era reduzido a uma ferrugem semelhante a cinzas, logo seria o enferrujamento uma combustão mais lenta (Strathern, 2002). Como a nova teoria ampliava o conceito original, Stahl a remodelou sistematizando-a na teoria do flogístico, considerada a primeira teoria cientifica abrangente da química, que parecia explicar, de maneira inteiramente científica, vários dos mai-

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ores mistérios da transformação material (Greenberg, 2009; Maar, 2008; Strathern, 2002). Respondendo a críticas à sua teoria, baseadas na não ocorrência de combustão e enferrujamento na ausência de ar, Stahl formulara que o papel do ar seria o de transportar o flogístico de uma substância para a outra (Strathern, 2002). Mas as críticas mais bem sucedidas tinham como base o fato de que ao enferrujar, um metal fica com massa superior à inicial, contrariando o princípio da perda de flogístico. Para sanar essa deficiência, os flogistonitas (defensores da teoria) propuseram a existência de dois tipos de flogístico, um com massa positiva, presente na madeira e no papel, e um com massa negativa, encontrado nos metais (Strathern, 2002). Tal argumento foi aceito pela maioria e a teoria prevaleceu por décadas antes de ser t otalmente suplantada por Lavoisier. Stahl explicava o flogístico como um princípio imaterial, como o calor, o que implica a teoria ter sido tão facilmente aceita sem que o flogístico fosse isolado ou tivesse a presença detectada em algum experimento (Strathern, 2002). Muitos foram os defensores do flogístico, como Scheele, Canvendish e Priestley, que basearam todas as suas descobertas e teorias científicas no flogístico. Porém também foram muitos e incessantes os críticos à teoria de Stahl, sendo o principal deles Lavoisier, que por não ser adepto ao flogístico pode perceber o oxigênio como um novo elemento onde Scheele e Priestley perceberam apenas mais uma característica do flogístico (Maar, 2008). Esse foi um fator decisivo no abandono ao flogístico, pois foi com o oxigênio que Lavoisier explicou os processos de respiração, combustão e enferrujamento, como são entendidos até hoje (Maar, 2008).

2.5.1 Contribuições da teoria do flogístico Embora hoje não seja mais considerada correta, a teoria do flogístico foi aceita por mais de um século e foi de grande influência nas pesquisas em química, pri ncipalmente no século XVIII. Foi à luz dessa teoria que grandes cientistas realizaram seus trabalhos. Entre os cientistas que foram influenciados pelo flogístico está Joseph Black, cujo mais proeminente trabalho foi o que levou à descoberta do gás carbônico (CO2), chamado por ele de “ar fixo”. O aparecimento de gás carbônico nos estudos de

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Black se deu através do aquecimento do calcário (carbonato de cálcio, CaCO 3). Ele interpretou que o calcário estaria reagindo com o flogístico e que nessa reação seria produzido o “ar fixo” e cal (óxido de cálcio, CaO). A Equação 1 mostra a reação c omo Black propôs e a Equação 2 como ela é compreendida hoje (Maar, 2008, Strathern, 2002).

calcário  flogístico  cal " ar fixo"

Equação 1

CaCO3  CaO  CO2

Equação 2

Joseph Priestley e Carl Wilhelm Scheele também basearam suas pesquisas na teoria do flogístico. A ambos é atribuída a descoberta (simultânea e independente) do gás oxigênio, embora o nome do gás tenha sido dado por Lavoisier, 15 anos depois, já que Priestley o chamara de “ar desflogisticado” e Scheele de “ar de fogo” (Maar, 2008, Strathern, 2002).

Outro famoso cientista que baseou sua obra no flogístico foi Henry Cavendish, responsável pela caracterização e identificação do hidrogênio, embora ele o tenha chamado de “ar inflamável” (Maar, 2008, Strathern, 2002). O procedimento utilizado por Cavendish para obtenção do hidrogênio era a reação de um metal (M) com um ácido (HA), que gerava o gás hidrogênio e o sal do cátion metálico com o ânion proveniente do ácido, como indicado na equação 3 (Maar, 2008, Strathern, 2002).

2M  2HA  H 2  2MA

Equação 3

Entretanto, por ser adepto da teoria do flogístico, Cavendish, propôs que o “ar inflamável” seria derivado do metal, e não do ácido, como se sabe hoje. Essa suposição pode ser apoiada pelo fato do hidrogênio ser um redutor, que converte os óxidos (calx) nos respectivos metais, como indicado na equação 4 e definindo o flogístico liberado pelos metais como sendo o “ar inflamável” (Maar, 2008, Strathern, 2002). calx  flogístico calx  ácido flogístico  ácido   metal sal " ar inflamável "

Equação 4

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Com base no exposto, acreditamos que a Teoria do Flogístico teve uma contribuição importante e, provavelmente, sem ela esses cientistas não teriam conseguido explicar seus experimentos, e talvez suas descobertas fossem adiadas indefinidamente.

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3 OBJETIVOS

Os principais objetivos que norteiam este trabalho são: - fazer um levantamento bibliográfico sobre o ensino de História da Química; - discutir as contribuições da teoria do flogístico para o desenvolvimento da ciência no século XVIII; - fazer um levantamento sobre os cientistas que tiveram influência nas discussões sobre a teoria do flogístico; - discutir a importância do uso da História da Química no Ensino; - discutir o uso de atividades lúdicas; - Propor uma estratégia diferenciada de inclusão do estudo de História da Química nas salas de aula do Ensino Médio, a fim de colaborar com o Ensino de Química; - propor uma atividade que discuta as contribuições da teoria do flogístico.

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4 MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho desenvolvemos uma atividade de Júri Simulado. A primeira parte do trabalho consistiu da pesquisa e conseguinte revisão bibliográfica de conceitos que comporiam o Júri Simulado, como a teoria do flogístico e suas contribuições, ou que auxiliariam a sua construção, como a elaboração de materiais didáticos e a utilização de biografias na historiografia. Selecionamos autores de renome na área para preparar o material didático de apoio para o Júri Simulado, historiadores da ciência como Chassot, referência no Ensino de Química, e Maar, cujo livro (dividido em quatro volumes) trata com profundidade os eventos da História da Química. A sequência constou da elaboração de um material bibliográfico sobre diversos cientistas – tais como Becher e Stahl, responsáveis pela elaboração da teoria do flogístico; Sheele e Cavendish, defensores desta teoria e Lavoisier, o responsável por seu abandono – e fatos que fizeram parte das discussões sobre a teoria do flogístico no século XVIII. Nesse processo adaptamos os textos encontrados na literatura (Aragão, 2008; Chassot, 2004; Greenberg, 2009; Maar, 2008; Strathern, 2002) para uma linguagem mais adequada para os alunos da Educação Básica, conforme o levantamento sobre elaboração de material didático (Arcoverde, 2009; Bandeira, 2009; Barbosa et al., 2005; Brasil, [s.d.]; Crescitelli e Campos, 2006; Cristovão e Beato-Canato, 2008; Leitão et al., 2005; Moreira, 1986; Oliveira e Quiroz, 2007; Paiva, 2009; Rodrigues et al., 2006; Rodrigues e Padilha, 2008; Saito; Bastos e Abegg, 2008). Este material servirá de fonte de consulta para o professor e os alunos num posterior desenvolvimento da atividade do Júri Simulado, como descrito no Apêndice A. A segunda etapa do trabalho consistiu na elaboração de uma proposta de utilização da atividade com orientações e sugestões para o professor, onde está inserido todo o material didático desenvolvido.

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5 DESENVOLVIMENTO E PROPOSTA DA ATIVIDADE Neste trabalho buscamos apresentar uma proposta de desenvolvimento de uma atividade sobre a teoria do flogístico por meio do Júri Simulado. Nossa proposta é que o professor tenha com este material uma sugestão para o desenvolvimento deste tema com os seus alunos. Esta proposta de atividade é dividida em quatro momentos: Aula introdutória: discussão com os alunos do contexto químico dos séculos XVII e XVIII, contexto em que se insere este trabalho. Para essa discussão, o professor poderá utilizar diversos materiais, entre eles o resumo que elaboramos sobre a teoria do flogístico que encontra-se no Apêndice A - 2. Organização dos grupos: Nesse momento, o professor apresenta aos alunos a proposta de atividade do Júri Simulado para o aprofundamento nas discussões sobre as contribuições da teoria do flogístico. Para isso os alunos serão divididos em grupos: de acusação e de defesa, com cerca de 5 alunos cada; das testemunhas, com 8 alunos e do júri, com cerca de 13 alunos; de forma que todos participem da discussão, contribuindo com seus pontos de vista e suas percepções a partir dos estudos que serão realizados e da aula introdutória. Nessa proposta toda a ação deverá ser mediada pelo professor que, no Júri Simulado, assumirá o papel de juiz. Após a divisão da turma nos grupos, o professor poderá disponibilizar para os alunos o material bibliográfico que elaboramos (Apêndice A - 3) sobre os seguintes cientistas que estiveram envolvidos com a discussão sobre o flogístico: 

Johann Joachim Becher: foi precursor da teoria do flogístico e seu trabalho foi de grande relevância para a Química no período de transição da alquimia para ciência renascentista, embora ele se mantivesse mais ligado à primeira;



Joseph Black: flogistonista responsável pela descoberta do CO2, tendo baseado toda sua obra no flogístico;



Henry Cavendish: considerado o flogistonista mais recluso dos cientistas, embora tenha tido relevância, principalmente, na Química Pneumática;

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Antoine Laurent de Lavoisier: notável cientista responsável pela ruptura com a teoria do flogístico e reestruturação da Química, marco inicial da Química Moderna;



Mikhail Vasilievitch Lomonossov: crítico do flogístico, considerado o precursor da Química na Rússia, tendo contribuído também para outras áreas, como a literatura;



Joseph Priestley: considerado o único flogistonista defensor consistente desta teoria, corroborando-a com dados empíricos e nunca a abandonando;



Carl Wilhelm Scheele: flogistonista convicto da importância da teoria do flogístico, pretendia interpretar todas as suas descobertas por meio desta teoria e refutar os argumentos de Lavoisier, mas a morte surpreendeu-o antes;



Georg Ernst Stahl: responsável pela elaboração da teoria do flogístico, baseado na obra de Becher; também estendeu suas contribuições para outras áreas da Química, como a medicinal; seu trabalho com o flogístico é considerado a primeira teoria unificadora da Química.

Esse material servirá de base para o desenvolvimento da atividade pelos grupos, e uma sugestão é que o grupo das testemunhas seja composto por cada um desses cientistas. A seguir, os alunos e o professor deverão se reunir para organizar e planejar o desenvolvimento da atividade. Neste período também ocorrerão momentos de orientação aos alunos, para responder às suas dúvidas com relação ao material bibliográfico e à dinâmica do Júri Simulado. Júri Simulado: atividade em que será debatida, pelos alunos, a teoria do flogístico e suas contribuições para a Química. Para isso cada grupo representará seu papel e apresentará seu ponto de vista e suas percepções do assunto estudado. Aula final: discussão dos pontos do julgamento, reforçando os aspectos da Historiografia da Química, como a relevância de uma teoria para as outras, o constante processo de (re)construção científica (Morin, 2000 apud Colares et al., 2011) e a importância da divulgação científica. Esse esquema de organização da atividade será disponibilizado para o pr ofessor que queira desenvolver o Júri Simulado em suas aulas, juntamente com as

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sugestões de orientações para os grupos de acusação, defes a e júri e as biografias dos cientistas envolvidos com a discussão da teoria do flogístico. O conjunto desses materiais está reunido e detalhado no Apêndice A.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que a História da Ciência, por seu caráter reflexivo, e por contribuir com a interpretação realista da Ciência, ou seja, do fazer científico, é importante e precisa ser mais explorada no Ensino Básico. A História da Química permite uma aproximação entre o objeto de estudo e o estudante; ela mostra que a Química foi (e continua sendo) “construída” por homens e mulheres comuns, não por gênios, e ainda que a dedicação e o diálogo são fundamentais nesta ciência que, como todas as outras, não se constrói através do trabalho de um único, de poucos, indivíduos. Dentro da História da Química consideramos que há varias teorias que trouxeram grandes contribuições para Química de hoje, entre elas a teoria do flogístico, que contribuiu para o desenvolvimento da Química no século XVIII para o seu avanço a partir da Alquimia. Além disso, as discussões sobre essa teoria evidenciaram a contribuição de diversos cientistas, bem como as divergências entre eles no tocante à mesma. Neste trabalho propusemos uma atividade para discussão da teoria do flogístico, baseando-nos em estudos sobre as atividades lúdicas. Consideramos essas atividades muito interessantes por proporcionarem a associação do conteúdo estudado a algo agradável ao aluno, e mais ainda, podem contribuir para tornar o estudo mais motivado. Devemos, entretanto, ressaltar a importância de se articular corretamente o caráter lúdico e o conteúdo trabalhado, para não nos depararmos com as situações em que o jogo é concebido apenas como material didático, nem do jogo pelo jogo, sem função educativa. Ao nos perguntarmos como trabalhar a teoria do flogístico no Ensino Médio, escolhemos o Júri Simulado por esta ser uma atividade que possibilita aos alunos serem protagonistas da ação, momento em que estes assumem papeis no julgamento, podendo se expressar e mostrar os seus pontos de vista. Assim, tentamos encontrar uma estratégia lúdica que pode ser utilizada por professores para o estudo da Historia da Ciência. Escolhemos este tema por seu potencial na compreensão da Ciência, do fazer científico; e escolhemos uma atividade lúdica por sua característica dinâmica e instigante que dá abertura para o aluno manifestar suas opiniões a respeito do tema e que pode tornar, mesmo os assu ntos mais complexos, interessantes. Ainda sobre as atividades lúdicas escolhemos o

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Júri Simulado por ser uma estratégia de discussão que permite que as conclusões sejam feitas em grupo, e não impostas pelo material didático e/ou pelo professor. Neste trabalho apresentamos uma proposta de desenvolvimento para a atividade. Para além do que propusemos, há várias outras possibilidades de adaptação e desenvolvimento da mesma. Uma das sugestões de adaptação da atividade diz respeito à disponibilização para os alunos das biografias dos cientistas. Uma atividade interessante, talvez, seria que professores e alunos pudessem construir essas biografias conjuntamente. Isto, acreditamos nós, possibilitaria um maior aprofund amento do assunto pelo aluno, e mesmo um maior envolvimento com esses cientistas. Isso possibilitaria que os alunos, no momento do júri, tivessem mais apropriação e envolvimento com a atividade em si e com o conteúdo trabalhado. É importante destacar que a proposta dessa atividade é trabalhar a teoria do flogístico de forma que os alunos compreendam as suas contribuições, ou seja, que eles saibam que ela está obsoleta (e não queremos que eles entendam o contrário ou que tenham uma posição de defesa da teoria em si), mas que tenham uma visão clara de suas contribuições. O papel dos grupos de acusação e de defesa, não é o de acusar ou defender a teoria, mas as contribuições desta. Também destacamos a importância da aula de fechamento, momento no qual o professor precisa estar atento às concepções que os alunos apresentam neste momento sobre a teoria do flogístico. É importante que o professor identifique se o aluno compreende que a teoria não está certa, mas que suas contribuições são importantes para o desenvolvimento da Química no século XVIII. Como um desdobramento deste trabalho, pretendemos, como próxima etapa, desenvolvê-la com alunos e professores do Ensino Médio, para que possamos ver a sua aplicabilidade e mesmo propor adequações.

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APÊNDICE

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APÊNDICE A - Proposta de desenvolvimento de uma atividade sobre a teoria do flogístico utilizando-se o Júri Simulado A 1 – Orientações para o professor para o desenvolvimento da atividade

Professor, Esta é uma proposta de atividade para discussão das contribuições da teoria do flogístico para a Química. Consideramos que esta abordagem é importante uma vez que as discussões da História da Química podem tornar as aulas mais desafiadoras e reflexivas, permitindo o desenvolvimento do pensamento crítico e a aproximação entre a ciência e os interesses pessoais do aluno. Apresentamos a seguir algumas orientações para o desenvolvimento da atividade proposta, dividida em quatro momentos: Aula introdutória - discussão com os alunos do contexto da realização deste trabalho, o contexto químico dos séculos XVII e XVIII; Organização dos grupos - período entre a aula introdutória e o Júri, no qual deverão ocorrer reuniões entre os membros dos grupos. Sugerimos que inicialmente os alunos sejam divididos em grupos: de acusação e de defesa, com cerca de 5 alunos cada; das testemunhas, com 8 alunos (que deverão representar cada um dos personagens envolvidos na teoria do flogístico) e do júri, com cerca de 13 alunos. Toda a ação deverá ser mediada pelo juiz (o próprio professor). Neste período também deverão ocorrer momentos de orientação aos alunos, para responder às dúvidas dos mesmos com relação ao material bibliográfico consultado e à dinâmica do Júri Simulado; Júri Simulado - atividade em que será debatida, pelos alunos, a teoria do flogístico e suas contribuições para a Química. Para isso cada grupo representará seus papeis e apresentará seus pontos de vista e suas percepções do assunto estudado. Sugerimos que você lance para os alunos as seguintes perguntas como norteadoras do debate: Qual a utilidade da teoria do flogístico? Ela foi útil para a Química ou não? Aula final - terá o objetivo de discutir os pontos do julgamento, reforçar os aspectos da Historiografia da Química, como a relevância de uma teoria para as outras, o constante processo de (re)construção científica e a importância da divulgação (como discussão) científica.

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Como proposta de avaliação, consideramos que seja importante que todo o processo de desenvolvimento da atividade seja avaliado, seja na forma de discussão, de relatos, de um texto final com o que o aluno entendeu do que foi discutido na atividade, ou como o professor considerar mais adequado para a sua realidade escolar. Apresentamos a seguir uma breve discussão sobre a teoria do flogístico, bem como a biografia resumida de alguns cientistas que tiveram relação com essa teoria. Esses textos podem ser disponibilizados para os seus alunos se basearem no desenrolar da atividade, juntamente com as orientações para os grupos de defesa, acusação e júri, que estão na sequência. Os cientistas envolvidos são: 

Johann Joachim Becher;



Joseph Black;



Henry Cavendish;



Antoine Laurent de Lavoisier;



Mikhail Vasilievitch Lomonossov;



Joseph Priestley;



Carl Wilhelm Scheele;



Georg Ernst Stahl.

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A 2 - A Teoria do Flogístico

A teoria do flogístico ou flogisto, (do grego phlogiston, ou seja, inflamar-se) é uma adaptação da teoria de Johann Joachim Becher, para quem a terra pinguis (terra gordurosa), seria um dos três elementos que comporiam, juntamente com a água, os quatro elementos constituintes de toda matéria [1]. A terra pinguis, entendida como o princípio da inflamabilidade, estaria presente, por exemplo, na madeira, juntamente com a cinza e seria liberada na combustão[2]. Georg Ernst Stahl, um aluno de Becher, percebeu o potencial dessa teoria e observou que durante a fundição, um minério absorvia terra pinguis para se tornar metal; e que no enferrujamento, o metal liberava de volta sua terra pinguis e era reduzido a uma ferrugem semelhante a cinzas, logo seria o enferrujamento uma combustão mais lenta[2]. Como a nova teoria ampliava o conceito original, Stahl a remodelou sistematizando-a na teoria do flogístico[3]. Uma das críticas à teoria tinha como base o fato de que ao enferrujar um metal fica com massa superior à inicial, contrariando o princípio da perda de flogístico. Para sanar essa deficiência, os flogistonitas (defensores da teoria) propuseram a existência de dois tipos de flogístico, um com peso positivo, o presente na madeira e no papel, e um com peso negativo, encontrado nos metais [2]. Tal argumento foi aceito pela maioria e a teoria prevaleceu por décadas antes de ser totalmente suplant ada por Lavoisier. Muitos foram os defensores do flogístico, como Carl Wilhelm Scheele, Henry Canvendish e Joseph Priestley, que basearam todas as suas descobertas e teorias cientificas no flogístico. Porém também foram muitos e incessantes os críticos à teoria de Stahl, sendo o principal deles Antoine Laurent de Lavoisier que, por não ser adepto ao flogístico, pode perceber o oxigênio como um novo elemento onde Scheele e Priestley observaram apenas mais uma característica do flogístico. Esse foi um fator decisivo no abandono ao flogístico, pois foi com o oxigênio que Lavoisier explicou os processos de respiração, combustão e enferrujamento como são entendidos até hoje [3].

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[1] GREENBERG, A. Uma breve história da química: da alquimia às ciências moleculares modernas. Trad. Henrique Toma, Paola Corio, Viktoria Osório. São Paulo: Edgar Blucher, 2009. [2] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. [3] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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A 3 – Biografia dos cientistas que contribuíram para as discussões da teoria o flogístico

A 3.1 - Johann Joachim. Becher

Johann Joachim Becher nasceu em 5 de maio de 1635, na Alemanha. Seu pai era um pastor protestante que morreu cedo[1]. Becher não teria concluído o estudo universitário, mas, incessante leitor que era, adquiriu, como autodidata, conhecimentos em várias áreas, como química, medicina e linguística, chegando a dominar dez idiomas [1]. Fonte da Figura 1: http://uh.edu/engines/epi20 88.htm

Becher foi mais uma das figuras controversas da química, sendo ao mesmo tempo químico, alquimista, médico, economista e linguista e tendo publicado vários livros em

suas áreas afins. Especificamente em química dedicou-se ao que hoje se chama de química orgânica, tendo desenvolvido trabalhos com gases, métodos de destilação de álcool e fermentação. Sua maior contribuição, entretanto, veio na forma de sua teoria unif icadora, baseada nas antigas teorias sobre combustão[1]. Esta teoria defendia que as substâncias seriam constituídas por água e terra, sendo esta última dividida em três tipos, um deles, a terra pinguis, que seria o princípio da inflamabilidade. Para Becher a terra pinguis se tratava de uma espécie química, com peso e propriedades definidas, e estaria presente, por exemplo, na madeira, juntamente com a cinza e seria liberada na combustão [1], [2]. Mais tarde, a teoria da terra pinguis seria alterada por Stahl e passaria a ser chamada teoria do flogístico[1]. Becher morreu em Londres, em 1682, aos 47 anos[1].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. [2] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. A 3.2 - Joseph Black

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Joseph Black nasceu em 16 de abril de 1728, na frança, onde seu pai era comerciante de vinhos. Sua formação acadêmica inicial foi em medicina, mas influenciado por um de seus professores, passou a se interessar mais por Química do que por medicina, chegando a lecionar essa disciplina na mesma universidade em que se formara [1]. Fonte da Figura 2: http://www.answers.com/topic/j oseph-black

Entre suas realizações científicas consta a descoberta do gás carbônico (CO2), chamado por ele de “ar fixo”.

A reação que originou o “ar fixo” de Balck foi a de aquecimento do calcário (Equação 1). Nos dias de hoje a mesma reação química é entendida como mostra a Equação 2.

calcário  flogístico  cal " ar fixo"

Equação 1

CaCO3  CaO  CO2

Equação 2

Outros estudos científicos de Black tiveram como alvo a magnésia e o calor latente. Black morreu em 10 de novembro de 1799, aos 71 anos [1].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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A 3.3 - Henry Cavendish

Henry Cavendish nasceu em 10 de outubro de 1731, em Nice na Riviera Francesa. Filho de Lady Anne Cavendish e Lorde Charles Cavendish, é descendente da alta nobreza inglesa[1],[2]. Cavendish é considerado o cientista mais versátil do século XVIII, por sua importante atuação tanto em química Fonte da Figura 3: http://www.nndb.com/people/0 30/000083778

quanto em física. Uma de suas maiores contribuições foi a chamada “experiência de Cavendish”, que permitiu calcular

a densidade e a massa da Terra[2]. Ele também é descrito como um grande excêntrico: misógino (que tem aversão às mulheres), nunca se casou e evitava amizades fora de seu círculo familiar; taciturno (pouco falante) costumava se comunicar com seus serviçais através de bilhetes, e só falava em reuniões científicas; trajava sempre as mesmas roupas antiquadas e vivia de modo bastante modesto, apesar de ter herdado a enorme fortuna que o transformou em um dos homens mais ricos da Inglaterra; recluso, raramente deixava sua residência, o que contribuiu com a pouca divulgação de seus tr abalhos científicos [1]. A maior parte dos estudos científicos de Cavendish foram seus experimentos com gases, sendo o responsável por determinar a composição do ar atmosférico e pela caracterização e identificação do hidrogênio (que ele chamou de “ar inf lamável”), bem como por diferenciá-lo de outros gases

[1]

.

O procedimento utilizado por Cavendish para obtenção do hidrogênio era a reação de um metal (M) com um ácido (HA), que gerava o gás hidrogênio e o sal do cátion metálico com o ânion proveniente do ácido, como indicado na equação 1.

2M  2HA  H 2  2MA

Equação 1

Entretanto, por ser adepto da teoria do flogístico, Cavendish, propôs que o “ar inflamável” seria derivado do metal, e não do ácido.Essa suposição pode ser apoiada pelo fato do hidrogênio ser um redutor, que converte os óxidos (calx) nos respec-

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tivos metais[1], como indicado na equação 2 e definindo o flogístico liberado pelos metais como sendo o “ar inflamável” [1].

calx  flogístico calx  ácido flogístico  ácido   metal sal " ar inflamável "

Equação 2

No dia de sua morte, em fevereiro de 1810, aos 78 anos, Cavendish estava em completa solidão, como foram os demais dias de sua vida [1],[2].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. [2] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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A 3.4 - Antoine Laurent de Lavoisier

Antoine Laurent de Lavoisier nasceu em 26 de agosto de 1743 em Paris, França, e era filho de aristocratas (nobres envolvidos no governo do país). Formou-se em direito em 1763 e exerceu um cargo público durante a maior parte de sua breve vida, dedicando à ciência apenas o seu tempo livre[1]. Foi uma das figuras mais controversas da história da Fonte da Figura 4: http://www.cdcc.usp.br/quimica /galeria/lavoisier.html

química, orgulhoso, ambicioso e arrogante, tinha inegável competência científica e suas contribuições mudaram o fa-

zer ciência de sua época. Apesar disto, ele também não se importava em apropriarse das descobertas de outros, deixando de citar suas fontes, ou ignorando-as quando isto lhe era conveniente[1]; comportamento considerado antiético e altamente repreensível. Em 1771 casou-se com Marie Anne Pierrette Paulze, com 13 anos na época, também filha de um aristocrata[1], [2]. Marie Anne seria sua maior colaboradora, como ilustradora em suas obras (incompreensíveis sem tais ilustrações) e como tradutora, uma vez que tinha um conhecimento linguístico muito superior ao do marido[1], [3]. Lavoisier ingressou na Ferme Générale em 1768. A Ferme Générale era uma empresa responsável por coletar parte dos impostos para o governo francês[1],

[2]

.

Por ter atuado como fermier générale até o fim de sua vida, em 1794, Lavoisier conquistou inimizades dos dois lados da revolução francesa: por ser um coletor de impostos era desprezado pela população; por tentar moralizar a Ferme Générale a nobreza o considerava um traidor [1]. No ramo da ciência as contribuições de Lavoisier foram vastas: além de derrubar a teoria do flogístico, ele propôs um novo sistema de nomenclatura química, adotado em partes até hoje. Por não ser adepto ao flogístico, Lavoisier pode perceber um novo elemento onde outros estudiosos observaram apenas mais uma característica do flogístico. Lavoisier foi então o responsável por nomear este novo elemento, o oxigênio. Também operou modificações em aparelhos de laboratório, formulou uma nova teoria para ácidos e fez descobertas na química orgânica[1]. Foi com o oxigênio que Lavoisier propôs novas explicações para os processos anteriormente abordados pela teoria do flogístico, dizendo que o oxigênio é o

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elemento responsável pala combustão, sendo consumido durante a queima; que durante a fundição, um minério liberaria oxigênio para se tornar metal (o que justifica a perda de massa); e que no enferrujamento, o metal absorveria de volta o oxigênio, se transformando em ferrugem (ganhando massa)[1]. Lavoisier foi guilhotinado em 8 de maio de 1794, aos 51 anos, como inimigo da revolução francesa[3].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. [2] CHASSOT, A. A Ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, Coleção Polêmica, 2004. 2 ed. [3] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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A 3.5 - Mikhail Vasilievitch Lomonossov

Mikhail Vasilievitch Lomonossov nasceu em novembro de 1711, em uma pequena cidade do Império Russo. Seu pai era empresário na área pesqueira e de comercio marítimo, certamente um homem de posses, embora inculto

[1]

.

A sede de saber levou o jovem Lomonossov a estudar no Instituto Teológico de Moscou e na Academia de São PeFonte da Figura 5: http://alvaroiriarte.wordpres s.com/category/ciencia/Mic hail

tersburgo, onde estudou química, mas também adquiriu conhecimentos básicos em filosofia, matemática e física[1]. Durante sua vida exerceu muitos cargos científicos e foi

um dos fundadores da Universidade de Moscou. A pedido da Czarina Isabel I reformou, juntamente com o poeta Vasili Trediakoski, a língua literária russa

[1]

.

Lomonossov desenvolveu alguns trabalhos na área da física teórica, mas suas maiores contribuições científicas foram para a química, área na qual ele realizou experimentos que o levaram a comprovar a conservação da massa, antes mesmo de Lavoisier. Extrapolando essas ideias, ele propôs também a conservações da energia, o que o levou a perceber que não há uma matéria ígnea e a rejeitar a teoria do flogístico[1]. Teve problemas com o alcoolismo e morreu cedo, aos 53 anos, de gripe, em 4 de abril de 1765[1].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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A 3.6 - Joseph Priestley

Joseph Priestley nasceu em 13 de março de 1733. Filho de um alfaiate humilde, foi uma criança frágil e propenso a adoecer com facilidade[1]. Sempre interessado em aprender, estudou, como autodidata, línguas antigas, como grego, hebraico, caldeu (um idioma asiático, babilônico, muito próximo do aramaico, falado na região da Caldeia)[2] e siríaco (um dialeto do aramaico falado pelos sírios) [2], e também idiomas contemFonte da Figura 6: http://www.daviddarling.info/en cyclopedia/P/Priestley.html

porâneos, árabe, francês, italiano, alemão e chinês. Embora também se interessasse por filosofia, história, matemática e as ciências naturais, exerceu durante

toda a vida a função de reverendo calvinista, dedicando-se à ciência apenas em seu tempo livre[1]. Em 1791, Priestley teve sua casa, seu laboratório e sua biblioteca destruídos pela população de Birmingham, Inglaterra, irritada por suas críticas à Edmund Burke, um influente pensador e político conservador [1]. Priestley se interessou pelas ciências em 1758, passando a residir em Londres em 1765, para poder se reunir com outros cientistas. No mesmo ano recebeu o título de Doutor em Letras da Universidade de Edinburgo e em 1766 foi eleito para a Royal Society, onde nunca foi muito bem-visto por sua postura religiosa de “livrepensamento” [1]. A eletricidade foi o primeiro ramo da ciência a despertar a atenção de Priestley; nesta área ele descobriu a condutividade do carvão, a ausência de carga no interior de uma esfera oca, a atração eletrostática e as relações entre eletricidade e Química[1]. A partir de então começou a se dedicar à Química, especificamente aos gases. Ele aprimorou as técnicas de coleta de gases e, numa época em que os únicos “ares” (gases) conhecidos eram o “ar fixo” (CO 2) e o “ar inflamável” (H2), Priestley descobriu e caracterizou 10 novos ares (NO, NO 2, N 2O, HCl, NH3, SO2, SiF4, CO, O2, N2)[1]. Também é a Priestley que se deve o desenvolvimento do processo de gaseificação da água e, posteriormente, de refrigerantes [3].

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Todas as descobertas de Priestley se deram à luz da teoria do flogístico. Ele acreditava que a vela ao queimar liberava flogístico e que uma chama se apagava no interior de um recipiente fechado depois deste estar saturado de flogístico[1]. Para ele: Ar comum - flogístico = “ar desflogisticado” (oxigênio) Ar comum + flogístico = “ar flogisticado” (nitrogênio) Priestley foi considerado o único defensor consistente da teoria do flogístico, com ideias fundamentadas e dados empíricos. Ele defendia a construção gradual do conhecimento a partir do acréscimo de dados experimentais obtidos pelo pesquis ador, e considerava importante o registro passivo dos resultados. Priestley morreu em 1804, aos 71 anos [1].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. [2] MICHAELIS Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 13 jul. 2012. [3] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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A 3.7 - Carl Wilhelm. Scheele

Carl Wilhelm Scheele nasceu em 9 de dezembro de 1742, sendo filho de um comerciante de classe média. Sua formação foi pouco ortodoxa. Ele começou aprendendo química na prática, como assistente de farmacêutico, e estudando de forma autodidata até obter sua licença para exercer a profissão[1]. De acordo com historiadores Scheele, teria realizado Fonte da Figura 7: http://www.chem.yale.edu/~ch em125/125/history99/2Pre180 0/Scheele/Scheele.html

cerca de 15000 experiências em seus 44 anos de vida. Nunca pretendeu inovar no campo teórico e foi sempre adepto da teoria do flogístico, recusando-se a aceitar as

explicações de Lavoisier para as dificuldades de interpretação teórica de alguns de seus experimentos, os quais pretendia explicar mais tarde sob a teoria do flogístico, mas a morte prematura surpreendeu-o antes[1]. Scheele desenvolveu trabalhos tanto em química orgânica quanto em inorgânica, mas sua realização mais importante foi a descoberta do “ar de fogo”, em 1771, que hoje conhecemos como oxigênio[1]: Ele preencheu uma redoma de vidro com ar e materiais com tendência à combustão, ou seja, liberadores de flogístico. O flogístico liberado pela queima destas substâncias combinou-se com o ar e incorreu em um decréscimo do volume de ar no interior da redoma, o que ele explicou dizendo que o flogístico liberado absorve uma parte (ou um componente) do ar atmosférico, a qual ele nomeou “ar de fogo” [1]. Desta experiência Scheele concluiu que o ar atmosférico é formado por “ar de fogo” e ar gasto (hoje chamado de nitrogênio), uma parte maior, que não se combina com o flogístico[1]. Em 1786 Scheele adoeceu e faleceu em maio do mesmo ano, com sintomas de envenenamento por mercúrio, utilizado de maneira negligente em alguns de seus experimentos[2].

[1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. [2] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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A 3.8 - Georg Enrst Stahl

Georg E. Stahl nasceu na Baviera em 21 de Outubro de 1660, e foi educado segundo os princípios vigorosos e rígidos do pietismo alemão, um movimento de reforma da igreja luterana[1]. Stahl estudou medicina na Universidade de Jena, entre 1679 e 1684, e, influenciado por professores como Wedel, passou a defender a união de Química e Medicina, o Fonte da Figura 8: http://historiasdequimica.blog spot.com.br

que permeou toda a sua obra[1]. Após concluir sua graduação Stahl trabalhou em con-

junto com Hoffmann, um colega de faculdade, durante 20 anos na recém-fundada Universidade de Halle. A parceria teve fim porque eles se distanciaram em suas crenças científicas: Hoffmann tornou-se um defensor da iatromecânica, uma vertente que procurava explicar todos os fenômenos vitais em termos de leis mecânicas, entendendo o homem como uma espécie de máquina; já Stahl permanecia fiel à iatroquímica, a qual propunha que os fenômenos fisiológicos seriam reações químicas[1]. Na química, Stahl desenvolveu trabalhos com fermentação e ácidos e bases; mas foi por sua teoria unificadora que ele ficou conhecido[1]. Esta teoria era na verdade uma modificação da que fora proposta por Becher, do princípio da inflamabilidade, de que a madeira ao queimar liberava suas cinzas e terra pinguis[2] A modificação de Stahl derivou de sua observação de que, de modo análogo com o que ocorria com a madeira na combustão, durante a fundição, um minério absorvia terra pinguis para se tornar metal; e que no enferrujamento, o metal liberava de volta sua terra pinguis e era reduzido a uma ferrugem semelhante a cinzas[2]. Como a nova teoria ampliava o conceito original, Stahl a remodelou sistematizando-a na teoria do flogístico, considerada a primeira teoria cientifica abrangente da química, que parecia explicar, de maneira inteiramente científica, vários dos maiores mistérios da transformação material [1], [2], [3]. Stahl morreu em Berlim, em maio de 1734, aos 73 anos, após uma vida plena de contribuições científicas [1]. [1] MAAR, J. H. História da Química. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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[2] STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev, a verdadeira historia da Química. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. [3] GREENBERG, A. Uma breve história da química: da alquimia às ciências moleculares modernas. Trad. Henrique Toma, Paola Corio, Viktoria Osório. São Paulo: Edgar Blucher, 2009.

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A 4 - Orientações para o grupo de Defesa

Como integrante da defesa, sua tarefa é tentar convencer os jurados de que a teoria do flogístico não foi um atraso para a ciência, mas que deixou contribuições válidas e que à luz dessa teoria foram consolidados importantes avanços para a ciência. Para tal, você não pode deixar de lado o fato de a teoria ser considera obsoleta, mas focar que as descobertas e avanços provenientes dela se mantêm como corretos e compõem importantes avanços na História da Ciência. Você deve utilizar argumentos e testemunhas que corroborem sua opinião, respondendo às perguntas no momento do julgamento.

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A 5 - Orientações para o grupo de Acusação

Como integrante da acusação, sua tarefa é, com base nos textos disponibilizados, desconstruir o argumento de que a teoria do flogístico deixou contribuições para a ciência, e tentar convencer o júri disto. Para tal, sua colocação deve estar sedimentada no fato da teoria ser hoje considerada obsoleta. Você deve buscar testemunhas que possam colaborar com a construção dos seus argumentos no momento do julgamento, por meio de suas perguntas.

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A 6 - Orientações para o grupo Júri

Como integrante do Júri, sua tarefa é decidir, em conjunto com seus pares, se a teoria do flogístico representou um avanço ou um retrocesso científ ico. Você deve estar atento às colocações da defesa e da acusação, ponderar, juntamente com os outros jurados, qual dos dois grupos apresentou os melhores argumentos, analisar os depoimentos e evidências apresentadas a fim de que o júri possa chegar ao seu veredicto.

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A 7 – Orientações para o grupo das testemunhas

Como testemunha neste julgamento, sua função é interpretar um dos cientistas que fizeram parte das discussões da teoria do flogístico. Você receberá um material biográfico sobre um cientista, e com base neste material e em outras leituras sobre esse cientista, você deve responder às perguntas da defesa e da acusação. Esteja atento para não ser influenciado a responder o que não está de acordo com os fatos históricos de que você dispõe. Tampouco se permita negligenciar toda e qualquer informação útil para o tribunal.

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