UMA REFLEXÃO SOBRE A ORTOGRAFIA - SÉCULOS XVI/XXI

May 28, 2017 | Autor: Neusa Barbosa Bastos | Categoria: Historiografia Linguística
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UMA REFLEXÃO SOBRE A ORTOGRAFIA - SÉCULOS XVI/XXI


BASTOS, Neusa Barbosa (NEL-UPM / IP-PUC/SP)[1]



RESUMO



O estudo do passado é importante porque faz com que se conheça
a nossa origem, revelando-se uma parte considerável de nossa existência no
tempo, uma vez que o homem quer sempre saber quem é, quem foi, de onde vem
e para onde vai. Nesse sentido, tencionamos, no presente trabalho, atender
a razões históricas, pois conhecer as nossas raízes significa poder
colaborar com as reflexões sobre aspectos do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa podendo ser testemunhos para o futuro.

Sabendo-se que o homem não pode ser a-histórico, voltado
somente para a atualidade, procurando estabelecer normas que encontra em
seu ambiente e em seu tempo; buscamos, com o estudo das questões
ortográficas antigas em relação às atuais questões da Nova Ortografia,
solucionar dúvidas quanto às modernas e, se possível, sugerir modificações
para as futuras.

Por termos conhecimento de que a Ortografia moderna, normativa,
aplicada à representação na escrita dos sons da fala, aparece-nos como uma
das grandes criações renascentistas, pois situou-se no centro do vasto
florescimento europeu, e manifestou-se através de intensas e entusiásticas
atividades de codificação e de dignificação das línguas vulgares,
delimitamos este trabalho de pesquisa à ortografia de João de Barros, nosso
primeiro gramático, estabelecendo comparações entre as posturas antigas e
as modernas (Novo Acordo Ortográfico) no que diz respeito à ortografia da
Língua Portuguesa.

A questão do ensino/aprendizagem de língua está implícita neste
estudo por ser um dos pontos cruciais da escola hoje (século XXI) e por ser
o objetivo primeiro do autor escolhido, que manifestava sua pretensão
didática imediata no século XVI, propondo a sistematização seletiva da
ortografia, de forma a tornar a obra assimilável e acessível a espíritos
inexperientes.

Nesse percurso comparativo, assentamo-nos nos princípios da
Historiografia Linguística e nos procedimentos da Análise do Discurso de
linha francesa, por serem aquelas que nos fornecem subsídios para uma
análise centrada na ideologia e na historicidade, o que num trabalho desse
teor se faz pertinente.




Palavras-chave: ORTOGRAFIA - HISTÓRIA - ENSINO
UMA REFLEXÃO SOBRE A ORTOGRAFIA - SÉCULOS XVI/XXI

BASTOS, Neusa Barbosa (NEL-UPM / IP-PUC/SP)[2]

O estudo do passado é importante porque faz com que se conheça a nossa
origem, revelando-se uma parte considerável de nossa existência no tempo,
uma vez que o homem quer sempre saber quem é, quem foi, de onde vem e para
onde vai. Nesse sentido, tencionamos, no presente trabalho, atender a
razões históricas, pois conhecer as nossas raízes significa poder colaborar
com as reflexões sobre aspectos do Novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa podendo ser testemunhos para o futuro.

Sabendo-se que o homem não pode ser a-histórico, voltado somente para a
atualidade, procurando estabelecer normas que encontra em seu ambiente e em
seu tempo; buscamos, com o estudo das questões ortográficas antigas em
relação às atuais questões da Nova Ortografia, solucionar dúvidas quanto às
modernas e, se possível, sugerir modificações para as futuras.

Por termos conhecimento de que a Ortografia moderna, normativa, aplicada à
representação na escrita dos sons da fala, aparece-nos como uma das grandes
criações renascentistas, pois situou-se no centro do vasto florescimento
europeu, e manifestou-se através de intensas e entusiásticas atividades de
codificação e de dignificação das línguas vulgares, delimitamos este
trabalho de pesquisa à ortografia constante da obra de João de Barros,
estabelecendo comparações entre as posturas antigas e as modernas (Novo
Acordo Ortográfico) no que diz respeito à ortografia da Língua Portuguesa.

A questão do ensino/aprendizagem de língua está implícita neste estudo por
ser um dos pontos cruciais da escola hoje (século XXI) e por ser o objetivo
primeiro do autor escolhido, que manifestava sua pretensão didática
imediata no século XVI, propondo a sistematização seletiva da ortografia,
de forma a tornar a obra assimilável e acessível a espíritos inexperientes.
Nesse percurso comparativo, assentamo-nos nos princípios da Historiografia
Linguística e nos procedimentos da Análise do Discurso de linha francesa,
por serem aquelas que nos fornecem subsídios para uma análise centrada na
ideologia e na historicidade, o que num trabalho desse teor se faz
pertinente.

Para se apresentar a parte da ortografia em João de Barros, faz-se
necessário que busquemos a contextualização da época, as condições externas
de produção do discurso do gramático, para analisarmos as suas posturas
como enunciador de um discurso adequado ao seu tempo. Nascido em Viseu, em
1496, como partícipe da nobreza portuguesa, foi educado esmeradamente no
paço, em estreita amizade com D. Manuel e também com D. João III, de quem
recebeu o governo do Castelo de São Jorge da Mina. Por essa influência
recebeu sempre bons cargos: tesoureiro da Casa da Índia, da Casa da Mina e
da Casa de Ceuta e feitor da casa da Guiné e da Casa da Índia. Quando da
colonização do Brasil, ganhou uma capitania de cinqüenta léguas ao norte,
mas a expedição que foi enviada, naufragou e ele não prosseguiu no seu
empreendimento mercantil. Homem de letras, cooptado à elite seiscentista
portuguesa, foi novelista, poeta, filósofo, historiador e gramático-
pedagógico com a publicação da Gramática da Língua Portuguesa.

Revelando a imanência de sua obra gramatical, a Grammatica da Língua
Portuguesa, publicada em 1540, em Lisboa, temos uma gramática descritivo-
normativa, que mostra também, em vários momentos, preocupação com todos
aqueles que pretendem falar a sua língua, por exemplo, nestes trechos:

...ficará esta matéria pera quando o uso ô
requerer (...) dádo que em rigor de bõa
linguágem sam mais próprios do síngular que
do plurár(...) ...Em aprender fázes a ti bõa
obra e ao méstre dás contentamento.

A cada um dos passos da gramática, os exemplos revelam uma intenção
formativa nos domínios da religião e da moral e de um sentimento cívico
baseado no orgulho das conquistas d'além mar, o que é próprio de alguém
que, inserido num contexto sócio-econômico dominante, necessita mostrar-se
engajado e servidor de seus protetores.

João de Barros declara-se o primeiro a pôr a nossa língua em arte, e ele é
realmente o primeiro se se considerar o sentido de época da palavra arte em
sua gramática, isto é, sistematizar a língua com a finalidade de mostrar
como falar e escrever bem.

Segundo Buescu (1978), há, ainda, quatro obras que se inserem como
complementares na esfera intencional de um Corpus didático da época, a
saber:
1. Escolaridade intencional da Cartinha como
primeiro livro didático, da Gramática como
segundo livro, e dos dois Diálogos como
conclusão e textos de leitura...


2. Opção, da parte do autor, por uma
gramática normativa, tendo em vista os seus
objetivos didáticos imediatos... Para Barros,
os artistas, isto é, os executores da Arte
que se propõe elaborar com a sua Gramática,
opõem-se aos gramáticos especulativos, pela
atividade plenamente pragmática do ensino...


3. Ordenação indutiva das matérias, que nos
parece (ao lado, é certo, da dedução) como
uma antecipação metodológica...


4. Sistematização seletiva das matérias, de
forma a tornar a obra assimilável e acessível
a espíritos inexperientes... Barros, mais
mestre do que gramático especulativo,
empreende, pois, a difícil tarefa de, dada a
novidáde de óbra, estabelecer as regras
gerais, aludindo às exceções indispensáveis
numa obra de caráter normativo.


5. Utilização de uma exemplificação
gramatical raramente destituída de conteúdo
formativo ou informativo, constituída por
exemplos ilustrativos, quase extraídos da
história e da realidade portuguesa...


6. Preocupação de, aplicando como já vimos um
método de base indutiva, tirar o máximo
partido da disposição gráfica, com vista a
uma facilidade de aprendizagem e fixação...A
Gramática, não contendo ilustrações,
apresenta as matérias dispostas em pilha, por
vezes em duplicações desnecessárias, mas que
demonstram a aplicação do princípio da
repetição como método de fixação.

A questão da disposição gráfica da Gramática é um aspecto revelador da
preocupação com a aprendizagem e a fixação, como é o caso das declinações
do artigo, do nome, do pronome e das conjugações verbais, no entanto o
aspecto que nos interessa mais de perto, neste trabalho é a Ortografia, que
Barros tenta resolver. São três problemas fundamentais postos para o
português:

1º a perda da noção de quantidade e
necessidade da notação dos graus de abertura
vocálica;


2º a tentativa de abolição de qu, substituído
por c e a utilização do ç para som sibilante
(no século XVI ainda africado): ça, çe, çi,
ço, çu;


3º distinção de i e u, semivogais de j e v.


As soluções de Barros parecem revelar uma influência italiana, embora
temperada com maior conservadorismo. Com essas considerações, depreende-se
que a gramática moderna, normativa, aplicada aos falares doutos da época em
Portugal, aparece-nos como uma das grandes criações renascentistas. As
obras gramaticais portuguesas situam-se no centro do vasto florescimento
europeu e manifestam-se intensas e entusiásticas atividades em torno de
dupla finalidade: a codificação e a dignificação das línguas vulgares. A
Gramática de João de Barros corresponde à primeira; o Diálogo em louvor da
nóssa linguágem à segunda.

A posição de João de Barros vem mostrada claramente quanto a fazer preceder
o estudo da Gramática Latina pelo estudo da Gramática Portuguesa. Para ele,
o Latim aparece como ponto de referência, modelo de codificação gramatical
e fonte de empréstimos; assim a gramática latina é o modelo e a referência,
mas há a preocupação em individualizar a Língua Portuguesa, como é
verificado nas principais inovações românticas que foram discernidas ou,
pelo menos, pressentidas por João de Barros:

- a existência do artigo;
- o desaparecimento da declinação;
- a redução das conjugações;
- as diferenças entre a forma e o valor dos
tempos verbais em relação ao latim;
- a formação perifrástica de alguns tempos
verbais;
- a formação perifrástica da voz passiva;
- o desaparecimento da noção de quantidade;
- a existência de aumentativos.


Assim, podemos dizer que, para Barros, o binômio Português - Latim se põe,
antes de mais nada, duma forma esclarecida e consciente em relação à
realidade românica, que vai se definindo a partir desse momento
renascentista português.

A questão das fontes clássicas para a Ortografia Portuguesa foi
constituída, principalmente, por Quintiliano, Varrão, Prisciano, pois os
gramáticos do Renascimento apesar de se depararam, evidentemente, com
realidades completamente diferentes das do Latim, tiveram nos clássicos o
apoio. Entretanto tal apoio que, em outros capítulos da gramática, havia
sido tão forte quanto útil e eficiente, revelou-se praticamente nulo neste
aspecto e as principais fontes clássicas gramaticais, que, dificilmente
poderiam ser abandonadas, foram submetidas a uma crítica, e a sua doutrina
a inevitáveis adaptações. João de Barros apresenta uma grande inovação, que
consiste na aplicação de timbre aberto e fechado para a, que não tinha
efeito em nenhuma das outras línguas, visto que o timbre fechado de a é um
dos traços do vocalismo português.

A finalidade de João de Barros foi estabelecer a Língua Portuguesa como
autônoma, independente da latina, utilizando em sua gramática o falar da
época através do que o uso ensina e buscando a norma culta dos "barões
doutos", mas não negou que o Português tem como língua-mãe o latim, "cujos
filhos nós somos". Possui um sentimento patriótico de superioridade da
Língua Portuguesa em face das outras, principalmente da castelhana, uma vez
que, entre as nações, Espanha e Portugal, sempre houve rivalidades, tanto
em momentos de distanciamento, quanto em momentos de aproximação. Dá como
qualidades essenciais do português: a sua riqueza de vocabulário, a sua
semelhança com a língua latina, reforçando assim que não devemos esquecer
as raízes. Adaptando a língua à realidade vigente no século XVI, expande
ainda suas qualidades: a sonoridade agradável, a capacidade de exprimir
idéias abstratas e a possibilidade de formação de novos vocábulos.

No início de sua obra, deparamo-nos com a seguinte definição de Gramática:

é vocábulo grego: quér dizer ciênçia de
lêteras. E, segundo a definiçam que lhe os
Gramáticos déram, é um módo cérto e justo de
fálar e escrever, colheito do uso e
autoridade dos barões doutos

Observemos que João de Barros se atém à definição de gramáticos que o
antecederam, mantendo o conceito de falar e escrever "certo e justo", o que
será sempre seguido pela norma culta, por aqueles que melhor usam a língua
e é baseando-se na norma culta que ele constitui sua obra.

Quanto à divisão de sua obra gramatical: Ortografia, Prosódia, Etimologia e
Sintaxe, o que nos interessa de perto, como já mencionamos, é a parte da
Ortografia - que trata da letra, ao lado da prosódia - que trata da sílaba.

Ao tratar da letra, define-a como "a mais pequena párte de qualquér diçám
que se póde escrever" e diz terem, as letras: nome (a primeira A, a segunda
Bê, a terceira Cê, etc...), figura (porque se escrevem A, B, C,...) e poder
(pois cada uma tem a sua valia). Faz essas considerações no início de sua
obra e indica que no título da Ortografia irá retornar ao assunto. Tomemo-
lo agora: na parte final da gramática, define ortografia como ciência de
escrever diretamente e revela o seu objetivo didático no trecho: "porque
nossa tençam é fazer algum proveito aos mininos que por ésta árte
aprenderem..." e acrescenta que pretende ser breve e claro "por causa
deles", tratando "somente do necessário aos principiantes".

Afirma João de Barros que as letras são trinta e três e em poder, vinte e
seis, isto porque o c aparece com duas figuras (c, ç) e tem a "valia" de
ser consoante, é como o a, que também aparece com duas figuras (a, á) e tem
a "valia" de ser uma vogal.

A seguir, dá uma regra principal de Ortografia, que é escrever todas as
"dicções com tantas lêteras com quantas âs pronunçiamos, sem poer
consoantes oçiósas, como vemos na escritura italiana e francesa"; notamos
aqui a atitude conservadora de João de Barros, que procura aproximar a
grafia o mais possível da fonética da língua, fugindo à grafia etimológica
quando observa:

orthographia é vocábulo grego e os latinos ô
escrévem désta maneira atrás e nós ô devemos
escrever com éstas Lêteras: ortografia,
porque com élas ô pronunçiamos.

As outras quatro regras referem-se 1) à impossibilidade de acabar sílabas
com as consoantes mudas (b, c, d, f, g, p, q, t), podendo, portanto, serem
finais (l, m, n, r, s, z) e as semivogais; 2) às letras dobradas, que só
podem ser dobradas no meio da dicção, e se forem as semivogais (l, m, n, r,
s); 3) à divisão das sílabas com letras dobradas (nos / so); e 4) às
terminações (am, em, im, om, um) que no plural ao invés de m, terão um ~
(til).

Ao abordar as vogais, mostra que as herdamos do Latim, mas vieram cinco: a,
e, i, o, u - e nós temos oito: á, a, é, e, i, ó, o, u, em que as acentuadas
são grandes, e as não acentuadas, pequenas; i e u são comuns.

Em seguida, volta-se às regras particulares de cada letra, não faz
descrição da pronúncia das letras, dá sim os seus "ofícios", a saber:

a tem três ofícios a saber: artigo: A matéria
bem feita apráz ao méstre. Serve de relativo
per semelhante exemplo: Éssa tua palmatória,
se â tomar, far-te-ei lembrar ésta regra...
Em composiçám: O temor de Deus faz boa
conçiênçia.

Quanto às consoantes, indica as suas posições nas sílabas, por exemplo:

b, àçerca de nós e dos latinos nam tem máis
açidentes que querem antes de si m, como
néstas dições: ambos, ambólas, embigo, tombo

Cita, ainda, a letra g que tem diferentes "serviços", quando junto às
vogais a, e, o, ou quando junto às vogais e, i (com a "prolaçam" je, ji) e
para a "prolaçam" ga, go, gu, junto às vogais e, i, deve-se usar a vogal u
(gue, gui); e assim, vai descrevendo todas as consoantes.

A segunda parte de que trataremos é a Prosódia que corresponde ao estudo da
sílaba e traz-nos a seguinte definição:

é o ajuntamento de ua vogal com ua e duas e
às vezes três consoantes que juntamente fázem
ua só vóz.

Uma particularidade que aqui encontramos, foi a afirmação de João de Barros
quanto a não considerar sílaba, aquela composta só de vogais; para ele,
sílaba deve ter consoante e vogal, como percebemos no trecho:

...às vezes ua só lêtera vogál sérve de
sílaba, própriamente a ésta tál nam
chamaremos sílaba mas àquela que for compósta
de vogal e consoante.

Os acidentes da sílaba são: número de letras - serão no máximo três
consoantes, como em li-vros, prín-ci-pe; espaço de tempo - há sílabas
longas e curtas: em Bár-ba-ra, a primeira é longa e as demais, curtas, e
canto que pode ser alto ou baixo, o que corresponde à tonicidade ou
atonicidade silábicas.

Neste estudo, constatamos que João de Barros é de fato um gramático
preocupado com o ensino de Português, envolvido com seu tempo de conquistas
ultramarinas portuguesas, apresentando uma língua próxima do povo - Língua
Vernácula - Vulgar e mantendo as normas da Língua Culta, procurada nos
autores de prestígio, os "doutos" da época. Esta obra é de grande interesse
não só por sua atualidade quanto ao critério de escolha dos exemplos
retirados da linguagem cotidiana, o que no século XX não foi a preocupação
para a maioria dos gramáticos que ainda se voltaram para uma exemplificação
retirada de autores dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, como também pelas
inovações feitas por ele de maneira clara e simples. Desta forma,
procurando tecer algumas considerações sobre a maneira como foi constituída
a Ortografia de nossa língua desde o início do surgimento da Gramática
Portuguesa, o que nos permitiu observar quais os critérios utilizados na
sua formação, passaremos a comentar as diretrizes seguidas cinco séculos
depois, séculos XX e XXI, momento em que se buscou uma reforma ortográfica
por motivos políticos diversos aos do distanciamento de povos (século XVI –
portugueses e espanhóis) e aos da aproximação de povos pelo domínio de um
povo civilizado sobre os demais considerados "não-civilizados", critérios
da época dos descobrimentos.

Trata-se, pois, de um novo momento de unificação não pelo domínio de um
povo, o português, mas pela imposição de uma língua, a portuguesa, já
adotada pelos povos conquistados no século XVI, como é o caso do Brasil que
adotou tacitamente a Língua Portuguesa, firmando durante os séculos a sua
variante, a modalidade brasileira da Língua Portuguesa, ou como o caso dos
demais países Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e
Príncipe, Timor-Leste, que mantêm suas línguas nativas e consideram o
português como língua oficial.

Recuperando um pouco a história da ortografia, pós séculos XVI a XIX,
podemos afirmar que até 1911, tanto em Portugal como no Brasil, seguia-se
uma ortografia que se constituiu a partir dos primeiros momentos da
sistematização da Língua Portuguesa com base nas obras gramaticais gregas
e, posteriormente, latinas para se escreverem as palavras, como por exemplo
pharmacia, estylo etc.
A partir de então, segunda década do século XX, buscava-se, segundo Bechara
(2008, p. 17), o aperfeiçoamento dos
sistemas convencionais da ortografia para se
chegar a resultados satisfatórios. A tarefa
inicial,..., foi passar de uma rígida
tradição etimológica a um sistema
simplificador fonético que mais aproximasse a
escrita da realidade da pronúncia, sem
desprezar a vinculação histórica.
Respectivamente nas décadas de 10, 40, 70 e 80, foram levadas a cabo
reformas ortográficas. A primeira, que desconsiderou por completo o Brasil
que ficou com a ortografia tradicional (a pseudo-etimológica), modificou
deveras o aspecto da língua escrita em Portugal, que ficou com a ortografia
reformada, aproximada da atual. A segunda, protagonizada pelas Academias
(a das Ciências de Lisboa e a Brasileira de Letras), foi uma das várias
tentativas de se estabelecer uma grafia comum aos dois países, o que gerou
o Acordo Ortográfico de 1945, no entanto ele torna-se lei em Portugal, mas
o Brasil continua sendo regulado pelo Acordo de 1943.
A terceira reforma deu-se em 1971 no Brasil e em 1973 em Portugal,
aproximando a ortografia dos dois países, com a supressão de acentos
gráficos marcadores da sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o
sufixo -mente ou iniciados por -z- (ex.: sòmente, sòzinho), sem, no
entanto, chegar-se a bom termo para que houvesse uma ortografia comum entre
os luso-africanos e os brasilerios, visando a uma unidade intercontinental
do português e a um maior prestígio do português no mundo. Assim,
considerando-se esse estado de coisas, surge, em 1988, a quarta tentativa
de reforma político-linguistica, com a elaboração de um Anteprojecto de
Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, que gerou o Novo Acordo
Ortográfico em 1990, que propõe significativa redução das diferenças de
grafia entre o português brasileiro e o português europeu.
Convém salientar, primeiramente, que o objetivo de um manual ortográfico
como os que já foram publicados em conformidade com o novo acordo, não
diferem em princípio do "manual" de João de Barros e dos demais da época,
como por exemplo o de Duarte Nunes do Leão que objetivavam ensinar aos
meninos e àqueles que desejassem se iniciar no estudo da Língua Portuguesa.
Assim, lemos em Bechara (2008a, p.9):
Como se trata de um Manual destinado às
pessoas comuns, não especialistas, que
desejam escrever de acordo com o novo
sistema, tomamos a liberdade de em alguns
momentos, alterar a redação e disposição
técnica de um ou outro ponto para tornar o
Acordo facilmente compreendido ou levá-lo ao
leitor de modo mais didático sem contudo
desvirtuar a lição do textos oficial
Em segundo lugar, lembremo-nos do que nos afirmou João de Barros quanto à
quantidade de letras do alfabeto português: 33 letras, considerando-se
casos como o do c e do ç. Na descrição atual, cumpre apontar que o alfabeto
da Língua Portuguesa passa a ter 26 letras pela incorporação das letras k,
w e y que continuarão sendo utilizadas: em nomes próprios originários de
outras línguas e seus derivados - Darwin, darwiniano; em siglas, símbolos,
palavras como unidade de medida de uso internacional - KLM, K – potássio,
Watt e na sequência de uma enumeração - a), b), c)....v), w)...).

Em terceiro lugar, quanto à acentuação gráfica que apresentou mudanças,
devemos mencionar a queda do trema (que deixa saudades aos linguistas e aos
professores de Língua Portuguesa e de Linguística!) e a queda dos acentos
agudos em ditongos abertos éi, ói utilizados em palavras paroxítonas –
heroico. Uma asseveração importante que revela a preocupaçãocom a
diversidade existente no espaço lusófono é a questão de se marcarem as
palavras com acento agudo ou circunflexo de acordo com a pronúncia culta da
língua do país lusófono – académico (Portugal) - acadêmico (Brasil). Quanto
à diversidade linguistica mencionada, é uma das riquezas da multiplicidade
vigente em nosso caldeirão cultural e deverá sempre ser respeitada pelo
valor representativo de cada um dos países lusófonos constituintes desse
espaço lusófono a que pertencemos.

Por fim, quanto ao hífen, queremos apenas citar Bechara (2008b, p. 47):
Pode-se dizer que, quanto ao emprego do
hífen, várias regras foram reformuladas de
modo mais claro, resumido e simples. Todavia
não chegamos ainda à racionalização desejada
pelos usuários.
Após tais considerações e afirmando que o Novo Acordo Ortográfico é uma das
criações pós-modernas que se situa, neste momento, no centro da vasta
globalização e se manifesta como polêmica e intensa atividade em torno da
dupla finalidade já aqui mencionada: a unidade intercontinental do
português e um maior prestígio do português no mundo, podemos assegurar que
instituir uma ortografia oficial única da Língua Portuguesa e com isso
aumentar o seu prestígio internacional só poderá trazer benefícios à Língua
Portuguesa, dando fim à existência de duas normas ortográficas oficiais
divergentes: uma no Brasil e outra nos demais países lusófonos. De acordo
com dados da internet, a porcentagem de alterações é pequena e suficiente
para o que se propõe:
A adopção da nova ortografia, de acordo com
os dados da Nota Explicativa do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (que
se baseiam exclusivamente numa lista de 110
000 palavras da Academia das Ciências de
Lisboa), irá acarretar alterações na grafia
de cerca de 1,6% do total de palavras na
norma euro-afro-asiático-oceânica (em
Portugal, PALOP, Timor-Leste e Região
Administrativa Especial de Macau) e de cerca
de 0,5% na brasileira).
Podemos afirmar que, por meio da preocupação com as questões de prestígio e
da unidade intercontinental do Português, aprova-se um Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa que, sendo um tratado internacional, objetiva marcar a
unificação de uma ortografia a ser utilizada por todos os países de língua
oficial portuguesa. Vale lembrar, ainda, que o Acordo teve ainda a presença
de uma delegação de observadores da Galiza que constitui com Portugal a
mesma unidade geográfica, cultural e linguística, separados em consequência
de fatores históricos.
Cumpre destacar que tanto o significado do Acordo quanto seu valor jurídico
não obtiveram consenso entre linguistas, filólogos, acadêmicos,
jornalistas, escritores, tradutores e personalidades dos setores artístico,
universitário, político e empresarial das sociedades portuguesa e
brasileira, uma vez que cada um observou o fato de um ponto de vista,
quando o mesmo deveria ser enfocado sob a égide da aproximação pertinente e
postitiva entre povos de um espaço lusófono que deve necessariamente ser
considerado neste mundo globalizado em que nos encontramos.
Dessa forma, a aplicação do Novo Acordo Ortográfico tem suscitado
discordância por motivos linguísticos, no que tange a vários fatores como:
a supressão de letras consonânticas mudas; as regras de hifenização que não
chegaram à racionalização desejada pelos usuários; a remoção do acento
diferencial. Afirmam alguns cidadãos que exisite inconstitucionalidade do
tratado, outros que o Acordo Ortográfico serve, acima de tudo, interesses
geopolíticos e econômicos brasileiros. No entanto os concordantes registram
que as mudanças levadas a efeito restringem-se a poucas alterações em
palavras que passarão a ser escritas da mesma maneira em todos os países
lusófonos sem desconsiderar a unidade na diversidade como sempre uma
realização no que diz respeito ao uso efetivo da Língua Portuguesa por
todos os lusófonos na intersecção de língua, comunicação e cultura, para
enfrentarmos o mundo globalizado do século XXI.

Sendo assim, o respeito às variantes lingüísticas existentes no espaço
lusófono nos faz repensar atitudes culturais de outros povos, conceitos,
crenças e modos de interagir e interpretar o mundo. Para que exista
comunicação efetiva e significativamente relevante entre falantes
lusófonos, é necessário compreender e aceitar ações como a da constituição
de um Novo Acordo Ortográfico que visa à aproximação de escritas entre
membros da comunidade lusófona que devem ser considerados como outros
(angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são-
tomenses, timorenses), mas, pela Língua Portuguesa, parte indissociável do
imaginário lusófono de nós mesmos (brasileiros) que, unidos e separados,
nos fazemos iguais e nos fazemos diferentes, somos nós, sendo outros,
constantemente.

Finalizando, devemos ressaltar que ter como objeto de estudo a ortografia
da Língua Portuguesa e como referência dois momentos históricos tão
significativos: época de expansão pelo domínio territorial e pela imposição
da Língua Portuguesa (século XVI) e época de expansão pela aproximação de
escrita da Língua Portuguesa visando ao enfrentamento da globalização
(século XXI), nos leva à percepção da dimensão sócio-cultural que envolve o
ato lingüístico em toda a sua extensão pelo espaço lusófono.

BIBLIOGRAFIA
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MAINGUENEAU, Dominique. Cenas da Enunciação. Ed. e org. de Maria Cecília
Pérez de Souza-e-Silva e Sírio Possenti, Curitiba: Criar, 2006.

PINTO, Rolando Morel. Gramáticos portugueses do renascimento. In Revista de
Letras, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, 1961
http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_Ortogr%C3%A1fico_de_1990 – Acessado às
9h do dia 22 de dezembro de 2008.











TÍTULO DO TRABALHO: Uma reflexão sobre a ortografia - séculos XVI-XXI

NOME DO AUTOR: Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos

INSTITUIÇÃO DE ORIGEM: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
Universidade Presbiteriana Mackenzie

ENDEREÇO: Rua Gabriel de Lara, 425
04581-050 - Brooklin - São Paulo/SP
Tel.: (11) 5093 1469 – Fax: (11) 5041 3557 – Cel.: (11) 9616
2500
email: [email protected]
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[1] NEL-UPM (Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Presbiteriana
Mackenzie) – IP-PUC\SP (Instituto de Pesquisas Lingüísticas "Sedes
Sapientiae" para Estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo)
[2] NEL-UPM (Núcleo de Estudos Lusófonos da Universidade Presbiteriana
Mackenzie) – IP-PUC\SP (Instituto de Pesquisas Lingüísticas "Sedes
Sapientiae" para Estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo)
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