UMA REFLEXÃO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE DE FRONTEIRA: O CASO DE MARABÁ

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II Encontro Nacional de Tecnologia Urbana - ENURB / V Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana / II Simpósio de Infraestrutura e Meio Ambiente Passo Fundo x 11, 12 e 13 de novembro de 2015

UMA REFLEXÃO SOBRE OS ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE DE FRONTEIRA: O CASO DE MARABÁ Luna Bibas* Ana Cláudia Cardoso**

Resumo A partir da urbanização na Amazônia (70% da sua população vive em cidades) ocorreu a sobreposição de diferentes modos de vida, do tradicional, dependente dos rios, e do industrial, introduzido pelos grandes projetos federais. A tais modos de vida corresponderam diferentes desenhos de cidade. Em Marabá, sobrepuseram-se dinâmicas ribeirinhas, a cidade de beira de estrada e projetos modernistas, que configuram cidades dentro de uma cidade. Este artigo aborda processos, seus atores e os desenhos na malha urbana onde se delinearam tais processos a partir do comportamento dos usuários e dos atributos de cada espaço público, destacando a abordagem da cidade para pessoas, e a valorização do modo de vida tradicicional no papel dos espaços públicos dentro da malha urbana da cidade de Marabá. Palavras-chave: desenho, urbano, Amazônia, espaço, público.

Abstract After the urbanization in the Amazon (70% of its population lives in cities) an overlap of different lifestyles occurred: the traditional which is river dependent and the industrial introduced by federal projects. To such lifestyles follow different city shapes. In Maraba, the river dynamic, the roadside city, modernist projects, get together in an overlap that sets up cities within a city. This work approach processes, its actors and the following designs on the urban environment in which it is outlined. These processes linked to the behavior of users and attributes of each public space contribute to the debate about city for people, and the appreciation for the role that the traditional lifestyle plays into the public spaces inside the urban fabric of the city of Maraba. Keywords: urban, design, Amazon, public, space.

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Graduanda da Universidade Federal do Pará, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. E-mail: [email protected] Doutora na Universidade Federal do Pará, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. E-mail: [email protected]

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Introdução Enquanto o mundo torna-se mais urbano a discussão a respeito do planejamento urbano e seus rumos vão se tornando cada vez mais complicadas (MARHSALL, 2009) e demandando análises diferenciadas para cada região ou localidade e a observação de suas particularidades a fim de entender seus processos. Em cidades da Amazônia, floresta já urbanizada, os processos comuns às grandes metrópoles, tais como espraiamento, fragmentação e segregação, se repetem nas cidades pequenas e médias na medida em que a região tem sido rapidamente tomada por uma lógica industrial que requer uma logística de característica menos permanente ou durável do ponto de vista do bioma, enquanto aspectos do desenho urbano de cidades tradicionais contam com características espaciais atualmente consideradas como bons atributos para a qualidade do espaço urbano. A ordem estabelecida a partir da industrialização no Brasil inseriu a Amazônia de forma subordinada aos interesses de desenvolvimento de outras regiões brasileiras, gerando forte impacto sobre o bioma e a população que já habitava a região. A nova concepção de desenvolvimento econômico baseou-se na lógica urbana e deu prioridade à infraestrutura voltada para a produção, em detrimento à infraestrutura de suporte à vida das pessoas. Novas cidades surgiram após a implantação da infraestrutura logística de apoio à exploração dos recursos naturais da região, ou para a ocupação da terra por assentamentos rurais. A nova lógica urbana (industrial) impactou áreas essencialmente rurais gerando alto grau de disparidade física e sócio econômica tanto nos novos núcleos urbanos quanto nos núcleos urbanos preexistentes que compunham a rede urbana dendrítica que existia na Amazônia ribeirinha tradicional (MONTE-MÓR, 1994; CORRÊA, 2006). A cidade de Marabá é o estudo de caso deste artigo, cidade localizada no sudeste paraense que tem servido como um rico laboratório de urbanismo, graças à sua situação de fronteira entre estados, biomas e de periferia econômica. Considerada uma cidade média, reúne em torno de 300.000 habitantes em configurações espaciais ligadas que respondem à dinâmica ribeirinha em alguns núcleos, e noutros contam com projetos modernistas introduzidos pelo governo federal nos anos 1970, e contemporaneamente com espaços produzidos pelo mercado, formal e informalmente. Seu território ainda contém saberes tradicionais e não-técnicos e conciliar o espaço construído e a exuberante natureza que permeia a cidade e as pessoas que a utilizam. Nesta perspectiva, este artigo tem como objetivo a análise do desenho dos espaços públicos e de sua inserção na malha urbana a partir da discussão de atributos e qualidades do projeto do espaço urbano, que levam em consideração as pessoas seus modos de vida e suas demandas reais. Foram comparados dois espaços públicos de cada um dos três principais núcleos da cidade: Marabá Pioneira, Cidade Nova e Nova Marabá. Através de contagens de usuários, observações de campo e entrevistas (realizadas em 2014) combinadas com a análise do desenho, pode-se perceber que Marabá guarda um grande potencial para a produção de um espaço urbano de qualidade, mais conectado e mais voltado para pessoas, ainda que negligenciado por políticas públicas locais, e ainda raras no cenário nacional, fato que reduz a possibilidade de criação de novas trajetórias que não promovam a segregação, degradação ambiental e homogeneização da paisagem urbana, da cultura e da sociedade de uma forma geral.

A fronteira, os processos e o tímido desenho urbano A situação de fronteira do capital não sinaliza uma borda física, mas associa ao território as disparidades desenroladas neste território e ao redor dele, é onde ocorre o espraiamento do modo de produção capitalista, e a busca da maximização da mais valia, da exploração de recursos e da potencialização da especulação. A maior marca da fronteira é o processo (SUDRÉ, 2015).

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A partir de uma necessidade de competição por recursos naturais ainda não apropriados, ou apropriados mas em condições de proteção (como ocorre nos países de norte), surgem as forças que determinam a busca por novos territórios, transformados em fronteiras econômicas. Fronteira móvel, que determina uma direção: a do valor que se valoriza; e comanda processos de tranformação social, política e economica. Tal necessidade de novos territórios para espacializar esses processos causam mudanças, principalmente de subjulgação ou subtração do que precedia o novo. A fronteira se manifesta como zona de incorporação, que desconhece barreiras (SUDRÉ, 2015). Por outro lado, são as relações sociais que marcam a produção propriamente dita, e é a partir delas que este modo de produção se impõe, ainda que mascarado, como se fosse um processo natural, necessário, o progresso em detrimento de todo o resto (resto sendo: convivência harmônica com o bioma, a tradição, a cultura, o espaço construído pelo próprio morador/utilizador do espaço). Tais relações sociais, demandam uma existência espacial visível juntamente com a chegada do progresso, o espaço passa a ser modelado para as relações passageiras, efêmeras, impostas pelos novos interesse de produção, da nova escala do capital, gerando conflito, contrasenso ou simples sobreposição de diferentes lógicas. Cada um dos momentos históricos vividos na Amazônia produziu alterações no espaço que serviram como ponto de partida para o instante posterior. Na região, os núcleos urbanos serviram de base para a expansão da fronteira - e com Marabá não foi diferente (BECKER, 2013). O urbano brasileiro reportado como periferia do capitalismo mundial, tem sua expressão regional da relação centro-periferia no urbano amazônico. A disputa entre as racionalidades tradicional e industrial tem levado à sujeição do espaço natural à racionalidade exógena, ao pensamento cartesiano produtor de abstrações que procuram substituir a heterogeneidade inicial por uma homogeneidade genérica, que se constitui em arcabouço para a reprodução de relações sociais já conhecidas, de uma espaço sem atritos, de uma política que possibilita a exploração sócio-ambiental. Na medida em que os projetos federais promoveram a integração territorial da Amazônia ao restante do Brasil por meio de rodovias, Marabá tornou-se alvo da exploração de madeira e mineral, a segunda iniciada pelo garimpo de diamantes e ouro, e depois pela exploração de minério de ferro. Instalaram-se na área um conjunto de atividades, combinação de forças produtivas e relações de produção que culminaram com sua inserção definitiva no sistema de produção global, e sua consolidação como área de fronteira. Apesar desse processo, defende-se a adoção de uma abordagem sistêmica dos espaços construídos públicos e privados, conjuntamente com os espaços livres públicos e privados, associados à natureza e ao bioma, e a soluções espaciais adequadas ao mesmo, como subsídio para a formulação de uma política de desenvolvimento urbano mais coerente, que se proponha entender os elementos da cidade de uma forma mais articulada com objetivo de atender as pessoas da cidade, e a estrutura global e localmente para usufruto das pessoas (GEHL, 2013; VESCINA, 2010). Concepções espacias ideologizadas, como a modernista presente em um dos núcleos de Marabá (Nova Marabá), deram pouca prioridade aos espaços públicos, às áreas de pedestres e ao papel do urbano como lugar de encontro dos moradores da cidade. As forças do mercado contribuíram para a substituição de espaços comuns da cidade por espaços internos e/ou privados, cada vez mais isolados, independentes e indiferentes, que prometem segurança, conforto e lazer, mas privatizam cada vez mais a cidade, e abrindo as portas para a violência urbana, geradores de mais insegurança e violência. Enquanto os espaços públicos são limitados, possuem obstáculos, ruídos, poluição, risco de acidentes e condições precárias para a tender a população, reflexo do descaso do poder público com a própria população (GEHL, 2013; JACOBS, 2011). Ao redor do mundo vem aumentando o interesse na construção de áreas dinâmicas e de uso misto em vez de grupos de edifícios autônomos e isolados. A visão do uso misto, da escala humana e das qualidades do espaço público preparado para pessoas é vista por muitos autores como pontos-chave

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para uma cidade viva, menos monótona e mais segura (GEHL, 2009; JACOBS, 2011; CULLEN, 1978; ALEXANDER, 2013; KRIER, 1979). Apesar de em muitas cidades do mundo já ter se desenvolvido o campo do planejamento de tráfego pautado no desenho urbano comprometido com princípios de moderação de trafego e segurança no trânsito, na maior parte das cidades, principalmente naqueles periféricas articuladas à dinâmicas econômicas globais, como é o caso de Marabá em relação à mineração, a quantidade de veículos explodiu e os problemas se acumularam rapidamente. As concepções de desenho urbano citadas procuram tanto a compreensão do espaço como a experiênica concreta da malha urbana como estratégia de mistura de padrões e formas, tipos e tipologias no processo de construção da cidade. O construído tem uma consequência que se reflete no não construído, no espaço vazio necessário para amalgamar, conectar, dar sentido ao diferentes espaços “cheios” da cidade (ALEXANDER, 2013; MARSHALL, 2009). A versatilidade espacial permite uma vida urbana multifacetada, que o espaço seja usado para vários tipos de atividades ao mesmo tempo, promovendo atração de pessoas. A qualidade física do espaço urbano é um fator de importância para o planejamento e projeto capaz de influenciar o alcance e o caráter de nossas atividades ao ar livre (proteção, segurança, tamanho do espaço, mobiliário e qualidade visual, influenciam na atratividade do espaço urbano). O aumento de atividades recreativas opcionais (não obrigatórias) tem impacto direto na circulação de pedestres. A cidade como lugar de encontro é uma importante ideia do texto de Gehl (2013) pois é através dos contatos decorrentes desses encontros, que a vida da cidade se torna mais viva e anuncia a atividade social urbana, favorecendo o contato entre as pessoas, e através do ver e ouvir, pode-se partir para outros tipos de contato, entender a vida urbana e experimentá-la.

Os espaços públicos de Marabá: uma análise Nascida como entreposto comercial a cidade de Marabá se encontra na confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, originada em um pontal de terra onde foi estabelecido o núcleo Marabá Pioneira, como indica o nome, primeiro núcleo da cidade. Atualmente a cidade possui cinco núcleos (Marabá Pioneira, Nova Marabá, Cidade Nova, Distrito Industrial e São Félix) separados por barreiras físicas (rios, várzeas), porém neste artigo nos ateremos apenas aos três núcleos de maior extensão e consolidação, mais próximo uns dos outros: Marabá Pioneira, Cidade Nova e Nova Marabá (ver figura 1). Uma visita de campo à cidade, possibilitou a coleta de entrevistas, dados históricos, formação de acervo fotográfico e observação nos espaços públicos da cidade. Dos núcleos supracitados, foram selecionados os espaços de maior destaque e analisada sua inserção na malha urbana correspondente (cada núcleo possui um desenho diferenciado) e seu entorno juntamente com a observação e o comportamento de seus usuários. Foi possível estabelecer, atributos como, segurança, conforto e diversidade de atividades dentro e no entorno desses espaços, caracterizando-os como espaços atrativos ou monótonos e relacionar aspectos de atratividade à práticas tradicionais e aspectos monótonos à práticas profissionais e técnicas ligadas ao modelo urbano-industrial.

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Figura 1: Núcleos de Marabá, sua localização e escala

Fonte: Google Maps. Elaboração: Luna Bibas, 2015.

Marabá Pioneira O núcleo da Marabá Pioneira está ligado com a história de Marabá e com a origem ribeirinha da cidade, contou com ocupação espontânea, vernacular, onde prevalece uma escala espacial humanizada. Sua morfologia conta com ruas estreitas, casas pequenas em madeira ou alvenaria que são relacionadas com atividades ribeirinhas na área popular, e ao comércio diversificado na área elitizada, que abrigou a antiga elite da cidade (ver tabela 1). São características dos espaços públicos analisados da Marabá Pioneira (ver figura 2):

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Figura 2: Croqui com identificação dos espaços públicos da Marabá Pioneira

Fonte: Observações no local. Elaboração: Luna Bibas.

• Orla: este espaço é dono de uma centralidade que está intimamente ligada à identidade deste núcleo, ao surgimento da cidade e à cultura amazônica e sua rede urbana dendrítica. Os pedestres ficam bem separados do fluxo de carro, pois a sua calçada é larga, porém os engarrafamentos são frequentes nesta área por conta da atratividade paisagística e das diferentes atividades que ocorrem ao longo da orla. • Praça Duque de Caxias: praça em localização estratégica para reduzir a velocidade dos veículos favorece a apropriação do espaço criado (oposto à rua principal) como continuação da praça, até mesmo pequenos bancos e barracas de comida foram posicionados contando com o o movimento lento de carros. A praça também gerar mais segurança para os transeuntes e distribui os veículos que passam por ela.

Cidade Nova Formado a partir da rodovia Transamazônica este núcleo tem forte conexão com o fluxo migratório desencadeado pela implantação do projeto da Nova Marabá, do aeroporto e da vila para abrigar os funcionários do INCRA (Vila Transamazônica). A área atraiu grandes contingentes de imigrantes que não podiam pagar pela terra no núcleo Pioneiro ou não aceitavam conviver com os alagamentos periódicos que ocorriam naquele núcleo (TOURINHO, 1991). Seu desenho possui um traçado regular curioso que difere tanto do da Marabá Pioneira quanto do da Nova Marabá, formado pela aglutinação de loteamentos clandestinos e ocupações que se aproximam cada vez mais do Rio Itacaiúnas, demonstrando a força e a simplicidade com que este tipo de traçado impõe-se na vida cotidiana (ver tabela 1). São características dos espaços públicos analisados da Cidade Nova (ver figura 3):

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Figura 3: Croqui com identificação dos espaços públicos da Cidade Nova

Fonte: Observações no local. Elaboração: Luna Bibas

• Praça da Bíblia: este espaço engana em um primeiro momento, pois segundo as contagens de fluxo de pessoas e veículos esta praça atrai poucas pessoas. Apesar de confortável ela está posicionada ao longo da rodovia Transamazônica e desempenha um papel importante que é de proteger o outro lado da via contra o ruído, a poluição do ar e o fluxo intenso e rápido dos carros nesta rodovia, ele também promove a redução da velocidade dos carros que a partir dela entram em outra escala da cidade, em ritmo mais lento, menos frenético. • Praça São Francisco: esta praça está posicionada entre muitos estabeleciomentos comerciais (funcionam de manhã e à noite), incluindo supermercados e restaurantes que funcionam noite adentro, ou seja, é uma centralidade importante na malha deste núcleo. Também abriga diversos estabelecimentos informais que atendem um público mais humilde e com menor poder de compra. Também funciona como redutor de fluxos, como atrai um número de pessoas muito grande e para diferentes atividades são frequentes os engarrafamentos formados em suas laterais, permitindo que as pessoas possam chegar a seu destino em segurança. A rua oposta à rua de maior fluxo de veículos (Rua Nagib Mutran) tornou-se um espaço prioritário para os pedestres, nessa rua circulam apenasos automóveis dos moradores deste quarteirão.

Nova Marabá O desenvolvimentismo introduzido no país nos anos 1950 promoveu a circulação do capital em Marabá levou a uma crescente desarticulação entre homem e natureza, à destruição da floresta, e à priorização das elites e camadas que podiam pagar para ter acesso ao lazer, os serviços e infraestrutura. A prioridade dada ao crescimento econômico, desconsiderou pessoas e natureza, e promoveu uma urbanização incompleta, que excluiu pessoas ligadas às atividades tradicionais da região, difundindo uma nova imagem de natureza exógena e “domesticada”. Tais ações manifestaram desde a poluição dos rios até a criação de espaços públicos que quando atendem, atendem de forma incompleta a população (MARICATO, 2000; CARDOSO et al, 2014). Este núcleo possui qualidades que traduzem o caráter colonizador dos grandes projetos na Amazônia dos anos 1970, como foi o caso da Nova Marabá. Núcleo planejado concebido pelo arqui-

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teto Joaquim Guedes nos anos 1970, seu desenho exótico assume formas de folhas de castanheira, aludindo ao ciclo da castanha. O caráter colonizador soma-se às características de cidade nova moderna, justificada pela necessidade de criação de uma base urbana de apoio à produção industrial (TOURINHO, 1991); pensada para o uso do automóvel, sua escala desvaloriza o pedestre e atividades que estimulem encontros (ver tabela 1). São características dos espaços públicos analisados da Nova Marabá (ver figura 4): Figura 4: Croqui com identificação dos espaços públicos da Nova Marabá

Fonte: Observações no local. Elaboração: Luna Bibas

• Praça da Criança: esta praça é um resíduo dos muitos espaços de canteiro no meio das grandes ruas da Nova Marabá, foi construída em cima de uma rotatória, é uma solução viária, transformada em Praça da Criança. O local é inapropriado para implantação de um praça, pela intensidade do tráfego que a contorna. Esta praça só atrai pessoas ànoite, devido à carência de coberturas, árvores ou proteção do sol, que a tornam extremamente desconfortável durante o dia. Apesar da disponibilidade de bons espaços para implantação de espaços públicos neste núcleo, outros espaços inadequados já construídos e canteiros foram reaproveitados como praças, quadras esportivas e até mesmo estacionamentos. Percebe-se que há uma clara divisão entre o espaço do carro e o espaço do pedestre. • Praça da Prefeitura: este espaço também tem sua inserção da malha de modo a favorecer o fluxo dos carros, mostrou-se como espaço de curta permanência, salvo por alguns grupos de jovens. Esta praça conta com diminuição do fluxo tanto de carros, quanto de pessoas na medida que avança em oposição a rua mais movimentada, desse modo, os espaços com menor fluxo tornam-se espaços sem vida, sem movimento, e perigosos pois não há vigilância coletiva.

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Tabela 1: Contagens dos núcleos da Marabá Pioneira, Cidade Nova e Nova Marabá

Fonte: Observações no local.

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Conclusão Genericamente, não há ênfase no desempenho dos espaços públicos na prática de planejamento urbano brasileira, espaços de convivência e encontros normalmente são vistos pela perspectiva do paisagismo apenas, em Marabá não é diferente, onde ocorre uma carência tanto de quantidade quanto de qualidade de espaços públicos, em seu desenho. Esta insuficiência está associada à falta de repertório tanto dos profissionais que propõem os projetos quanto da população, na demanda por esses espaços. Observa-se que a cidade pioneira, que foi construída de forma espontânea, contém espaços que ou estão intimamente ligados ou à identidade local, a natureza e os saberes tradicionais, ou sãoespaços seguros para que as pessoas possam simplesmente estar ou desenvolver algum tipo de atividade, seja ela espontânea ou obrigatória. Nas áreas planejadas da cidade, observa-se uma negação da identidade local e a imposição da cultura do carro, além disso esta cidade recebe poucos investimentos no transporte público, o que dificulta mais ainda a circulação de pessoas nesses espaços voltados quase que exclusivamente para carros. Nesse caso, os espaços públicos desestimulam a permanência de pessoas nos espaços feitos para elas, de acordo com as contagens realizadas em cada núcleo. É evidente que o número de carros é inversamente proporcional ao número de pessoas e transportes alternativos como a bicicleta, muito presente no núcleo pioneiro e pouco presente no núcleo planejado. É interessante observar também que espaços que não atraem pessoas podem, por vezes, se constituir em elementos úteis para outras funções tanto no desenho, como também na atenuação dos efeitos negativos do meio ambiente, caso da Praça da Bíblia que não somente capta o fluxo dos carros e de pessoas (que evitam a Transamazônica), como também contribui para o conforto térmico, poluição do ar, sonora, segurança e etc. Infelizmente, devido a sobreposição das lógicas e aos processos que vem ocorrendo na Amazônia esqueceu-se da importância do repertório espacial gerador do espaço público, do encontro, das demandas das pessoas, em detrimento à lógica de circulação da mercadoria e dos recursos naturais, alvo e sustento dessas cidades. Ocorreu a imposição de uma cultura da técnica que nem sempre é tão bem sucedida quanto a produção espontânea, uma vez que a utilização do espaço passou a ser algo secundário, e reservou-se à população espaços residuais com inserção inadequada e desenhos já obsoletos, inadequados para uma cidade do porte de Marabá, revelando a falta de cuidado do poder público para com a sua população. Esta constatação se evidencia através das contagens que demonstram que todos os espaços são utilizados, uns menos outros mais, mas são utilizados, testemunhando a importância desse tipo de espaço para a população Para além da falta de qualidade nos espaços da cidade, a falta de identidade destes locais prejudica a permanência da população, gera confusão no modo como veem a cidade e como se enraízam nela. Em Marabá, os rios internos ainda são tamponados, quando não são deixados abertos recebendo o esgoto, ainda cortam-se as árvores que “sujam” as ruas, nivelam-se terrenos que “atrapalham” a circulação, aterram as áreas alagadas e assim por diante, tudo em nome do progresso e segundo a lógica da fronteira em que atores econômicos e políticos se consideram acima da legislação ambiental. Não há meio termo, e persiste-se na contramão do mundo, das pesquisa e dos trabalhos acadêmicos dedicados à tais temáticas., Experiências ao redor do mundo revelam que o saber tradicional responde mais adequadamente às limitações de recursos naturais, e pode indicar soluções simples, mas eficazes para cidades de médio e pequeno porte como as da Amazônia, onde no entanto interesses econômicos insistem em difundir plataformas desenvolvidas em outros contextos de modo a ampliar dependências e exclusão socioambiental.

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