Uma revolução em casa. Kaj Franck: expludam os vossos serviços!

June 4, 2017 | Autor: Emília Ferreira | Categoria: Design
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Uma revolução em casa Kaj Franck: expludam os vossos serviços!1

Emília Ferreira Há mais de 50 anos, um designer finlandês, amante das coisas simples, resolveu descomplicar a vida de todos nós. Ciente da parafernália que rodeava as festas, no que tocava à complexa arte da mesa, repensou o conceito. Não era para menos. Estava-se no pós-guerra. Nas novas habitações e nos novos tempos os pesadíssimos e quase régios serviços de mesa, invasores dos armários, dos quais só saíam uma ou duas vezes por ano, tornavam-se não só obsoletos como incómodos. Para quê um exército de peças, virtualmente inúteis, com honras de museu, em casas pequenas e em vidas com necessidades mais chãs e despojadas? Porque não um menos que podia ser mais? Kaj Franck foi por aí. E a arte da mesa nunca mais foi a mesma.

Menos é mais: festejar o quotidiano Simplificando a arte da mesa, Kaj Franck pretendia também importar o colorido das festas para as refeições do dia-a-dia. Porquê guardar os objectos mais bonitos para as ocasiões mais raras e deixar o cinzentismo dominar o quotidiano? Embelezar, simplificar e divertir, foram as coordenadas dos seus projectos. Porque se a loiça for versátil, o espírito da festa pode ser também fruído na fácil mistura e conjugação dos objectos de acordo com a necessidade e a fantasia de cada um. E, enfim, dar também um toque de novidade a cada refeição. Além do mais, se alguma peça se partisse, podia ser facilmente substituída, não se experimentando o sentimento de amputação de um membro insubstituível, como nos clássicos serviços. Com tudo isto em mente, o designer concebeu loiças de desenho simples, destinadas a ser intemporais e servidas por cores suaves (em geral azul e branco, apenas ocasionalmente recorrendo a outras paletas) de modo a que a comida fosse protagonista.

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Texto publicado na revista MID, em Setembro de 2005.

A aposta na reutilização, multifuncionalidade e reconversão das peças, maximizando as suas possibilidades de uso de um número mínimo de componentes tornou-se um ovo de colombo. As suas criações circulam na casa do fogão para a mesa, e desta para o armário, reinventando-se à medida das necessidades, do tamanho da família e dos orçamentos disponíveis. Há 50 anos, este conceito encantou a Finlândia. E havia de se impor e permanecer, até hoje, nacional e internacionalmente, como um modo apelativo e actual de viver a arte da mesa. Mas quem foi este homem? Kaj Franck nasceu na Finlândia, em 1911. Em 1932, formado em arquitectura de interiores no departamento de design de mobiliário na Escola Central de Artes Aplicadas, trabalhou como criador de montras e como designer de interiores para os grandes armazéns TE-MA, em Helsínquia, além de conceber padrões para os tecidos da manufactura Yhtyneet Villatehtaat, da firma Helsingin Taidevärjäämö, de 1938 a 1945. Nesse ano, mudou de ramo, começando a colaborar como designer com a empresa de porcelana Arabia, sediada em Helsínquia. Em 1946, era já chefe de departamento, cargo que ocupou até 1961. Semelhante posição proporcionou-lhe a possibilidade de criar e desenvolver propostas com verdadeiro impacto no mercado e, consequentemente, na vida dos consumidores. Paralelamente, manteve parceria com a vidreira Nuutajärvi, para a qual começou a trabalhar em 1950. Logo no ano seguinte, passou a director artístico da empresa, permanecendo no cargo até 1976. A sua influência cultural, enquanto criador, amplia-se. Uma reedição significativa Kaj Franck tinha plena consciência da importância do papel social e cultural do designer. No entanto, e porque o seu sonho era simplificar a vida, defendia também que os objectos de design de uso comum não deviam tornar-se

‘pesados’ com uma assinatura, reservando o conceito de autoria para as peças mais emblemáticas. Essa democratização dos utensílios acabaria por fazer com que o público geral desconheça hoje o quanto lhe deve na arte da mesa. Várias gerações depois dele e diversas empresas editoras e produtoras de design tomaram o mote da notável linha Teema (tema, em finlandês) para a refazer. Para voltar a dar a César o que é de justiça, a Iittala resolveu homenageá-lo, reeditando a

Teema. Assim, actualizada, ressurgem as famosas peças de

Franck. Aumentadas para um número de 13 componentes, alteradas as medidas de acordo com os novos hábitos de consumo, elas contam ainda com novidades na cor. Mantendo-se embora os clássicos azuis e brancos, surgem agora, de acordo com as tendências do mercado, os castanhos e verdes azeitonas, e até alguns itens em turquesa e amarelo torrado. As preocupações do autor continuam a ser integralmente respeitadas: todos estes objectos são versáteis, práticos, festivos, e fáceis de arrumar. E mais: além do clássico transitar do fogão para a mesa, acompanham os novos tempos e frequentam o micro-ondas com a mesma naturalidade com que visitam o forno e o frigorífico. Um clássico para o futuro As qualidade que desde logo fez com que as criações de Kaj Franck, nomeadamente a linha Teema, fossem consideradas ‘universais e práticas — óptimo design’, fazem também com que a Iittala aposte no relançamento de outras peças do autor, como o seu copo Kartio (cone, em finlandês), com novas dimensões e um vidro tecnologicamente melhor, e na sua divulgação como algo de muito facilmente conjugável com criações de outros designers, inspiradas ou não em peças de Franck. Percebe-se facilmente que o espírito prático, actual e actuante da empresa está de parabéns nesta aventura. Afinal, todos lucramos com a simplicidade e a renovação.

Uma vida muito rica e o reconhecimento dos pares

Olhando para uma cronologia da sua vida, percebe-se a intensidade da pesquisa e da passagem da informação. Porque além dos seus projectos enquanto designer, Kaj Franck entrega-se à divulgação — integra exposições de design, dentro e fora do país — e à investigação. Em Itália, estuda técnicas vidreiras na fábrica Vetri di Napoli, e explora especialmente a relação do vidro com a cor. Desenvolve ainda carreira docente, no Instituto de Artes Aplicadas (1945-1960), ano em que se torna director artístico (ocupa o cargo até 1968), ganhando depois o estatuto de artista professor (1973-1978). Várias vezes premiado (Medalha de Ouro, Trienal de Milão, 1951; Prémio Lunnuning, 1955; Grande Prémio da Trienal de Milão e Compasso d’Oro, e Medalha Pro Finlândia, 1957; Medalha Príncipe Eugénio, Suécia, 1964; Prémio de Design fo Estado Finlandês, 1977; Prémio Honorário da Fundação Sueca para a Cultura, 1981; Prémio Honorário da Cidade de Helsínquia, 1986), director artístico de diversas empresas, professor e formador de múltiplas gerações de designers finlandeses, Doutor Honoris Causa pelo Royal College of Arts, em 1983, Kaj Franck morre em 1989. Em 1992, foi instituído o prémio Kaj Franck. A sua obra, que foi já objecto de várias exposições retrospectivas, no Verão de 2005, teve uma homenagem especial: o centro Pompidou, em Paris, escolheu a Teema para integrar a exposição dos melhores objectos de design moderno.

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