UMA SIMULAÇÃO DE COMPUTADOR COMO FERRAMENTA DE ENCULTURAÇÃO CIENTÍFICA A COMPUTER SIMULATION AS TOOL FOR SCIENTIFIC LITERACY

July 4, 2017 | Autor: Julio Cesar | Categoria: Scientific Literacy, Computer Simulation, Primary School
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XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Curitiba – 2008

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UMA SIMULAÇÃO DE COMPUTADOR COMO FERRAMENTA DE ENCULTURAÇÃO CIENTÍFICA A COMPUTER SIMULATION AS TOOL FOR SCIENTIFIC LITERACY Júlio César Gallio da Silva1, Anna Maria Pessoa de Carvalho2, Jorge Daniel Aucca Chavez3 1 Faculdade de Educação da Universidade de S ão Paulo/ Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada/Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física, [email protected] 2 Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/ Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada/Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física, ampcarv@ usp.br 3 Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/ Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada/Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física, [email protected]

Resumo Este trabalho tem como objetivo testar uma simulação computacional de uma atividade de Conhecimento Físico, parte de série de atividades chamada “Ciências no Ensino Fundamental: O Conhecimento Físico” elaborada pelo Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física – LaPEF - da Faculdade de Educação da USP sob coordenação da professora Anna Maria Pessoa de Carvalho. Estas atividades têm o objetivo de passar conceitos de física a crianças do ensino fundamental. A partir de alguns trabalhos sobre o tema enculturação científica, estabeleceram-se alguns indicadores do processo que podem ser observados em uma aula normal de Conhecimento Físico. Espera-se que esses indicadores também sejam observados numa aula com uma simulação de computador substituindo a atividade real. A atividade “O Problema da Pressão” foi simulada e, com esta simulação foi realizada uma aula com um grupo de dez crianças entre 9 e 11 anos de idade de um bairro da zona Sul da cidade de São Paulo. Através das transcrições dessa aula, pretende-se estudar o processo de enculturação científica nas crianças que participaram dessa aula, buscando a ocorrência ou não dos indicadores da enculturação científica normalmente observados numa aula convencional de Conhecimento Físico. Palavras-chave : Simulações, Enculturação Científica, Conhecimento Físico. Abstract This paper aims to test a computer simulation of a Physical Knowledge activity, part of series of activities titled "“Ciências no Ensino Fundamental: O Conhecimento Físico” prepared by the Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física LaPEF - the Faculdade de Educação at USP under the coordination of teacher Anna Maria Pessoa de Carvalho. These activities are designed to turn concepts of physics to children of primary school. From some work on the theme enculturação scientific, set up some indicators of the process that can be seen in a normal class of Physical Knowledge. It is expected that these indicators are also seen in a classroom with a computer simulation of replacing the actual activity. The activity "The Problem of pressure" was simulated and, with this simulation was carried out a classroom with a group of ten children between 9 and 11 years of age, a neighborhood south of the

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city of Sao Paulo. Through the transcripts of that class, seeks to explore the process of scientific enculturação children who participated in this class, seeking to occur or not the indicators of scientific enculturação normally observed in a conventional classroom of Physical Knowledge. Keywords: Simulations , Scientific Literacy, Physical Knowledge. 1.Introdução 1.1.O LaPEF e as Atividades de “Conhecimento Físico” O projeto “Ciências no Ensino Fundamental: O Conhecimento Físico”, elaborado pelo Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física (LaPEF) sob coordenação de Carvalho, tinha como objetivos criar meios para se ensinar conceitos de física aos alunos do ensino fundamental. Para tanto, foram criadas quinze atividades que abordavam diversos tópicos como luz, sombras, pressão, energia, etc. e uma metodologia de trabalho que permite, a partir das atividades, propiciar um diálogo que leve os alunos a construir relações causais sobre os fenômenos observados. Monteiro e Teixeira (2004), baseados nos trabalhos de Gonçalves (1991) e Carvalho (1998), sistematizaram a seqüência das principais etapas que devem constituir uma aula de conhecimento físico e nelas se basearam para criar mais atividades. Elas são: 1-

Conhecer o objeto: descobrir como o objeto da atividade e as partes que o compõem funcionam e reagem às suas ações;

2-

Agir sobre o objeto: manipular o objeto na tentativa de se resolver um problema proposto;

3-

Tomar consciência das suas ações: através da explicação dos alunos sobre a resolução do problema proposto, levar os alunos a identificar quais ações foram responsáveis pelo seu êxito;

4-

Estabelecer relações causais: levar as crianças a construir as relações causais através da busca da relação entre suas ações a os efeitos observados.

Buscando estudar a utilização de computadores nestas atividades, ocupando o papel do “objeto” em questão, ou seja, do objeto sobre o qual os alunos se debruçarão para resolver o problema proposto na aula, uma das atividades de conhecimento físico criadas pelo LaPEF foi selecionada para ser simulada num computador. A atividade intitulada “O Problema da Pressão” foi escolhida por ter algumas características mais facilmente simuláveis no software utilizado. Estudamos agora a aplicabilidade deste software em uma aula de conhecimento físico. 1.2.A simulação 1.2.1. As simulações e o ensino de física

A possibilidade de se empregar a informática como ferramenta educacional ainda é bastante estudada por diversos autores e se constitui numa grande polêmica

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entre os pesquisadores do assunto (MEDEIROS; MEDEIROS 2002). Dentre as diversas possibilidades de aplicação do computador no ensino de ciências, mais particularmente no ensino de física, trataremos das simulações. Giordan (2005) define simulação como uma “combinação de um conjunto de variáveis de modo a reproduzir as leis que interpretam o fenômeno”. Desta forma, quando estamos simulando um fenômeno no computador estamos programando um computador de forma a fazê-lo reproduzir de forma matemática e/ou gráfica um fenômeno através das leis que conhecemos e acreditamos bastar para sua explicação e reproduzir seus resultados. Medeiros e Medeiro s (2002) estudaram diversos autores, tanto opositores quanto entusiastas do uso da informática na educação para estudar o uso de simulações no ensino de física. Dentre os muitos apontamentos em seu trabalho, chamou-nos a atenção uma citação ao trabalho de Yeo et al. (1998) que foi usada para justificar a importância da presença do professor, sem o qual “os estudantes não se engajavam cognitivamente em um nível profundo, nem sempre liam nem seguiam todas as instruções , nem relacionavam os gráficos ao texto”. Observando esse aspecto das simulações, acreditamos ser importante não tentar substituir o papel do professor ao se construir uma simulação. Os demais cuidados que os autores sugerem, principalmente quando lembram que as simulações não podem ir além do que foram programadas para fazer ou das equações que foram programadas para seguir, podem ser deixadas de lado no problema em questão uma vez que estamos lidando com um problema já simplificado que foi pensado levando em consideração que será resolvido por alunos das primeiras séries do ensino fundamental. 1.2.2. O problema da pressão

O Problema da Pressão consiste numa atividade em que os alunos dispõem os seguintes materiais: -Uma bacia cheia de água; -Um tubo ou proveta colocado sobre a água; -Copos de plásticos descartáveis; -Uma cestinha furada. O tubo possui um furo próximo à sua base e é aberto na sua extremidade superior. A cestinha, que é colocada à frente do furo do tubo, possui um furo em sua base de modo que a água dentro dela escoe. Os alunos, após terem a oportunidade de manipular o material e explorar o funcionamento de suas partes, são instruídos para encher o tubo e somente o tubo com água para deixar a cestinha sempre cheia de água. Da forma como foi concebida a atividade, espera-se que os alunos enxerguem a relação entre a altura da coluna de água e o alcance do jato de água que sai de sua base. Os alunos que conseguem resolver o problema percebem que devem deixar o nível de água constante para que a cestinha receba água constantemente. Pode-se ainda mudar a posição da cestinha para que os alunos

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possam perceber que a altura da coluna de água deve ser diferente para distâncias diferentes. Ao perguntar aos alunos como conseguiram resolver o problema, deseja-se que consigam enxergar a relação entre a altura da coluna de água e o alcance do seu jato. Ao perguntar por que a coluna tem que ser mantida constante, pretende-se que os alunos construam a idéia de pressão do líquido, obviamente respeitando seu nível cognitivo. Apesar de em muitos casos sequer utilizarem o termo pressão, os alunos podem perceber que de alguma forma a coluna de água “empurra” a água para fora do tubo. Por último, pede-se que alunos, numa folha de papel, descrevam como resolveram o problema, com desenhos e/ou com palavras. Desta forma, os alunos têm uma oportunidade de sistematizar as idéias que construíram durante a aula, graças ao esforço para transpor suas idéias para a folha de papel. 1.2.3. A simulação do problema da pressão

A simulação foi desenvolvida em 2006 por Jorg e Daniel Aucca Chavez e Júlio César Gallio da Silva utilizando o software Macromedia Flash MX. A atividade foi escolhida entre as outras da mesma série por demonstrar ser mais facilmente simulável. Isso se deve ao fato de só existirem duas variáveis realmente marcantes (a altura da coluna de água e o alcance do jato d’água), à relação direta entre elas e às poucas possibilidades de erros experimentais não simuláveis, ou seja, que não sejam fruto d a manipulação destas duas variáveis. A simulação possui links para telas onde os usuários podem acessar informações sobre os componentes da atividade e o problema proposto. Na tela onde ocorre a atividade em si, há desenhos que representam a cestinha e o tubo. A seta do mouse assume a forma de uma mãozinha nesta tela. Com esta mãozinha o aluno pode “pegar” a cestinha e colocá-la em uma das três posições possíveis (a posição 1 que está mais próxima do tubo, a 2 no meio e a 3 um pouco mais afastada). Ao apertar e segurar a barra de espaço, a água no tubinho sobe, como se o aluno estivesse jogando água dentro dele, e o jato de água vai “aumentando”. Se o aluno larga o botão, a água “desce” e o jato de água “diminui” como se a água estivesse escoando pelo furo na base do tubo. Há uma função que testa se o alcance do jato é suficiente para “acertar” a cestinha. Se for verdade, a cestinha começa a encher até transbordar. Se o jato de água “se move” antes do copinho encher, o copinho aparece vazio. Desta forma pretende-se simular a necessidade de manter o copinho com recebimento constante de água. 2.Problema de pesquisa O problema de pesquisa consistiu em estudar a ocorrência ou não de indicadores da enculturação científica dos alunos que participem de uma aula onde a simulação assume o papel de objeto e problema a ser resolvido. Estuda, também, particularidades técnicas da simulação para orientar novas atividades virtuais que tenham por objetivo a enculturação científica.

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3.A análise da aula 3.1.Referencial teórico Foi feita uma seleção de artigos que abordam o tema da enculturação científica em busca de indicadores que pudessem ser observados em uma aula utilizando a simulação, evidenciando assim o sucesso ou não da proposta deste trabalho. Carvalho (2006) defende a enculturação científica como proposta de ensino de física, ou seja, o ensino de física deve ter como meta a inserção dos alunos na cultura científica. Segundo a autora, o processo pode trazer benefícios como o desenvolvimento do raciocínio lógico e compensatório (a compreensão de diversas variáveis envolvidas num fenômeno e as relações entre elas), o aprimoramento da argumentação, da linguagem matemática, da escrita (principalmente no que diz respeito à objetividade e clareza), etc. Sasseron e Carvalho (2007) estudaram a enculturação científica (ou alfabetização como as autoras chamam) na tentativa de estabelecer indicadores desse processo, em especial com crianças a partir das primeiras séries do ensino fundamental. Para isso, apresentam diversos estudos relacionados à área, que servem de base para os indicadores de enculturação científica e os classificam em três grandes grupos, relacionados com a área de estudo mais específico: Linguagem oral: as falas dos alunos; Linguagem gráfica: a escrita, os desenhos e outras formas de registro de informações; Explicações: as formas com que os alunos transmitem as suas idéias. Acreditamos que estes três aspectos estão contemplados em uma atividade como as de conhecimento físico e que a atenção a eles pode nos revelar a presença ou não da enculturação científica. Com base nesses estudos e na análise das transcrições do primeiro teste, estabelecemos os seguintes indicadores da enculturação científica: 1-

A percepção das variáveis envolvidas em um fenômeno (massa, altura, temperatura, etc.) e das relações entre elas ;

2-

A construção e o teste de hipóteses;

3-

O refinamento das suas argumentações (incluindo justificativas, embasamentos e alcançando cada vez mais clareza e objetividade).

3.2.Estrutura da aula A turma de alunos nesta primeira aula era formada por dez crianças voluntárias do bairro Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo com idades entre 9 e 11 anos. A aula ocorreu com os alunos sentados em duplas, cada dupla em um computador com a simulação. O professor explicou o problema e o funcionamento da animação. Após isso os alunos tentaram responder o problema enquanto o professor auxiliava alguns alunos com dificuldade sem, no entanto, dar respostas aos alunos. Esta primeira parte da aula levou 15 minutos, aproximadamente. Na segunda parte da aula, os alunos foram levados a uma sala de aula e sentaram em cadeiras dispostas em forma de círculo. O professor perguntou aos

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alunos como conseguiram resolver o problema, na tentativa de levar os alunos a enumerar quais de suas ações surtiram o efeito desejado para resolver o problema. A seguir, o professor perguntou às crianças por que as ações mencionadas obtiveram êxito, na tentativa de ajudar as crianças a construir as relações causais entre suas ações e os resultados observados. Por último, foi solicitado aos alunos que escrevessem ou desenhassem explicando como resolveram o problema. 3.3.Análise dos dados Para analisarmos mais cuidadosamente alguns momentos da aula, esta foi dividida em episódios de ensino, pequenos trechos da aula que apresentem algum aspecto relevante a ser estudado. Desta forma, iniciamos a análise a partir do momento em que o professor apresenta o problema aos alunos.

Episódio 1: Apresentando o problema (?) Professor: Todo mundo tá com a atividade aí? Então vamos começar! Podem clicar em iniciar. Qual que é o problema? Quem não clicou em iniciar aí? Vocês estão vendo que na frente de vocês tem um tubinho com um furinho em baixo e um copinho. Qual que é o problema que vocês têm? Vocês vão ter que encher o tubinho e tentar manter o copinho sempre cheio. Como é que vocês vão fazer isso? Clica em Avançar. Todo mundo. Aí! Para! Você tem o copinho. Quem tiver alguma dúvida sobre o copinho ou o tubinho pode voltar e ler a explicação de novo. Então, o que vocês estão vendo? Aí tem o tubinho que eu falei pra vocês e ele está com um pouquinho de água. E vocês vêem que ele tem um furo logo acima da água. Se vocês apertarem a barra de espaço, ele começa a encher de água. Pode fazer uns testezinhos aí pra vocês verem. Aqui acontece o grande deslize do professor cujas conseqüências só serão vistas com total clareza mais adiante. O professor ignora a importância da etapa de conhecer o objeto e apresenta o problema antes que os alunos tenham chance de manipular os objetos e compreender seu funcionamento. Este acontecimento atrapalhará os alunos na compreensão do próprio problema e demonstra a já citada importância do professor. Episódio 2: Resolvendo o problema; Confusão e impaciência Professor: Então o que vocês têm que fazer? Vocês enchendo o tubinho, têm que encher o copinho de água. Pra isso vocês têm que colocá-lo na frente do tubinho. Detalhe: todo mundo está vendo a mãozinha? Todo mundo está vendo a

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mãozinha que ta aí na tela? Vocês têm que, com a mãozinha, clicar no copinho e arrastar até o 1 ou o 2 ou o 3. (Professor indica na tela os respectivos itens.) A6: O que que é pra fazer? Alunos confusos. Alunos tentam repetidas vezes clicar no copinho e arrastá -lo até a posição. Primeiro tentam até conseguir “segurar” o copinho com a mãozinha virtual e depois tentam várias vezes até conseguir levá-la até uma das posições. Após algum tempo tentando posicionar os copinhos, os alunos seguravam a barra de espaço e observavam o jato de água passar pelo copinho. A4: Aqui! Vai enchendo e vai acabando, vai enchendo e vai acabando... (Aluna aponta na tela o jato de água “indo e voltando” conforme ela segura e solta a barra de espaço, sem acertar por muito tempo o copinho.) Alguns alunos percebem a possibilidade de soltar e apertar repetidas vezes o botão para fazer o jato ficar ligeiramente “parado”. Eles tentam algumas vezes até conseguir manter o copinho sempre cheio. Aqui podemos ver um esforço da aluna em tentar entender o funcionamento do objeto que está confuso. A4: Não dá! A3: Não sei como! Alunos apresentam sinais de desistência por es tarem confusos e por não verem sinal de solução, uma vez que não podem entender o problema. A8: Aí, encheu! Aí professor! (Aluno chama o professor para mostrar a tela do computador.) Professor: Tenta deixar sempre cheio. A9: Tem que ficar apertando aqui toda hora? Podemos notar que os alunos inicialmente sentiram uma grande dificuldade em resolver o problema em decorrência de não estarem familiarizados com a atividade e os “objetos” que a compõem. Os alunos apresentam, ainda, sinais de desistência. Assim que não conseguem resolver o problema nem entender direito o seu funcionamento, já não querem sequer tentar mais e só o fazem sob insistência do professor. Apesar de esta ser a etapa em que os alunos construiriam hipóteses, estas só se relacionam ao apertar do botão, ou seja, como apertar o botão pra encher o tubo. Esta etapa da aula, que consistiu em resolver o problema antes de conhecêlo adequadamente , segue este mesmo padrão de confusão: desistência e

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intervenções do professor tentando explicar tardiamente a atividade aos alunos e insistindo para que continuem tentando resolvê-la. Passemos então à parte em que os alunos já conseguiram resolver o problema e o professor se encontra no dilema de ajudar os alunos a tomar consciência de suas ações . Episódio 3: Tomando consciência de suas ações A turma segue para uma sala de aula onde se senta em círculo. O professor começa a indagar aos alunos como conseguiram resolver o problema na tentativa de explicitar aos alunos quais as ações tomadas por estes resultaram na resolução do problema. Professor: Então, quem conseguiu resolver o problema? Alunos em coro: Eu! Professor: Então, como é que vocês fizeram pra resolver o problema? A2: Apertei o botãozinho! (risos da turma) Tem um copo de água e tem um negócio de água pra gente encher! Apesar dos risos, aqui começa a ficar bem claro o que aconteceu. Os alunos, confusos e tentando resolver o problema através de tentativa e erro, não notaram o que a animação pretendia simular: a água sendo jogada num tubo e escorrendo pelo furo embaixo. Eles apenas viram o jato de água se “movendo” e relacionaram isso à única ação que realizaram conscientemente, apertar o botão. Como fica claro a seguir: Professor: Mas como é que vocês fizeram pra encher o copinho? A3: Ó, eu sei que tem que ter paciência, calma senão você não vai conseguir encher o copo. A10: Ó, você primeiro bota o copinho no 3, aí você aperta o botão até encher o copinho. No meio destas respostas, aparece a única resposta que atende as expectativas da atividade. O aluno percebe que há uma coluna de água, que ela é cheia por ele ao apertar o botão e começa a construir a relação da altura da coluna com o alcance do jato. A3: Ó professor, você tem que localizar a posição, a distância dele pra poder encher. Então, quando você enche direto, não vai dar certo. (risos) Então você tem que pegar e encher aos pouquinhos. Eis que o professor tenta forçar as respostas dos alunos, dando pistas da resposta que ele quer: Professor: Mas todo mundo entendeu o que tava acontecendo? Quando você aperta o botão o que você tá fazendo? Você tá jogando água aquele tubinho maior. Então como é que vocês fizeram pra encher o copinho só jogando água no tubo maior?

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A9: A água sai pelo negocinho que tem... A7: Pelo caninho! A9: É, pelo caninho... Professor: É, a água que você tá jogando lá em cima tá saindo lá em baixo. A6: ...aí coloca no 3 e aí... Aparentemente as tentativas do professor em forçar respostas dos alunos resultaram em confusão ainda maior! Os alunos sentem uma dificuldade muito grande em seguir o caminho lógico indicado pelo professor (colocar água > encher o tubo > encher o copinho) e se mostram ainda tentando assimilar a informação. O professor decide então interromper esta etapa para ir logo à construção de relações causais.

Episódio 4: Por que o botão enche o copinho? Professor: Então, vocês falaram pra mim que tem que ficar apertando o botãozinho, que não podia apertar direto... Mas por que vocês tinham que ficar apertando o botãozinho? A8: Pra água ir enchendo, senão ia parar de encher. Professor: E porque vocês seguravam ou ficavam apertando direto? (Inaudível) Aluno faz gesto com a mão indicando que a água passa do copo se você segurar o botão e explica que você precisa apertar e soltar o botão pra água ficar “parada”. A3: Aí a água passava do copinho, aí tinha que ficar apertando e soltando. (Repete o gesto) Segue uma longa pausa em que os alunos demonstram estar confusos. Professor: Todo mundo entendeu o que ele falou? Em coro: não! Professor: Se ele ficasse apertando o botãozin ho a água enchia, enchia, enchia e passava. Por que isso acontece? A2: Por que o copinho tá furado! A1: Por causa que a água não vai afrouxando, por causa que (gesto com a mão indicando uma subida e descida, como o nível da água no tubinho). Professor: Por que se você segurasse a água não voltava? A3: Acho que você tem que segurar forte porque do jeito que a água é forte ela levava (gesto com a mão indicando a água saindo do tubo e caindo), ela ia muito longe. Aí se ficasse segurando ela não voltava. Professor: Mas se você ficasse segurando o botão, o que estava acontecendo?

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A3: Ela ia e passava direto aí A9: aí não enchia o copinho. A7: e não ficava parada no copinho.

Salvo raríssimas exceções, os alunos ainda têm muita dificuldade em enxergar a coluna de água ou enxergar que eles a enchem enquanto apertam o botão. Apertar o botão significa “jogar o jato de água pra frente” e não “jogar água no tubo”. Desta forma, esta é a única relação de causalidade que as crianças conseguem construir. Entretanto, há uma melhora sutil na argumentação dos alunos à medida que tentam explicar suas ações. Apesar de ainda não serem explicações claras , há uma seqüência dada às ações (eu apertava o botão aí enchia e aí passava) que poderia ser o início do desenvolvimento das argumentações dos alunos. Seria porque a aula acabou aqui. Desenhos Como já descrito anteriormente, os alunos foram orientados a descrever em uma folha de papel o que aprenderam com a experiência. Os alunos poderiam escrever e/ou desenhar para isso. Ao todo, foram feitos dez desenhos. Os alunos copiaram a imagem da animação para fazerem seus desenhos. A maioria deles não escreveu sobre a atividade, mas mesmo assim há dados importantes a serem extraídos dos desenhos puros. Nos dois primeiros desenhos nota-se algo curioso: O tubo desenhado está vazio e a água está escoando normalmente pelo cano. No terceiro o tubo está cheio e não há água escoando por ele. Nos três casos ou os alunos se confundiram ao copiar o desenho da simulação ou nenhum dos três notou que houve variação na coluna de água, muito menos que havia relação entre esta e o jato de água. O quarto desenho possui uma característica diferente dos demais: dentre todos os desenhos em que o tubo aparecia cheio, é o único que mostra que a água ultrapassava a posição mais afastada que o copinho poderia ocupar. Apesar de não aparecer menção a isso na discussão, aqui aparece um leve indício de uma relação entre a coluna de líquido e o jato de água. Ainda que possivelmente o aluno não tenha tido consciência disso. Os demais desenhos sem texto são muito parecidos. Os alunos reproduzem a imagem da simulação com o tubinho quase sempre cheio acertando o copinho em uma de suas três posições possíveis. Os dois últimos desenhos chamam bastante atenção pois são os únicos que apresentam descrições escritas da experiência. No primeiro destes (ou seja, o penúltimo da seqüência) o aluno descreve sua ação mencionando apenas o apertar do botão como solução do problema. Já no último desenho há uma descrição mais detalhada da ativ idade. A aluna cita o objetivo da experiência, o procedimento para começar e o apertar de botão para encher o copinho. Entretanto, não há menção nem no desenho de alguma alteração da coluna de água.

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De um modo geral, as crianças não relacionam a água colocada no tubo com a água que vai para o copinho. A única relação causal que estabelecem é o “apertar botão e o encher o copinho”. Seus argumentos mais elaborados apresentam essa relação como explicação do sucesso da atividade.

4.Conclusões e considerações finais Como já foi dito, as crianças não alcançaram o objetivo da atividade, perceber a relação entre a coluna de água e o alcance do jato. Também foram observados poucas vezes os aspectos de enculturação científica estudados. Entretanto, notou -se uma série de erros do professor na condução de uma aula de conhecimento físico. Antes de concluir se a simulação apresenta problemas de compreensão ou se não é adequada para este tipo de aula, serão necessários outros testes em que não se verifique erros tão graves do professor. Porém, fica a suspeita de que os alunos têm uma dificuldade maior em compreender o problema virtual do que o real. Essa suspeita, também, necessita de novos testes para se confirmar. Novos testes já estão sendo programados. 5.Referências CARVALHO, A.M.P. et al. Ciências no conhecimento físico . São Paulo: Scipione, 1998.

ensino

fundamental:

o

CARVALHO, A. M. P. de. Ensinar ciências para promover a enculturação científica. Direcional Escolas. Ano 2, edição 19, Agosto de 2006. GIORDAN, M. O computador na educação em ciências: breve revisão Crítica acerca de algumas formas de utilização. Ciência & Educação, vol. 11, n° 2, p. 279304, 2005. MEDEIROS, A.; MEDEIROS, C.F. Possibilidades e limitações das simulações computacionais no ensino da físic a. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 24, n° 2, p. 77-86, Junho 2002. MONTEIRO, M. A. A.; TEIXEIRA, O. P. B. Propostas e avaliaç ão de atividades de conhecimento físico nas séries iniciais do ensino fundamental. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, vol. 21, n°1: p. 65-82, Abril 2004. SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. de. A alfabetização científica desde as primeiras séries do ensino fundamental – Em busca de indicadores para a viabilidade da proposta. In: XVII SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 2007, São Luís, MA. YEO, S.; LOSS, R.; ZADNIK, M.; HARRISON, A. & TREAGUST, D. (1998). What do students really learn from interactive multimedia: a physics case study. Proceedings of the 4th Australian Computers in Physics Education Conference. Freemantle, Australia. 27 Set - 2 Out 1998.

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