Uma tentativa de regulação do comércio internacional de armas

July 8, 2017 | Autor: Márcia Fernandes | Categoria: International Relations
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Uma tentativa de regulação do comércio internacional de armas
Daniel Teixeira da Costa Araújo
Márcia de Paiva Fernandes
Resumo
A aprovação do Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas na
Assembleia Geral da ONU inaugura a tentativa de os países estabelecerem uma
regulação sobre tal tipo de comércio que movimenta bilhões de dólares nas
principais potências militares e que possui implicações tanto políticas
quanto econômicas. O Tratado, a despeito de suas limitações, regulamenta a
venda de armas específicas com o objetivo de impedir o fluxo ilegal de
armas lícitas a fim de que não sejam usadas em atividades terroristas e que
desrespeitem os direitos humanos.


Introdução

No dia 02 de abril de 2013 foi aprovado pela Assembleia Geral da ONU
o Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas, o que despertou a
atenção mundial para o assunto. As discussões a respeito do Tratado se
justificam não apenas pelo fato de o comércio internacional de armas
movimentar bilhões de dólares anualmente, mas também devido às potências
militares envolvidas em tal atividade e ao crescente número de armas
comercializadas nas últimas décadas.
A complexidade deste tipo de comércio reflete o longo tempo em que a
proposta de elaboração de um tratado dessa natureza tramitou no âmbito da
ONU. Interesses políticos e econômicos de exportadores e importadores de
armas representaram uma parcela dos desafios da referida proposta que,
mesmo com suas limitações – especialmente em relação à ausência de
mecanismos de enforcement –, pode ser considerada como um avanço na
tentativa de regular uma atividade que há anos vem sendo praticada pelos
países com base apenas em seus regulamentos internos e que, muitas vezes,
possibilitou que armas fossem usadas em situações de claro desrespeito aos
direitos humanos.

Dados gerais sobre o comércio internacional de armas

Durante as duas últimas décadas da Guerra Fria, o comércio
internacional de armas apresentou números muito elevados, aproximadamente
74 bilhões de dólares em materiais bélicos foram negociados, especialmente
para o Oriente Médio (SILVA, 2010). Após a década de 1990, porém, a venda
de armas aumentou consideravelmente no mundo, seja pela eclosão de vários
conflitos regionais e de guerras civis ou pelo fato de existir maior
interesse econômico do que político entre os países exportadores. Ademais,
na metade do século XX, os países do hemisfério Sul começaram a desenvolver
suas próprias indústrias bélicas em nome da segurança e do desenvolvimento,
aumentando o número de armas existentes e mesmo as que já tinham se tornado
obsoletas continuavam sendo utilizadas, especialmente em conflitos
regionais. Atualmente, estima-se que existam no mundo mais de 870 milhões
de armas de fogo, sendo que mais da metade desse número é portada por
civis, e que anualmente até 900 mil armas são produzidas (ROLO, 2008).
A prática de comercializar armamentos possui implicações distintas
quando comparada ao comércio de outros bens, pois, embora contribua para a
entrada de divisas e até mesmo para o crescimento econômico dos países
exportadores, o comércio internacional de armas também possui implicações
políticas para ambos, importadores e exportadores. Nesse sentido, a venda
de armas por um país pode torná-lo corresponsável pelo desenvolvimento de
conflitos armados, além de poder fortalecer seus aliados, mas também pode
favorecer países opositores se estes comprarem essas armas ou se essas
armas se desviarem por meio do comércio ilícito. Portanto, a venda de armas
é considerada uma variável que pode influenciar a política externa e, por
isso, é utilizada muitas vezes como um instrumento para obter vantagens nas
relações com outros países (MORAES, 2011). O trecho a seguir elucida essa
afirmação:


Cada uma das transações individuais que constitui o comércio de armas
implica em uma relação bilateral de transferência de armas, envolvendo
algumas formas de troca, nas quais o fornecedor disponibiliza o material
bélico em troca de dinheiro, crédito, bens de troca ou serviço militar e
político, como a participação em alianças ou o apoio do fornecedor em
posição do país comprador nas Nações Unidas. A depender da intensidade dos
motivos envolvendo a extensão dos recursos do beneficiário, essas relações
podem ser breves e superficiais ou chegam a se desenvolver em associações
de longa duração, envolvendo várias transferências de sistemas de armas
(Momayezi apud Silva, 2010, p. 672).


Uma característica recente do comércio internacional de armas é a
diminuição da participação governamental e o aumento do número de atores
privados em tal atividade, especialmente para armas leves[i], substituindo
as grandes empresas estatais (CARVALHO, 2007). Apesar da crise de 2008, os
gastos mundiais com armas apresentaram um aumento de 4% em relação a 2007,
atingindo um total de 1,46 trilhões de dólares, sendo que Estados Unidos,
China, França, Grã-Bretanha, Rússia, Alemanha, Japão e vários países menos
desenvolvidos continuam sendo os principais destinos das exportações de
armas no mundo, segundo dados da Arms Control and Disarmament Agency
(SILVA, 2010).


O Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas e as reações
causadas

Após mais de uma década de negociações, a Assembleia Geral da ONU
aprovou o Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas (TCA), a primeira
iniciativa de regulação internacional do mercado bélico de armas
convencionais com o intuito de reduzir o tráfico de armas lícitas e evitar
irregularidades como o fornecimento de armas a grupos acusados de crimes
contra a humanidade, máfias e quadrilhas de tráfico de drogas. Não
envolvendo aviões não tripulados, blindados de tropas e equipamentos
militares, o TCA trata de armas como pistolas e revólveres convencionais,
armamento militar, aviões, mísseis e barcos de guerra, deixando a cargo de
cada país, sob pena de sanções, avaliar, antes da realização das
transações, se as armas podem ser utilizadas para eludir algum embargo
internacional, cometer violações graves contra os direitos humanos ou serem
usadas por terroristas ou criminosos. O desafio, no entanto, era conseguir
tal feito sem ameaçar os interesses e as indústrias de armamentos das
principais potências ocidentais (EUA, Rússia, França, Alemanha e Grã-
Bretanha) e da China, atualmente os maiores fabricantes de armas do mundo.
A aprovação do TCA aconteceu por maioria, e não por consenso, como é
normalmente exigido para a aprovação de qualquer tratado, após resolução
apresentada pela Costa Rica retirando essa exigência, obtendo o resultado
de 155 votos favoráveis, 22 abstenções e 3 contrários (Coreia do Norte, Irã
e Síria). Durante as negociações, foi entregue uma declaração de 103
países, criticando o rascunho do acordo devido a lacunas no texto, como não
ser suficientemente rigoroso com relação às munições ou a definição
utilizada para armas pequenas e luninosas (EMBATE ENTRE POTÊNCIAS..., 2013.
ONU APROVA PRIMEIRO..., 2013).
Em artigo para o Le Monde, dias antes da aprovação do TCA, Alexandra
Geneste apontou, com base no texto que não havia conseguido consenso na
Conferência da ONU organizada em julho de 2012, alguns pontos importantes
que podem tornar o TCA ineficaz. Responsáveis por mais de 30% das vendas de
armas no mundo, os EUA alegam, sob influente lobby da National Rifle
Association, que o TCA ameaça o artigo da Constituição que autoriza o porte
de armas no país, embora o TCA seja destinado a regular apenas o comércio
entre nações. Segundo Geneste, além disso, a Rússia e outros países
considerados céticos quanto ao Tratado, como a Síria, o Egito, o Irã e a
Coreia do Norte, podem evocar a segurança nacional para fugirem de
acusações de violação grave aos direitos humanos, enquanto a Índia, o
Paquistão, o Japão e a Arábia Saudita já sinalizaram em 2012 o direito à
legítima defesa. Acrescente-se a isso o fato de que qualquer transferência
de armas realizada na forma de acordos de doação, empréstimo ou ajuda
militar não seria coberta pelo TCA.
Talvez a maior novidade trazida pelo TCA seja a ligação entre as
vendas de armas e o registro do respeito aos direitos humanos por parte dos
compradores, já que o país vendedor deve avaliar se há risco de as armas
serem usadas em atos terroristas, genocídios, crimes contra a humanidade ou
crimes de guerra, ainda que já se tenha chamado a atenção para as
dificuldades de definição desses termos ou para o fato de que essas
alegações podem ser usadas como meio para pressionar certos países. Há
ainda o problema de como liberar a venda de armas para grupos que lutam
contra governos abusivos. Como ressalta Neil MacFarquhar, embora o TCA não
tenha mecanismos de monitoramento e sua implementação possa levar anos,
pela primeira vez os vendedores de armas poderão determinar como seus
clientes farão o uso das armas e tornar de domínio público essas
informações, trazendo um sentido moral a um comércio que movimenta
anualmente bilhões de dólares (MACFARQUHAR, 2013).
Um outro problema que se coloca quanto ao TCA diz respeito à
assinatura e ratificação por parte dos países membros da ONU. Mesmo tendo
votado a favor da aprovação do TCA, os países não são obrigados a assinarem
o Tratado, ou mesmo uma vez assinando, não necessariamente têm que ratificá-
lo, levando-o à apreciação de seus Congressos Nacionais para que lhe seja
atribuído o valor de lei nacional. Além disso, o TCA pode se ver
enfraquecido, caso as grandes potências não o ratifiquem, o que eleva a
necessidade de pressão pública para que o TCA encontre a máxima adesão
possível, cabendo destacar que o convênio entrará em vigor apenas após a
ratificação por um mínimo de 50 países. Essa pressão pública pode vir do
próprio TCA, uma vez que estabelece um fórum internacional que publicará
relatórios sobre a venda de armas e os nomes dos países que violarem as
regras. Nesse sentido, como destaca MacFarquhar, ainda que o TCA leve tempo
para ser implementado como lei internacional, ele tem a capacidade de
estabelecer padrões que poderão ser usados como diretrizes políticas e
morais.
Entretanto, a crítica mais pungente ao TCA vem de Tilman Brück e Paul
Holtom, respectivamente Diretor do Stockholm International Peace Research
Institute (SIPRI) e Diretor do Programa sobre Transferências de Armas do
SIPRI. Segundo eles, o comércio de armas vem mudando rapidamente nas
décadas recentes, sendo que as transferências internacionais de armas não
mais se dão em embarcações que levam armas diretamente do país produtor
para o país comprador, somando-se ao fato de que, em conflitos atuais, tem-
se usado armas que eram marginais ou desconhecidas há 20 anos. Para Brück e
Holtom, o texto permanece enraizado no passado e pouco adaptado a futuras
mudanças, já que o escopo do TCA deve ser estabelecido, no momento em que
entrar em vigor, pelas descrições utilizadas no Registro das Nações Unidas
sobre Armas Convencionais (UNROCA). Porém, apesar de algumas atualizações,
o escopo do UNROCA é definido por itens que eram considerados
indispensáveis para ataques surpresa e ofensivas militares de larga escala
no fim da Guerra Fria, excluindo, por exemplo, mísseis terra-ar, os quais
representam uma parcela significativa do comércio de armas atual, e
veículos aéreos não tripulados.
Brück e Holtom apontam três implicações principais das mudanças
atuais na realidade do comércio internacional de armas e que deveriam ser
levadas em conta pelo TCA: 1) o TCA deveria estabelecer claramente como os
Estados trabalharão para prevenir o desvio de armas para o mercado ilegal e
para definir usos e usuários finais, 2) o TCA precisaria de uma cláusula
contra a evasão que assegurasse que os Estados não iriam abandonar suas
obrigações, por exemplo, fornecendo kits com partes para a montagem de
armas no país importador ou transferindo tecnologia que eles sabem que
fogem ao escopo do TCA, e 3) o TCA deveria incluir um mecanismo explícito
para assegurar que o escopo de armas coberto pelo Tratado será regularmente
revisado.



Considerações finais
Pontos a discutir:
1) A importância da regulação do comércio internacional de armas,
reforçando a particularidade de se comercializar armas e a sobreposição do
interesse econômico;
2) A importância da pressão pública para a adesão dos países, uma vez que
não há mecanismos de enforcement;
3) Os efeitos da entrada de novos países na produção de comercialização de
armas



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Márcia Siqueira de. Resenha de Livro. Revista Brasileira de
Geografia Médica e da Saúde, n.º 3(4), jun. 2007. Disponível em:
. Acesso
em: 24 abr. 2013.

EMBATE ENTRE POTÊNCIAS e grupo de mais de cem países trava tratado sobre
comércio de armas. Carta Capital, 26 mar. 2013. Disponível em: <
http://www.cartacapital.com.br/internacional/embate-entre-potencias-e-grupo-
de-mais-de-cem-paises-trava-tratado-sobre-comercio-de-armas/>. Acesso em:
26 mar, 2013.

GENESTE, Alexandra. "Commerce des armes: les enjeux d'un traité". Le Monde,
15 mar. 2013. Disponível em:
. Acesso em: 20 mar. 2013.

MACFARQUHAR, Neil. "U.N. Treaty is first aimed at regulating global arms
sales". New York Times, 02 abr. 2013. Disponível em:
. Acesso em: 03 abr. 2013.

MORAES, Rodrigo Fracalossi de. O mercado internacional de equipamentos
militares: negócios e política externa. Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, Brasília, 2011. Disponível em:
. Acesso em: 24 abr.
2013.

ONU APROVA PRIMEIRO tratado para regular comércio global de armas. Folha de
São Paulo, 02 de abr. 2013. Disponível em:
. Acesso em: 02 abr. 2013.

ROLO, José Manuel. SA & LW – O flagelo das armas ligeiras. Economia Global
e Gestão, vol.13, n.º 2, Lisboa, 2008. Disponível em:
. Acesso em:
24 abr. 2013.

SILVA, Antonio Henrique Lucena. Globalização Militar, Segurança e
Desenvolvimento: Comparação entre as Indústrias Aeroespaciais de Defesa de
Brasil, Índia e China. Papo Político, vol. 15, n.º 2, Bogotá, jul-dez 2010.
Disponível em: .
Acesso em: 24 abr. 2013.

STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE. Recent trends in arms
transfers, 2013. Disponível em:
. Acesso em: 24 abr. 2013.



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[i] Lançadores de mísseis portáteis, rifles de alto calibre e anti-tanques
(CARVALHO, 2007).
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