UMA TEORIA DA JUSTIÇA

June 1, 2017 | Autor: Luiz Paulo Germano | Categoria: Direito Constitucional, Introdução ao estudo de Direito
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TEORIA DA JUSTIÇA
Uma breve digressão sobre a obra de John Rawls


* Luiz Paulo Rosek Germano
**Artigo escrito em 1999.


1- Introdução. 2- A Justiça e seus desdobramentos. 3- Os dois
princípios da Justiça. 4- Conclusão. 5- Obra consultada





1- INTRODUÇÃO





As pessoas, de uma forma geral, possuem suas próprias convicções
em relação ao que venha a ser justiça. O grande problema é
acreditarem que tais ideais possam ser efetivamente reconhecidos
pela sociedade e pela própria classe político-administrativa. John
Rawls[1], teórico e culto pensador contemporâneo, nesta valorosa
obra, denominada "Uma Teoria da Justiça", ora enfocada, sugere
interpretações dinâmicas e viáveis na busca de uma teoria da
justiça, de possível conceituação formal.
O livro, resultado de profundo estudo histórico, fundamenta a
justiça como verdadeira e inviolável convicção humana, inabalável e
rígida, insuscetível de apelações políticas e convulsões sociais,
dentre outras manifestações societárias e administrativas. A
justiça aqui apresentada denomina-se, segundo o autor, em "justiça
como eqüidade", sugestão interpretativa de um status quo das
pessoas, incluídas e visualizadas no sistema despidas de direitos,
vínculos e demais valorações, não havendo privilégios, nem
prejuízos. As teorias decorrem de idéias centrais, originadas do
próprio estudo da filosofia. O igual, pressuposto para uma nova
conceituação do que venha a ser justiça, talvez não possa ser
avaliado com a exatidão necessária à exegese, principalmente diante
do mundo contemporâneo, mas, sem dúvida qualquer, é um importante
passo rumo a uma nova orientação político-administrativa,
reordenando idéias e princípios, na busca de uma sociedade mais
fraterna e, perdoando-se a redundância, também mais justa.
A leitura, embora difícil, não inibe a busca, página à página,
das descobertas patrocinadas por Rawls, conferindo, ao final, uma
visão até mesmo dogmática e prática da justiça, em seus mais
diferentes desdobramentos, viabilizando, inclusive a conceituação
formal e objetiva de uma teoria da justiça[2].





2 – A JUSTIÇA E SEUS DESDOBRAMENTOS





Verdade e justiça são indisponíveis. Tal afirmação, positiva,
valorada em sistemas diferentes, decorre de avaliação social
cotidiana, na permanente busca do equilíbrio e da própria eqüidade.
Embora a igualdade possa ser imaginada, privilegiando-se um sistema
cooperativista, não há como negar a inexistência da hegemonia,
diante da constatação de indivíduos desiguais, postados diante de
situações também heterogêneas. Surgem, portanto, conflitos sociais
e de interesses, dos quais, como forma de composição, surge a
própria teoria da justiça, na busca de seu verdadeiro papel e
alcance, diante, muitas vezes, de valores invertidos ou
desprestigiados. Fatos revelam descontentamentos, contemplam a
leitura assimétrica da própria história, revelando uma sociedade
desequilibrada não pelo fundamento teórico, mas pela execução
desastrosa, maculada por interesses outros que não a própria
eqüidade, cristalina, da forma como apresentada em sua própria
essência.
Diante de tais constatações, as sociedades concretas, por óbvio,
são falhas, não ocorrendo uma acordo a cerca do que é justo e
injusto. Entretanto, cada homem tem sua própria convicção de
justiça e, ainda que pratiquem suas condutas em desconformidade com
que acreditam e entendam, sempre saberão seu próprio senso de
justiça. A identificação de conceitos não sugere a aplicação
temática da justiça como única regra básica, todavia sugerem um
grau interpretativo do verdadeiro papel dos princípios intrínsecos
da conhecida justiça social.
Se conceituar justiça, embora possível, é tarefa difícil, fácil
também não a identificação de situações justas e injustas. Os
valores aqui, necessariamente, precisam ser relacionados ao
pensamento de cada componente da sociedade. Uma determinada lei,
exemplificando, para alguns pode ser justa, mas, para outros, ser
completamente injusta (como se possível dosar níveis de justiça).
Diante de tal situação, descobre-se que o objeto primário da
justiça é a própria estrutura básica da sociedade, que nasce,
juridicamente analisando, na própria Carta Política, avançando
perante toda estrutura jurídico-administrativa da sociedade. Aliás,
registre-se, que a justiça está na possibilidade de se contemplar
tratamento desigual para indivíduos desiguais, pois diante da
inexistência de simetria, não há como atribuir tratamento igual
para pessoas que se encontram em situação diferenciada.
A justiça não pode ser apenas valorada sob o aspecto vantajoso
ou desvantajoso, ou diante da situação do que é justo
necessariamente implicaria no alcance do que é injusto. A teoria da
justiça transpõe tal valoração, havendo a necessidade de sua
adequação frente as diferentes formas através das quais o Direito
apresenta-se perante a sociedade e ao próprio Estado. Com efeito,
as questões de natureza internacional exigem observância de
determinados preceitos, previamente estipulados, mas capazes de
oportunizar o alcance de uma teoria sólida e convincente, aplicável
diante de situações onde se exija a exegese como forma de
composição de eventuais conflitos.
A concepção de uma teoria da justiça é alcançável. A base sólida
para a construção e desenvolvimento de uma sociedade pode sim ser
encontrada. Os "pilares", ideais primeiros da construção social
existem e podem ser visualizados. No entanto, há distinções a
serem realizadas, como, por exemplo, o enfoque da justiça como
sendo o próprio equilíbrio entre idéias concorrentes, originando-se
uma concepção da justiça como um agrupamento de princípios cujos
objetivos estão relacionados ao encontro deste mesmo equilíbrio;
também existe a caracterização da justiça como sendo uma parte de
um ideal social. Sem dúvida qualquer, a teoria proposta por Rawls
amplia tais concepções, abrangendo princípios, constituindo tais
valores a própria doutrina da justiça. Vejamos, pois, a seguir,
algumas destas particularidades básicas.





3- - OS DOIS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA



O primeiro princípio, de acordo com a concepção de Rawls, só
poderia ser articulado de forma definitiva através da soma de
informações outras, decorrentes de estudo social e filosófico, com
a agregação de elementos necessários a formatação teórica de um
princípio, básico e imperativo. Pressupõe sistema de liberdades
semelhantes, visível em uns e outros indivíduos ou grupo de
pessoas[3]. O segundo princípio poderia ser decorrente do primeiro,
com algumas impropriedades, na medida que contempla uma fórmula
mágica de se aproveitar as desigualdades como forma de se angariar
vantagens aos cidadãos[4].
As colocações ora expostas aplicam-se, indiscutivelmente, à
estrutura básica da sociedade, administradora de direitos e deveres
dos cidadãos, assim como seus reflexos na economia e na própria
sociedade. O segundo princípio, conforme mencionado, embora
relacionado a própria distribuição da renda e da renda,
considerando aspectos econômicos e sociais, possui, em seu aspecto
intrínseco, ambigüidades e impropriedades no seu contexto. A
primeira delas, identificada mediante reflexão ora descrita,
associa a ocorrência de desigualdades sociais e econômicas de forma
que possam, uma vez ordenadas, oportunizarem vantagens a todos. Não
se vislumbra, neste primeiro momento de análise, a possibilidade de
uma desigualdade ser vantajosa, ainda que redimensionada. A
concepção de justiça, em nossa idéia de formatação, não pode
articular-se, inicialmente, de uma desigualdade. Seria incoerente.
Todavia, mister salientar, que a sociedade, da forma como se
apresenta hoje, mutilada em suas raízes de formação, não poderia
ser avaliada, na busca de uma teoria racional de justiça, sem a
consideração de seu próprio estágio de contágio social e econômico,
com diferentes classes existentes, caracterizada a desproporção de
vantagens e o conseqüente desequilíbrio.
Outro aspecto a ser debatido relaciona-se com a aceitação do que
venha a ser "vantajoso para todos" e "acessíveis para todos",
inseridos no conceito formatado. A acessibilidade induz a igualdade
de oportunidades, sem privilégios ou distorções. A vantagem só pode
ser assim entendida se algumas pessoas forem as contempladas por
determinados direitos, não ocorrendo tal extensão as demais. A
vantagem não pode ser avaliada como senso de justiça, pois se a
paridade e a eqüidade são fundamentos básicos de uma teoria e, em
sentido contrário, a vantagem importa em benefício e conseqüente
prejuízo, passam, estes dois conceitos, a serem incompatíveis e,
portanto, ambíguos. Não há como se falar em "vantagens para todos",
pois ou a vantagem é para alguns, ou não se fala em vantagem. A
isonomia e a simetria não admitem a ocorrência de vantagem, cujos
sinônimos são ganhos e proveitos.
A soma dos dois princípios enfocados oportuniza uma única
conceituação, mais geral do que venha a ser justiça, que, segundo
Rawls, assim seria expressa:


"Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e
riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos
igualitariamente a não ser que a distribuição desigual de um ou de
todos esses valores traga vantagens para todos"


Sim. Agora sim é possível entender-se a visão teórica do
conceito de justiça e de seus anteriores princípios diante da
identificação do que significa "vantagem para todos" calcada na
"distribuição desigual de valores". A referida "vantagem para
todos", a qual criticamos, não poderia ser analisada de forma
isolada, verificando-se contexto anterior desigual, articulado pela
própria sociedade, através do qual, na busca de um novo equilíbrio,
tolerar-se-iam ações capazes de, através de uma redistribuição,
oportunizar vantagens para aqueles antes prejudicados ou
discriminados, mas, também, para outros, situados em posição
privilegiada. Mesmos estes poderiam, em tese, abrir mão de
direitos, em favor de um reequilíbrio social, desde que,
efetivamente, pudessem ser recompensados com outras vantagens. A
justiça jamais poderia ser realizada sem a igualitária distribuição
das riquezas e dos próprios valores sociais, mas, todavia, admitir-
se-ia a distribuição desigual, desde que, este desequilíbrio
pudesse contemplar vantagens a todos.
Teoricamente, a possibilidade dos homens renunciarem alguns de
seus direitos fundamentais seria possível, desde que houvesse
compensações, visando um novo equilíbrio. A concepção geral de
justiça não limita, nem, tampouco, restringe a imposição de
desigualdades, desde que, através de tal situação, possa ocorrer
também alguma vantagem para tais pessoas.
De tais princípios, outros decorrentes, tais como o princípio da
eficiência ou da otimização e o princípio da diferença podem ser
visualizados. Aliás, registre-se, por oportuno, que estes últimos
interagem com os primeiros, alcançando-se outros ideais, tais como
os sistemas de liberdade natural e igualdade liberal. Entretanto,
ficamos, nesta análise, com os enfoques trazidos pelos princípios
anteriormente enfocados, bases sólidas da identificação da justiça,
alcançável sob o aspecto sociológico e filosófico, mas de difícil
caracterização prática, embora a identificação de um conceito
racional vinculado à teoria da justiça.





4– CONCLUSÃO





A justiça é a virtude primeira das instituições sociais. Se
pudéssemos resumir em apenas algumas palavras a idéia que extraímos
de uma obra valorosa como esta, escrita por John Rawls, de forma
muito breve analisada por nós, sem dúvida qualquer frase que dela
pudesse ser retirada, por certo, expressaria a importância do
estudo e da aplicabilidade de uma teoria da justiça. A concepção do
justo não está à mercê de uma única caracterização, ou um único
caminho, mas diante de variáveis, uma vez apresentadas, capazes de
ensejar a aplicação de uma ideologia, viabilizando, com isso, um
reordenamento social.
Não há a necessidade de ocorrer perdas de um lado para que
outros possam garantir o ganho. A concepção de justiça ora enfocada
admite a redistribuição de riquezas e de valores sociais sem que
determinadas pessoas tenham quer obrigatoriamente prejudicadas para
que outras sejam favorecidas. Há a possibilidade da imposição de
determinadas limitações, relacionadas a direitos fundamentais, tais
como o da liberdade, com conseqüentes compensações, a fim de se
garantir vantagens a todos.
Diante de tais considerações, a teoria da justiça não é
empírica. É visível, diante da possibilidade real de negociações,
ainda que sejam tais desdobramentos difíceis, quase invisíveis. A
possibilidade, no primeiro momento criticada por nós mesmos, de se
alcançar vantagens para todos, mediante a própria acessibilidade e
o concurso de desigualdades, relaciona-se diretamente ao alcance da
justiça, mediante a valorização de aspectos sociais e econômicos,
com compensações reais aos que sofrem uma limitação verificada em
favor de outros, desprovidos dos direitos fundamentais.
Possível, pois, tal formatação. O conceito de justiça, com base
nos elementos extraídos do livro, vinculado a uma teoria da
justiça, pode ser racional e aplicável. As distorções verificadas
não decorrem de uma teoria pura, mas do próprio comportamento
humano, verdadeiro patrocinador das desigualdades sociais. Embora o
mundo conviva com dificuldades desconcentradas, a busca de
resultados que possam compor conflitos, jurídicos ou não, pode
estar na aplicação dos conceitos de justiça, mediante a reflexão de
conceitos, a interpretação sistemática de normas e princípios, como
alicerces básicos de realização do Direito como o todo. Direito e
justiça caminham lado a lado. Difícil entender porque encontram-se
tão distantes.





5 - OBRA CONSULTADA







- Rawls, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo, Ed. Martins
Fontes, 1997.




Nota: a referida obra foi publicada originalmente em inglês com
o título Theory of Justice, por Harward University Press, U.S.A.
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[1] Raws, John – Uma Teoria da Justiça; Martins Fontes;1º ed. 1997
[2] A teoria, aliás, segundo o enfoque didático, decorrente da análise
sistemática do livro em exame, pressupõe a avaliação dogmática de
princípios norteadores, através das quais torna-se possível a identificação
racional de um conceito de justiça.

[3] Os dizeres, de acordo com o próprio livro em debate: " cada pessoa deve
ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas
iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para
outras."
[4] O princípio, literalmente repetido: " as desigualdades sociais e
econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo
consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e
vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos."
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