Unidade de Conservacao como Mediacao de Conflitos Ambientais

May 30, 2017 | Autor: Paulo Lustosa | Categoria: Local Government and Local Development, Environmental Policy and Governance
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De acordo com o SNUC, uso indireto é aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, enquanto que o uso direto envolve coleta e uso, comercial ou não, dos recursos naturais.
Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. (Vivacqua e Vieira, 2005, 155 e 156)
Certamente as Unidades de Conservação de Proteção Integral, por serem mais restritivas nas suas possibilidades de uso e ocupação do território, tenderão a gerar maiores e mais intensos conflitos de interesse do que as Unidades de Conservação de Uso Sustentável.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade é uma autarquia vinculada ao MMA e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente, cabendo a ele executar as ações do SNUC, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União. Cabe a ele ainda fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais.
Todas as informações relativas ao ICMBio extraidas do sítio http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/gestao-socioambiental/gestao-de-conflitos.html. Consulta realizada em 20 de maio de 2015.
Segundo a classificação de Köppen predomina no estado do Ceará o clima semi-árido quente (Bsh) com variações de temperaturas nas diferentes regiões do estado, litoral (27°C), Serras (22°C) e Sertão (33°C durante o dia e 23°C a noite). Na faixa litorânea predomina o clima tropical subúmido, que possui pluviosidades normalmente entre 1.000mm e 1.500mm. Na região as temperaturas são bastante elevadas, com médias de 26 °C a 28 °C, mas a amplitude térmica é bastante pequena. No geral, as temperaturas variam, durante o dia, de mínimas de 23 °C - 24 °C até máximas de 30º - 31 °C. É raro as temperaturas ultrapassarem os 35 °C na região litorânea, ao contrário do que ocorre no sertão cearense.
Conforme mapa geológico do Estado do Ceará, Castro (2001).
O empreendimento teve a Licença de Instalação embasada no Parecer Técnico 4583/2011 – DICOP/GECON, referente ao processo de L.I. Nº 11512608-2. A Licença de Operação Nº 239/2012 – DICOP-GECON foi emitida em 2012, com prazo de validade de 4 anos, embasada no Parecer Técnico Nº 2850/2012 DICOP-GECON da Superintendência Estadual do Meio Ambiente-SEMACE.


Unidades de Conservação como Mediação de Conflitos Ambientais, o caso da APA das Dunas de Paracuru.

RESUMO: Entre as diversas atribuições do Estado enquanto gestor das políticas ambientais está a mediação dos conflitos que sistematicamente nascem dos múltiplos interesses na utilização dos territórios e dos recursos naturais. Tais conflitos são ainda mais relevantes quando ocorrem em áreas ambientalmente frágeis e a atuação do Estado é ainda mais necessária e importante. As Unidades de Conservação, originalmente, formam parte da dimensão da política ambiental voltada para a proteção e a conservação dos recursos e ambientes naturais, entretanto, os instrumentos e mecanismos associados à implantação e gerenciamento de tais unidades podem servir para a mediação de conflitos ambientais que nascem nas próprias áreas ou nas suas imediações. O presente artigo toma o caso particular da Área de Proteção Ambiental das Dunas de Paracuru, no Estado do Ceará, e como a gestão da unidade pôde servir na mediação dos diferentes interesses relacionados à sua utilização.

Palavras-Chaves: Gestão de Conflitos. Unidades de Conservação. Política Ambiental.

RESUMEN: La creación de Unidad de Conservación (UC) - territorios ambientales protegidos por el interés del Estado - es tratada como generadora de conflictos sociales por gran parte de los estudios académicos brasileños. El presente artículo trae una otra mirada a la cuestión al sugerir que talles UCs, debido a los mecanismos de gestión compartida y los procesos participativos decisión, puedem servir como herramienta de mediación de conflictos y construcción de soluciones consensuadas para los retos del desarrollo sostenible. Por lo tanto, recurre a un estudio de caso de una UC en Ceará, Brasil, que actuó como mediadora el diálogo entre los actores sociales cuando de la llegada de investimentos importantes en energía eólica.
Palabras Llaves: Gerencia de Conflictos. Unidades de Conservation. Politicas de Medio Ambiente.

ABSTRACT: In Brazil, most of the studies and researches have dealt with the creation of protected areas (Conservation Units, UC) as a source of problems and conflicts of interests between social actors living in those territories. This paper proposes a different approach to this issue, considering that the UCs, adopting the participatory management tools to stimulate the engagement of society in discussions about local sustainable development, can act as an instrument of mediation of conflicts and consensual solution of problems. With this in mind, the article examines, as a case study, an UC in the State of Ceara, Northeast of Brazil, who played an important role in the mediation of conflicts emerging in its area as a consequence of the arrival of large investments in wind power.
Key Words: Management of Conflict. Conservation Units. Environmental Policies.

Unidades de Conservação: fonte ou solução de conflitos.
Em que pese o fato de que a política nacional de meio ambiente declarar, no artigo 2º da Lei 6.938 81 como seu objetivo a "preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana", na sua essência a gestão da política ambiental consiste da gestão de conflitos de interesses dos mais variados, ou como propõem Theodoro, Cordeiro e Beke ao discutir a gestão ambiental como uma prática para mediar conflitos socioambientais:

É relevante considerar que em um processo de gestão estejam sempre presentes procedimentos de planejamento, de monitoramento e de fiscalização, fundamentados em novos princípios e aspectos, muitas vezes, subjetivos. Com estes procedimentos pode-se praticar a conciliação, a participação e a co-responsabilidade dos vários atores envolvidos, inibindo, assim, a proliferação ou explosão de conflitos socioambientais no país. (THEODORO, CORDEIRO & BEKE, 2002, p. 16)

Para Brito (2008), "é praticamente unânime entre os estudiosos que" os problemas ambientais – objetos, portanto, da política e da gestão ambiental – "são formas de conflitos sociais, que envolvem interesses, sentidos e fins, na relação homem e ambiente. Ou seja, os conflitos ambientais configuram-se quando os atores sociais defendem distintas lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum" (BRITO, 2008, p. 3) e, nesta linha os considera "presenças constantes no ato de gerir e manejar os recursos naturais", destacando que no caso brasileiro eles acontecem "principalmente na gestão de unidades de conservação" (Brito, 2008, p. 1) e, para reforçar seu entendimento, recorre a Acselrad que afirma que:

Os conflitos ambientais têm origem quando, pelo menos, um dos grupos sociais envolvido com o espaço tem as formas de apropriação do meio ameaçadas por impactos indesejáveis, decorrentes das práticas de outros grupos que passam a integrar o território. É o que acontece quando da criação de uma UC, pois novos atores e ações passam a ser agregados ao espaço. O ato de criação de uma UC é por si só limitador das atividades econômicas e culturais das populações residentes na área. (ACSELRAD, 2004 apud BRITO, 2008, p. 6).

Como conseqüência deste entendimento, a maioria dos estudos que tratam dos conflitos ambientais em torno das Unidades de Conservação tem como ponto de partida a premissa de que tais conflitos nascem com em função do processo de criação e de implantação de UC, uma vez que tal processo implica, necessariamente, em contrariar interesses já instalados, em impactos sobre os direitos de propriedade e na forma de seu aproveitamento. Tais estudos também tendem a concentrarem-se nos conflitos protagonizados por populações que tradicionalmente já habitavam a região transformada em Unidade de Conservação e que tiveram seu modo de vida diretamente afetado.
É de tão modo generalizada a premissa de que a criação de uma UC é fato causador de conflitos socioambientais que Freitas, Bertold e Printes realizaram um estudo com o objetivo de identificar os conflitos pré-implantação (grifo nosso) do Parque Natural Municipal de Ronda, no município de São Francisco de Paula (RS), uma vez que, segundo esses autores, do processo de implantação desta UC:

Surge o seguinte cenário, que não é exclusividade do PNMR: se de um lado está o Poder Público criando uma UC com o objetivo de preservar a biodiversidade, de outro está a comunidade com sua cultura local e interesses particulares. Esta tensão entre o caráter público dos bens ambientais e sua disputa por interesses privados é o motivo central da geração de conflitos. (FREITAS, BERTOLD e PRINTES, 2012, p. 125)

Para Vivacqua e Vieira (2005), Brito (2008), tal fenômeno decorre, principalmente, do fato de que historicamente os processos de criação das UC, de um lado, tendiam a desconhecer o interesse das populações que já estavam ali instaladas, de outro lado, trataram de reproduzir no Brasil o modelo preservacionista que vinha sendo adotado nos Estados Unidos no final do Século XIX que visavam, fundamentalmente, a característica de reserva dos recursos naturais.
Apesar da inspiração originalmente americana, desde o inicio do Século XXI a criação e a gestão de UC no Brasil é regida pela Lei 9.985 de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) estabelece que uma UC é o "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção".
O referido documento legal também esclarece que as UC podem ser classificadas como de proteção integral ou de uso sustentável, de tal sorte que as da primeira categoria visam a "manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais", enquanto que as demais permitiriam a "exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável".
A Lei do SNUC, ao estabelecer os procedimentos obrigatórios para a criação de uma UC, seja ela de proteção integral, seja ela de uso sustentável, deixa clara a preocupação em criar mecanismos que garantam a participação e a oitiva às populações interessadas, não apenas no momento de instituição da UC, mas também durante seu processo de implantação e no seu gerenciamento.
Tais recomendações, não impediram que os conflitos relacionados à criação e gestão das UC continuassem a acontecer, pelo contrário. Santos e Leite (2012), por exemplo, ao discutirem as contradições estabelecidas no processo político de criação e gestão da Unidade de Conservação Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, localizada no município de Capela (SE), afirmam que "as construções oficiais dos espaços públicos podem apresentar áreas protegidas, que são constantemente atacadas por pessoas, que podem estar evidenciando resistência por não terem sido ouvidas, ou que discordam por diferentes razões dos novos usos". (SANTOS e LEITE, 2012, p. 2)
Mais adiante, ao analisarem o processo de criação da Unidade de Conservação e identificarem algumas contradições entre tal processo e as práticas que deveriam ser adotadas em procedimentos com este fim, os autores consideram que:

Com a efetiva implementação da Unidade de Conservação, emergem e ressurgem conflitos de ordem político-social. Esses conflitos são marcados pela existência de uma política de Estado, que não consolida a inserção das pessoas na tomada das decisões. Outra questão fundamental é o debate colocado entre o exercício do poder público em detrimento de práticas de caráter particular e privado, típico da sociedade Capitalista que vivemos. (SANTOS e LEITE, 2012, p. 7)

Vivacqua e Vieira (2005) depois de analisar uma série de estudos de casos de criação de Unidades de Conservação em toda a América Latina, com interessante referência à criação de uma Reserva Biológica no Estado de Santa Catarina, defendem a hipótese de que "a simples existência de regras e normas não garante um padrão de comportamento favorável à resolução de conflitos relacionados ao uso de recursos de uso comum. Se elaboradas de maneira autoritária, excluindo os usuários dos recursos, bem como a população interessada, essas regras tendem a agravar as dissidências". (VIVACQUA e VIERIA, 2005, p. 158)
Interessante destacar que embora a criação da UC seja apontada como causa dos conflitos ambientais decorrentes da nova destinação ou das novas limitações impostas aos usos dos recursos naturais em seu território, são recorrentes as citações de que a existência da UC fez "agravar as dissidências" (VIVACQUA e VIEIRA, 2005), ou como constatam Santos e Leite (2012),

Segundo os moradores entrevistados nesta pesquisa, os conflitos estabelecidos em torno da Unidade de Conservação têm aumentado em virtude das restrições impostas pelo Estado, e a política de preservação tem limitado e alterado seu modo de vida, sem apresentar alternativas que garantam sua reprodução social, já que muitos usam recursos da própria flora para geração de renda, como por exemplo, os moradores que fabricavam vassouras de palha a partir das plantas nativas da mata [...]. (SANTOS e LEITE,2012, p.9) (grifo nosso)

Ou seja, com base nas análises dos estudos de casos e dos artigos aqui considerados, é possível propor que os conflitos ambientais não decorrem, exclusivamente, do processo de criação de uma UC, independentemente de sua categoria. Provavelmente, boa parte deles eram conflitos sociais latentes que foram acirrados ou detonados em função da entrada na arena política de um novo ator – o órgão gestor da UC – com seus interesses e objetivos institucionais.
Neste sentido, a criação da Unidade de Conservação e a conseqüente evidenciação de conflitos socioambientais instalados, em lugar de se considerar um problema para o gestor ambiental, deveria ser considerado como uma oportunidade para construir consensos, superar desavenças e, com isto, caminhar para um uso mais racional e sustentável dos recursos naturais, especialmente daqueles que se pretendia proteger com a criação da UC. Bredariol (2001), ao estudar a gestão ambiental em ambientes urbanos, reconhece este caráter ambíguo dos conflitos ao afirmar que:

A existência de conflitos é fator de insegurança para empreendedores quanto à viabilidade de seus investimentos, para cidadãos quanto à segurança de seus direitos e qualidade de vida e para autoridades quanto aos limites de seus poderes de decisão. A não existência destes seria fonte de autoritarismo e acumulação de descontentamentos e tensões que, a longo prazo, tornariam inviável a vida nas cidades. (BREDARIOL, 2001, p.4)

Independentemente da ambigüidade que nasce da possibilidade de se perceber os conflitos sociais como problema ou como oportunidade, para a gestão efetiva de uma Unidade de Conservação, é mais prudente e adequado se filiar ao entendimento adotado por Dahrendorf (1981, p.82) :

Conflitos são indispensáveis, como um fator do processo universal da mudança social [...] exatamente porque apontam para além das situações existentes, são os conflitos um elemento vital das sociedades, como possivelmente, seja o conflito geral de toda vida.

Esta filiação à lógica proposta por Dahrendorf possibilita mudar o enfoque das análises mais tradicionalmente adotadas nos estudos sobre conflitos em UC, diminuindo o enfoque da Unidade de Conservação como fonte de conflitos e defendendo a hipótese de que uma UC, se bem gerenciada, pode e deve ser instrumento para dirimir conflitos, construir consensos e negociar propostas que possibilitem caminhar na direção do desenvolvimento sustentável.
Este posicionamento é reconhecido mesmo em estudos que partiram da premissa original de que a criação da UC seria a origem dos conflitos, como no caso do estudo apresentado por Brito (2008) que ao analisar os conflitos ambientais das Unidades de Conservação do Estado do Amapá, além de apontar para uma série de intervenções que seriam necessárias para minimizá-los vai reconhecer que é "a partir desta dicotomia, entre a sustentabilidade dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades, que surgem os principais conflitos ambientais. (Brito, 2008, p. 11)
Mais uma vez, os conflitos não surgem da criação da UC, mas da própria dicotomia entre a necessidade das comunidades e populações de se desenvolverem e o imperativo – lógico e legal – de que o uso dos recursos naturais deve ser balizado por critérios de racionalidade que apontem para o caminho da sustentabilidade. Ou seja, eles já existiam real ou potencialmente, a criação da UC apenas os desvelou (ou os intensificou) e, como conseqüência, precisam agora ser dirimidos.

A Gestão da UC como ferramenta para a mediação de conflitos, o caso da APA das Dunas de Paracuru.
O argumento central deste artigo reside, precisamente, na compreensão de que uma Unidade de Conservação, para além dos objetivos fixados na Lei do SNUC, mais do que uma fonte de problemas, pode e dever ser considerada importante ferramenta para a gestão de conflitos socioambientais, sendo necessária uma adequada capacitação para tal fim. Vivacqua e Vieira (2005) em sua análise sobre o caso latino americano já compreendiam que as discussões sobre a efetividade das UC

Giram em torno de duas questões-chave: por um lado, a real eficácia das diversas categorias de manejo das UCs que têm sido empregadas na busca de conservação da biodiversidade; e por outro, as modalidades de gestão consideradas mais adequadas no enfrentamento dos conflitos de uso dos recursos naturais existentes em áreas protegidas. (VIVACQUA e VIEIRA, 2005, p.146)

Para sustentar este posicionamento, os autores recorrem ao caso de uma reserva ecológica no estado de Oaxaca no México que, na sua visão, evidencia como a adoção de uma perspectiva gerencial que engaja as populações que habitam a área criam a oportunidade para o surgimento de soluções criativas para problemas aparentemente insolúveis (VIVACQUA e VIEIRA, 2005), agregando ao processo de mediação a preocupação com a justiça social e com a abertura de canais efetivos de organização comunitária e para a negociação com governos e com o setor privado. Para eles uma das explicações para o sucesso decorre do fato de que:

Em contraste com a experiência de outras reservas, em Chimalapas a autoridade governamental não ditou as regras para o gerenciamento dos recursos ambientais existentes no interior da Reserva. Procurou atuar apenas como um dos vários atores sociais envolvidos na fixação dos limites da Reserva e provendo legitimidade aos acordos estabelecidos na dinâmica das negociações". (VIVACQUA e VIEIRA, 2005, p. 152)

Em anos recentes esta idéia da gestão de conflitos como dimensão importante do papel da gestão de UC passou a fazer parte das diretrizes do Governo Federal, tanto assim que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal responsável pela gestão das Unidades de Conservação Federais reconhece que "a gestão socioambiental de UC tem como foco "promover o diálogo e institucionalizar um conjunto de políticas relacionadas com a gestão territorial, conservação e desenvolvimento socioambiental" [...] tendo como "vinculadas, as áreas de Gestão Participativa, Educação Ambiental e Capacitação Externa e Gestão de conflitos territoriais" (grifo nosso).
Em que pese os avanços em termos de incorporação do papel da gestão de conflitos na gestão das UC, a visão do ICMBio ainda privilegia o trabalho voltado "fundamentalmente com os conflitos de uso e destinação dos territórios onde se encontram as Unidades de Conservação federais" e, mais especificamente, a gestão de conflitos do Instituto esta mais diretamente voltada para mediar conflitos que envolvem as populações que tradicionalmente ocupavam aquela área, não dando igual valor para novos interesses ou grupos de interesse que podem estar, igualmente, pressionando aquele território.
Tendo em mente a necessidade de aprofundar as discussões quanto ao papel das UC como instrumento de mediação de conflitos e recorrendo ao estudo de caso como caminho metodológico para demonstrar, para o caso da política ambiental cearense, o potencial que as UC existentes apresentam como instrumento de gestão ambiental, é que se discute o papel de a Área de Proteção Ambiental das Dunas de Paracuru diante da disputa pelo uso daqueles recursos naturais por diferentes e contraditórios grupos de interesse.

A APA das Dunas de Paracuru, Contexto, Importância e Objetivos.
Distando 85 km de Fortaleza, Paracuru faz limites com os municípios de Paraipaba e São Gonçalo do Amarante e, ao norte, com o Oceano Atlântico, com uma área total de 296,10 km2 e cerca de 20 km de litoral, com um rico e variado ecossistemacomposto de praias, campos de dunas, lagoas interdunares, ambientes flúviomarinhos e recifes. Localizado no litoral Oeste do Ceará, em muitos aspectos o município apresenta semelhanças com os demais municípios do litoral cearense, todos marcados pela vocação da pesca, do turismo de veraneio, do comércio varejista e das tradicionais atividades agropecuárias.

Figura 01: Mapa de Localização do Município de Paracuru e da APA das Dunas de Paracuru.










Fonte: IPECE, 2014.

Contudo, algumas singularidades se destacam no elenco de suas atividades econômicas desenvolvidas no município com possíveis conseqüências para a análise em questão, como a importância do setor energético na economia local. Se originalmente foi exploração do petróleo, que desempenhou – e continua a desempenhar – importante papel na economia local, graças ao fluxo permanente de mão-de-obra para o trabalho em construção civil e nas Plataformas da Petrobrás, mais recentemente com a chegada das usinas eólicas, um novo e importante setor passou a ter importante papel na economia municipal.
Além dessas duas atividades econômicas, a avicultura é outra atividade que se destaca no município, desde a década de 70, enquanto que é a atividade turística, que vem passando por acelerado processo de expansão, se tornando um dos principais impulsionadores da economia local, representando mais de 60% do Produto Interno Bruto-PIB municipal. Completando o perfil econômico do município observa-se a participação da indústria, principalmente calçados e de beneficiamento, da agropecuária e, em menor escala, da pesca.
O município, do ponto de vista climático, pode ser definido como uma região de clima semi-árido, apresentando significativas irregularidades espaço-temporais de precipitação, elevadas taxas de insolação e evaporação e elevadas temperaturas ao longo do ano. Como praticamente todo o Estado, o município também possui uma pré-estação chuvosa de novembro a janeiro, uma estação chuvosa que se manifesta durante o período que se estende de fevereiro a maio e a estação seca iniciando no mês de junho a início de novembro. Esse clima se caracteriza ainda por apresentar forte insolação, com altos índices de evaporação, baixa umidade relativa do ar e temperaturas elevadas, na maior parte do ano.
A área em estudo é banhada pela Bacia do Rio Curu, que abastece 15 municípios cearenses: Itatira, Canindé, Caridade, Paramoti (no alto Curu); General Sampaio, Tejuçuoca, Apuiarés, Pentecoste, Itapajé, Irauçuba, Umirim, São Luís do Curu (no médio Curu); e, São Gonçalo do Amarante, Paraipaba e Paracuru (no baixo Curu). Seu principal rio, o Curu, nasce na Serra do Machado em Itatira e deságua no oceano Atlântico, tendo como principais afluentes o riacho dos Macacos e o rio Groaíras.
Paracuru também possui numerosas lagoas intermitentes. Nos períodos de chuvas, com a elevação da cota da superfície piezométrica, o aquífero assume um caráter efluente, contribuindo para o aumento do volume de águas das lagoas e riachos. Existe na região um aproveitamento intenso do recurso hídrico subterrâneo, seja por captação em poços tubulares ou do tipo amazonas, ou ainda, através de captações diretas instaladas nas várias lagoas que expõem o nível freático à superfície.
O município de Paracuru é formado por duas unidades geomorfológicas maiores: a Planície Litorânea e o Tabuleiro Pré-litorâneo. A Planície Litorânea possui um relevo moldado pelos avanços e recuos do nível do mar, associados a ação eólica. Compõem a paisagem da planície litorânea na região as feições encontradas desde a faixa de praia até o campo de dunas. Os Tabuleiros Pré-litorâneos correspondem à unidade morfológica representada por formas tabulares niveladas pelo topo em morfologia de ondulações leves, suavemente dispostas sobre o terreno.
Quanto à lito-estratigrafia a Região Costeira de Paracuru é constituída por sedimentos terciários da Formação Barreiras e sedimentos quaternários representados por depósitos eólicos (dunas), aluviões e arenitos de praia. É formada ainda por rochas do embasamento cristalino constituídas por gnaisse e migmatitos que se localizam ao sul do campo de dunas nas proximidades de São Gonçalo do Amarante.
Na área de estudo foram encontradas três classe de solos, classificados aqui de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (BRASIL, 1999). São eles: Neossolos Flúvicos, bordejando os corpos hídricos, sobretudo as planícies fluviais, Neossolos Quartzarênicos ao longo de toda a planície litorânea e Argissolos vermelho-amarelos e Neossolos Litólicos, distribuídos em zonas litorâneas geralmente ligadas aos tabuleiros pré-litorâneos.
De acordo com as categorias de descrição de tipos vegetacionais propostas por Fernandes (1990), no município de Paracuru foram identificadas vegetações relacionadas ao Complexo Vegetacional da Zona Litorânea, composto pela vegetação de tabuleiro, vegetação de mangue e vegetação dunar. A vegetação de tabuleiro, formada por árvores de porte arbóreo-arbustivo, comtemplando algumas espécies como: pau de ferro, sabiá, catingueira, marmeleiro, jurema preta mandacaru, cajueiro, dentre outras. A vegetação de mangue é o bioindicativo da interação entre o ambiente marinho e fluvial, sendo as espécies mais comuns o mangue vermelho, mangue branco, mangue siriúba, mangue de botão e a samambaia de mangue. Em relação ao ambiente dunar, a vegetação típica presente está representada pelo gengibre, salsa roxa, pinheirinho, murici e também pelas psamófilas (vegetação rasteira regionalmente conhecida como salsa de praia).
A composição faunística da área é formada por alguns mamíferos, répteis, anfíbios, e várias aves. Os mamíferos são representados pelas raposas, guaxinins, soins e cassacos. Os répteis por camaleões, téjus, tejubinas e as cobras coral, corre campo, cipó e verde. Existem ainda, várias espécies de sapos, jias e pererecas. As aves fazem o espetáculo da região, pois existem em grande quantidade e variedade, podendo ser encontrados os tetéus, garças, carcarás, gaviões-pega-pinto, carões, perdizes, socós, e, em determinadas épocas do ano, várias aves migratórias.
A Área de Proteção Ambiental (APA) das Dunas de Paracuru é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável criada em 29 de março de 1999 pelo Decreto Estadual 25.418, com uma área total de 3.909,6 ha e 25,4 Km de perímetro, com a finalidade de "possibilitar um melhor controle sobre o ecossistema das Dunas de Paracuru", objetivando mais especificamente:
Proteger e conservar as comunidades bióticas nativas, os recursos hídricos e os solos;
Proporcionar à população regional métodos e técnicas apropriadas ao uso do solo, de maneira a não interferir no funcionamento dos refúgios ecológicos, assegurando a sustentabilidade dos recursos naturais e respeito às peculiaridades histórico-culturais, econômicas e paisagísticas locais, com ênfase na melhoria da qualidade de vida dessa comunidade; 
Ordenar o turismo ecológico, científico e cultural e as demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental;
Desenvolver, na população regional, uma consciência ecológica e conservacionista. 
Ainda em conformidade com o conteúdo do referido decreto, a criação da UC se justifica por conta das "peculiaridades ambientais das Dunas de Paracuru, que torna aquele ecossistema de grande valor ecológico e turístico"; da "natural fragilidade do equilíbrio ecológico das Dunas de Paracuru, em permanente estado de risco, face às intervenções antrópicas; e, ainda, em função da "necessidade de conscientização da população regional sobre a preservação da área pelas suas riquezas florística, hídrica e paisagística e de consolidação de ações para o seu desenvolvimento sustentável".
Em 2005, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), que naquele momento era o órgão governamental responsável pela gestão da Unidade publicou o Plano de Manejo da APA das Dunas de Paracuru no qual, além de um diagnóstico da situação encontrada, apresentava um conjunto de objetivos e prioridades definidas com base em um processo de planejamento que contou com a participação da população local, de acordo com as diretrizes da Lei do SNUC.

Tabela 01 - Ficha Técnica da APA das Dunas de Paracuru, adaptada do Plano de Manejo da Unidade de Conservação elaborado em 2004.

Ecossistema
Dunas, Ambientes Lacustres e Tabuleiros
Processos Exodinâmicos e Ecodinâmica Ambiental

Sistemas erosivos de natureza eólica, marinha e pluvial; econdinâmica de ambientes fortemente instáveis (dunas e faixa de praia) a estáveis (tabuleiros).
Paisagens Predominantes
Dunas, praias, lagoas freáticas e tabuleiros.
Sistemas Ambientais Relevantes
Faixa praial e campos de dunas dotados de gerações diferenciadas.
Atividades Predominantes
Agricultura
Problemas Ambientais Configurados e Risco de Ocupação
Desmonte ou interrupção de trânsito de sedimentos por ocupação desordenada; desequilíbrio no balanço sedimentológico do litoral; poluição dos recursos hídricos; perda de atrativos turísticos; processos erosivos muito ativos; aqüíferos suscetíveis a contaminação; mineração sem controle; despejo de efluentes, detritos e resíduos sólidos; degradação de mata ciliar; salinização dos solos; ocupação desordenada em APP; queimadas irregulares; caça e pesca predatórias; trânsito de veículos no campo de dunas.
Critérios de Zoneamento
Diversidade biológica: média; Diversidade ambiental: média; Morfologia e Patrimônio Paisagístico: Alta; Estado de Conservação do Sistema Ambiental: Média Alta; Vulnerabilidade e suscetibilidade à Erosão: Alta; Categoria dos Atributos: Alta (A), Média (M) e Baixa (B).
Outras Informações Pertinentes (de acordo com a oficina de planejamento participativo)
Pontos Fracos: população pouco esclarecida, Lagoa Grande não incluída na APA, avanço de dunas, contaminação dos recursos hídricos, especulação imobiliária e desmatamento de matas ciliares. Pontos Fortes: Beleza cênica, baixa densidade demográfica, ecossistemas preservados, APA inserida na região turística do PRODETUR II, existência de boa infra-estrutura viária.
Fonte: Plano de Manejo, 2005.
A ficha técnica que sintetiza as principais características físico-ambientais da APA, que foi adaptada para fins desta discussão, também traz na sua porção inferior os pontos fortes e pontos fracos da UC extraídos do planejamento estratégico realizado por meio de oficinas de planejamento que contaram com a participação de vários atores relevantes.
O mesmo processo permitiu identificar, ademais dos objetivos fundamentais orientadores da elaboração do plano de manejo, um conjunto de ameaças ao bom funcionamento da APA e ao conseqüente cumprimento de seus objetivos maiores, quais sejam: a) Os desmatamentos e as queimadas irregulares; b) A proximidade com a zona urbana; c) A extração inadequada de algas marinhas; d) A caça e a pesca predatórias; e) A proximidade com o lixão; f) O manejo inadequado em matadouros; g) A ocupação desordenada; h) Os resíduos das embarcações; i) A especulação imobiliária; j) O turismo desordenado; e, k) A proximidade do Porto do Pecém.
Uma análise mesmo que superficial do rol de ameaças apontado pelos participantes do processo de planejamento estratégico que resultou do Plano de Manejo da UC permite, quase que de imediato, que se tente identificar alguns conflitos de interesse que se revelaram durante o processo participativo e que foram travestidos em ameaças à existência da APA ou ao seu bom funcionamento, senão vejamos:
Tabela 02: Comparação: Ameaças Apontadas no Planejamento Estratégico e Potenciais Conflitos Socioambientais Relacionados, APA das Dunas de Paracuru, 2005.

Ameaças Apontadas
Provável Natureza do Conflito
Desmatamento e queimadas irregulares, o manejo inadequado do matadouro.
Conflitos relacionados à expansão da atividade agropecuária nas áreas de entorno e dentro da própria APA em função da necessidade da ampliação das áreas de plantio e pastoreio.
Proximidade com a zona urbana, proximidade com o lixão, ocupação desordenada e especulação imobiliária,
Conflitos relacionados ao uso do solo e à crescente urbanização da sede do município de Paracuru que é vizinha à APA.
Extração inadequada de algas marinhas, caça e pesca predatória.
Conflitos relacionados à exploração dos recursos pesqueiros, principalmente, atividades tradicionais da região.
Proximidade do porto do Pecém e resíduos das embarcações.
Conflitos decorrentes da implantação de um grande empreendimento (Porto do Pecém) na regi o, com suas conseqüências tanto em termos de expansão urbana como em função de seus impactos sobre os ecossistemas marinhos e as atividades pesqueiras tradicionais da região.
Turismo desordenado.
Conflitos relacionados à expansão da atividade turística em todo o Litoral Oeste do Estado que, em muitos municípios, vinha ocorrendo de forma desordenada, tanto em termos de ocupação do solo, como em termos da exploração dos recursos naturais.
Fonte: Plano de Manejo, SEMACE, 2005
É fundamental observar que, considerando a importância ambiental dos ecossistemas protegidos com a criação da APA, algumas dessas unidades ambientais já mereciam atenção especial da gestão ambiental de tal sorte que os problemas e ameaças existiriam mesmo que a UC não viesse a ser criada. Talvez o caso mais exemplar sejam as ameaças decorrentes do natural processo de expansão da zona urbana da sede do município.
Com o passar dos anos tais ameaças e conflitos não apenas se revelaram, com maior ou menor intensidade, mas outros ingredientes foram adicionados a este cenário, aumentando as variáveis envolvidas nos conflitos de interesse quando ao uso e a proteção dos recursos ambientais sob a proteção da APA das Dunas de Paracuru. Dentre eles, o mais destacado está relacionado com a exploração do potencial de geração de energia eólica naquela área

A chegada da Usina Eólico-Elétrica, um novo elemento na paisagem.
Na parte anterior da discussão se procurou demonstrar que no caso em análise muitas das tensões que foram identificadas durante o processo de elaboração do plano de manejo da UC já estavam presentes na realidade cotidiana da população de Paracuru e que, como inicialmente proposto, a criação da unidade serviu, na melhor das hipóteses, para desvelar os conflitos de interesse que estavam latentes.
Embora a criação da UC e a subseqüente atuação do órgão responsável pela sua gestão ou mesmo dos membros do seu conselho gestor possam ter servido como elemento para dirimir e superar os conflitos manifestos, uma vez que muitos deles estão equacionados, seria totalmente válido defender a posição de que tais conflitos teriam encontrado uma solução com ou sem a existência da UC, já que as pessoas e os interesses envolvidos já conviviam naquele território anos antes da sua criação e que, em menor ou maior prazo, os problemas encontrariam soluções que conciliassem os interesses das partes envolvidas.
Por outro lado, a chegada de uma usina eólica na área protegida e seus impactos sobre o meio ambiente e sobre a vida da comunidade era elemento estranho e inusitado para aquela população, tanto assim, que nas análises realizadas e nos processos participativos tal preocupação sequer chegou a surgir.
Ademais, um empreendimento de tal porte não apenas traz elementos estrangeiros à realidade da UC e do seu entorno, mas introduz novos grupos de interesse que passam a tensionar o equilibro existente e a produzir novos tipos de pressão e de demandas, sobre o ambiente natural e sobre os órgãos gestores da Unidade de Conservação.
Consequentemente, em que pese os desafios do ponto de vista ambiental para lidar com tal evento, para fins desta análise, a chegada de um elemento exógeno capaz de mudar as relações de poder e interesse no entorno da UC serve como oportunidade para demonstrar o papel de mediação e superação de conflitos que uma Unidade de Conservação pode assumir, senão vejamos.
A Usina Eólio-elétrica Dunas de Paracuru, administrada pela Empresa Ventos Brasil Geração e Comercialização de Energia Elétrica S.A, é constituída por 21 aerogeradores, cada um com capacidade nominal para 2,1 MW h, abrangendo uma área total de 272,65 hectares, dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental das Dunas de Paracuru, na localidade do Sítio Fleixeiras, município de Paracuru, litoral oeste do Estado do Ceará.
Essa comunidade possui população aproximada de 700 habitantes, com predomínio de uso rural (sítios) e residencial, com algumas pinceladas de uso misto. O principal meio de transporte intra-municipal é feito através de lotações e moto-taxis, uma vez que não há um sistema público de transporte. O transporte escolar e de professores é feito através de ônibus disponibilizados pela prefeitura que fazem a locomoção diariamente.
O projeto foi aprovado na 201ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente – COEMA, realizada em agosto de 2011. No mesmo, deu-se início à instalação da usina na comunidade de Fleixeiras e as suas operações foram iniciadas no ano seguinte, trazendo diversos problemas para a população, dentre eles: a falta de acesso à praia pelos pescadores; o soterramento de diversos corpos hídricos, como riachos e lagoas; o desmonte de dunas; os desmatamentos; o desgaste da rodovia que liga a comunidade à sede do município; além das rachaduras em diversas residências situadas nas proximidades do parque provocadas pela movimentação de veículos de grande tonelagem.
Em janeiro de 2013, após o agravamento dos problemas, a comunidade resolveu se reunir para discutir os problemas causados pela instalação do empreendimento, buscando por meios próprios estabelecer um diálogo com a representação da empresa responsável pela usina em busca de soluções para tais agravos. Na ocasião o engenheiro responsável pela administração do parque eólico foi convidado a participar das discussões, mas não compareceu deixando sem resposta as demandas da comunidade.
Ainda em conformidade com os levantamentos então realizados junto ao órgão ambiental, até aquele momento, havia sido identificado que as condicionantes solicitadas no processo de licenciamento não vinham sendo cumpridas pela empresa, principalmente aquelas voltadas para as ações de educação ambiental e recuperação de áreas degradadas, agravando o clima de insatisfação da comunidade com relação ao empreendimento.
Em julho de 2013, uma segunda reunião foi organizada, desta vez a comunidade recorreu ao Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente-CONPAM, atual Secretaria Estadual do Meio Ambiente-SEMA, órgão gestor da APA, para auxiliar a comunidade a estabelecer canais de diálogos com a empresa e outros órgãos que pudessem auxiliar na mediação dos problemas e na negociação de eventuais soluções.
Durante meses, com a mediação da gestora da UC, foram realizadas várias tentativas de acordos entre a gerência da Usina, a comunidade de Fleixeiras e os objetivos e interesses da APA, porém, sem sucesso.
O assunto, então, foi levado ao Conselho Gestor da Unidade de Conservação que decidiu por unanimidade levar o caso a outras esferas públicas. Com apoio do Conselho Gestor, a associação comunitária (União para o Desenvolvimento de Flexeiras) buscou a intervenção da promotoria de justiça de Paracuru, o que levou a empresa a firmar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), deixando claras as obrigações das partes envolvidas.
Dentre elas a administração da Usina Eólio-Elétrica Dunas de Paracuru se comprometeu auxiliar a comunidade em todos os projetos socioeducativos propostos pela associação comunitária. Outra obrigação da empresa seria recuperar as casas e a rodovia, que foram danificadas durante o processo de instalação dos parques, provocados pelo tráfego de transporte de grande porte até o canteiro de obras da usina.
Vale ressaltar que a APA das Dunas de Paracuru tem acompanhado a execução do Termo de Ajuste de Conduta e que os assuntos referentes a este são apresentados e discutidos nas reuniões do Conselho Gestor da UC, sendo indispensável para a gestão do conflito entre a Usina Eólica e a comunidade de Fleixeiras.
Por seu turno, o Conselho Gestor da APA vem acompanhando o cumprimento das condicionantes das licenças emitidas pela SEMACE, bem como os Planos de Monitoramento Ambiental da Área da Implantação da Usina Eólio-Elétrica – UEE Dunas de Paracuru.

Uso das Dunas e a Gestão da APA: os resultados em Paracuru.
Seja como for, constata-se atualmente que a formação de parcerias entre os diversos atores envolvidos – ONGs, órgãos governamentais federais e estaduais, empresários, pesquisadores e populações locais – tende a superar as disputas, possibilitando assim o fortalecimento de um padrão de gestão mais integrada e participativa dos recursos de uso comum. (VIVACQUA e VIEIRA, 2005, p. 148)
Desta perspectiva, uma gestão patrimonial se identifica com um processo de negociação de uma estratégia alternativa de apropriação do meio ambiente visto como um bem coletivo, colocando em questão os enfoques que defendem ser a apropriação privada e a apropriação governamental as opções mais capazes de oferecer saídas efetivas para os problemas socioambientais em longo prazo. (VIVACQUA e VIEIRA, 2005, p. 140)
Muitas vezes, as assimetrias de poder que permeiam as relações entre os diversos grupos têm bloqueado a colaboração nos processos decisórios e, assim, ofuscado o potencial transformador que todo conflito socioambiental carrega em si. Daí a importância da presença de mediadores patrimoniais legítimos, capazes de mobilizar adequadamente a diversidade de valores e interesses em nome da transmissão intergeracional de um patrimônio comum.
Nesse sentido, torna-se fundamental o desenvolvimento de pesquisas focalizando a problemática da legitimidade dos representantes de cada grupo envolvido nos conflitos socioambientais. Pesquisas dessa natureza são importantes na medida em que podem auxiliar os próprios grupos envolvidos a escolher melhor seus representantes e mediadores, facilitando assim o desenho compartilhado de estratégias cada vez mais cooperativas de ação (VIVACQUA e VIEIRA, 2005, p. 160)
Provocar diálogos entre as partes que se vêm como inimigos manifestos ou potenciais, e administrar situações conflituosas, é uma tarefa difícil, mas necessária para que se construam os pressupostos básicos de uma verdadeira gestão ambiental. De modo geral, a mediação (facilitação) dos conflitos deve promover valores que ultrapassem a acomodação de interesses setoriais. A cultura do diálogo e da participação de todos os envolvidos (ou de seus representantes) são ferramentas fundamentais para se alcançar os objetivos desejados.
Nesse caso, o processo de gestão ambiental de uma determinada área ou região pode se converter no momento ideal para fortalecer a participação da sociedade. O aparato legal que viabilizou a implantação de medidas compensatórias para os potenciais danos provocados, aliado à possibilidade de alterar os projetos originais, deu uma força inquestionável aos grupos que se sentem atingidos pelos planos, programas, projetos ou ações do governo ou das empresas. (THEODORO, CORDEIRO & BEKE, 2002, p. 13)

Considerações Finais
Ao analisarmos as diversas bibliografias que tratam sobre os conflitos na gestão ambiental, podemos observar que durante o processo de criação de Unidades de Conservação, independentemente de sua categoria, é geralmente acompanhado por vários conflitos gerados entre as populações existentes, os grupos de interesses que exploram ou se utilizam daqueles recursos e órgãos públicos responsáveis pelas criação e gestão de espaços protegidos.
Por outro lado, desses mesmos estudos e da observação empírica é possível identificar várias situações em que a próxima existência da UC, associada ao funcionamento de mecanismos participativos para a sua gestão, também têm servido em diversas ocasiões como formas de promoção do entendimento, dando origem as negociações e a busca por mecanismos para a regulação da gestão e do melhor aproveitamento destas áreas.
Como anteriormente defendido, os conflitos socioambientais decorrem principalmente dos embates entre grupos sociais que tem modos diferentes de se inter-relacionar com o ambiente social e natural, ou seja, os conflitos surgem das interações ecológicas entre os diversos atores sociais e com o meio natural. Todos estes aspectos podem ser observados em uma UC e no seu processo de gerenciamento, já que existem diversos interesses no contexto destes espaços que possibilitam mapear tais contradições e atuar sobre elas.
Entretanto, para minimizar os conflitos na gestão das UC's e para convertê-las em espaço de mediação de tais conflitos, é necessário investir em estratégias mais eficientes para garantir o cumprimento dos objetivos de sua criação e o engajamento dos atores relevantes interessados naquele espaço territorial.
Estas estratégias devem envolver o diálogo, a sensibilização, a compensação, além do monitoramento e da fiscalização, superando o lugar comum de que a simples instituição ou criação de tais áreas seria suficiente para proteger o patrimônio natural. É indispensável manter os recursos ambientais e os processos ecológicos, entretanto, é primordial garantir a sustentabilidade social, econômica e cultural da população envolvida nessas áreas. É a partir do enfrentamento desta dicotomia, entre a sustentabilidade dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades, nascedouro dos principais conflitos ambientais, que se encontram as trilhas para a sustentabilidade daqueles territórios.
No caso específico da APA das Dunas de Paracuru, no seu processo de criação, os conflitos observados – potenciais ou efetivos – já vinham sendo sentidos e negociados entre os membros da comunidade, de sorte que não foram observadas manisfestações mais radicais de contrariedade quando da criação da UC, em que pese a oportunidade de foi criada de se evidenciarem os diferentes grupos de interesse que atuavam naquela área e seus pontos de contencioso.
Porém, anos depois de sua criação, com a vinda de empreendimentos de grande porte, mais especificamente com a implantação da Usina Eólio-Elétrica Dunas de Paracuru, novos contenciosos surgiram, tanto no período de instalação do parque como também quando do inicio de sua operação, destacando-se entre eles: as restrições do acesso à praia pela população dos pescadores da comunidades de Fleixeiras; a destruição da rodovia que liga a comunidade à sede do município de Paracuru; não cumprimento das medidas compensatórias previstas no processo de licenciamento, especialmente dos projetos socioambientais que deveriam ser executados como forma de mitigar os impactos do empreendimento; além dos danos nas estruturas físicas de diversas residências situadas nas proximidades do parque.
Diferente dos casos observados na literatura que trata da temática em questão, a Unidade de Conservação APA das Dunas de Paracuru, por intermédio de seu Conselho Gestor, formado pelas diversas instituições e atores sociais do entorno da UC, atuou dos conflitos surgidos, demonstrando empiricamente a hipótese proposta no inicio deste artigo que a existência da uma UC mais que uma fonte de conflitos pode e deve servir como ferramenta de mediação e resolução de conflitos socioambientais em territórios onde a preocupação com a questão ambiental deve ter ainda maior relevo.

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