Unidade de Porrada em Preto

July 23, 2017 | Autor: Adriana Facina | Categoria: Slums, Favelas, and Shanty-towns, Segurança Pública, UPP
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Orelha do livro Até o Último Homem. Visões cariocas da administração armada da vida social. Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira (orgs). Adriana Facina1

Unidade de Porrada em Preto. É assim, de modo irônico, que os movimentos sociais de favelas e suas lideranças mais combativas têm se referido às UPPs. As Unidades de Polícia Pacificadora, vitrines espetaculares da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, são, na prática, ocupações territoriais armadas. Essas ocupações, nem é preciso dizer, acontecem em favelas. Nelas, moram os pretos e pobres condenados sem julgamento, suspeitos sem provas, ou, na linguagem politicamente correta de agências governamentais e ONGs, populações vulneráveis ou em situação de risco social. Um dos argumentos repetidos pelos que apoiam as UPPs, incluindo aí cientistas sociais progressistas, é o da redução da letalidade. Afinal, faz diferença na vida do morador não ver mais o caveirão entrar na favela atirando em todas as direções. Afinal, faz diferença saber que seus entes queridos voltarão para casa vivos. Afinal, a situação anterior era pior. Afinal. No mundo real, UPP significa não ter mais o baile funk, diversão barata, acessível e atividade expressiva da juventude favelada. UPP quer dizer também que você precisa “estar bem na fita” com a autoridade policial que comanda a unidade para poder realizar eventos culturais, sejam eles públicos ou privados. UPP também pode querer dizer que, se você reclamar seus direitos, pode ser preso por “desacato a autoridade”. Mas o corpo está vivo. E estará a salvo. Pronto para cumprir rotinas exaustivas e precarizadas de trabalho. Firme para honrar com os novos compromissos financeiros que a bandeira da legalização traz para as favelas. Íntegro para assinar contrato com a NET, abrir conta no Santander e pagar o crediário das Casas Bahia. O corpo vivo pode também bater tambor ou tocar violino, dependendo das ONGs e das instituições que se oferecerem para complementar pela cultura a pacificação das armas. Pulsando no ritmo dos megaeventos, da especulação imobiliária e da cidade-negócio. Mas também chamam de UPP, Unidades de Poesia Preta, as resistências que, com arte e criatividade, recusam a paz sem voz e reinventam uma história que está longe do fim. Quem viver verá.

                                                                                                                        1 Antropóloga, professora do PPGAS/Museu Nacional/UFRJ.

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