UNIVERSIDADE E PARTICIPAÇÃO: O QUE CONCLUIR

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Higher Education, Community Engagement & Participation
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Apresentado no Seminário Internacional de Inclusão em Educação – Universidade e Participação II.  NO PRELO. 

UNIVERSIDADE E PARTICIPAÇÃO: O QUE CONCLUIR? O presente artigo tem por finalidade retomar os objetivos da segunda pesquisa que fundamenta este livro (Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão/Exclusão em Universidades Públicas do Rio de Janeiro (UFRJ), Cabo Verde, Córdoba e Sevilha), e analisá-los à luz de nossas categorias de análise. O objetivo geral desta pesquisa foi descrever e discutir o panorama dos processos de inclusão/exclusão em universidades enquanto instituições formadoras de futuros educadores no tocante às suas culturas, políticas e práticas em âmbitos nacional e internacional, a partir da promulgação da Declaração Mundial sobre Educação Superior (1998). Os objetivos específicos foram quatro: (1) Identificar as principais diretrizes que regulamentam a inclusão na Educação Superior em Universidades de três países: Espanha, Cabo Verde, e Brasil; (2) Analisar o grau de congruência entre as Diretrizes e Leis nacionais referentes à Educação Superior, e Estatutos e Regulamentos das Universidades participantes; (3) Caracterizar as formas como a inclusão/exclusão se dá, efetivamente, no cotidiano de discentes em formação inicial nas Universidades escolhidas; (4) Identificar possíveis caminhos para o aprimoramento e/ou transformação dos processos de inclusão nas universidades selecionadas no que tange à formação de educadores, a partir da problematização dos prováveis impactos – positivos ou não – das políticas de inclusão em Educação Superior previstas nos documentos oficiais em âmbito macro (Ministério da Educação) e sua relação com a prática no âmbito meso (institucional). Iniciaremos com as conclusões relativas aos objetivos específicos, que compõem o objetivo geral em uma formatação passo-a-passo, e terminaremos esta parte do Relatório com a análise do objetivo geral. Sobre o objetivo específico (1): Principais diretrizes que regulamentam a inclusão na formação inicial superior de professores nas Universidades: Federal do Rio de Janeiro, de Córdoba, de Sevilha e de Cabo Verde. Analisando as seções do presente relatório que exploraram os dados referentes a esta pergunta – na parte II, chegamos a uma conclusão pouco surpreendente: a de que muitas são as Diretrizes, em cada universidade pesquisada, e que elas compõem sentidos tanto inclusivos quanto excludentes, relativos à formação inicial de professores, como era de se esperar. Tal resultado não nos surpreende na medida em que defendemos a ideia de inclusão como processo sem fim, o que significa dizer, em última instância, que toda instituição é e será, em suas culturas, políticas e práticas, tanto inclusivas quanto excludentes a um mesmo tempo/espaço. Isto porque, a exemplo do que há tempos vimos argumentando, vivemos em um mundo cujos pilares são os da desigualdade. Esta, por sua vez, entendemos no sentido mercadológico e economicista, e como tal, portanto, em sentido negativo, e não em um sentido positivo, em que reconheçamos e

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respeitemos nossas particularidades, diferenças e identidades, e assim convivamos de maneira justa e pacífica (o que não significa sem conflitos e discordâncias, diga-se de passagem). Como exemplo destas diretrizes, que tanto empoderam quanto engessam, farei uma referência ao caso brasileiro: Da Seção II, que versa sobre a Educação, no Estatuto da UFRJ: Art. 8º A educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro atenderá: I – ao desenvolvimento integral da pessoa humana e à sua participação na obra do bem comum; II – ao respeito à dignidade da pessoa humana e às suas liberdades fundamentais; III – à proscrição do tratamento desigual, por motivo de convicção filosófica, política ou religião e por preconceito de classe e de raça; IV – ao fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; e V – à preservação e à expansão do patrimônio cultural. (BRASIL/MEC/CNE/CES, 2002)

É de se destacar o fato de que, apesar deste Estatuto ter sido atualizado em 2002, até o presente (2010), no que se refere ao inciso III, a título de exemplo do que estamos argumentando, nenhuma política universitária relativa à proscrição de tratamento desigual foi lançada, ou sequer discutida em processo contínuo, regulamentando, por assim dizer, o que reza este inciso do artigo 8º. do Estatuto. Prosseguindo com a exemplificação de um trecho, desta vez engessador, no mesmo documentopolítica, temos, nas Disposições Transitórias do Estatuto (idem): Art. 138 A Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando da ocorrência de vagas, abrirá matrícula nas disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrem capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo seletivo prévio (ibidem, grifos meus).

A despeito do fato de que o mecanismo para a entrada na Universidade pelos alunos “regulares”, para usar o jargão do próprio artigo em análise, já ser, por natureza, excludente por ser seletivo (o vestibular), o artigo 138 torna o quadro ainda mais curioso. Isto porque o artigo expressa, em uma primeira análise, a disposição para uma certa abertura e flexibilidade à ampliação de seu alunado para contemplar aqueles que por ventura estejam no sistema privado do ensino superior ou fora do público por não ter passado no vestibular. Entretanto, condiciona esta situação à existência de vaga (o que é evidentemente raro, pelo menos entre os cursos mais cobiçados) e à possibilidade efetiva dos alunos para cursarem a graduação escolhida. Isto porque os cursos duram o dia inteiro e requerem que a população estudantil não só não trabalhe, para ter tempo disponível para estudar, como também que tenha recursos financeiros para almoçar, fotocopiar materiais, comprar livros, etc.. Além disso, reforça, porque utiliza, de outro processo seletivo. No que tange ao caso caboverdeano, destacamos como exemplo: Decreto-Lei no. 53 de 20 de novembro de 2006. Sua missão é:

Apresentado no Seminário Internacional de Inclusão em Educação – Universidade e Participação II.  NO PRELO.  (...) capacitar a nação cabo-verdiana, de modo a vencer os grandes desafios de modernização e desenvolvimento do país. Através de programas de ensino, investigação e extensão, a Uni-CV contribuirá para a competitividade da economia caboverdiana, o progresso sustentável e a inclusão social e bem assim para o reforço da identidade cultural da nação, objectivos que deverão modelar todo o projecto científico e orgânico da nova instituição (idem, p. ii).

Por este documento-política, percebemos uma preocupação em vincular, intimamente, a Educação com o desenvolvimento nacional à noção de desenvolvimento expressa no texto. Entretanto, o texto não contempla apenas aspectos ligados à justiça social (quando, por exemplo, menciona o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e a identidade cultural). Ele refere-se também à preocupação com a competitividade da Nação. Ou seja, não parece que o desenvolvimento da mesma esteja ligado, inicialmente às causas mais “nobres”, por assim dizer, de justiça social. O que vem primeiro é o que a Educação poderá fazer para contribuir com que o país torne-se uma economia competitiva. Independente da coerência que o texto apresente quando pensado em relação ao contexto histórico e político mundial (afinal, podemos dizer, com boa dose de segurança, que tornar-se competitivo é o anseio de todas as nações), chamamos atenção aqui para o fato de que este aspecto venha em primeiro lugar em um documento desta importância. Que tipo de Universidade e de Cursos, e consequentemente de prováveis profissionais, aqueles responsáveis por executar esta política irão formar? Esta é a pergunta que não deve calar. Assim, podemos concluir argumentando que o problema talvez não esteja tanto no fato de se haver políticas contraditórias entre si no que dizem respeito tanto às culturas que refletem, quanto às práticas que inspiram e orquestram. Afinal, na compreensão trialética dos processos de inclusão e eco, é de se esperar que estas contradições aconteçam. O que achamos mais problemático, é que tais contradições não pareceram previstas nas políticas identificadas, dentro do currículo-em-ação, enfim, do dia-a-dia da vida do estudante em formação docente inicial, embora em muitos relatos pudéssemos identificá-las. Quando as instituições assumem como provável em seu dia a dia a existência de mecanismos tanto excludentes quanto inclusivos, elas poderão oferecer um melhor preparo aos seus formandos no sentido de deixá-los alertas a (porque conscientes de) tais processos. Assim, eles poderão identificálos e combatê-los (quando em caso considerado excludente, ou reforça-los, se considerados inclusivos), em processo coletivo e fazendo papel de mediador e incentivador da mobilização ao combate. Sobre o objetivo específico (2): Grau de congruência entre as Diretrizes e Leis nacionais referentes à Educação Superior, e Estatutos e Regulamentos das Universidades participantes. Percebem-se muitas aproximações entre as diretrizes nacionais brasileiras para o ensino superior e o regimento da UFRJ no que diz respeito à inclusão. A legislação nacional preconiza a igualdade de acesso e permanência, pluralismo de ideias, respeito à liberdade e apreço à tolerância. O Estatuto preconiza a proibição do tratamento desigual, por motivo de convicção filosófica, política ou religião e por preconceito de classe e de raça.

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A política Nacional, através do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, BRASIL, 2007) preconiza o aumento das vagas de ingresso e a redução das taxas de evasão nos cursos presenciais de graduação. No estatuto da UFRJ consta a autonomia da universidade para legislar sobre a ampliação e diminuição de vagas. Ainda que a criação de vagas dependa de múltiplos fatores, inclusive econômicos, arquitetônicos, e outros, o estatuto permite que a universidade aproxime-se da diretriz nacional. A legislação nacional incentiva a criação de estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos. A Universidade tem a autonomia de fixar critérios de seleção, admissão, promoção e habilitação de alunos, respeitadas as disposições legais. Portanto, teria condições de criar políticas afirmativas que permitam igualdade de oportunidades para determinados grupos sociais. Igualmente, em Cabo Verde o regimento da Universidade encontra-se em conformidade com a legislação nacional no que diz respeito à inclusão. Destacam-se os princípios que regem a educação superior que privilegiam a liberdade, a excelência, a autonomia, a qualidade, o empreendedorismo, a sustentabilidade e a internacionalidade. Em acordo com estes preceitos, o regulamento da Universidade objetiva promover o desenvolvimento humano na sua integralidade, relevando as dimensões científicas, técnica, ética, social e cultural, e tendo por paradigma a busca incessante de padrões elevados de qualidade. Isto vem associar-se à intenção revelada pela legislação nacional que prevê a criação de condições para que os cursos existentes correspondam globalmente às necessidades em quadros qualificados, às aspirações individuais e à elevação do nível educativo, cultural e científico do país e para que seja garantida a qualidade do ensino ministrado. De acordo com estas medidas, o decreto de criação da Universidade descreve sua missão como a de capacitar a nação cabo-verdiana, de modo a vencer os grandes desafios de modernização e desenvolvimento do país, contribuindo para a competitividade da economia, o progresso sustentável e a inclusão social, como apontado no item anterior. No que tange ao acesso à Universidade, Cabo Verde estabelece em sua legislação ações diretas do governo, a fim de minimizar ou eliminar as exclusões no que compete à educação superior de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades econômicas ou regionais ou de desvantagens sociais. Assim, o estatuto da Universidade assume como valor constitutivo à equidade, o alargamento das oportunidades de acesso e sucesso educativos a todos os caboverdianos, independentemente da sua condição social e do local de residência. Na Espanha destaca-se, em nível federal, as intenções de garantir acesso e permanência aos estudantes, objetivando que ninguém seja excluído de ingressar na universidade por razões econômicas, derivando especial atenção às pessoas com “cargas familiares”, vítimas de violência de gênero e pessoas com deficiência. Configura-se como um grande avanço o incentivo e a garantia de participação dos estudantes no sistema universitário, por meio da criação de conselhos de estudantes universitários. A Universidade de Córdoba corrobora o teor inclusivo da legislação federal, inspirada nos princípios de liberdade, igualdade e justiça, reconhecendo a peculiaridade de cada indivíduo. Para tanto responsabiliza os docentes a desenvolverem planos de estudos que reconheçam a diversidade

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humana, de forma que sejam flexíveis a ponto de um mesmo plano conter a possibilidade de optar por distintos programas de acordo com os interesses pessoais ou necessidades específicas. Nesse sentido, o Estatuto de Sevilha assegura o direito à igualdade, garantindo uma atenção especial em caso de gravidez ou situações pessoais de grave dificuldade ou deficiência, através de assessoramento aos estudos, flexibilidade para realização de atividades práticas e adequação de prazos para realização de exames. Sendo assim, conclui-se que os três países envolvidos na pesquisa demonstram, através da legislação federal sobre o ensino superior e os regimentos das universidades em questão, aproximação entre si e com a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI (Paris, 1998) no que se refere à inclusão. Principalmente no que diz respeito à igualdade de acesso e aos esforços para eliminar qualquer tipo de discriminação com base em raça, sexo, idioma, religião ou em considerações econômicas, culturais e sociais ou incapacidades físicas. Sobre o objetivo específico (3): Formas como a inclusão/exclusão se dá no cotidiano de discentes em formação inicial nas Universidades escolhidas. A análise dos dados coletados em campo por meio dos questionários aplicados a discentes das Faculdades de Educação das universidades participantes, apresentada na Parte III deste relatório, permitiu a elaboração de um panorama sobre as formas como a inclusão/exclusão se dão no cotidiano desses discentes em formação inicial. A análise das palavras evocadas nas questões de livre associação relativas à trialética inclusão/exclusão e aos valores democráticos, bem como as respectivas justificativas, permitiram a caracterização de coincidências e diferenças entre os alunos dos países pesquisados. Percebe-se que há um consenso entre os alunos dos países pesquisados quando acreditam que a inclusão em educação acontece através dos direitos humanos, da democracia, do desenvolvimento sustentável, e que deve ser acessível a todos, apontando para uma predominância no sentido das culturas. O cotidiano na universidade foi mais específica e detalhadamente abordado na questão B do questionário, que permitiu avaliar o grau de concordância em relação a 11 afirmações, cujas justificativas foram categorizadas de acordo com nossas três dimensões de análise: a da construção de culturas, do desenvolvimento de políticas e da orquestração de práticas de inclusão. Além disso, relatos sobre as experiências pessoais frente à inclusão/exclusão mostraram a distribuição destas três dimensões (e subcategorias) na vida escolar dos alunos das universidades pesquisadas. As afirmações foram: (1) As oportunidades de ingresso são igualitárias; (2) O sistema de avaliação favorece o sucesso dos alunos; (3) O currículo é adequado aos interesses e necessidades dos estudantes; (4) O currículo é adequado às exigências de trabalho; (5) Os métodos de ensino são adequados às necessidades dos estudantes; (6) O conhecimento dos estudantes é utilizado como recurso à aprendizagem; (7) Os estudantes participam das decisões e ações institucionais; (8) As discussões e debates sobre problemas éticos, culturais e sociais existentes na Universidade são desenvolvidos com frequência no espaço acadêmico; (9) As políticas institucionais visam à eliminação ou à diminuição de práticas de discriminação dentro da Universidade; (10) As relações interpessoais estabelecidas dentro do espaço acadêmico são acolhedoras; e (11) As discussões

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sobre problemas éticos, culturais e sociais que afetam o bem-estar das comunidades, das nações e da sociedade em geral são desenvolvidas com frequência no espaço acadêmico.

Afirmações

A tabela abaixo mostra o percentual de concordância (C), discordância (D), Sem Opinião (SO) e respostas em Branco (Br) obtido para cada pergunta, por Universidade.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Tabela 1: Percentual de Concordância/Discordância relativa às questões 1 a 11 da Seção  B do questionário, por Universidade.  UFRJ UNI-CV CÓRDOBA SEVILHA (Brasil) (Cabo Verde) (Espanha) (Espanha) C

D

SO

Br

21,6 77,1 1,2 3,57 30,3 56,7 13,0 3,57 40,2 43,8 16,0 3,57 44,3 41,2 11,7 3,57 37,7 45,7 16,7 3,57 53,1 32,7 13,6 4,16 23,4 59,3 17,3 3,57 55 35,1 9,9 3,57 25,8 43,8 24,1 3,57 48,2 37,1 14,8 3,57 53,7 33,3 13,0 3,57 Fonte: Elaboração Própria.

C

D

SO

Br

C

D

SO

Br

C

D

SO

Br

52,7 52,1 44,9 49,7 40,7 56,9 9,6 17,4 30,3 38,3 16,8

24,6 22,8 24,6 19,2 38,3 17,4 64,1 56,9 27 38,3 55,1

19,8 20,4 24,6 27,5 16,2 19,8 21,6 22,8 41,9 20,4 25,1

2,99 4,79 5,98 3,59 4,79 5,98 4,79 2,99 5,38 2,99 2,99

57,4 32,7 43,4 24,6 50 57,2 26,3 45 37,7 60,6 46,7

22,9 35,2 29,5 42,6 35,2 16,4 45,1 28,7 14 23,7 24,6

18,9 32,0 27,0 32,8 14,8 26,2 32,8 26,2 47,5 14,8 28,7

0,81 0 0 0 0 0 0 0 0,81 0,81 0

50,4 21,6 25 23,5 32,5 40,2 19,5 27,6 36,1 65,4 30,6

37,5 53,5 56,8 49,9 51,1 32,5 54,7 44,2 19,5 18,3 40,9

11,7 24,3 17,8 25,6 14,7 21,0 25,4 27,9 43,0 14,0 27,7

0,41 0,62 0,41 1,04 1,67 0 0,41 0,20 1,46 0,20 0,83

Das 176 possibilidades de respostas, 45 se destacaram como tendo percentuais maiores (sombreadas na tabela com uma tonalidade mais forte de cor, para facilitar a observação). Destas, 20 foram discordâncias, 22 foram concordâncias e 3 foram sem opinião, não tendo havido nenhum destaque para respostas em branco. Os respondentes que mais discordaram são das Universidades brasileira e de Sevilha. Em contrapartida, os que mais concordaram com as afirmações foram os de Cabo Verde e Córdoba. Com exceção dos respondentes brasileiros, todos os outros tenderam a achar que as oportunidades de ingresso à Universidade são igualitárias (afirmação 1). Não estranhamos esta resposta, haja vista que o Brasil é o único dos três países que ainda possui um sistema extremamente seletivo de entrada na Universidade, o chamado vestibular. O Ministério da Educação vem se esforçando para alterar este mecanismo, com a adesão de algumas universidades públicas, para incorporarem os resultados das provas do ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) como base para a avaliação e acesso, tendo em vista substituir o vestibular a médio prazo. Resta saber se tais alterações dirão mesmo respeito à natureza do sistema de acesso, ou se somente à sua forma. Já em relação ao sistema de avaliação (afirmação 2) dentro da universidade, o quadro se inverteu: com exceção dos respondentes de Cabo Verde, todos os outros tenderam a achar que o sistema não favorece o sucesso dos alunos. Isto expressa um sentimento de que os critérios utilizados nem sempre são justos, tampouco individualizados, o que, de certa forma, contradiz as diretrizes

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discutidas no objetivo 1, que primam por práticas democráticas e de acolhimento ao outro. Como, entretanto, o mérito também está fortemente marcado nestas mesmas diretrizes, talvez possamos concluir que é justamente nas avaliações dos cursos que este princípio seja mais aplicado – o que mostra por sua vez, o quanto de fracasso ele pode surtir, deixando claro, em nosso ver, a importância de se aboli-lo de qualquer filosofia inclusiva de avaliação. No que tange à adequação do currículo às necessidades e interesses dos estudantes (afirmação 3), os respondentes da UFRJ e da Universidade de Sevilha discordaram desta afirmativa, enquanto que os de Cabo Verde e de Córdoba concordaram. De fato, não foram poucos os depoimentos justificativos desta opção que mostraram o quanto distante os currículos parecem estar para as amostras da UFRJ e de Sevilha: R 104 – Brasil – O currículo é muito rígido e fechado, nada flexível aos interesses dos alunos. R 83 – Sevilha – Creo que hay asignaturas con mucha teoría e institucionales las cuales no influye el hecho de no darlas.

Entretanto, também houve comentários favoráveis, em se tratando de Cabo Verde e Córdoba: R 17 – Cabo Verde – O currículo é adequado aos interesses e necessidades dos estudantes, porque os currículistas devem apresentar ou desenvolver currículos de acordo com o interesse e necessidades dos alunos. É claro que se existe uma sociedade pouco desenvolvida, o docente não irá ensinar conteúdos que ultrapassam as necessidades do aluno. R 6 – Córdoba – Pienso que si, pues nos ayuda a tener una formación y un conocimiento sobre nuestra labor en el futuro, nos forman para ser profesional y nos orientan en la medida que creen necesaria.

As populações brasileira e caboverdeana concordaram, por outro lado, que o currículo é adequado às exigências do mercado de trabalho (afirmação 4), ao passo que os respondentes espanhóis discordaram desta ideia. No caso das amostras espanholas, tal discordância era de se esperar, tendo em vista as incontáveis vezes em que, ao justificarem as concordâncias ou discordâncias relativas a algumas afirmações da questão B, remetiam-se ao distanciamento que sentiam entre teoria e prática, e demandavam que as aulas tivessem mais prática em seus conteúdos, a fim de prepará-los para o mundo de trabalho. Quanto aos métodos de ensino serem adequados às necessidades do estudante (afirmação 5), Cabo Verde e Córdoba concordaram, ao passo que os brasileiros e sevilhanos discordaram, repetindo o quadro que formaram nas respostas à afirmação três, sobre se o currículo foi ou não foi considerado adequado. Cremos que houve coerência na repetição do quadro, na medida em que é de se esperar que o grau de concordância com a adequabilidade dos métodos de ensino estejam diretamente ligados ao currículo. A afirmação 6 foi a única que obteve coincidência de concordância em todas as respostas: as quatro amostras tenderam a concordar que o conhecimento dos estudantes é utilizado como recurso à aprendizagem. Esta é uma percepção favorável a um dos aspectos que defendemos de uma orientação institucional inclusiva. Em nossa maneira de analisar os processos de inclusão e exclusão, toda vez que a relação pedagógica utiliza-se da bagagem trazida pelo estudante para o

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ensino da disciplina dada pelo professor, as chances de que a aprendizagem se torne significativa para o aluno são maiores. Isto, por sua vez, é uma prática inclusiva porque ao ver o sentido da disciplina em sua vida, o estudante tende a participar mais na relação pedagógica, tornando-se coautor da construção daquela dada matéria. Por outro lado, a afirmação 7 foi a única que obteve total coincidência em discordância: as quatro amostras tenderam a discordar da ideia de que os estudantes participam das decisões e ações institucionais. Isto implica dizer que quando se tratam de práticas institucionais em geral, a participação e o sentido de significação da mesma para a vida do estudante já não estão tão garantidas, o que nos remete a considerar que a relação com a instituição não seja tão inclusiva como parece ser a relação pedagógica que envolve aluno, professor e disciplina. As amostras de Brasil e Córdoba coincidiram quando concordaram, majoritariamente, com a afirmação 8, segundo a qual as discussões e debates sobre problemas éticos, culturais e sociais existentes na Universidade, são desenvolvidos com frequência no espaço acadêmico. As amostras de Cabo Verde e Sevilha, por sua vez, uniram-se em discordar desta afirmação. Estas respostas denotam coerência com as respostas da pergunta onze, em que houve a mesma divisão entre as amostras, como veremos mais adiante. No tocante à nona afirmação, a amostra do Brasil destoou uma vez mais das outras, discordando da ideia de que as políticas institucionais visem à eliminação ou à diminuição de práticas de discriminação dentro da Universidade. Curiosamente, as amostras das outras três universidades marcaram, expressivamente, a opção “não tenho opinião” sobre o referido assunto. No caso da amostra da UFRJ, parece que os alunos, por um lado, reconhecem haver certas preocupações institucionais que contemplem seus interesses. Isto ficou claro, por exemplo, nas afirmativas oito e onze, com as quais concordaram. Por outro lado, podem não considerá-las eficazes no sentido de provocar mudanças nas práticas que afetam o seu dia a dia na instituição. Já no caso das outras amostras, causa-nos estranheza um percentual tão marcante de respostas que afirmam que os respondentes não tenham uma opinião formada sobre o assunto. Fica a dúvida no ar: por que as amostras necessitam de mais dados para ter tal opinião, se conseguiram, por exemplo, nas justificativas que davam às concordâncias ou discordâncias para com as afirmações, mostrar muita consciência – e crítica, diga-se de passagem – de seu status e suas condições como alunos? Fomos buscar resposta a esta dúvida relendo as justificativas dadas a esta questão e descobrimos que nenhum dos sujeitos que marcou a opção não tenho opinião justificou-as, permanecendo, portanto, a dúvida. As amostras dos países quase concordaram unanimemente em relação à afirmação 10, de acordo com a qual as relações interpessoais estabelecidas dentro do espaço acadêmico são acolhedoras. A quebra do padrão ficou para Cabo Verde, que obteve alto e igual grau de escolha tanto para a concordância quanto para a discordância. Ainda assim, consideramos, pelas respostas obtidas, que de modo geral os respondentes sentem-se acolhidos. Vale lembrar, entretanto, que tal acolhimento refere-se principalmente, na maioria dos depoimentos, às relações entre alunos e entre alunos e professores, e não a todo o universo institucional (que inclua funcionários, técnico-administrativos, serviços de apoio, etc...).

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Por fim, no que tange à afirmação 11, que dizia que as discussões sobre problemas éticos, culturais e sociais que afetam o bem-estar das comunidades, das nações e da sociedade em geral são desenvolvidas com frequência no espaço acadêmico, as respostas ficaram divididas como o foram na afirmação oito: entre Brasil e Córdoba (para concordância) e Cabo Verde e Sevilha (para discordância). É importante ter em mente que pouco importa, para os termos desta pesquisa, se os fatos relatados são referentes a questões subjetivas ou objetivas. O que realmente importa é como os indivíduos se sentiram vivenciando as experiências descritas. Sobre o objetivo específico (4): Caminhos para o aprimoramento e/ou transformação dos processos de inclusão nas universidades selecionadas no que tange à formação de educadores. Após a análise dos dados colhidos na pesquisa, percebemos que pelo fato de não haver uma participação efetiva por parte do alunado nos processos decisórios das várias instituições pesquisadas, há uma contradição interna, ou seja, eles estão inseridos, mas são insatisfatoriamente informados das decisões e não tem direito a voto, exceto em caso de representatividade nos Colegiados. Isto é importante, mas não assegura sua participação efetiva, no sentido decisório, pois há uma enorme desarticulação e falta de comunicação entre os estudantes e aqueles que os representam. Tendo em vista as dimensões políticas, culturais e práticas, inferimos ser necessária a construção, na própria universidade, de espaços coletivos de participação, onde os alunos tenham voz e participem efetivamente dos processos decisórios. Somente assim haverá maior coerência entre as políticas que circunscrevem os espaços acadêmicos e as práticas efetivas que se desenvolvem nesse mesmo local, gerando culturas mais coerentes com os processos inclusivos apregoados. Outro importante aspecto relativo a este tópico parece-nos estar estreitamente relacionado à incoerência verificada entre as propostas curriculares e os discursos e as práticas docentes e profissionais. Em outras palavras, os estudantes apontam para a relevância das normas e políticas em termos de ideário inclusivo (ementas, artigos estatutários e intenções escritas em documentos, por exemplo), ao mesmo tempo em que denunciam que as mesmas não se verificam nas práticas pedagógicas de seus próprios professores e administrativas de suas Universidades, que deveriam servir de exemplos concretos à sua formação profissional. Neste sentido, pensar iniciativas de atualização e aprimoramento, tanto por parte dos docentes e funcionários das universidades envolvidas, quanto por parte dos conteúdos curriculares e regimentos, estatutos e regulamentos presentes nas mesmas, poderia surtir uma grande ocasião para que estas lacunas fossem minimizadas, estreitando-se, possivelmente, a coerência entre as dimensões das políticas e práticas com as culturas. Finalizando: Sobre o objetivo geral Retomamos nesta seção o objetivo geral (descrever e discutir o panorama dos processos de inclusão/exclusão em universidades enquanto instituições formadoras de futuros educadores no tocante às suas culturas, políticas e práticas em âmbito nacional e internacional, a partir da promulgação da Declaração Mundial sobre Educação Superior - 1998) de nossa pesquisa para

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concluir que em termos dos valores que as políticas inferem, o quadro de inclusão nas universidades pesquisadas é promissor. Entretanto, quando tomamos como base de análise os variados depoimentos dos futuros professores em formação inicial e as exclusões por que passam na condição de alunos, bem como seus relatos referentes às maneiras como tais políticas são e/ou não são colocadas em prática, percebemos uma contradição visível e contundente nas realidades investigadas. Isto nos leva a crer que as três dimensões de análise aqui propostas, além de provarem úteis instrumentos para a compreensão da dialética inclusão/exclusão, também mostram-se relevantes para considerar ações de luta contra mecanismos de exclusão nas instituições pesquisadas. Isto porque, o que percebemos como quadro final geral, é que as reformas no plano das políticas (institucionais ou dos sistemas de educação), ainda que promissoras, não podem ser eficazes se não refletirem culturas coerentes, e se não preverem estratégias, igualmente coerentes, de implementação nas práticas. Tais estratégias, é bom lembrar, devem vir acompanhadas de mecanismos de monitoramento, de outra forma seu sucesso pode ficar comprometido. REFERÊNCIAS: AÇÃO EDUCATIVA. Observatório da educação. São Paulo: www.acaoeducativa.org.br de 09/04/09, acessada em 25 de janeiro de 2010. BRASIL. Exame Nacional de Ensino Médio, Enem. Portaria Federal nº 438 de 28 de maio de 1998. Brasília, DF: Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP. BRASIL/MEC/CNE/CES. Parecer CES 0021/2002 – CNE Aprova o Estatuto d Universidade Federal do Rio de Janeiro. Homologado pela Portaria nº 509, de 27/02/2002, do Ministro da Educação (DOU 28/02/2002 – Seção 1) BRASIL/MEC. Plano de Desenvolvimento da Educação. Ministério da Educação: Brasília, 2007. BRASIL/MEC. www.mec.gov.br/prouni acessado em 14/10/2009. BRASIL/MEC. www.mec.gov.br/reuni acessado em 14/10/2009. BRASIL/MEC/INEP. www.inep.gov.br acessada em 25 de janeiro de 2010. BOOTH, Tony. & AINSCOW, Mel. (eds) From them to US. London, Routledge, 1998. BOOTH, T. et al. Index for Inclusion – developing learning and participation in schools. CSIE: Bristol, 2002. CABO VERDE/Ministério da Educação e Ensino http://www.minedu.gov.cv/index.php?option=com_content&task=view&id=60&Itemid=93 em 19/03/2010.

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