Universidade em choque: falas e afetos da Assembleia Universitária da UFG

June 4, 2017 | Autor: Gisele Toassa | Categoria: Filosofía Política, Ciencia Politica, Psicologia Política
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Universidade em choque, ou falas e afetos na Assembleia Universitária (AU) da UFG

Profa. Dra. Gisele Toassa
Psicologia, UFG

O público inicialmente era pequeno (cerca de 150 pessoas), mas deve ter chegado a umas 500. O reitor abriu a cena fazendo um elogio fleugmático à politica do governo petista para as IFEs e comentando como era ruim a ditadura. Discursou em tom ameno e cordial, advertindo sobre o caráter não-deliberativo da AU.
Recebeu aplausos débeis, chochos (mais do que o diretor-presidente da ADUFG, que não recebeu aplauso algum, não fez nenhuma proposta de ação concreta, e na maior parte do tempo teclou em seu celular, indiferente ao mundo externo. Com essa direção sindical, não precisamos de inimigos).
A plenária parecia meio desanimada. A diretoria do Sint-Ifes (sindicato dos servidores) considerou que a Assembleia realiza-se em consequência da recomendação do MPF, que buscou vetar manifestações contra ou a favor Impeachment de Dilma em nossa universidade. Isso me fez entender a atmosfera de inocuidade institucional - a demanda foi mais externa que interna. As falas foram opinativas e visavam a marcar posição contra o golpe, com pouca ou nenhuma informação nova.
A princípio, não havia estudantes compondo a mesa, o que foi, em parte, corrigido quando a presidente da Associação de Pós-graduandos tomou assento. Gostei da posição do reitor contra todas as formas de discriminação na UFG e favorável à maior diversidade social na Universidade, decorrente das Ações Afirmativas.
Preocuparam-me muito os relatos de perseguição generalizada aos sindicatos: ameaças, inquisições policiais etc. No decorrer da Assembleia, colegas da FE deram informe via whatsapp sobre o Decreto de Marconi (aqui), que colocou as forças policiais em estado de alerta, tendo em vista potenciais conflitos urbanos e rurais. De volta para casa, pareceu-me - mas, vejam, pode ser só porque estou impressionável - que há uma quantidade anormal de viaturas e comandos policiais na rua. Só nas imediações do morro próximo da BR, eu contei três. Também vi informes de que os militares receberam ordens de permanecer em alerta. E também soube que a polícia pode vir a bloquear os acessos a Brasília.
Meu deus. Os militares e a polícia. Bloqueando o direito de ir e vir, a liberdade de manifestação; direitos fundamentais. Defendem o quê, contra quem? Será isto verdade? Alguém me belisque, por favor! Ainda criança, acreditei na redemocratização em 1985, para agora ver o mundo girar para trás?!
À exceção talvez dos mais jovens - e mais empolgados - presentes (os únicos que tentaram chamar umas palavras de ordem), senti que a Assembleia, a despeito de sua inocuidade institucional, expressava uma rara sintonia de opiniões. Não, ninguém quer um eventual governo Temer: nem nosso velho conhecido, aquele abominável professor protofascista, nem o professor petista com o rosto ensombrecido, nem os calouros da psico que tomaram a palavra.
Mas, bem, eu me perco. Difícil chegar a qualquer ponto, neste ponto em que estamos apenas à espera, sem estar em ponto algum. Nos olhos dos que melhor conhecia, vi uma mistura complexa de perplexidade e medo, que nem precisava de palavras para se comunicar. E, tal como eu, muitos somatizam.
A profa. Carmelita, ao meu lado, concordou que também não consegue se concentrar em nada. Como se estivesse envolta em uma nuvem de aflição. Eu também. Meus rituais compulsivos pioraram. Tudo o que consigo fazer é tentar organizar, ritualizar, desaguar a ansiedade em ações ou palavras nas quais eu possa não estar, pois minha mente está em Brasília e no lobo que, como na fábula, esquece os argumentos e avança sobre o cordeiro. A Assembleia foi uma inocuidade porque tod@s sabemos: agora é força contra força, todos os argumentos possíveis já foram pesados e debatidos, parecendo a discussão sobre os argumentos pró ou contra impeachment nada mais do que o som atávico do Eterno Retorno da desfaçatez das elites. Sob esses afetos complexos, agita-se entre nós, professores, o subsolo de nossa identidade original: somos classe trabalhadora e tememos não só como cidadãos vexados por essa farsa abominável, mas também como classe trabalhadora.
Cai Dilma ou fique Dilma, nós continuaremos à mercê das políticas do governo federal, e teremos que aguentar as lambadas, não importa o tamanho do látego. Acho que só nessa Assembleia senti que tod@s se deram conta: a rainha está MESMO no cadafalso, a execução está marcada para Domingo, e não haverá Deus Ex-Machina para salvá-lo dos conspiradores.
Ou haverá?
Por hora, só posso repetir minha fala de despedida à colega: "que a Substância nos ajude". E que isso sirva de lição a quem confiou no STF, ou na suposta força de nossa democracia. O resto vai ser resistência.


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