UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA-UEPG SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS VIDEO-DOCUMENTÁRIO: \" TRONCO CENTENÁRIO \" A REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO CABOCLO DA REGIÃO DO

May 29, 2017 | Autor: Mariane Nava | Categoria: Comunicação, Comunicacion, Jornalismo, Comunicación y cultura
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA- UEPG SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

MARIANE NAVA

VIDEO-DOCUMENTÁRIO: “TRONCO CENTENÁRIO” A REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO CABOCLO DA REGIÃO DO CONTESTADO

PONTA GROSSA

2013

MARIANE NAVA

TRONCO CENTENÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa, área de Ciências Sociais aplicadas. Orientador: Profº Dr. Sérgio Luiz Gadini

PONTA GROSSA 29 de outubro de 2013

MARIANE NAVA

TRONCO CENTENÁRIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa, área de Ciências Sociais aplicadas. Orientador: Profº Dr. Sérgio Luiz Gadini

PONTA GROSSA 29 de outubro de 2013

Universidade Estadual de Ponta Grossa Departamento de Jornalismo Curso de Comunicação Social – Jornalismo

TERMO DE RESPONSABILIDADE DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ÉTICO COM A ORIGINALIDADE CIENTÍFICO-CULTURAL Responsabilizo-me pela redação do trabalho de Projeto Experimental em Jornalismo sob o título (nome do trabalho), atestando que todos os trechos que tenham sido transcritos de outros documentos (publicados ou não) e que não sejam de minha exclusiva autoria estão citados entre aspas e está identificada a fonte e a página de que foram extraídos (se transcritos literalmente) ou somente indicados fonte e ano (se utilizada a idéia do autor citado), conforme normas e padrões da ABNT vigentes. Declaro, ainda, ter pleno conhecimento de que posso ser responsabilizado legalmente caso infrinja tais disposições.

Ponta Grossa, 29 de outubro de 2013.

______________________________________________________________ Assinatura do estudante Mariane Nava 101041167

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA Setor de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Jornalismo Coordenação de Projeto Experimental em Jornalismo

AUTORIZAÇÃO Cessão de Direitos Autorais para Publicação e/ou Divulgação

Ponta Grossa, 29 de outubro de 2013.

Eu, Mariane Nava, estudante do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa, portador do R.G. 5.304.344-8, CPF número 087.914.079-82, com Registro Acadêmico na UEPG 101041167, autorizo o Departamento de Comunicação/UEPG a divulgar e disponibilizar, por qualquer veículo de comunicação, seja por meio impresso, imagem ou áudio, o Trabalho realizado (produto jornalístico ou ensaio monográfico) de título Tronco Centenário, desde que tal exibição ou exposição pública não resulte em nenhuma forma de ganho financeiro para nenhuma das partes envolvidas. Assumo, para todos efeitos e implicações afins, a responsabilidade do referido produto, seja no que diz respeito à forma e/ou conteúdo (escrito, de áudio e visual).

_____________________________________ Assinatura

Dedico este trabalho a minha família que assim como as raízes, foram essenciais durante todo o percurso, apoiando-me e me dando os elementos necessários para que o projeto pudesse germinar. Um agradecimento especial aos meus professores, orientador e universidade, imprescindíveis para a sustentação e crescimento do trabalho. E também, é claro, aos entrevistados que deram vida ao tema.

Caboclo: denominação genérica que designa os descendentes das primeiras misturas raciais entre índios, negros, portugueses e castelhanos. Caboclo Pardo foi e continua sendo o habitante da região do Contestado (Nilson Thomé, em entrevista).

RESUMO Este trabalho tem por objetivo discutir o papel do Jornalismo na construção da imagem do caboclo pardo da região meio-oeste de Santa Catarina, um dos palcos do Conflito do Contestado (1912-1916). A partir do que foi noticiado nos jornais da época, principalmente O Estado de S. Paulo, A noite e Diário da Tarde , construiu-se o personagem do Sertanejo como um ser violento e ignorante. O centenário do Contestado, comemorado em 2012, oportuniza a retomada e atualização da representação social do caboclo, através da abordagem alguns elementos do seu cotidiano. O resultado da discussão teórica se materializa através de um vídeo-documentário que reúne as principais características do grupo social em questão. Palavras-Chave: Caboclo Pardo; Representação Social; Imagem midiática.

ABSTRACT This work aims to discuss the role of journalism in the construction of the image of the caboclo pardo of Midwest region of Santa Catarina, one of the stages of the Contestado War (1912-1916). The newspapers of the time like Estado de s. Paulo, A Noite, and Diário da Tarde, has built up the character of the Backcountry as a violent and ignorant people. The celebration of the Centenary of the war backed the resumption and upgrading of social representation of the caboclo, through the approach some elements of their daily lives. The result of the theoretical discussion materializes through a documentary video that gathers the main features of the social group in question. Keywords: Caboclo; Social representation; Image Media.

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................02 2. CULTURA, IDENTIDADE E IMAGEM SOCIAL.......................................................03 3. REPRESENTAÇÃO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO...............................................05 4. CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PELO JORNALISMO...............................07 5. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO CABOCLO PARDO....................................09 5.1. OS MONGES E A CRENÇA POPULAR....................................................10 5.2 O CABOCLO REPRESENTADO PELA MÍDIA........................................12 6. LENTE ALTERNATIVA...............................................................................................14 7. ELABORAÇÃO DO ROTEIRO....................................................................................16 7.1 ENTREVISTAS E PERSONAGENS..............................................................16 7.2 CENAS DE APOIO..........................................................................................22 7.3 ENCAMINHAMENTO....................................................................................23 7.3.1 Título..........................................................................................23 8. REFERÊNCIAS..............................................................................................................26 9. ANEXO...........................................................................................................................28 9.1 Mapa: Onde se concentra cada raça................................................................28 9.2 Mapa: índice de Desenvolvimento Humana (IDH 2000)................................29 9.3 Tabela: Taxa de analfabetismo em Santa Catarina.........................................30 9.4 Recortes de jornais O Estado de S. Paulo........................................................31 9.5 Roteiro..............................................................................................................34 9.6 Autorizações.....................................................................................................38 9.7 Relatório Analítico...........................................................................................44

1. INTRODUÇÃO A partir de 1977, os pesquisadores do Contestado adotaram o termo Caboclo pardo para diferenciar o caboclo do sul do país, caracterizado pela cultura, comportamento, situação socioeconômica e pela combinação de influências étnicas. Embora não haja uma classificação específica no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que antes da Guerra do Contestado 90% da população da região meio oeste de Santa Catarina era formada por caboclos natos e acaboclados, termo que remete a indivíduos, em sua maioria imigrantes, que absorveram o modo de vida do sertanejo. A comemoração do centenário da Guerra do Contestado, no ano de 2012, sugere a retomada da discussão sobre o caboclo pardo, um dos personagens principais do episódio. É preciso olhar a atual maneira como vive, quais as transformações culturais ocorridas e como convivem as tradições e as influências modernas. No passado, o mesmo movimento foi feito durante o confronto pelos jornais da época. Estes, a partir de depoimentos de oficiais do exército, construíram determinada imagem social do sertanejo. Objetiva-se, agora, montar um panorama geral e atual da imagem do sertanejo, alternativo ao feito pelos jornais da época. Para isso, propõe-se a produção de um vídeo-documentário como forma de retratar e também de atualizar a imagem social do caboclo pardo. Sendo o vídeo que, ao reivindicar uma abordagem do mundo histórico, é capaz de operar outra intervenção, moldando-a. Salvas as diferenças do modo de atuar do Jornalismo da época, o que se pretende é representar um personagem social e seu contexto. A diferença é que ao invés de mostrar um personagem exclusivamente pelo modo de ver de terceiros, agora, o caboclo também será acessado. Ele também será uma fonte de informações, além de pesquisadores que ajudarão a entender o passado e a apresentar o quadro presente. O movimento de trazer temas para o debate e sugerir fontes para a discussão é uma das atribuições do jornalista, que acaba por construir determinada forma de encarar o cotidiano e definir a realidade e os personagens da sociedade. Assim como os jornais da época fizeram no passado, pretende-se agora construir uma representação social alternativa do caboclo pardo, utilizando para isso o recurso audiovisual.

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2. CULTURA, IDENTIDADE E IMAGEM SOCIAL A imagem social forma-se a partir da reunião de elementos que representem uma cultura. Para a construção dessa representação é necessário compreender o porquê de tal composição. Na perspectiva da teoria comunicacional dos estudos culturais, cultura é entendida como um conjunto de valores ou significados partilhados e, também, forma de estruturação de um grupo social em torno da construção das representações, uma organização de poder. Não apenas como uma distinção social, e sim uma rede de representações (textos, imagens, códigos de conduta e linguagem) que molda cada aspecto da vida social. Neste sentido, Stuart Hall (1992:13) discute o conceito de cultura como algo mutável e construído, também, pela linguagem. Inicialmente compreendia o conjunto de grandes ideias, remetida a noção de erudito, mas que, ao longo do tempo, passa a abranger também a produção popular, ligada ao modo de fazer rústico e autêntico de um povo, surge, então, a divisão entre alta cultura e popular. Ainda assim, o conceito de símbolos em comum é mantido e é a partir desse raciocínio que Hall traz a linguagem como processo de significação: É por meio dela que se atribuem os sentidos, propiciando a elaboração de uma espécie de livro de códigos cultural, que ajuda na construção de uma identidade. Através dela é que se dá a troca de ideias e a posterior consolidação de uma imagem social (HALL, 1992:70). A mídia atua, assim, como legitimadora da cultura. O pesquisador Nilson Thomé (2013)¹ explica que a mídia ao dar a conhecer o tipo social do Contestado permitiu que o próprio se reconhecesse como tal. Exemplo é o aumento de pessoas que se autodeclaram pardas segundo o Censo demográfico brasileiro. Em 2010, a média de pardos em Santa Catarina concentrada na faixa meio-oeste e vale do Rio do Peixe (região conhecida como Contestado) foi entre 22% e 42%². Grande parte dessas cidades surgiu de vilarejos formados pelos sobreviventes da Guerra, que teve como protagonista o Caboclo Pardo. Ainda ao final do século XX, segundo THOMÉ (2013), é possível encontrar esse “tipo especial” que se diferencia do caboclo nacional por traços e complexos culturais típicos, só encontrados na região do Planalto Catarinense. O tipo mais original da região, o caboclo surgido como segunda ou terceira geração da miscigenação racial branco vermelha: filho do curiboca (mestiço do europeu com o caboclo) com o mameluco preserva traços da cultura ¹ Em entrevista concedida em 01/06/13 no Museu do Contestado, município de Caçador- SC. ² In:“IBGE aponta aumento de brasileiros que se declaram pardos ou pretos”- O Estado de S. Paulo em 22 de julho de 2011-17h 44

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indígena, além de acrescentar elementos da ibérica, do tradicionalismo dos bandeirantes paulistas, do conservadorismo dos curitibanos e do comportamento gaúcho dos pampas, com o adicional de ser especialista na vida selvagem. Conjunto de influências dá origem ao homem do Contestado. Para Serge Moscovici (2007:90), as representações sociais se modificam ou se atualizam dentro de relações de comunicação diferentes. Dessa forma, a mídia, integrada por um grupo de especialistas formadores e, sobre tudo, difusores de representações sociais, é responsável pela estruturação de sistemas de comunicação que visam comunicar, difundir ou propagar determinadas representações. É a partir dela que o grupo recebe e emite informações e delas obtém elementos para modificar a sua forma de assimilar a realidade e a forma como vê a si próprio e aos outros. Esta maneira de ver é uma forma de identificação que se dá através da representação, seguindo o raciocínio, a identidade de um grupo é influenciada e influenciadora da imagem que passa. Gustavo Brívio (2011:113) considera que ações e avaliações constituem as representações sociais. Sendo o processo dinâmico e determinante no comportamento e ideias do grupo, por isso quando a mídia aborda o caboclo, o próprio passa a se identificar como tal. Assim, os vínculos são fortalecidos a partir de características em comum, e a imagem surge, então, como forma de identificação e diferenciação. Isso é a representação social, e é no momento da interação que se modificam e consolidam as formas que um vê o outro. Isso, como em um ciclo, vai sendo modificado a cada interação: mudanças na representação (inclusive midiática) geram modificações na identidade e, consequentemente na imagem social.

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3. REPRESENTAÇÃO SOCIAL E PODER SIMBÓLICO A identidade que une os indivíduos e propicia o reconhecimento entre os participantes é fruto da construção social, também expressa na mídia. Através do uso que se faz das coisas, o que se diz, pensa e sente – como se representa – é que se atribui significado. O modo como as coisas e pessoas tomam forma, têm origem parte na bagagem cultural, parte no uso desta e também nas novas informações obtidas, sendo influenciada e, também, influenciando o mundo e contato com o outro. Contato, muitas vezes, intermediado pelo trabalho do jornalista, que também tem seus próprios valores, ideias e crenças (a sua realidade). O que o permite exercer a função de mediador é a habilidade e o treinamento, ilustrada por Pierre Bourdieu (1997) como um óculos que permite aos jornalistas determinadas interpretações. Bourdieu faz referência a capacidade de selecionar fatos que tem valor- noticia, ou seja, que são incomuns e fogem a dita „normalidade‟. Para além de distinguir tais acontecimentos, “os óculos permitem uma certa maneira de enxergar as coisas que veem, operam uma seleção e uma construção daquilo que é selecionado” (BOURDIEU, 1997:12). Assim, as notícias são fatos que os jornalistas entenderam como destoantes, e se os jornais ajudam a construir uma representação da realidade, esta perpassa pelas „lentes‟ dos jornalistas que tendem a dar enfoque ao extraordinário. Ainda que fora do comum, o recorte faz referência a realidade. E uma das maneiras de fazer essa conexão é através do uso da imagem, esta que é um „signo do mundo‟. O professor François Jost (2004) afirma: “É dessa maneira que olhamos o telejornal: nós nos interessamos por ele sob a condição que expresse a realidade, à qual pertencemos, seja de perto ou longe” (JOST, 2004:89). Dentro dessa expressão do real, cabem os grupos sociais, isso porque o real para cada um deles faz referência a forma como eles percebem o mundo. A identidade estabiliza, então, tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados entre pares e distintos dos seus diferentes. A linguagem, o modo de vestir e comportar-se, além dos valores, constituem marcas ou símbolos de identidade que, representados por objetos, remetem as especificidades do grupo e formam a imagem social.

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Quando se fala da tentativa de representação do real, é necessária a seleção de elementos que remetam à realidade. Tais objetos são significativos por estarem associados ao uso e a valoração proveniente deste uso. Objetos utilizados para preparar os alimentos, escrever ou adornar o vestir, por exemplo, são carregados de simbolismos que representam costumes e tradições. O conjunto de determinados símbolos identifica um grupo social. Identidade esta que é construída socialmente através do repasse e da aceitação de maneiras especificas no modo de agir, que funcionam como condição para que o indivíduo possa pertencer e se identificar em determinada sociedade. Neste sentido, Bourdieu (1989:11) traz a questão do poder simbólico. Em que elementos como a arte, a religião e a língua atuam como ordenadores da realidade, e é a forma de manifestação destes que estrutura a sociedade e lhe atribui sentido. Os grupos sociais se distinguem e firmam sua identidade ao conceber formas distintas de compreensão e expressão. Os meios comunicacionais são fundamentais e entendidos como sistemas simbólicos que ajudam a estruturar a sociedade. Pois, eles também colaboram para a construção da realidade ao atuar na convenção e legitimação dos símbolos. Signos que, juntamente aos elementos que representam coisas imateriais, atribuem o sentido de “mundo real”, é a objetividade da realidade definida pela subjetividade estruturada. Ou seja, os símbolos como a religiosidade, as crenças no divino, o modo de falar e agir são do mundo subjetivo, mas podem, simbolicamente, ter representações materiais. O jornalismo também atua como estruturante da sociedade. O jornalista, baseado nas diretrizes culturais nas quais está inserido, seleciona os fatos que considera incomuns e relevantes para aquele meio, através dessa seleção é possível identificar as marcas culturais, os conceitos e simbolismos. Esse recorte de fatos constrói para o leitor uma determinada realidade, selecionada e habitada por personagens que também passaram por um processo de seleção e construção, baseado nos padrões do jornalista. Assim, é a comunicação que legitima os elementos ao captar a essência subjetiva e materializa-la por palavras e imagens, por isso a mídia reflete o pensamento de uma sociedade, ou pelo menos, do grupo que domina os meios de comunicação.

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4. CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PELO JORNALISMO Recorrendo à história é possível entender a comunicação, assim como, voltando à comunicação, compreende-se a construção da história. Ana Paula Goulart Ribeiro (1995) caracteriza o jornal como “a história do seu tempo”, ao que ela afirma: “(...) os meios de comunicação, desde o final do século XIX, passaram a ocupar uma posição institucional que lhes confere o direito de produzir enunciados em relação à realidade social aceitos pelo consenso da sociedade como verdadeiros. A história passa a ser, desde então, aquilo que aparece nos meios de comunicação. São eles que detêm, em última instância, o poder de elevar os acontecimentos à condição de históricos” (RIBEIRO, 1995:03).

A mediação e o movimento de criar sentido proporcionado pelos constantes envios e re-envios de informações provocam profundas tensões e a necessidade de efetivas negociações entre os campos e atores sociais envolvidos, assim, a sociedade constrói e reconstrói constantemente a história, sendo o jornal a forma de registro e também, colaborador da empreitada. As notícias são um produto social resultante da organização burocrática da mídia, dos critérios de valor-notícia, da prática e da ideologia profissional. Nelson Traquina (2005) entende os meios como definidores da forma de compreender os acontecimentos: O poder da comunicação não reside apenas em declarar as coisas como verdades, mas fornecer as formas pelas quais elas são expostas. Isso implica o trabalho ativo “de selecionar e apresentar, de estruturar e dar forma às coisas” (TRAQUINA, 2005:109). Temas em evidência no cenário público também estarão presentes na conversa cotidiana das pessoas, da mesma forma que assuntos negligenciados pela mídia não estarão. Elas tendem a incluir ou excluir aquilo que os profissionais de mídia incluem ou excluem do conteúdo em circulação. A mídia é apresentada como agente modificador da realidade social, apontando para o público receptor sobre o que se informar, ocorre, assim, o agendamento. A hipótese cuja essência foi trazida por Walter Lippmann em sua obra Public Opinion publicada em 1922, é discutida pelos pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw em 1972 na busca de compreender os efeitos dos meios de comunicação na opinião pública. Na perspectiva de McCombs e Shaw (1972), esta construção configura-se como um poder que os meios de comunicação exercem sobre a opinião pública. O resultado da interação discurso e

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história é a construção do significado e representação, baseado em características culturais e simbólicas. O poder de legitimação da mídia é exemplificado no caso dos conflitos de Canudos e do Contestado. Em 22 de outubro de 1912, teve início a Guerra do Contestado, confronto semelhante a Guerra de Canudos (1896-1897). Em ambas ocorreram confrontos diretos entre o exército e a população, guiada por um líder messiânico. As revoltas representavam o descontentamento com a república, e, principalmente, objetivavam a defesa do território. Enquanto o Contestado alcançou quase 20 mil km², Canudos ficou restrito a localidade de 3 mil Km², sendo menos longo e de menor extensão, embora seja mais conhecido. Durante o episódio, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma série de reportagens sobre Canudos de autoria de Euclides da Cunha, enviado especialmente para remeter notícias do „front‟ de batalha. Através delas a população tomou conhecimento do que estava acontecendo no sertão da Bahia. Uma década e meia depois, quando iniciaram os descontentamentos populares no Contestado, também acompanhada da figura do líder religioso, a resposta do governo foi imediata e feroz, pois, temia-se um “2º Canudos” no sul do Brasil. Existem divergências no número total de mortos de ambas. Considerando também os desaparecidos, as mortes em Canudos totalizam 15 mil e no Contestado, 20 mil, dados que podem ser divergentes em pesquisas mais antigas e jornais da época. O registro e difusão da historia de Canudos tornou o episódio conhecido e temido. A partir dele, o governo adota medidas violentas para contenção de descontentamentos populares, foi o que aconteceu com o Contestado. Neste contexto a presença de Euclides de Cunha em Canudos serviu para que a difusão de informações fosse a partir dos sertanejos, ou pelo menos considerando a sua situação. Já o discurso construído sobre o Sertão Catarinense foi baseado em depoimentos de militares e fazendeiros, obtidas não in loco, mas a partir de terceiros que retornavam da região. Esse detalhe foi determinante para a construção da imagem do conflito e dos envolvidos. Enquanto em Canudos os sertanejos foram representados como vítimas que tentaram se defender quando atacados, no sul, atitude semelhante foi atribuída a uma cultura de violência e ignorância. Isso porque a seleção dos elementos apresentados pelos jornais da época conotava ao sertanejo do Contestado tal representação, e ao repercutir nos demais veículos, consolidou no imaginário popular a imagem ao caboclo violento, ignorante e sanguinário. 8

5. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CABOCLO PARDO O Contestado foi chamado pelos jornais de Sertão do Sul, comparável ao sertão por ser um território em que „a república não chegava‟ assim como em Canudos. Os sertanejos não tinham acesso à educação ou à saúde. Não existiam igrejas, escolas ou hospitais e poucos sabiam ler ou escrever como conta o pesquisador Delmir Valentini (2013)³. Hoje, cem anos após o termino do conflito a região ainda é a mais pobre do estado. A principal fonte de renda, como aponta o IBGE 2011, continua na indústria primária, em que 60% do Produto Interno Bruto (PIB) vêm da extração da madeira; atividade exercida desde 1912 por Percival Farquhar. O norte-americano, proprietário da empresa Lumber, foi o responsável pela construção da estrada de ferro que ligou o Rio Grande do Sul a São Paulo. O trajeto escolhido cortava o território catarinense e paranaense, e como forma de incentivo, o governo brasileiro concedeu o direito a empresa para explorar 15 km de mata de cada margem da ferrovia. O empresário ao deslumbrar o lucro em exportar a madeira da araucária para a Europa expulsou os caboclos que habitam aquela faixa de 30 km de terra e trouxe funcionários americanos para promover o „branqueamento‟ da região, além de incentivar a chegada de imigrantes europeus no inicio do século XX. O contato entre esses povos, como explica THOMÉ (2013), promove modificações na cultura cabocla e resulta no que ele define como „acaboclamento‟ dos estrangeiros. O contato entre as culturas resultou na incorporação de tradições e costumes de ambos, assim, o caboclo tem contato com o novo e o europeu passa a adotar determinados modos de agir para sobreviver na nova região. Ainda hoje, em comparação ao IDH estadual, a média das cidades é entre 0,65 e 0,75, percentual inferior ao estadual de 0,87 (IDH-2000), índices que refletem as taxas de analfabetismo, a concentração de renda e os problemas da região. Os mapas 1 e 2, em anexo, demonstram que coincidem os menores IDHs e a concentração dos Pardos, faixa localizada próxima as margens da ferrovia. Sob esse cenário vivem os descendentes caboclos e com eles, as especificidades culturais, carregadas de simbologias e de valores que remetem às raízes e às influências posteriores. THOMÉ explica que registrar a história de maneira escrita é um costume trazido pelos imigrantes europeus, os sertanejos, assim como os índios, transmitiam o conhecimento de maneira oral. Além desta, os caboclos se assemelhavam em outras coisas aos indígenas, como 9 ³ Em entrevista concedida em 20/05/2013

por exemplo, o não acumulo material, o convívio com a natureza e, principalmente, o não trabalhar além do que é necessário para o hoje. Características que não eram compreendidas pelos estrangeiros que os taxaram de ignorantes, selvagens e sem religião. Os principais transmissores da sabedoria popular eram indivíduos que percorriam a região sem se fixar em nenhuma, conhecidos como Monges. VALENTINI (1998:46) os define como Messias peregrinos que além de ensinar o poder medicinal das ervas, batizavam, benziam e casavam, sendo o único meio de contato do sertanejo com o mundo religioso. Por isso, muitos caboclos que desejavam casar ou batizar os filhos aguardavam o retorno do Messias, que de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa de Silveira Bueno significa “pessoa esperada ansiosamente, [fig.] reformador social” (1996:428). 5.1 OS MONGES E A CRENÇA POPULAR A ignorância atribuída ao Caboclo pardo se deve, também, à crença na figura do Monge. Ele que, para o sertanejo, é a representação “para o mundo religioso rústico do papel de padre. Realizando práticas mágico-religiosas ligadas ao tratamento de moléstias, a recursos de autodefesa e proteção espiritual” (VALENTINI, 1998:198). O primeiro deles, que se tem conhecimento, foi o italiano João Maria D‟Agostini, que percorreu o sertão catarinense chegando até a Lapa- PR. A última vez que foi visto foi em Lages- SC no ano de 1890. Foi o mais conhecido e querido pelo povo, e em nome dele que todos os outros seguintes agiram. O segundo foi João Maria de Jesus, nome adotado pelo turco Anastás Marcaf. Ele exerceu as mesmas funções do anterior, com a diferença que em suas pregações atacava a República, a última vez que foi visto no vale do Rio do Peixe foi por de 1908. Em 1912, surge na região de Campos Novos o Monge José Maria. Crítico as autoridades e a desatenção ao povo, ele incentivou os caboclos a pegar em armas e lutar pelo território de que foi expulso por Farquhar. José Maria se identificava como irmão de João Maria, mas seu verdadeiro nome era Miguel Lucena e, além de curar, batizar e casar, ensinava aos sertanejos táticas de guerra, baseando-se no livro do Rei Carlos Magno e os Doze Pares de França. Ameaçado pelos coronéis da região do Contestado, o Monge José Maria e um grupo de sertanejos deslocaram-se para o Irani, onde foram atacados por soldados paranaenses que entenderam o deslocamento como invasão do território ou ainda um levante contra a 10

República. O exército não sabia exatamente a causa da movimentação, e com o episódio de Canudos ainda recente, atacou o grupo caboclo. Foi este o primeiro combate da guerra do Contestado, em 22 de outubro de 1912, na região denominada Banhado Grande. Na batalha, morreram o Monge e o Coronel do exército paranaense, João Gualberto. Até então não aparecia a figura do caboclo nos jornais, ao se defender durante o ataque do exército, o personagem ganha certa notoriedade e os jornais lhe descrevem como brutais, violentos, além de ignorantes e fanáticos por seguir um líder religioso. A concepção de uma crença, que não a hegemônica, impulsionou os jornalistas a condená-los. Chaia (1981:05) explica que a religiosidade popular é entendida enquanto uma concepção de mundo dos homens simples. Ela se opõe à religião oficial, pois esta supõe uma ruptura com a hierarquia eclesiástica da Igreja Católica. Encontra-se na religiosidade popular uma série de crenças e de práticas religiosas que não se enquadram com os princípios da religião oficial da Igreja Católica, sendo por ela discriminada e cercada de preconceito. O contato entre o caboclo e o europeu promoveu a miscigenação religiosa. Apesar de não reconhecida, a religião rústica divide os altares caseiros com a católica. Valentini (2013) complementa “há a mescla entre a religião antes dita „paralela‟ com a oficial. É possível encontrar pessoas que ainda mantém uma estatueta do São João Maria em altares, e geralmente, ao lado dos santos católicos” (2013). O Contestado, como explica Gilberto Tomazi, “marcou e continua ainda hoje a influenciar a vida, a cultura e a religiosidade dos que dele sobreviveram e seus descendentes. Depois de quase um século, o próprio Contestado foi ressignificado de tal forma que a juventude e toda a comunidade cabocla ainda encontram nele um sentido, uma inspiração e uma mística...” (TOMAZI, 2008:128).

Mística que Nilson Thomé (2007) explica ser o “sentimento de veneração religiosa com base no temor ou na ignorância, que nos conduz ao cumprimento de quimeras ou à confiança em coisas ineficazes. Quando o homem acredita nelas, revela-se místico” (THOMÉ, 2007:49). Logo, a religião possibilita a construção da própria identidade ao reger as ações e ser forma de explicar os fenômenos cotidianos. Os monges, de maneira geral, pregavam a fé em Deus e curas através das ervas, não eram vinculados a nenhuma religião. O fato da predominância da Católica se deve a chegada dos imigrantes e com eles, a crença em Cristo e nos Santos. Esse foi um dos movimentos de 11

mescla cultural que constitui o sertanejo do Contestado. Hoje, embora haja predominância da religião católica, percebe-se a migração do caboclo para a igreja evangélica. Tomando como base os dados do Censo de 2010 para os autodeclarados pardos (total de 787,9 mil pessoas), percebe-se que 68,6% seguem a religião católica e 48,7% a religião evangélica. Embora ainda inferior em quantidade absoluta, o fenômeno da região é reflexo do cenário brasileiro. Em que o índice de evangélicos passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010, destes, quase a metade (45,7%) se declara parda. Já os adeptos do catolicismo passaram de 98,9% para 91% no mesmo período. 5.2 O CABOCLO REPRESENTADO PELA MÍDIA Os jornais contribuíram para construir a imagem do caboclo do Contestado como uma criatura animalizada e bestial. A pesquisadora Karina Woitowicz (2003) verificou que o jornal Diário da Tarde, de Curitiba, caracterizava os moradores da região como “povo inculto e sanguinário” (02/10/1912), “selvagens criminosos” (12/09/1914) e “perversos facínoras” (17/09/1914). Na mesma linha, A Noite, do Rio de Janeiro, utilizava as expressões “os „fanáticos‟” ou “os „fanáticos‟ do Sul” antecedendo os títulos e já informando que a notícia era relacionada ao conflito do contestado. Além dos adjetivos, seus atos eram descritos como “fanatismo bárbaro e truculento” (05/04/1914) e evidenciavam a “ignorância e ferocidade daquela gente fanatizada” (20/05/1914) dominada por seus “instintos sanguinários” (01/05/1914). “Ser sertanejo passa a conotar ser criminoso” WOITOWICZ (2003:10). Diferente da Guerra de Canudos, O Estado de S. Paulo não enviou correspondente para o conflito, muitas das noticias sobre o Contestado provinham do jornal de Florianópolis O Dia. Não tão frequentes quanto no Diário da Tarde, mas quando surgiam ocupavam até sete colunas, podendo ser, inclusive, na primeira página. Exemplo foi a capa do dia 26/10/1912, início do conflito: são quatro colunas de entrevista com um oficial do exército. Nela é expressa as percepções do oficial em relação ao povo sertanejo e, também, a do jornalista, que mesmo sem ter conhecimento da região, „compra‟ a versão do entrevistado sem questioná-lo ou consultar uma segunda fonte de informação. O mesmo se dá em outra entrevista concedida ao jornal A Noite no dia 16/01/1914 com um Coronel “vizinho dos fanáticos”, em que novamente o caboclo é representado como bestial e sanguinário. Em contrapartida, o exército era descrito como benfeitor que protegia as pessoas de bem dos “facínoras” [Anexo 01]. 12

A adoção de adjetivos negativos “foi a forma encontrada de torná-los não humanos, monstros, assassinos e bandidos, a fim de que o massacre, deste povo, já em execução fosse justificado” MACHADO (2004). Em análise, as jornais da época, Woitowicz (2003) conclui: “Com a intensificação de uma narração que vinculava os rebeldes às atitudes criminosas, e ainda com o descrédito com que a sua religiosidade era tratada, percebemos também que as imagens do homem do sertão percorrem os textos jornalísticos, contribuindo para oferecer determinada leitura dos fatos já anguladas no transcorrer da guerra” (WOITOWICZ, 2003:13).

A Guerra foi considerada acabada no final de 1915, mas ainda em 1916 alguns soldados permaneciam em terras contestadas exterminando quem havia sobrevivido e fosse julgado adepto ou participante da revolta do Contestado [Anexo 02]. Além dos soldados, forasteiros e, até mesmo, alguns sertanejos eram contratados pelos fazendeiros da região por cada caboclo que matavam. A atividade virou um oficio, e quem o exercia era conhecido como “vaqueano” ou ainda “jagunço”, que ganha espaço nos noticiários como mostra da violência e animalidade do caboclo pardo [Anexo 03]. A seleção e posterior publicação feita pelos jornais é um processo no qual o “real” se produz sociotecnicamente. Ao que José Morigi (2004:09) explica que é através da representação que se tem acesso à experiência da vida cotidiana, e esta está sujeita a lógica do mundo midiático e a sua espetacularização. “Entre os dois - o virtual e o de referência-, existe sempre uma lente que ora aumenta ora reduz o foco. Através dessa lente, contagiada pela visão de mundo do veículo, é que os campos e os atores sociais têm acesso às informações sobre a realidade social” (MORIGI, 2004:09). Portanto, a abordagem (e não abordagem) pela mídia contribui para a consolidação da imagem social. Assim, o jornal trabalha no intervalo entre o explícito e o implícito, o material e o simbólico e a partir desses elementos colabora para a construção da imagem do personagem do Contestado que é posteriormente legitimada pelo debate social.

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6. LENTE ALTERNATIVA A observação do modo como os jornais da época da Guerra retrataram o caboclo demonstra que a imagem foi construída a partir de elementos evidenciados sob um ponto de vista. Os jornais, ao serem lidos e entrar na agenda social, exerceram seu poder simbólico e legitimaram a cultura cabocla, sob uma determinada lente. A comemoração do centenário da Guerra do Contestado propicia a retomada da discussão do caboclo pardo, um dos personagens do episódio. Os indicadores socioeconômicos estaduais mostram que o caboclo pardo morador da região do Alto Vale do Rio do Peixe e Meio Oeste catarinense tem migrado para a religião evangélica, grande parte ainda sobrevive da extração vegetal, e possui famílias numerosas. Dados do Censo de 2010 mostram ainda que o número de filhos por mulher na região é de 15 para cada 1000, maior que a média estadual de 13,8 a cada 1000 ou dos 11 das regiões mais desenvolvidas como o Vale do Itajaí e Grande Florianópolis. Através de indícios do cotidiano, é possível materializar características culturais do sertanejo. Neste aspecto a consulta aos pesquisadores é imprescindível para identificar e explicar essas conexões. Além deles, acessar os próprios descentes da cultura cabocla se torna enriquecedor, para que as informações sejam obtidas in loco. Com este propósito, pode-se introduzir o vídeo-documentário, como uma das possíveis formas de retratar e também de oferecer uma imagem social do caboclo pardo alternativa. O documentário serve ao propósito por sua função, segundo Bill Nichols (2005:67), de re-apresentar o cotidiano: “ele representa o mundo histórico, moldando seu registro de uma perspectiva ou ponto de vista distinto. A evidência da re-apresentação sustenta o argumento ou perspectiva de representação” (NICHOLS, 2005: 67). O autor frisa que o vídeo não é uma reprodução, sim representação da realidade, que mostra uma determinada visão do mundo com predominância da lógica informativa, que vai além do puro entretenimento e da ficção. Ele tem por objetivo evidenciar recortes da realidade. A partir de um fato, mapeia fatos interligados e acontecimentos correlacionados, além das causas e consequências. Processo que, inclusive na produção de documentário, não se pode ter a ilusão de atingir completamente verdade ou a objetividade. Segundo Flaherty e Grieson (1990) trazido por DA-RIN (2004:40), “não existe uma verdade até que você a formalize. Ela é uma 14

interpretação, uma percepção, que muda constantemente com as transformações sociais” (In DA-RIN, 2004:40). O vídeo tem caráter de construtor de uma verdade e também de documento. A soma de áudio e imagem reforça a autenticidade do que está sendo representado, criando uma conexão com outro mundo e outra realidade. O som e a imagem têm uma relação tanto mais forte com a fonte quando abordados de maneira documental e não ficcional: “No documentário, continuamos atentos à documentação do que surge diante da câmera. Conservamos nossa crença na autenticidade do mundo histórico representado na tela. Continuamos a supor que o vinculo indexador do som e da imagem com o que é gravado atesta envolvimento do filme num mundo que não é inteiramente resultante do seu projeto” (DA-RIN, 2004:45).

Embora o vídeo-documentário crie uma realidade a partir de recortes e de um ponto de vista, assim como o Jornalismo, ele é baseado em fatos e busca manter a fidedignidade ao recontá-los. Neste aspecto o vídeo é privilegiado ao proporcionar som, imagem e movimento, além da compreensão que se torna possível para diferentes públicos. Uma dificuldade enfrentada por ambos é a seleção de elementos capazes de representar uma realidade. No caso do sertanejo, os aspectos mais marcantes são a mescla cultural, a religião, a forma de interpretar a vida e também, o episódio do Contestado. Todos são intimamente ligados e são correlacionados ao ambiente em que vive o caboclo e também às transformações sociais. Por isso, o que se propõe é a documentação e atualização da representação do grupo, destinada ao público jovem e adulto com conhecimento prévio sobre as nuances do conflito e aberto a um novo olhar sobre o personagem. A partir de uma imagem social já existente do caboclo pardo, pretende-se, através do documentário elaborar outra, alternativa. Os indicadores constroem o personagem do sertanejo evangélico, com mais de dois ou três filhos, que sobrevive da extração vegetal e, quanto mais idoso, menor o grau de instrução. O vídeo objetiva a verificação desse quadro e atualização da imagem social em relação àquela construída pelos jornais da época. E, através dela, materializar os símbolos que funcionam como marcas de identidade e representam o caboclo pardo, tarefa que pode ser executada através do vídeo. Neste aspecto o vídeodocumentário cabe como forma de complementar e, até mesmo, materializar o atual caboclo. Podendo ser exibido em escolas de ensino médio, disponibilizado na internet e também como complemento à exposição permanente sobre o tema no Museu do Contestado. 15

7. ELABORAÇÃO DO ROTEIRO O roteiro ou script do vídeo nada mais é do que a esquematização da ideia, fundamentada e sustentada pela pesquisa do assunto a ser abordado. O script surge no final dos anos 1950 nos Estados Unidos com o estilo de documentário Direto. Ele permite dinamizar e encurtar o período de filmagem, ao aproveitar o máximo o momento da gravação, organizando horários e a logística. Cavalcanti (1977:81) ressalva que, embora imprescindível, o roteiro deve ser flexível e aberto a alterações durante a filmagem, contemplando o argumento: „NÃO negligencie o seu argumento, nem conte com a chance durante a filmagem: quando o seu argumento está pronto, seu filme está feito; apenas, ao iniciar a sua filmagem, você o recomeça novamente‟(Cavalcanti, 1977: 81).

Comparato (1992:06) coloca como Argumento a sinopse, um resumo da história com início, desenvolvimento e resolução. Nele ficam estabelecidos os personagens principais, tempo e lugar, mesmo quando há a tentativa de valorizar situações imprevistas. O argumento direciona a produção, mas precisa ser adaptável, principalmente quando em se tratando de filmar o real. Ele precisa estar aberto às mudanças da própria realidade e da sociedade em questão. Por isso o pré-roteiro indica o objetivo a ser alcançado e sugere os meios e as alternativas, que serão confirmados ou refutados durante a produção a partir do que se tem diante da câmera.

7.1 ENTREVISTAS E PERSONAGENS Construir sentido é entrar no contexto sobre o que se fala. Para isso, é preciso obter as informações tanto verbais quanto visuais de quem está diretamente envolvido na situação. Os símbolos se expressam no modo de vestir e no ambiente, mas além das manifestações simbólicas físicas, a cultura cabocla também é composta pela maneira de falar e pensar. Uma das maneiras de exprimir tais características é através do diálogo, que transposto para o Jornalismo é entendido como entrevista, definida por Cremilda Medina (2003:10) como uma técnica de interação e interpretação que quebra o isolamento social. Nilson Lage (2003:73) complementa o conceito ao entender a entrevista como um procedimento de consulta de informações que visa a reconstituição e compreensão dos fatos. Assim, ao mesmo tempo, que a entrevista ajuda a reconstruir o acontecido, ela promove a interação social ao ser um ponto de identificação entre o personagem e o leitor, ainda que simplesmente pela humanização da notícia. 16

Durante a Guerra do Contestado, os jornais da época tiveram acesso às informações e acontecimentos através das fontes- jargão jornalístico para designar quem tem propriedade para passar as informações, seja porque estava presente no momento do ocorrido, por ter ligação ou é especialista sobre o assunto. No período, os jornais optaram por informações obtidas a partir de pessoas influentes e/ou ligadas à política, que eram de mais fácil acesso. Característica que as colocam, segundo a classificação de Lage (2009:63), entre as fontes de entrevista Oficiais. Designação que reconhece que estas preservam algum poder ou ligação direta com o Estado, exemplos são os comunicados oficiais ou entrevistas emitidas pelo governador, estampadas nos jornais de 1913. Além destas, ao analisar os jornais do período verificou-se a presença das fontes denominadas Oficiosas, que também contribuíram com elementos que ajudaram a compor a imagem do Contestado e do caboclo. As fontes Oficiosas, ainda na classificação de Lage (2009:63) são aquelas ligadas a uma entidade ou individuo que, geralmente mesmo não autorizadas, respondem por algum órgão Oficial. Representadas pela figura dos Sargentos e Coronéis, que responderam não somente pela atuação durante o conflito como também no papel de proprietários de terras „invadidas‟ pelos sertanejos. Assim, o jornalista faz suas confirmações e reforça determinada imagem social do caboclo pardo a partir da entrevista - e consequentemente exposição da opinião- das fontes. Que Luiz Pereira Junior (2010:94) entende como consolidação da forma de interpretar o mundo, de acordo com os horizontes de compreensão daquilo que é abordado pela reportagem e pela visão dominante na sociedade. Cabe, então, à mídia o papel de „ definidor secundário‟ da informação, ao repercutir o discurso proferido por quem está em exposição, ou seja, a fonte. Lage (2009:63) alerta no sentindo de cuidar ao dar voz a determinadas fontes. O jornalista deveria desconfiar de todas as fontes de informações, estas que sempre são motivadas por interesses, ainda mais as fontes Oficiais. Lage as identifica como falseadoras da realidade, que o fazem para preservar interesses e posições politicas, beneficiando grupos dominantes e atuando como conservadores da estrutura vigente (LAGE, 2009:63). Outra maneira de obter informação é através de documentos, dados e pesquisas que, da mesma forma, quando gerados por órgãos oficiais são consideradas fontes oficiais. Os números são necessários para dar dimensão do contexto do que se fala, eles, assim como os depoimentos, ilustram o acontecido. O risco, apontado por Pereira Junior (2010:95), para o uso em excesso das fontes oficiais (sejam números ou pessoas) é a desumanização do 17

conteúdo. Isso porque as Oficiais não presenciaram o fato, elas são consultadas por ter propriedade para explicá-los. Quando o conteúdo é produzido baseado apenas em Oficiais e Oficiosas, o resultado é a explicação „fria‟, com a qual o individuo não se identifica ou cria empatia. Para que o fato se faça claro é preciso que o leitor se sinta conectado a ele de alguma forma, que funcione como, o que Pereira Junior chama de exemplum, algo que seja próximo a realidade do interlocutor. O contexto conflituoso do Contestado restringia e inibia o acesso dos jornalistas. O que se verifica ao analisar o Estado de S. Paulo, A Noite e Diário da Tarde é a predominância de fontes Oficiais e Oficiosas que, a partir dos relatos, construíram a imagem do caboclo do Contestado. O sertanejo entra na mídia não como um individuo que foi expulso de suas terras, dotado de uma cultura própria, isso porque, não era visto dessa forma pelos coronéis e sargentos, e sim como o selvagem que invadiu territórios e atacou os soldados. Verifica-se ai a origem da imagem consolidada do caboclo pardo como ser violento e bestial. O centenário do Contestado oportuniza o repensar a figura do sertanejo. O quadro atual permite o acesso a esses indivíduos, que podem contar a sua história e ajudar a construir a própria representação, atuando em seu papel de personagens social. Complementar ao conteúdo verbal e visual, obtido a partir dos depoimentos e cenários sertanejos, são as informações históricas. Estas, obtidas a partir de historiadores e pesquisadores, permitem a execução do trabalho jornalístico que é de interpretação da realidade a partir do exemplum caboclo e não mais do exemplum descrito pelas fontes oficiais. Além da seleção dos entrevistados, a maneira de apresentá-los contribui para a consolidação da interpretação. Neste sentido, ao optar por apresentar os personagens em vídeo, é importante considerar o enquadramento e o cenário, principalmente quando se propõe a contextualização, que permite a dimensão do cenário social e cultural em que o personagem está inserido.  SEBASTIANA ALVES DA SILVA (SS): De origem cabocla nasceu em 08/10/1910 no distrito de Rio das Pedras, em Videira (SC). Viúva há 22 anos, é mãe de 10 filhos e sempre trabalhou na lavoura com a família, atualmente vive no município de Caçador, na casa da filha Eva. Seus traços físicos remetem aos índios, mas também europeus. Lembra-se de histórias contadas por seus „troncos veios‟ e algumas 18

poucas memórias do período pós Guerra. A senhora mantém a forma de viver cabocla, morando em uma casa pequena com a família, tomando chimarrão, café preto com açúcar, e satisfeita em poder morar retirada do centro da cidade e aproveitar o sol da manhã. 1ª entrevista realizada em 22/03/2013 na casa de Eva. Tomada 01 (No quintal): Sebastiana sentada em um banco de madeira embaixo de uma arvore. Ao fundo alguns arvoredos e plantas rasteiras. Plano subjetivo, enfoque no que a entrevistada observa. Os planos se alternam entre fechado e subjetivo, em que ela fala olhando para frente e a câmera mostra o que ela esta olhando, que no caso é a própria casa e algumas galinhas no quintal. Neste momento ela comenta sobre lembranças passadas e memórias contadas pelos pais sobre a Guerra do Contestado. Embora sentada, o enquadramento está a sua altura. Tomada 02 (Dentro de casa): Sebastiana sentada sozinha no sofá. Plano americano, em dado momento a filha senta ao lado. Ela fala sobre o modo de vida e questões cotidianas, como problemas e situações. A câmera segue na altura da entrevistada. Chegam visitas e é gravada a interação entre elas e a senhora. Tomada 03 (Dentro de casa - Ainda no sofá): Em plano médio, Sebastiana toma chimarrão e a filha conversa com ela sobre a neta. Importante, a câmera não deve intimidar os entrevistados. A intimidade com a câmera gera falas com maior naturalidade. Nota: Aproveitar a família e o movimento da casa para construir a representação, retratada pelo cotidiano. 2ª Entrevista realizada em 14/08/13 Tomada 01 (deitada): Sebastiana está se recuperando de uma forte gripe. Na cama, ela fala sobre religião, crenças e histórias do passado. Passados alguns minutos, ela senta para tomar uma xícara de café e continua no tema. Imagens de apoio: Fachada da casa, disposição dos móveis, movimentações da família, interações, o quintal e o banco.  FELICIDADE E MARIA MATOSSO (FM): Tia e sobrinha caboclas. Nascidas em Timbó Grande, tem 64 e 45 anos, respectivamente. Elas representam a cultura pelo modo de falar e se vestir. As senhoras gostam de falar e se 19

expressam bem. Entrevista gravada em 28/04/2013 no município de Timbó Grande, na localidade de Cachoeira- uma comunidade afastada, em que se realizou a VI Feira Cabocla. Tomada 01 (ambiente externo): As caboclas em pé tomam o café tropeiro, a frente de pessoas em igual situação. Tapera cabocla ao fundo. Maria conversa com Felicidade sobre assuntos cotidianos. A câmera sempre a altura das entrevistadas, esta em plano de conjunto, para captar o que acontece ao redor, ainda que o destaque sejam as senhoras. Tomada 02 (mesmo ambiente externo): Maria – manter a mesma altura de câmera, mas plano americano- explica como é feito o café caboclo, e instiga Felicidade a contar o que acontecia no tempo da Guerra. A câmera pouco varia durante a conversa, mantidos o plano e altura, para que o enquadramento dê destaque às caboclas, mas não perca o que acontece ao fundo. Imagens de apoio: Variação entre plano geral e de detalhes, mostrando o ambiente em que se realiza a feira, os elementos como a comida, o modo de fazer o café e a interação.  ANTONIO BONIFÁCIO DOS SANTOS (AB): Caboclo de 73 anos, natural de Timbó Grande. Antonio foi escolhido pelo aspecto físico que representa a miscigenação com traços negros e indígenas. Ele costuma vestir chapéu e botas gaúchas, mostrando o conjunto de diversas influências culturais, é agricultor e adora dançar. Tomada 01 (ambiente externo): Plano médio, que destaca o senhor, mas mostra ao fundo a representação da casa cabocla e a movimentação das pessoas durante a feira. Ele comenta o que gosta de fazer e comer. Também explica a receita para a feijoada e para o pão. Nota: Imagens um pouco poluídas pela passagem de pessoas ao fundo e o barulho da própria feira.  ANA LUZ DA SILVA (AS): Senhora de 67 anos, natural da cidade de Timbó Grande. Figura conhecida do local. De feições redondas e pele branca, traz a miscigenação entre os europeus e os indígenas, pela pele clara, mas traços faciais arredondados. 1ª entrevista realizada durante a festa cabocla: Tomada 01 (ambiente interno, luz fraca): Plano médio na altura da senhora que esta a frente de uma mesa com utensilio utilizados pelos antigos sertanejos. Ela vai dizendo o nome e a 20

função de alguns. Enquanto fala, caminha em volta da mesa e a câmera acompanha (seguindo sempre a sua altura). O ambiente é bastante informal, Ana pára e conversa com outra senhora. Tomada 02 (mesmo ambiente interno): Plano fechado, a cabocla fala sobre ela e sua vida. O ambiente está ruidoso e movimentado. Nota: As entrevistas se tornam mais naturais e as pessoas se sentem mais a vontade quando em meio a outras. Os resultados não são tão satisfatórios se isolar os indivíduos. Embora as imagens se tornem mais poluídas com a presença de outros ao fundo, consegue construir o cenário, sem parecer algo plástico ou montado. 2ª entrevista realizada na casa de Ana: Tomada 01 (ambiente interno): Ana em pé conversa e toma chimarrão com senhoras que chegam para uma visita. Conversam sobre fatos do cotidiano na cozinha da casa. Ao fundo a pia, à frente a mesa e inúmeros objetos decorativos espalhados. Tomada 2 (ambiente interno): Entrevista com Ana, sentada a frente do fogão a lenha, ela fala sobre sua vida e sobre as diferenças entre o passado e o presente.  NILSON THOMÉ (NT): Historiador, professor, jornalista e pesquisador. Thomé colaborou com a criação do Museu do Contestado e da Universidade de Caçador. Autor de l6 livros, nasceu em Caçador e já palestrou sobre o Contestado no Brasil e no exterior. Servirá como guia para entender a cultura cabocla, explicando as origens dos costumes e das misturas. Abordá-lo de maneira focada a formação cultural e histórica, e nas implicações delas. Além, de questiona-lo como é a inserção do caboclo atualmente, se o costume de não acumulo permanece ou não, e como é a adaptação. Tomada 01 (ambiente interno- museu): O pesquisador na frente de bonecos e objetos que representam os caboclos e soldados no Museu do Contestado. Plano médio e a altura dos olhos, enquanto fala sobre os costumes demonstra os objetos. Tomada 02 (ambiente interno- museu): Enquanto aborda a questão das misturas raciais, usa o cenário dos painéis com figuras referentes ao Contestado presentes no Museu. Plano fechado e foco no entrevistado. Nota: Entrevistado com bastante conteúdo, aproveitá-lo bem, mas sem 21

deixar que se torne cansativo. Trazendo dados e ilustrações (na edição) para melhor ilustrar e informar.  JULIO CORRENTE (JC): Pesquisador e historiador, Júlio trabalha no Museu do Contestado em Caçador. Corrente também é professor de história na rede municipal de ensino, sendo sua entrevista útil para compreender o papel do caboclo na guerra e como é o reconhecimento deste na atualidade. Questionar ainda, se ele se sente como um grupo social, se eles se reconhecem como tal ou vivem de maneira isolada, vivendo o momento, sem se dar conta disso. Tomada 01 (ambiente externo): O historiador na frente da Maria fumaça, aborda a questão do caboclo na Guerra, qual seu papel e na influencia da cultura do sertanejo. Plano americano que pegue detalhes da locomotiva ao fundo. Tomada 02 (ambiente interno- museu): O entrevistado na frente de painéis, dentro do Museu. Corrente aborda outras questões culturais, em plano médio. 8.2. CENAS DE APOIO: O material de apoio deve servir para ilustrar o que os entrevistados falam e também mostrar o contexto no qual estão inseridos - Plano geral e de detalhe, com enquadramentos variáveis-. A ideia é que a câmera seja a extensão dos olhos do espectador, enquanto os entrevistados falam, espera-se o foco neles, e para melhor ilustrar e não se tornar cansativo, utilizar as imagens de apoio. Tomada 01 (ambiente externo): O modo de vida caboclo é bastante simples. Por sua influência indígena, tem o costume da subsistência e não buscam o acúmulo capital. Nas tomadas de câmera valorizar o cenário. Captar planos mais abertos ou que, captem elementos do contexto (casas, hortas, galinhas...). Tomada 02 (ambiente interno): Casa de Sebastiana onde os entrevistados se sentem mais confortáveis e parte dos costumes e crenças são visíveis, seja pela disposição dos móveis, pelo modo de alimentação e também, pelo comportamento. Tomada 03 (ambiente externo): Feira do Caboclo (Timbó Grande) que acontece em uma escola do interior do município. O evento é aberto com o café tropeiro, seguido do culto 22

religioso e apresentações culturais. A filmagem materializa e demonstra a cultura cabocla, além de comprovar que ela ainda é mantida. Tomada 04 (ambiente externo): Ao lado de onde acontece a feira tem uma casa em estilo caboclo, pegar imagens de detalhes e também gerais, dos objetos e da estrutura. Tomada 05 (ambiente externo)- Café-: Captar o momento em que as pessoas estão comendo e se servindo ao redor do fogo de chão, inclusive a interação entre elas. Alternar entre os planos, pegar momentos em que as pessoas em pé conversam (plano médio), sentadas (atenção à altura!) e geral, quando estão se servindo. Aproveitar para detalhes dos alimentos e objetos utilizados. Tomada 06 (ambiente interno)- Missa-: Durante a feira, acontece a celebração da missa. Pegar momentos em que o Padre aborda o tema cultura, raízes ou costumes. Além da benção final, da benção e distribuição de ervas. Atenção para o enquadramento, que deve sempre estar a altura dos olhos. Se as pessoas estão sentadas, assim também estará o enquadramento. Tomada 07 (ambiente interno) - Almoço-: Enquadramento aberto e plano geral, com o intuito de mostrar os indivíduos em grupo e suas movimentações (cenas curtas). Também planos de detalhe para mostrar o que estão comendo, mas sem intimidá-los. O objetivo é causar o menor desconforto possível, por isso a câmera, mesmo que sem gravar, estará a vista a todo momento. Tomada 08 (ambiente interno e externo)- casa de Ana-: Ana caminhando pelo quintal da casa, os animais da fazenda. Imagens do altar religioso que ela mantem em casa, os quadros nas paredes e também, da fachada e quintal da casa, típica cabocla. 7.3 ENCAMINHAMENTO 7.3.1 Título O nome do documentário é fruto da expressão utilizada pelo linguajar caboclo em referência aos pais (Troncos véios) e, simultaneamente, ao Centenário da Guerra do Contestado e a ideia de velho/idoso que completa a expressão sertaneja. 7.3.2 Direcionamento

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O vídeo deve contemplar, principalmente, os aspectos religiosos, alimentares e comportamentais. Em que os historiadores atuarão como fontes de explicação das origens de tais características, os pesquisadores, como elo entre a história e o contexto atual e os sertanejos como ilustração e exemplum do que se fala. Em síntese, o que se pretende é mostrar a cultura do personagem da região do Contestado sem, no entanto, aprofundar o tema referente a guerra. O episódio pôs o caboclo na mídia, e a partir disso construiu-se uma imagem para representa-lo baseada no depoimento de terceiros. Agora, quando a guerra completa cem anos do seu início é oportuno revisar a imagem do sertanejo utilizando ferramentas semelhantes àquelas que construíram sua representação social. Para isso se propõe o documentário, que pretende, assim como os jornais da época, registrar os acontecimentos de maneira fidedigna, entendidos aqui como partes da realidade embora não sejam ações e sim, manifestações. A diferença para a imagem construída é tentar representar a cultura cabocla de maneira mais completa e dando espaço para o depoimento dos indivíduos que fazem parte do grupo em questão, além dos pesquisadores que ajudam a compreender os saberes tácitos, através dos conhecimentos acadêmicos. O vídeo ao englobar som, imagem e movimento permite contemplar a expressão cabocla de maneira mais completa. O documentário, então, possibilita a captação de simbologias que ajudam a identificar o personagem e os materializa por meio de elementos juntos constroem a representação das especificidades que compõem a cultura do caboclo pardo. Para isso, as filmagens serão feitas em locais frequentados habitualmente pelos personagens, os enquadramentos tendem a ser mais abertos para que o cenário também seja contemplado e se possibilite a contextualização do ambiente, incrementado por dados que dimensionam a atual realidade econômica e social do caboclo. Tudo isso orientado pela simplicidade. Característica intrínseca ao sertanejo e que deve ser manifestada pelo vídeo. Embora pertencente ao simples, o caboclo não é simplório. Por simples entende-se o aspecto econômico, em que, tradicionalmente, o sertanejo não deseja mais do que o necessário para viver. Sendo ele bastante ligado a terra e ao que ela produz, quadro que acaba 24

por refletir a fonte de renda ainda vigente e no não incentivo à alfabetização, características que resultam no baixo desenvolvimento da região quanto comparado ao do restante do estado. Se quando avaliado sob o aspecto econômico o caboclo é considerado simples, na questão cultural não pode ser classificado como simplório devido à riqueza da combinação resultante da miscigenação de diversas, e até conflitantes, culturas. Configuração que será materializada através da pouca edição do material captado, aproveitamento dos elementos e do som dos cenários, que por si remetem à mescla de tradições. O vídeo-documentário pretende dar conta de construir essa representação social, alternativa à existente, através da seleção de características como a religiosidade, a maneira de se vestir, de falar e de se alimentar, estas que refletem diferentes raízes culturais e que quando reunidas constroem o personagem do contestado. Os elementos captados pelo vídeo serão aqueles pertencentes ao cotidiano juntamente com depoimentos que melhor representem o grupo, para isso é necessária a seleção destes, assim o produto final não será longo, mas capaz de representar o caboclo pardo. O tempo previsto é de até 20 minutos de vídeo, dividido entre a apresentação do personagem, seguida dos elementos e modos de fazer comuns ao seu dia-a-dia, encerrado com depoimentos. O primeiro momento contempla sua formação étnica, o segundo suas características culturais, o terceiro mescla as duas primeiras compondo o contexto social e o fecho é uma retomada de tudo que foi abordada enfatizada por trechos marcantes obtidos durante as entrevistas. Depoimentos que serão alternados entre os personagens, intercalados por imagens de apoio e tema sonoro, permitindo „respiros‟ e indicações sutis quando há mudança de momento. Possivelmente os dados serão apresentados em textos curtos e espaçados, e para preservar a distinção dos filmes ficcionais não será usada a voz over de um terceiro. As entrevistas servirão como narração, sendo cobertas por imagens dos personagens, cenários e objetos, por isso é importante que o entrevistado esteja familiarizado com o equipamento. Embora a câmera restrinja ou provoque situações, gravar in loco e ampliar o tempo de exposição diminuem o sentimento de estranheza e acabam por minimizar atos encenados pelos, até então, apenas atores sociais.

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8. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. “O Poder Simbólico”. (Tradução de Fernando Tomaz) 2ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. -------------------------. Sobre a televisão/ Pierre Bourdieu: Tradução de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1997. BRÍVIO, Gustavo. Representações Sociais: dimensão estruturada e estruturante dos processos de comunicação. In: Revista Espaço acadêmico – nº116- Rio de Janeiro, 2011. CAVALCANTI, Alberto. Filme e realidade. Rio de Janeiro: Editora Artenova, EMBRAFILME, 1977. CHAIA, Vera Lúcia Michalany. “O fenômeno da religiosidade popular e a atuação da Igreja no meio rural”. In: Revista Roteiro. Joaçaba: FUOC (5), II, abr./jun. 1981. COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Lisboa: Editora Pergaminho, 1992. DA-RIN, Silvio. Espelho partido. Rio de Janeiro: Azougue, 2004. GANSON, William; MODIGLIANI, Andre. “Media discourse and public opinion on nuclear power: a constructionist approach”. American Journal of Sociology, 95, pp. 1-37, 1989. HALL, Stuart. “A Identidade cultural da pós modernidade”. (tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro) DP&A Editora, Rio de Janeiro, 1ª edição em 1992. HALL, Stuart. A questão multicultural. In: Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. JOST, François. Seis Lições sobre Televisão. Porto alegre: Sulina, 2004. LAGE, NILSON. A reportagem: Teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. 8ª edição- Rio de Janeiro: Record, 2009. MACHADO, Paulo Pinheiro; Lideranças do Contestado. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004. MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano. São Paulo, Summus Editorial, 2003. MORIGI, José Valdir. “Teoria social e comunicação: representações sociais, produção de Sentidos e construção dos Imaginários midiáticos”. In revista eletrônica e-compós: http://www.compos.org.br/e-compos, edição 1, dezembro/2004. MOSCOVICI, Serge. “Representações sociais: investigações em psicologia social” (traduzido do inglês por Pedrinho A. Guareschi) -5ª ed. Petrópo-lis, RJ: Vozes, 2007. 26

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas-SP: Editora Papirus. 2005. PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa.

A apuração da noticia: métodos de investigação na

imprensa. 3ª Edição- Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. RIBEIRO, Ana Paula Goulart. “A história do seu tempo: a imprensa e a produçãodo sentido histórico”. Dissertação de mestrado em comunicação. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 1995; THOMÉ, Nilson. Tese de doutorado: A formação do homem do contestado e a educação escolar – república velha. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade de Educação, 2007. THOMÉ, Nilson. “Raízes Caboclas: Características da identidade do homem do contestadoCaboclo Pardo”. 1ª edição, Caçador/Lages, 2011. TOMAZI, Gilberto. “Heranças e direitos dos jovens do Contestado”. In: Visão Global. Joaçaba, v. 11, n. 1, 2008. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: Porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005. VALENTINI, Delmir. Da cidade santa à corte celeste: memórias de sertanejos e a Guerra do Contestado. Caçador (SC): Universidade do Contestado, 1998. WOITOWICZ, Karina J. “Imagem Contestada – A construção da história nos discursos mediáticos da Guerra do Contestado (1912-1916)”. Dissertação de mestrado- Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS, 2002. ____________________. “Imagens dos sertanejos da guerra do contestado nas páginas da imprensa: Nuances da produção de sentido nos discursos jornalísticos do Diário da Tarde (Curitiba/PR, 1912-1916)”. In: XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

Sites e Links: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,ibge-aponta-aumento-de-brasileiros-que-sedeclaram-pardos-ou-pretos,748620,0.htm http://www.blogdojj.com.br/2012/12/29/idh-o-desenvolvimento-brasileiro-se-concentra-no-sudestesul-e-parte-do-centro-oeste/ http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil/numeros-do-brasil/dados-porestado/santa-catarina/

Acervo online O Estado de S.Paulo: Periódicos de Janeiro de 1914 27

9. ANEXOS 9.1 MAPA: ONDE SE CONCENTRA CADA RAÇA

Fonte (Censo 2010): http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,ibge-aponta-aumento-de-brasileiros-que-sedeclaram-pardos-ou-pretos,748620,0.htm

28

9.2. MAPA: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH- 2000)

http://www.blogdojj.com.br/2012/12/29/idh-o-desenvolvimento-brasileiro-se-concentra-no-sudeste-sul-eparte-do-centro-oeste/

29

9.3 TABELA: ANALFABETISMO EM SANTA CATARINA Regiões

%

Foz do Rio Itajaí

4,00

Grande Florianópolis

3,10

Grande Oeste

3,13

Meio Oeste

5,71

Nordeste

2,48

Planalto Norte

4,01

Serra Catarinense

6,61

Sul

4,36

Vale do Itajaí

2,90 3,9

Média estadual

Fonte: IBGE 2011http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil/numeros-do-brasil/dados-porestado/santa-catarina/

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9.4. JORNAIS O ESTADO DE S. PAULO 1914

31

32

33

9.5. ROTEIRO TRONCO CENTENÁRIO CARACT. E LOCALIZAÇÃO NARRAÇÃO NILSON THOMÉ

IMAGENS DE APOIO: -TOMADA ABERTA DE AMBIENTE EXTERNO-CENÁRIO; -CLOSE PERSONAGEM ANA LUZ; TEMPO TOTAL: 30’’

TRONCO CENTENÁRIO MARCAS DO UNIVERSO CABOCLO NARRAÇÃO JULIO CORRENTE

CARACTERIZAÇÃO COMPORTAMENTAL E FÍSICA IMAGENS DE APOIO: -TOMADAS ABERTAS CENÁRIO; -TOMADA APROX. PERSONAGENS;

ENTREVISTA FELICIDADE E MARIA MODO DE PREPARO DO CAFÉ MATOSO -IMAGEM EM PLANO AMERICANO ENTREVISTA SEBASTIANA

INGESTÃO DE CHÁ E CHIMARRÃO -IMAGEM EM CLOSE

NARRAÇÃO JULIO CORRENTE

COSTUME DE TOMAR CHIMARRÃO IMAGENS DE APOIO: -TOMADA APROX. PERSONAGEM; -TOMADA ABERTA PESSOAS; -PANORAMICA DO CENÁRIO; -TOMADA APPROX. PERSONAGEM;

ENTREVISTA ANA LUZ

ALIMENTAÇÃO CABOCLA -IMAGEM EM PLANO AMERICANO

ENTREVISTA ANTONIO BONIFACIO

ALIMENTAÇÃO CABOCLA -IMAGEM EM PLANO AMERICANO

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NARRAÇÃO JULIO CORRENTE

COSTUMES ALIMENTARES IMAGENS DE APOIO: -TOMADAS ABERTAS AMBIENTE; -TOMADAS APROX. PERSONAGEM;

ENTREVISTA SEBASTIANA

UTILIZAÇÃO DE ERVAS/REMÉDIO -IMAGEM EM CLOSE

ENTREVISTA ANA LUZ

TIPOS DE ERVAS E CHÁS -IMAGEM EM PLANO AMERICANO

NARRAÇÃO JULIO CORRENTE

SITUAÇÃO ECONOMICA E SOCIAL IMAGENS DE APOIO: -TOMADAS ABERTAS CASAS; -TOMADAS ABERTAS PESSOAS;

ENTREVISTA ANA LUZ

SITUAÇÃO SOCIAL/EXODO -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

ENTREVISTA JULIO CORRENTE

SITUAÇÃO EDUCACIONAL/ SOCIAL -IMAGEM EM PLANO AMERICANO; TEMPO FINAL: 06’30’’

CABOCLO, PERSONAGEM GUERRA DO CONTESTADO

NARRAÇÃO NILSON THOMÉ

DA

REPRESENTAÇÃODO CABOCLO IMAGENS DE APOIO: -JORNAIS DA ÉPOCA; -FOTOS ANTIGAS;

ENTREVISTA ANA LUZ

PERCEPÇÕES -IMAGEM EM PLANO AMERICANO TEMPO FINAL: 10’30’’

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ENTRE MISTICISMO E RELIGIÃO

ENTREVISTA JULIO CORRENTE

CHEGADA DO IMIGRANTE -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

ENTREVISTA NILSON THOMÉ

MISTICISMO RELIGIOSO -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

NARRAÇÃO NILSON THOME

RELIGIOSIDADE E MISTICISMO IMAGENS DE APOIO: -FOTOS ANTIGAS; -MISSA;

ENTREVISTA SEBASTIANA

CATOLICISMO -IMAGEM EM CLOSE;

ENTREVISTA NILSON THOMÉ

RELIGIOSIDADE CABOCLA -IMAGENS EM PLANO AMERICANO TEMPO FINAL: 14’

AINDA EXISTE CABOCLO NO SUL?

ENTREVISTA ANA LUZ

PERCEPÇÕES SOBRE O MODERNO -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

ENTREVISTA ANTONIO BONIFACIO

PERCEPÇÕES SOBRE O MODERNO -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

ENTREVISTA ANA LUZ

MUDANÇAS E TRANSFORMAÇÕES -IMAGEM EM PLANO AMERICANO;

ENTREVISTA NILSON THOMÉ

CHEGADA MODERNIDADE/ESTADO IMAGENS DE APOIO: -FOTOS ANTIGAS;

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ENTREVISTA JULIO CORRENTE

CONTESTADO E PRECONCEITO (INSERÇÕES DE DEPOIMENTOS DE ANA LUZ SOBRE MISCIGENAÇÃO)

NARRAÇÃO JULIO CORRENTE

PERSONAGEM DO CONTESTADO IMAGENS DE APOIO: - TOMADAS ABERTAS AMBIENTES; - TOMADA ABERTA PERSONAGENS;

NARRAÇÃO NILSON THOMÉ

SITUAÇÃO ATUAL DO CABOCLO IMAGENS DE APOIO: -TOMADA ABERTA DE PESSOAS; -TOMADAS ABERTAS DE CENÁRIO; -TOMADA ABERTA PERSONAGEM; -TOMADA EM CLOSE DE CRIANÇA. TEMPO FINAL: 23’00

TEMAS SONOROS UTILIZADOS:

“NOSSA PRECE” “PUXA FRANGO” “JABUTICABA” (BANDA CATAIA) “O SOR QUENTE” (ROMARIO J. BORELLI) “INCERTEZAS” (DANIEL DA VIOLA)

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9.6 Autorizações:

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9.7 Relatório Analítico: As vinte páginas: Ter o acervo de modo digital é uma facilidade sem dúvida que otimizou, e muito, a pesquisa. Não precisei ir até o acervo físico de nenhum dos jornais. O Estadão disponibiliza todo o material na internet, inclusive para download. Para não assinantes, as visualizações em tela cheia se limitam a 20 por dia. O método adotado foi a leitura de modo superficial nas miniaturas e só quando o conteúdo parecia útil a pesquisa, era aberto para ser ampliado. Rotas alternativas: Poucos conhecem e entendem a história do Conflito do Contestado, que dirá os personagens. O objetivo era mostrar que esse cidadão tem uma cultura própria e que ainda sobrevive nas periferias e nos interiores de Santa Catarina. Para além de mostrar aspectos que os diferenciam dos demais caboclos brasileiros, é importante mostrar uma imagem social alternativa. Desde o conflito, esse tipo social foi marginalizado e considerado não cidadão, sem espaço próprio, sem cultura e até mesmo sem direitos. Prova disso foi a maneira como ele foi representado pelos jornais do inicio do século passado, que construíram no imaginário social a figura violenta e bestial do morador da região. Por isso, o projeto, aproveitando o centenário da guerra, pretende resgatar a figura do caboclo pardo e atualizar sua imagem. E o Jornalismo, cadê? O TCC reflete o que o acadêmico compreende como Jornalismo. Baseando-se em critérios, rotinas e sua percepção de realidade, o jornalista materializa o mundo para os leitores. Estes, por sua vez, baseados nas próprias percepções assimilam o que foi produzido e compreendem o mundo que os cerca. Partindo dessa compreensão, a forma como os jornais representaram o caboclo pardo durante o conflito é determinante para entender a imagem social construída. É preciso fazer uma ressalva sobre o modo de fazer jornalismo da época, diferente da atual, por isso não se pode procurar características e/ou exigir condutas que foram agregadas com o passar do tempo e resultaram na atual compreensão de Jornalismo. Revisitando o passado: O processo de produção do projeto faz repensar o que o autor compreende por Jornalismo, qual sua funcionalidade e utilidade, além disso, a importância da base teórica para sustentação. Revisitar as teorias da comunicação e do Jornalismo, levando em consideração os contextos sociais e históricas permite entender o que 44

se vê na prática. Muito embora, o que se percebe é um distanciamento entre academia e mercado, entre teoria e prática: Aprende-se na universidade o que seria o certo, mas que não se reflete na prática. O desafio esta em aproximar entre as esferas. Para o projeto, a dificuldade estava em casar as teorias jornalísticas com o tema, além da viabilidade e ser interessante ao público. Mas quando ficaram claramente definidos objeto e objetivos, o esforço foi em manter a linha jornalística sem cair no caráter histórico do Contestado. Para isso, o uso da atualidade do tema, a pesquisa em jornais e a proposta de construção da imagem alternativa baseada em técnicas de entrevista, produção e seleção jornalísticas. Superadas as duas primeiras dificuldades teóricas, surgem as práticas. Na etapa de produção, filmar, entrevistar e captar imagens de apoio tudo feito por uma pessoa só, dificultou o processo. Uma vez que era preciso concentrar-se simultaneamente na entrevista e também na câmera. Mesmo sendo possível a ajuda de colegas, o não auxilio ocorreu porque todas as imagens foram captadas em municípios catarinenses, o que exigia o deslocamento e gravação em feriados e fins de semana. Pelas características dos entrevistados, as perguntas precisaram ser pensadas de maneira a serem compreendidas e extrair o máximo de informações, sendo as conversas com os personagens a parte mais gratificante do projeto. O gostar do tema e o foco no objetivo de proporcionar outro olhar sobre o caboclo impulsionaram o superar de qualquer dificuldade ou empecilho, tornando o trabalho prazeroso e de utilidade pública. Pedras e pepitas do percurso: Nem por todo o caminho foram flores, mas, menos ainda, espinhos. As pesquisas históricas, os livros, o acesso aos jornais não foram custosas e sim, interessantes, já a construção da parte teórica, o enlace dos autores e o lidar com o ônus de cada teoria, nem tanto. Mas o contentamento com coisas simples desse povo, o resignar aos fatos da vida, o aceitar e se satisfazer com o pouco, isso era instigante. A VI Festa Cabocla foi um momento marcante e contraditório. Entre caboclos e freiras, o padre falava sobre a cultura do sertanejo, aqueles que antes eram tratados como bichos, agora tinha uma cultura própria, uma identidade. Durante a missa o padre reconhece uma outra cultura, freiras e caboclos rezam o mesmo terço... no meio da cerimônia entra a figura do Monge João Maria com as „ervas medicinais‟ que são, então, benzidas pelo padre e entregues pelas freiras ao final da celebração, o que mostra o sincretismo cultural e religioso. Para além, 45

observar cidadãos claramente, descendentes de europeus comendo o virado de feijão, a broa de milho com mel, a abobora, a quirera e bebendo o café caboclo, mostram claramente a miscigenação. Impossível não se sentir próximo das pessoas. Neste sentido, senti grande tristeza quando soube que a simpática e centenária Dona Sebastiana adoeceu logo após nossa tarde de conversa. “É a idade, sinto a fraqueza e não consigo nem andar mais”, disse ela. Um mês depois, ainda estava fraca, o que rendeu uma entrevista com ela na cama. Retomar as teorias da comunicação e do Jornalismo ajudam a compreender e criar mecanismo para materializar o projeto. Munido delas, tem-se mais segurança para partir para execução, na qual se compreende, em partes, o porquê do distanciamento. A prática trabalha com variáveis complexas e altamente mutáveis, algumas vezes nem pensadas pela teoria. O pesquisar em campo, precisa contorna-las e realizar o melhor trabalho possível, ainda que com defeitos técnicos. Mas, mais difícil que organizar e estruturar o projeto é manter o distanciamento dos personagens- variável menos complexa na teoria-. Quando o autor „invade‟ a vida e a casa das pessoas não se envolver parece complicado, pois ele acaba participando dos dramas e alegrias familiares, por isso, um bom trabalho jornalístico é aquele em que se mantém a empatia e o reconhecimento do personagem, o que assegura o interesse do público, mas sem confiar cegamente no que as fontes dizem ao apurar e confrontar informações para que além de interesse do público tenha interesse público.

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