UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA \" Julio de Mesquita Filho \" INSTITUTO DE ARTE A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO NA FORMAÇÃO ESTÉTICA DE JOVENS A importância da visão crítica de arte em relação aos produtos da indústria cultural

June 3, 2017 | Autor: Simone Biani | Categoria: Estética, Filosofía Del Arte
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Julio de Mesquita Filho” INSTITUTO DE ARTE

A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO NA FORMAÇÃO ESTÉTICA DE JOVENS NO ENSINO MÉDIO. A importância da visão crítica de arte em relação aos produtos da indústria cultural

Simone Biani*

Resumo Este trabalho apresenta uma reflexão sobre os produtos da Indústria Cultural divulgados pelas mídias de massa, com destaque na televisão; e como a escola pode lidar com essa linguagem que invade as salas de aula, como um currículo oculto, sem permitir que a televisão se torne uma formadora de consumidores replicantes de seus conceitos. Palavras-chave: Arte-educação, Indústria Cultural, Televisão, Apreciação, Crítica

Abstract This paper presents a reflection on the products of the culture industry published by the mass media, especially television, and how the school can cope with this language which invades the classrooms, as a hidden curriculum, without allowing television to become a replicating consumer former, who repeat their concepts. Keywords: Art education, Cultural Industry, Television, Findings, Critical

2012

Os fenômenos culturais criados a partir da indústria cultural fazem parte do dia a dia, tanto dos jovens estudantes como dos adultos que os rodeiam. É fato que, por mais que a escola busque trabalhar um currículo estruturado, os conteúdos produzidos pelas mídias de massa como a televisão – a serviço da indústria cultural – infiltram-se e espalham-se no ambiente escolar. Não dá para fechar os olhos para isso, nem para o fato de que esse material é algo a ser trabalhado pela escola. Então, é importante refletir qual a importância da visão crítica de arte em relação aos conteúdos veiculados pela televisão, de maneira que o individuo obtenha um desenvolvimento equilibrado entre razão e emoção. Questões sobre a indústria cultural permeiam os conteúdos das disciplinas de filosofia e sociologia, mas é por meio da Arte que existe a possibilidade de ampliar a análise desses produtos, que por sinal já serviram de motivação para criação - como não lembrar da serigrafia de Marilyn Monroe feita por Andy Warhol. A apreciação contextualizada é capaz de criar uma visão crítica acerca desses conteúdos de maneira sólida. O juízo de gosto só é obtido a partir da ampliação do repertório do ser humano, portanto, não basta simplesmente mostrar obras de arte e da indústria cultural, mas levar a reflexões que segundo Dewey, levam a uma real experiência estética. Para Dewey, [...] temos uma experiência singular quando o material vivenciado faz o percurso até sua consumação. Então, e só então, ela é integrada e demarcada no fluxo geral da experiência proveniente de outras experiências. Conclui-se uma obra de modo satisfatório; um problema recebe sua solução; um jogo é praticado até o fim; uma situação, seja a de fazer uma refeição, jogar uma partida de xadrez, conduzir uma conversa, escrever um livro ou participar de uma campanha política, conclui-se de tal modo que seu encadeamento é uma consumação, e não uma cessação. Essa experiência é um todo e carrega em si seu caráter individualizador e sua autossuficiência. Trata-se de uma experiência (DEWEY, 2012, p.109-100).

Uma das primeiras imagens que vem a mente no início deste trabalho é a figura de Tiradentes, que se encontra em materiais didáticos, e a referência que Gilberto Dimenstein fez a ela, [...], imagine a figura de Tiradentes. Conseguiu? Facílimo, ele está em todos os livros escolares. Claro que veio à sua cabeça aquela figura magra, sem camisa, cabelos e barbas longas, olhos tristes e profundos. Lamento: você foi vítima de uma empulhação (DIMENSTEIN, 1990, p. 13).

Assim como na pintura de Rafael Falco a imagem de Tiradentes nos remete a figura de Jesus Cristo – algo irreal visto que um militar deve sempre se apresentar barbeado e de cabelos curtos quantas outras imagens nos são apresentadas de forma equivocada por uma “outra tela” – a tela da televisão. A televisão, segundo Franco é, a partir da analise adorniana, a “síntese do rádio e do cinema”: um objeto tecnológico destinado ao consumo moderno” (FRANCO, 2011, p. 112). E não deixa de ser mais um produto propagandeado pela mesma e sonho de consumo de muitas pessoas. “E como um “cinema doméstico”, está permanentemente à disposição do usuário, além de não se dirigir apenas a um de nossos sentidos”. E segundo Adorno, Franco comenta que ela

foi concebida “para preencher a lacuna que, no campo do visível ainda restava para a existência privada e assim, cercar e capturar a consciência do público por todos os lados” (ADORNO Apud, FRANCO, 2011, p.112). A função da televisão é a da divulgação de produtos da indústria cultural, portanto, sua função primeira é a geração de lucro para a indústria, não é exclusivamente a comunicação. Daí nos depararmos com os merchandisings em novelas e programas esportivos. Alguns discursos que são lançados pelos seus defensores, caem por terra quando iniciamos uma analise mais aprofundada das consequências de sua ação sobre as pessoas. Segundo Franco, “a televisão [...] não está para a comunicação como o cobre está para o calor”. (FRANCO, 2011, p. 111). O que a televisão apresenta é uma rasura da realidade não a “verdade”. Criam-se mundos imaginários que através de edições, sobreposições e manipulações de imagens e sons, formam diversas versões de todo tipo de conteúdo. Temos como exemplo a novela Caminho das Índias de Glória Peres, onde vemos uma Índia idealizada, dalits (intocáveis) que são apresentados de forma bastante romântica, bem diferente da realidade, da verdade. Segundo Adorno, “a fronteira entre a realidade e a imagem torna-se atenuada para a consciência. A imagem é tomada como uma parcela da realidade, um acessório da casa que se adquiriu junto com o aparelho” (ADORNO Apud FRANCO, 2012, p. 116). Outro ponto a se destacar é a busca da televisão em refletir a cultura popular, como forma de aproximação do público tratado como classes C, D, E – tratamento este característico de agências de propaganda, por sinal. Essa apropriação da cultura popular leva a distorções propositais da realidade, e cria-se outra modalidade de cultura, a popularesca, onde ocorre a estereotipação de toda manifestação cultural, e cria-se a confusão entre o que é realmente popular espontâneo e o popularesco comercial. Um exemplo disso são as duplas “sertanejas” – fabricadas pela indústria cultural - que cansam nossos olhos e ouvidos nos programas de auditório dominicais e acabam confundidas com a real música de raiz, a música caipira, que pouco ou quase nenhum espaço encontram nessas programações. Paralelo a isso, temos a superexposição de produtos da alta cultura, os chamados “clássicos”, da música, das artes visuais - A Mona Lisa, por exemplo - que assim como outras obras “se tornaram inabordáveis devido à circulação excessiva. [...] Trata-se de um novo e perverso sentido da palavra: clássico é tudo que já recebeu uma atenção grande o suficiente para promover a sua neutralização” (DURÃO, 2011, p. 42). Algumas propagandas que se utilizam de clássicos: Vinólia, com a música A Primavera de Vivaldi, biscoitos Negresco, com a música Carmina Burana de Carl Orff, e uma das atuais é a cerveja Skoll, com a música La Donna é móbile de Verdi – esta última, por sinal, ridiculariza a música clássica induzindo inclusive, segundo João Marcos Coelho, ao preconceito (2012). A conclusão a que se chega é que, a indústria cultural se instalou no vão existente entre a cultura erudita e a cultura popular, distanciando uma da outra e confundindo-se com a cultura popular. A televisão também cria estereótipos de beleza – corpos bronzeados, definidos, peles rejuvenescidas. A imagem perfeita, “[...] os corpos esculturais das estrelas televisivas” (VAZ, 2011, p. 205).

“No tocante a construção de personagens, a televisão tende a apresentar a figura feminina como a “mulher fatal”, bem-sucedida por explorar a atitude socialmente parasitária, ou a cruamente explorar os dotes físicos da atriz (FRANCO, 2011, p. 119). Foi o caso da personagem Suelen, de Avenida Brasil, que usou e abusou de seus dotes para explorar os rapazes. Curiosamente ela se sai bem no final da novela, ficando com “dois maridos” aqui nos deparamos com a propaganda comportamental. Outras personagens que podem ser citadas nessa linha da exploração dos dotes das atrizes são, a Teodora e a Solange, de Fina Estampa, a Natalie Lamour, de Insensato Coração, a Norminha, de Caminho da Índias, a Bebel, de Paraíso Tropical, entre outras. Todas essas novelas foram grandes sucessos no horário dito nobre, da Rede Globo – logo após o Jornal Nacional, com grande alcance e repercussão inclusive nas escolas, que são obrigadas a controlar os decotes e o comprimento das saias das meninas, logicamente porque essas personagens ditam moda. Segundo Vaz “trata-se de um culto à personalidade-corpo, uma vez que [...] os processos de aniquilação subjetiva se materializam também ao fazer encontrar sujeito e corpo, hipertrofiando o segundo ao eclipsar o primeiro” (VAZ, 2011, p. 205). O texto de Vaz faz alusão às academias de ginástica, as revistas de beleza, mas não devemos ignorar a importância da televisão na busca dessa imagem-ilusão. A individualidade fica em segundo plano, ninguém quer ser “eu”, mas “o outro”, o ídolo – ter seu cabelo, sua roupa, seu comportamento, as cores de suas unhas. Segundo Adorno, “o caráter fetichista se apodera do corpo, reduzindo-o à condição de mercadoria” (VAZ, 2011, p. 200). Pouco importa se o cosmético vai ou não surtir efeito, se a venda desse “corpo” ou dessa “pele” irá gerar frustrações e baixa autoestima aos que “não tem a disciplina militarizada e o arsenal fármaco para alcançá-los”. O importante é justamente vender a imagem e todos os produtos agregados. E a busca por essa beleza idealizada leva a discriminação daqueles que não conseguem alcançá-la, ou que não demonstram estar à busca desse ideal. Pessoa de estatura baixa devem utilizar salto – já existem inclusive, sapatos masculinos com salto embutido –; os muito magros devem se entregar a musculação – e aos anabolizantes vendidos clandestinamente por algumas academias –; já os obesos devem fazer todo o tipo de regime e, caso isso não surta efeito, devem aderir à cirurgia. As pessoas passam a fiscalizar umas as outras. Ter uma imagem “apropriada” - conforme os critérios ditados pela indústria cultural e distribuídos pela televisão - é mais importante do que ser humano. É o que Adorno chama de “controle social paralelo” (ADORNO Apud VAZ, 2011, p. 201). E por conta dessa fiscalização e de toda essa pressão pela beleza, não é por acaso, que “o Brasil é o segundo país onde são realizadas mais cirurgias plásticas, com 1.592.106 procedimentos por ano. Só fica atrás dos Estados Unidos, com 1.620.855” (YARAK, ROSA, 2012). Outro fator importante a analisar no papel da televisão, é a espetacularização do esporte, a cultura de massa não está interessada em transformar seus consumidores em praticantes de esportes, mas em torcedores devotos nos estádios. [...] A grande tribuna do espectador é, no entanto, a onipresente televisão, algo que Adorno (1963) intui na década de sessenta do século passado e que em anos de Copa do Mundo de

Futebol fica mais do que claro. Nas duas últimas de suas edições, tanto o Jornal Nacional quanto o Jornal da Globo, ambos de emissora televisiva mais abrangente e importante no Brasil, eram transmitidos, em parte, desde as sedes do Mundial, noticiando o torneio, e principalmente o selecionado brasileiro (VAZ, 2011, p. 208-209).

Remeter o esporte a programação jornalística acaba por legitimar tais “espetáculos”. Apresentá-los justapostos a notícias de acidentes, corrupção, política e economia, nacionais e internacionais – coisas sérias – elevam o status da notícia esportiva. Retomando assunto anterior, isso ocorre também com novelas como, por exemplo, o capítulo final de Avenida Brasil do dia 19 de outubro de 2012 - deixa-se a informação de lado para propagandear um produto, que por sinal, também tem a função de propagandear outros produtos, enfim. Retomando o quesito esportes, o monopólio da transmissão em TV aberta por uma emissora faz confundir informação, entretenimento e propaganda do próprio produto que coloca a venda, isso tudo sempre temperado com o nacionalismo que ganha ares xenófobos com alguma frequência [...] o próprio evento é um produto dos esquemas da indústria cultural, que não foi “tomado” – como se o espetáculo em sua grandeza não fosse ele mesmo um produto banalizado (VAZ, 2011, p. 209).

Segundo Vaz, para alimentar o pseudonacionalismo nos deparamos com os adversários como “inimigos, objetos de nossa hostilidade – A República Argentina e seu time de futebol, por exemplo”. Assim como os torcedores de clubes que acabam, inclusive, partindo para violência física e quebraquebra quando se encontram distantes da televisão, nas ruas, estações de metrô e estádios. O emprego de vocabulário bélico utilizado no combate as “gorduras e celulites”, no instituto da beleza, se vê refletido nos campos esportivos onde os derrotados são tratados como quem não tem “garra”, nem “honra” (VAZ, 2011, 209). Outro item importante a destacar é o fato que, infelizmente, muitas famílias elegem a televisão como a “babá eletrônica” das crianças. Essas crescem praticamente hipnotizadas pelas imagens e sons. O Professor Haim Grünspun, psiquiatra infantil da USP, comenta que a televisão influencia cada vez mais e de modo mais marcante a imaginação, a fantasia e o comportamento da criança. As crianças retêm, por efeito de assimilação, muito daquilo que veem no vídeo, sofrendo frequentes mudanças de atitude em função desses estímulos. Quanto mais tempo diante da televisão, maior a influência (GRÜNSPUN Apud CHIMELLI, 2012).

Para Adorno, na reunião familiar diante da televisão cria-se uma ideia de solidariedade, fraternidade, no entanto,

aquela proximidade fatal da televisão, que também é causa do efeito supostamente comunitário do aparelho, em torno do qual os membros da família e os amigos... se reúnem em mutismo... obscurece a distância real entre as pessoas e entre as pessoas e as coisas. Ela se torna o sucedâneo de uma imediação social que é vedada aos homens. Eles confundem aquilo que é mediatizado e ilusoriamente planejado com a solidariedade, pela qual anseiam (ADORNO Apud FRANCO, 2012, p. 116).

A reunião é tão ilusória quanto as imagens que perpassam os olhos de quem está diante da televisão. O sentimento de união se faz em função da presença do objeto e das pessoas não da interação. Não há o diálogo, ou troca de experiências – nem entre as pessoas, nem com o objeto (TV) em si – apenas o compartilhar do espaço. Para Dewey, a experiência ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver. [...] muitas vezes, porém, a experiência vivida é incipiente. As coisas são experimentadas, mas não de modo a se comporem em uma experiência singular. Há distrações e dispersões; o que observamos e o que pensamos, o que desejamos e o que obtemos, discordam entre si (DEWEY, 2012, p. 109).

A proximidade física não carrega consigo a proximidade pessoal, espiritual. Segundo Chimelli, o mundo virtual das imagens é essencialmente impessoal. O relacionamento virtual não compartilha sentimentos, não troca ideias, apenas se comunica numa só direção: incute ideias e sentimentos. Desliga a pessoa do concreto e real, do relacionamento humano. Ora, as pessoas têm sede de compartilhar, de olhar nos olhos... porque “o relacionamento humano direto, pessoal, enriquece, forja a personalidade. o contato com os outros nos torna mais humanos e melhores. Não há ninguém de quem não possamos aprender alguma coisa” (CHIMELLI, 2012).

Analisando outro produto televisivo, encontramos os programas de auditório que exploram as mazelas da vida, que se tornam espetáculos na televisão. A repetição de tais fatos através da tela, faz com que a sociedade encare assassinatos, tiroteios, chacinas, sequestros, guerras, como algo intrínseco à vida. Segundo Zuin, nos programas de auditório brasileiros, [...] os “enternecidos” apresentadores tramitam, com espantosa facilidade, entre o relato da filha que foi estuprada pelo próprio pai e os produtos de limpeza do patrocinador. Tais programas parecem ter a fórmula necessária para finalmente acabar com a sujeira que impregna tanto a camisa favorita quanto as relações parentais destruídas. Ao que parece, a violação do tabu do incesto pode ser expiada apenas se for exposta ao vivo para milhões de espectadores, numa espécie de cartase coletiva regressiva O escárnio ao qual os protagonistas são submetidos deixa de ser relevante diante da excitação que é promovida e fruída por todos aqueles que, masoquistamente, se identificam com a tragédia e sadicamente concluem que sua desgraça particular é risível diante dela [...] Numa sociedade cada vez mais excitada, as pessoas buscam se sentir energizadas, “adrenalizadas” pela fruição de produtos cada vez mais violentos (ZUIN, 2011, p. 55-56).

Paralelo a isso, a informação, como já citado anteriormente, é manipulada, trabalhada antes de chegar à tela. Cria-se assim a cultura do medo. Todos se sentem inclinados a se enclausurarem e postarem-se diante da televisão para saber qual o fato violento do dia. Segundo Goldberg, “nada gera

mais medo no indivíduo do que ficar mal informado ou desinformado. A informação superficial é extremamente perigosa e ela caracteriza nossa mídia” (GOLDBERG, 2012). Não foi por acaso que a sociedade colocou-se contra as campanhas de desarmamento promovidas pelo governo federal. A sociedade é preparada, através da televisão, para o medo. Em contrapartida, a juventude amedrontada e ao mesmo tempo exposta constantemente a situações de violência, demonstra prazer com o sofrimento, com a adrenalina de situações limite. A violência diária não é mais capaz de despertar emoções fortes e excitação, então busca-se emoções em brinquedos radicais de parques de diversões – fartamente propagandeados pela televisão – e em programações televisivas que remetem a morte, demônios, zumbis, vampiros, como os seriados The Walking Dead, O Diário de um Vampiro, originalmente produzidos em HQ e série literária – e Supernatural – produto feito especialmente para TV. A Saga Crepúsculo – originária de série literária – estreou nos cinemas, mas aos poucos chega a televisão através de concessões a canais fechado e abertos. A despeito das particularidades, em todos esses produtos nota-se a presença da ânsia, da volúpia pelo choque. Não basta mais concluir que os indivíduos que consomem esses produtos se habituam com os choques a que masoquistamente se submetem: o fato é que eles procuram compulsivamente o contato com situações limite que quase tocam a morte e que os façam lembra-se que estão vivos. Há uma busca incessante por aquilo que choque, que faça estremecer (de preferência com grande intensidade) as gastas trilhas mentais e os próprios sentidos entorpecidos (LASTÓRIA Apud ZUIN, 2011, p. 55).

Em seus estudos, Freud buscou “estabelecer as diferenças entre a teoria do choque e as análises psicanalíticas que aludem ao estudo etiológico das neuroses traumáticas. [...] relacionando a origem de tais neuroses a uma ruptura no escudo protetor contra estímulos”. Segundo Zuin, o próprio Freud critica essa teoria pelo fato dela deferir maior importância a “violência mecânica” sofrida pelo indivíduo no momento do trauma, que leva a prejuízos na estrutura molecular, ou mesmo na estrutura dos tecidos e órgãos do sistema nervoso, e este conclui que “é necessário não analisar a violência mecânica, mas investigar o papel determinante do susto e da ameaça à vida” (FREUD Apud ZUIN, 2011, p. 51). O que percebemos é que nossa sociedade e principalmente, nossa juventude, é formada para a neurose, e que acabam respondendo a essa violência com mais violência. Segundo Skinner, em sua perspectiva teórica, ele

apresenta uma visão mais complexa, defendendo que não bastam estímulos externos de natureza física para provocar emoção, mas que esta resulta também de ação do sujeito em seu ambiente criando novas relações e situações que podem provocar emoções. O sujeito não é passivo a receber estímulos, mas gera relações e estímulos também que, por sua vez, fazem surgir novas formas de tocar e ser tocado (CHRISTOV, 2011, p. 38).

Ou de bater e ser espancado. A violência nas ruas, a indisciplina nas escolas também são geradas por esse clima de violência incitado pelas imagens televisivas. E relembrando as crianças que tem a televisão como babá, Falta relação humana com a televisão. Ali não há troca, e sim o fortalecimento da sensação de que se é o dono do mundo. Crianças que não saem da frente da tela do vídeo tendem a ficar centradas em si. Hoje, identifica-se uma patologia de vídeo-dependência que caracteriza crianças com baixa resistência à frustração e a incapacidade de adequar-se a normas e responsabilidades. Podem ficar alienadas, agressivas ou medrosas – medo e agressividade andam juntos (CHIMELLI, 2012).

Diante de todos esses fatos o papel da escola se torna muito mais complexo. Em primeiro lugar devemos atentar que tudo o que foi discorrido até o momento é a fonte que alimenta esteticamente - ou inesteticamente,– nossos jovens. Segundo Aguirre, [...] constatamos que os repertórios da cultura visual e do mundo da música conformam eixos que articulam os imaginários juvenis [...] os repertórios visuais dos jovens estão, basicamente, configurados pelos meios eletrônicos, televisivos e gráficos de difusão massiva [...] Jamais houve na história, um acesso tão fácil e barato às imagens [...] por outro lado, essa abundância na quantidade de recursos icônicos e sonoros não se faz acompanhar de variedade. De modo que, os repertórios estéticos juvenis se caracterizam também pela redundância, como é usual nas culturas de massa (AGUIRRE, 2011, p. 4).

Ou seja, mesmo a programação dos canais ditos “pagos” é formulada dentro de parâmetros padronizados o que não abre margem para novidades. As novidades são ilusórias. Segundo Durão, nos programas de “monopólio comunicacional – Rede Globo – ou nos das televisões por assinatura, os canais repetem padrões recorrentes, diferenciando-se apenas superficialmente” (DURÃO, 2011, p. 40). O mundo televisivo permeia as salas de aula. Os conteúdos oficiais das escolas competem com toda a gama de conteúdos expostos diariamente pela televisão, e muitas vezes a avalanche de informação - e desinformação - acaba se sobrepondo aos conteúdos trabalhados pelos professores. No contexto da juventude de hoje, a pedagogia escolar está sendo suplantada pela pedagogia cultural, ou seja, aquela que advém dos meios de comunicação de massa (cinema, televisão, videogames, música popular, internet, publicidade, etc.) com as quais os jovens interatuam em seu tempo de ócio. Esta cultura massificada transmite valores e aporta conhecimentos aos processos identitários. Esta é uma questão premente para qualquer projeto educativo da atualidade (BARBOSA, COUTINHO, 2011, p. 48).

Os conteúdos sobre estética e indústria cultural fazem parte dos currículos de Filosofia e Sociologia, como busca da reflexão sobre a coisificação do ser humano na sociedade contemporânea. No entanto, a Arte tem um papel extremamente importante no quesito dos produtos televisivos, pois existe a possibilidade de ampliar essa visão, esse olhar apurado de maneira bem mais efetiva, ou seja, apreciando esses produtos de maneira contextualizada. Segundo Barbosa e Coutinho,

a educação para a cultura visual vem se configurando hoje no Brasil como uma estratégia pedagógica diante da complexidade das sociedades contemporâneas. É um campo de investigação transdisciplinar e transmetodológico, ou seja, é necessário o concurso e colaboração de diferentes disciplinas e estratégias metodológicas que reforçam a ideia de interdisciplinaridade (BARBOSA, COUTINHO, 2011, p. 49).

O trabalho conjunto entre Arte, Filosofia e Sociologia agrega maior valor à compreensão da sociedade em que vivemos por parte dos alunos, e das estratégias comerciais que abarcam todos os ambitos dessa sociedade, inclusive da própria educação - das faculdades onde, por ventura, esses alunos desejem dar continuidade a seus estudos, por exemplo. A escola deve munir-se de uma postura crítica de maneira a não servir como ferramenta para “reorganização de um negócio que, por meio dos mais racionais procedimentos, produz e disponibiliza mercadorias de sucesso” (GRUSCHKA, 2011, p. 176). Uma forma de se alcançar uma apreciação efetiva dos produtos televisivos é a utilização da abordagem pós-moderna, ou seja, a leitura das intenções de que perpassam tanto a produção desses produtos como sua veiculação na televisão. Por exemplo, através da Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, onde

o eixo da proposta passou a ser a leitura contextualizada da obra ou imagem. Porém, precisamos entender esta leitura não apenas como leitura crítica da materialidade da obra e de seus princípios decodificadores, mas também como leitura de mundo, como indica Paulo Freire. “Leitura de palavras, gestos, ações, imagens, necessidades, desejos, expectativas, enfim, leitura de nós mesmos e do mundo em que vivemos “Neste sentido, este princípio de leitura está mais próximo da ideia de interpretação cultural e a ação contextualizadora está intrinsecamente relacionada ao ato de ler, ouvir... perceber e significar o mundo (BARBOSA Apud, BARBOSA, COUTINHO, 2011, p. 51).

Dentro dessa linha, o método de Edmund Feldmam é bastante interessante pelo fato de propor a leitura de duas ou mais obras, levando a uma comparação e, automaticamente, ao desenvolvimento de um juízo de valor, uma visão crítica. Apreciando obras da indústria cultural, populares, e da alta cultura, o jovem terá condições de realmente chegar, de forma autônoma, a suas próprias conclusões. Feldman propôs uma metodologia para apreciação crítica, como resumiu Ana Mae [...], que consta de um processo no qual os estudantes são convidados a debater de modo crítico, sobre as obras de arte que estudam, de acordo com quatro processos de aproximação com as obras. Descrição: inventário do que se acha visível na obra. Análise: a relação entre os elementos visuais e os princípios que os organizam. Interpretação: a identificação de temas e ideias no trabalho com o objetivo de encontrar significados. Juízo: tomar decisões sobre o êxito, o valor ou fracasso do objeto artístico. Nesta fase é interessante comparar os trabalhos estudados com outros (COUTINHO, 2012, p. 44-45).

Essa forma de abordagem de conteúdos diversos e, principalmente, dos conteúdos televisivos e da Indústria Cultural, possibilitam uma visão mais ampla da obra. É uma abordagem aberta às diversidades culturais e que merece uma metamediação que cria a possibilidade de adotar todas em justaposição, mas também, e sobretudo, de confrontá-las. Com fins dialéticos ou dialógicos e com interpretantes dialéticos ou dialógicos, elas exploram os antônimos, as oposições, as contradições e as alternâncias para nutrir e esclarecer os debates, como também para proceder à desconstrução e à reconstrução dos componentes da paisagem cultural. [...] As mediações dialéticas e dialógicas contribuem para o desenvolvimento da capacidade de pensar o fenômeno cultural na sua complexidade, explorando as contradições das representações e crenças da instituição cultural, mas também as contradições de seus públicos (DARRAS Apud COUTINHO, 2012, p. 35-36).

Esse tipo de abordagem recebeu o aval dos filósofos da Escola de Frankfurt, da qual Adorno, principal crítico das estratégias consumistas da Indústria Cultural, fez parte. Esses filósofos concluem que o contato com obras de arte particulares, próprias de um tempo e lugar, é imprescindível para que se chegue a um juízo estético. [...] Para “os frankfurtianos a Estética recupera a importância da sensação, bem como da racionalidade, na constituição de um sujeito autônomo, de plena posse de suas potencialidades. Isso porque, embora a razão comprometida com a exploração capitalista se projete em todo pensamento, a obra de arte que não seja reflexo dessa realidade pode revelar outra noção de razão (BOLOGNESI, PORTICH. SILVA, 2012, p. 12).

Conclui-se então, que fechar as portas para os produtos da Indústria Cultural, atualmente, é impossível. Não podemos simplesmente desligar a televisão, deixar de frequentar shoppings, academias, assistir campeonatos esportivos. Exigir isso de nossos alunos se torna simplesmente uma utopia. Vivemos em uma sociedade capitalista. Mas isso não impede que convivamos com a Indústria Cultural e suas divulgadoras de forma consciente. Para alcançar uma visão crítica tanto em nós, professores, como nos nossos alunos, é necessária a inclusão efetiva de tais conteúdos no Currículo de Arte, pois o que observamos nesse currículo, atualmente, são citações de tais conteúdos - como na situação de aprendizagem da segunda série do Ensino Médio, por exemplo. Esta propõe a criação de um jingle. Esse tipo de atividade pode até levar a uma reflexão do real objetivo do jingle, mas não a uma reflexão contundente. Apesar de ser um conteúdo que faz o link com os produtos da indústria cultural, a abordagem proposta não promove uma apreciação concreta do alcance desse elemento da propaganda. Para tanto, concluímos que essa abordagem deve ser mais explicita, ou seja, levar os conteúdos televisivos para a sala de aula, apreciar cenas de novela, propagandas, merchandisings, entre outros, juntamente com os conteúdos de obras da alta cultura e da cultura popular. Ampliar as apreciações propostas nos conteúdos e incluir os produtos da Indústria Cultural no Currículo de Arte. Isso possibilita que o jovem tenha condições de perceber o que é popular e o que é popularesco, o que é construído como um produto para venda e o que é produto artístico. Portanto, esse conteúdo deve

aparecer em toda sua plenitude, de maneira a ser apreciado, analisado, comparado e julgado dentro dos parâmetros da abordagem triangular, inclusive, servindo de elemento para a criação/crítica. A abordagem explicita de tais conteúdos pode levar a uma maior reflexão por parte do professor também, visto que este é um ser humano convivendo, tanto quanto seus alunos, nesse contexto e sendo atingido pelos mesmos conteúdos e produtos televisivos. E esse professor é o principal agente que possibilita uma abordagem crítica de todo esse conteúdo. Sendo assim, existe a necessidade de um maior desenvolvimento da visão crítica no professor, através de formações continuadas. Esse é o ponto primordial, de maneira que ele se encontre munido do conhecimento necessário para o desenvolvimento de uma abordagem coerente desses conteúdos televisivos, e não levado a replicá-los como regras a serem seguidas, pregadas pela televisão. E finalizando, concluímos com a frase de Durão que resume muito bem a proposta aqui apresentada, produzir sentido a partir daquilo que parecia a princípio mera repetição pode ferir a experiência concreta de consumo dessas mensagens – no limite uma mera reação a estímulos, à calma ou a excitação - , mas corresponde a única forma satisfatória de lidar com um universo com o qual não se pode mais relacionar (DURÃO, 2011, p 42).

Considerações Finais A indústria cultural busca cercar o ser humano por todos os lados e a televisão é uma ferramenta bastante eficiente nesse intento, graças a seu alcance, pois se encontra em praticamente todos os domicílios. Tendo em vista que o principal objetivo da televisão é a propaganda e que a sua força de manipulação é veemente no que tange a questões comportamentais, psicológicas, sociais, entre outras, a educação é a principal forma de sinalizar aos jovens as consequências das abordagens televisivas. Como desligar a televisão é impossível, então o ideal e encará-la de forma consciente. Transformar os produtos veiculados pela televisão em objetos de apreciação artística é uma maneira de ampliar a visão reflexiva e crítica dos jovens. Trabalhando em paralelo com a Filosofia e a Sociologia, a Arte acrescenta uma nova abordagem para os temas da indústria cultural, pois possibilita a leitura desses produtos de forma mais contundente. A Arte carrega em seu cerne as ferramentas necessárias para isso - a apreciação, a contextualização o fazer artístico a partir das análises – a Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa que, inclusive, sugere também o método de Feldman para um maior alcance crítico/reflexivo. No entanto, para que isso ocorra de maneira contundente, existe a necessidade de levar os produtos televisivos para a sala de aula de forma mais efetiva, incluindo-os no Currículo de Arte, ou seja, tornando-os oficias. O tratamento dado aos produtos da indústria cultural, atualmente, no currículo, não possibilita uma abordagem com esse alcance. Oficializar os produtos televisivos no currículo de Arte é transformar o currículo oculto, que permeia as salas de aula, em objeto de reflexão e crítica. Paralelo a isso, a formação continuada do professor é fundamental, pois ele é o mediador e seu preparo para lidar com as questões provenientes dos produtos televisivos e da indústria cultural torna-

se demasiadamente importante. Enfim, o trabalho interdisciplinar incluindo a Arte nesse contexto, possibilita a tirar a “barba do Tiradentes”, como diria Dimenstein (1990, p. 14). BIBLIOGRAFIA AGUIRRE, I. Imaginando um futuro para a educação artística. Tradução: Rodríguez I. O. e Clímaco D. A. Disponível em: . Acesso: 28/10/2011 BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. UNESP/REDEFOR. Módulo 1_Disciplina2: Ensino da Arte no Brasil: Aspectos Históricos e Metodológicos. Curso de Especialização em Arte UNESP/REDEFOR. Disponível em: . Acesso em 25/11/2011. BOLOGNESI, M. F., PORTICH, A., SILVA A. S. Z. Módulo 4_Disciplina7: Estética: História de um Conceito, Visões contemporâneas e Educação Estética. Curso de Especialização em Arte UNESP/REDEFOR. Disponível em: < http://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/46360/2ead_ art_m4d7.pdf> Acesso em: 20/06/2012 CHIMELLI, Mannoun. Linguagem Televisiva: Linguagem Emocional x Racional. Disponível em: Acesso em: 30/08/2012. CHRISTOV. L. H. S. UNESP/REDEFOR. Módulo 2_Disciplina3: Emoção, Percepção e Criatividade: a contribuição da Psicologia para Artes e Ensino de Artes. Curso de Especialização em Arte UNESP/REDEFOR. Disponível em: . Acesso em 25/01/2012. COELHO, João Marcos. Gênios da publicidade ridicularizam a música clássica. Disponível em: Acesso em: 16/12/2012. COUTINHO, R.G. UNESP/REDEFOR. Módulo 3_Disciplina6: Recepção e Mediação do Patrimônio Artístico e Cultural. Curso de Especialização em Arte UNESP/REDEFOR. Disponível em: Acesso em 16/05/2012. Currículo do Estado de São Paulo: Arte/ Coord. Maria Inês Fini; São Paulo: SEE, 2010. Currículo do Estado de São Paulo: Ciências Humanas e suas Tecnologias/Secretaria de Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Paulo Miceli; São Paulo: SEE, 2010. DEWEY, J. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2012. DIMENSTEIN, Gilberto. As Armadilhas do Poder. São Paulo: Summus Editorial, 1990. DURÃO, Fabio, A.; FRANCO, Renato; GRUSCHKA, Andréas; VAZ, Alexandre F.; ZUIN, Antonio; (Org). DURÃO, Fabio A.; ZUIN, Antonio; VAZ, Alexandre F. A Indústria Cultural Hoje. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. GOLDBERG, Jacob P. Mídia, Medo e Sociedade. Disponível em: Acesso em: 19/11/2012. ROSA, Guilherne; YARAK, Aretha. Cirurgias plásticas: começou a temporada de busca pela perfeição. Disponível em: . Acesso em: 11/12/2012.

*Arte Educadora. Educação Artística com Habilitação em Desenho. Universidade São Judas Tadeu. Pedagogia. Uninove. E-mail: [email protected]

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