UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA O CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DOS INTELECTUAIS NA DÉCADA DE 1930 E 1940

June 6, 2017 | Autor: Carla Almeida | Categoria: Memoria Histórica, Patrimonio Cultural, CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, Memoria, Jurema Sagrada
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

O CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DOS INTELECTUAIS NA DÉCADA DE 1930 E 1940

CARLA MARIA DE ALMEIDA

Orientadora: Profª. Drª. Solange Pereira da Rocha

João Pessoa- PB AGOSTO - 2014

O CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DOS INTELECTUAIS NA DÉCADA DE 1930 E 1940

CARLA MARIA DE ALMEIDA

Monografia apresentada como requisito de conclusão do curso de Licenciatura Plena em História do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – UFPB, em cumprimento das disposições formais para a obtenção do grau de Licenciada em História.

Orientadora: Profª. Drª. Solange Pereira da Rocha

JOÃO PESSOA – PB 2014

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Almeida, Carla Maria de. O Catimbó-Jurema pela ótica dos intelectuais na década de 1930 e 1940. / Carla Maria de Almeida. - João Pessoa, 2014. 69f.:il. Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Solange Pereira da Rocha 1. Catimbó-Jurema- (PB). 2. Religiosidade. 3. Fotografias. I. Título.

BSE-CCHLA

CDU 299.6

2. Catimbó-Jurema- (PB). 2. Religiosidade. 3. Fotografias. I. Título.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

CARLA MARIA DE ALMEIDA

O CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DOS INTELECTUAIS NA DÉCADA DE 1930 E 1940

Monografia aprovada em 20/08/2014

PROFESSORES EXAMINADORES

____________________________________________ Profa. Dra. Solange Pereira da Rocha (Orientadora) Departamento de História (DH/CCHLA/UFPB)

________ Nota

____________________________________________ Prof. Dr. Elio Chaves Flores Departamento de História (DH/CCHLA/UFPB)

________ Nota

____________________________________________ Profa. Dra. Bernardina Freire de Oliveira Departamento de Ciência da Informação (DCI/CCSA/UFPB)

________ Nota

JOÃO PESSOA 2014

Dedico aos juremeiros e às juremeiras, à sua história de fé, luta e resistência.

AGRADECIMENTOS Um trabalho monográfico é construído a partir da dedicação e experiência adquirida em longos quatro anos e meio. Sendo assim, se constitui em um trabalho resultante da contribuição de muitas pessoas, nas quais pude contar tanto na minha vida acadêmica, quanto na minha vida pessoal. Inicialmente, gostaria de agradecer meus pais, Carlos e Olívia, que sempre me inspiraram o saber e investiram esforços para minha continuação nos estudos. Segundo, meus irmãos, Júnior, Olívia e Lucas, em especial minha irmã, que é também, uma grande companheira. Agradeço também, ao meu núcleo familiar mais extenso, minha amada avó, meus tios, em especial tia Fátima, tio Jú, tio João, tia Edna e tio Assis. Como também, minha prima Dany, que além de prima, é uma querida amiga. Além de Maria e Luíza, que são também parte da família. Quero agradecer enormemente a minha orientadora, Profª Drª Solange Rocha, que aceitou me orientar. Agradeço pelas valorosas contribuições, pelos livros indicados, pelo compromisso e dedicação que tem com seus alunos. O agradecimento se estende também, ao corpo docente do curso de História da UFPB, em especial Regina Célia, Regina Behar, Ângelo Emílio, Claudia Lago, Mozart Vergetti e Jonas Duarte, que contribuíram para minha formação e compreensão acerca da responsabilidade social e educacional do “ser historiador e professor de História”. Agradeço também, à Profª Drª Vitória Lima, que foi quem me indicou o Acervo Simeão Leal, apontando um norte para meus estudos. Não poderia deixar de fazer um agradecimento especial à Profª Drª Bernardina Freire, que possibilitou meu acesso ao arquivo referido e contagiou-me com sua vivência e trabalho com os documentos de Simeão. Agradeço ao pessoal do Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual – IDEME, onde estagiei nos últimos dois anos, em especial ao mestre Carlinhos, ao pai Abraão e às queridas e amadas Neide, Neuma , Zefinha e Simone, que tornaram e ainda tornam minhas manhãs mais alegres e cheias de vida. Agradeço às pessoas que somam diariamente em minha vida, meus amados amigos e companheiros Gabirobs, Landson, Victor, Maria Carol e Bianka, como

também, Tyrone, Murilo, Cláudia (Ed), o cunhado preferido, PF, e à querida Ju Fonseca. Não posso deixar também, de agradecer de uma de forma especial a Bodun, que com seu conhecimento espiritual fez com que me encantasse, e cada vez mais me aproximasse das religiosidades afro-indígenas, e ao querido menino Ângelo que, com suas cutucadas, desperta em mim diferentes sentimentos, reflexões e questionamentos. Também estendo um agradecimento especial aos meus historiadores preferidos, com quem troco figurinhas, tomo um cafezinho, enfim, divido meu dia-adia, como também, as angústias e os prazeres acadêmicos: Janyne, a amada burguesinha de Bayeux; Dayanny, a “derrubadora” de bois mais forte do sertão; Larissa, a baiana mais dramática e arretada; Luíz, o que só vive para a academia, além de Juliana Dantas, Fernando, Ana Débora, Brandão, Diego e Amanda. Incluindo também, aqueles que contribuem com seu conhecimento e com a amizade, os amados Said e João, Fábio (que me indicou as primeiras leituras sobre a Jurema), as queridas Lelê e Vânia.

“..Eu vou pedir ao meu mestre pra me ensinar a trabalhar Com a força da Jurema, Angico e do Vajucá..” (Toada de Jurema, domínio público)

“...Foi a jurema de sua beleza que embriagou os meus sentidos!” (Trecho retirado do poema Catimbó, presente do livro de mesmo nome de Ascenso Ferreira (1988[1927])

RESUMO No início do século XX, houve uma intensificação na produção de escritos e registros acerca da cultura popular por parte dos intelectuais brasileiros. Nesse período, as religiosidades afro-indígenas eram caracterizadas como uma manifestação folclórica, especialmente o Catimbó-jurema, oriunda e tradicional do estado da Paraíba. Tomando como fonte as pesquisas realizadas pela Missão de Pesquisas Folclóricas, de Mário de Andrade, quando esta esteve no estado, em 1938, e os registros fotográficos tirados pelo intelectual paraibano José Simeão Leal na primeira metade da década de 1940, buscaremos compreender a religiosidade do Catimbó-jurema no estado da Paraíba durante esse período. O presente trabalho monográfico propõe realizar, a partir das fontes consideradas e do uso de uma metodologia adequada para se trabalhar com fotografias, uma análise de como o Catimbó-jurema foi visto e registrado pelos pesquisadores e intelectuais das décadas de 1930 e 1940. A partir das imagens, buscamos mostrar como os registros realizados pela Missão corroboraram para a permanência de uma visão estereotipada da religiosidade Catimbó-jurema. Se opondo aos registros realizados por Simeão Leal, em que se observa a riqueza dos elementos que constituem a religiosidade. No entanto, ambos os estudos são importantes por refletirem pioneiramente sobre o Catimbó-jurema, religiosidade que é tradição ainda hoje. Palavras-chave: Catimbó-Jurema. Paraíba. Fotografias. Anos de 1940.

LISTA DE FOTOGRAFIAS Fotografia 1: Ritual de Catimbó do mestre Luís Gonzaga Ângelo (Torrelândia, 1938) ........................................................................................................................ 36 Fotografia 2: Catimbozeiros do bairro da Torrelândia, 1938 ................................. 37 Fotografia 3: Mestre Luís Gonzaga Ângelo e sua “secretária”, 1938 .................... 37 Fotografia 4: Catimbozeira deitada no chão .......................................................... 38 Fotografia 5: Desenho de catimbozeira deitada no chão ........................................ 38 Fotografia 6: Símbolo de Caboclo Pena Branca e Salomão no chão do terreiro ... 51 Fotografia 7: Mulheres no terreiro ......................................................................... 52 Fotografia 8: Mesa com elementos cristãos ........................................................... 53 Fotografia 9: Homem incorporado pelo Caboclo Pena Branca .............................. 54 Fotografia 10: Homens incorporados ..................................................................... 55 Fotografia 11: Mulher incorporada fumando um charuto ...................................... 55 Fotografia 12: Homem incorporado ....................................................................... 56 Fotografia 13: Mulher incorporada ........................................................................ 56 Fotografia 14: Mulher incorporada ........................................................................ 57 Fotografia 15: Mulher incorporada com um charuto na boca................................. 58 Fotografia 16: Homem incorporado........................................................................ 58 Fotografia 17: Mulher incorporada ........................................................................ 59

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 11 1 CULTURA POPULAR E OS ESTUDOS SOBRE O CATIMBÓ NO BRASIL.... 17 1.1 ESTUDOS SOBRE A RELIGIOSIDADE AFRO-INDÍGENA.................................. 21 2 O CATIMBÓ-JUREMA E A REPRESENTAÇÃO DA MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS ............................................................................................................. 27 2.1 A MISSÃO DE PESQUISAS FOLCLÓRICAS E OS PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE O CATIMBÓ-JUREMA PARAIBANO.............................................................. 33 3 CATIMBÓ-JUREMA PELA ÓTICA DE SIMEÃO LEAL................................... 44 3.1 QUEM FOI JOSÉ SIMEÃO LEAL?........................................................................... 44 3.2 O ACERVO JSL.......................................................................................................... 46 3.3 CATIMBÓ................................................................................................................... 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 65

INTRODUÇÃO “Umbanda e Candomblé não são religiões”, afirmou o juiz federal Eugênio R. de Araújo1, em maio de 2014, ao negar o pedido de retirar da internet vídeos gravados por pastores e protestantes que estimulam o ódio às religiosidades afro-indígenas. Casos como esse, dentre tantos outros, vistos diariamente nos jornais e sites jornalísticos, mostram como as religiosidades afro-indígenas sofrem preconceitos e ainda, perseguição. Tal preconceito é uma herança herdada ainda do período colonial, tempo em que qualquer manifestação religiosa que não fosse a cristã católica era tida como algo demoníaco, especialmente as cultuadas pelos batuques dos negros e pelos “feiticeiros” indígenas.

A persistência em estereotipar as religiosidades afro-indígenas hoje é

motivada pela ignorância das pessoas, que não buscam conhecer essas religiões, como também, pela intolerância pautada no fundamentalismo religioso, principalmente por parte das religiões neopentecostais. Diante desse cenário, vê-se a necessidade em se discutir essas religiões, buscando promover uma conscientização para o respeito. O interesse pela temática se deu não apenas pela identificação cultural e religiosa, mas, visa contribuir para os estudos acerca de grupos que foram excluídos da História. Assim, o presente trabalho apresenta fragmentos da representação dessas religiosidades, em especial do Catimbó-jurema, na Paraíba, em 1938, com os registros da Missão de Pesquisa Folclórica e na primeira metade da década de 1940, com as fotografias tiradas pelo intelectual paraibano José Simeão Leal. O Catimbó-jurema consiste em uma religiosidade oriunda da cidade paraibana de Alhandra, apesar de indígena a religiosidade recebeu influências das religiões negras, católica e dos ritos europeus. Seu ritual é realizado com o intuito de estabelecer o contato com as entidades cultuadas (como caboclos, mestres, pretos-velhos, entre outros) para que este resolvam seus problemas diários, cure doenças e ofereça consolo, para isso, os fiéis seguem tradições no desenvolvimento do rito, por meio de cantos,

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Trecho retirado da reportagem “Umbanda e Candomblé não são religiões, diz juiz federal” (16/05/2014), de Fabio Brisolla, do jornal “Folha de São Paulo” disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455758-umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes-diz-juizfederal.shtml Acesso: 24 de jul. de 2014.

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danças e práticas (como a bebida do vinho da jurema e o fumo do cachimbo). Os rituais são costumeiramente realizados no interior de um terreiro ou dentro de uma mata. Foram consideradas fontes primárias as fotografias de um ritual de Catimbójurema, retiradas por José Simeão Leal, na primeira metade da década de 1940, quando este pesquisava sobre a cultura popular no estado da Paraíba. A documentação é encontrada no Arquivo José Simeão Leal, depositado, desde 2009, no Núcleo de Documentação e Informação Histórico Regional (NDHIR/UFPB). O Acervo José Simeão Leal (AJSL) constitui tanto em um espaço de memória do próprio Simeão Leal, quanto das pessoas que tiveram contato e deixaram rastros em sua vida, como, por exemplo, as pessoas registradas pelos seus cliques em sua pesquisa sobre a cultura popular. A partir da chamada Nova História, originária do grupo de historiadores que estava associado à revista francesa dos Annales, há uma erosão da história positivista, na qual se limitava à uma tradicional narrativa dos fatos políticos, em detrimento da construção de uma história-problema, que dialoga com outras disciplinas como a Antropologia, Sociologia, Linguística, Economia e Geografia, além de ampliar as possibilidades de fontes históricas, antes restritas à documentação oficial escrita. O contato com outras disciplinas permitiu à História, a incorporação de novas metodologias de pesquisas, novos questionamentos e possibilidades de estudo. Temas como religiões, sexualidade e sentimentos passaram a ser discutidos e estudados pelos historiadores. Dado ao avanço nos estudos culturais, entre as décadas de 1960 e 1990, a Antropologia aproximou-se da nova História Cultural, possibilitando assim, novas perspectivas socioculturais que contribuirão com as pesquisas e estudos sobre a cultura popular por meio da História Social. É com a História Social e a Nova História Cultural, principalmente com as produções de Edward Thompson (1998) e Mikhail Bakhtin (1996 [1987]), que a história dos “homens comuns” e a cultura popular ganharam espaço nas produções historiográficas. Assim, são com esses gêneros históricos, que os costumes, hábitos, manifestações culturais, religiões e cotidiano dos “homens comuns” são representados na História.

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De acordo com Vainfas (1997), a teoria Thompsiana admite uma relação entre a cultura dominante e a cultura popular. Da mesma forma Bakthin percebe uma relação e dinamização cultural entre os segmentos sociais. Os estudos de Bakthin inspiraram pesquisadores como Nestor Canclini, que realizou estudos acerca da dinamização e hibridismo entre culturas distintas. O conceito de folclore, como de cultura popular é bastante discutido entre os historiadores, como também, entre pesquisadores de outras áreas. Edison Carneiro, em “Dinâmica do folclore” (2008 [1950]), enxerga no folclore, um grupo de fenômenos sociais e culturais, elaborados do povo. No entanto, segundo o mesmo autor, o folclore é uma construção dialética, surgida a partir da interação entre a cultura dita dominante e a cultura popular. Outra importante contribuição da Nova História Cultural é a valorização da carta e da fotografia enquanto fontes históricas. As correspondências, por seu caráter privado, ou ainda, íntimo, relatam a subjetividade dos sujeitos, tornando-se importantes fontes para o conhecimento dos agentes históricos, bem como, para a reflexão acerca da representação dos temas discutidos (GOMES, 2004). As fotografias, por sua vez, também são consideradas importantes fontes de informação, constituindo-se em um fundamentais instrumentos para produção do conhecimento histórico, podendo revelar diversos olhares sobre acontecimentos e grupos sociais de determinados períodos da História. O trabalho do historiador consiste em abordar e problematizar as fontes históricas de acordo com as metodologias adequadas. Com a Nova História Cultural, ampliou-se o que se entende por fonte histórica, cartas, tradições culturais, vestimentas e costumes tornaram-se importantes fontes para o conhecimento dos sujeitos históricos. Para a elaboração deste trabalho, foram consultadas fontes presentes no Arquivo José Simeão Leal, cuja documentação se encontra no NIDHIR – UFPB. Tal acervo tem como curadora a professora Bernardina Freire2, é aberto ao público, no entanto, com restrição ao manuseio dos documentos, sendo viabilizado apenas com o acompanhamento de um responsável pelo local. O horário de funcionamento ocorre nos turnos da manhã e da tarde.

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Docente ligada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação.

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Assim, por meio de mapeamento e levantamento de questões, analisaremos a partir das fotografias tiradas por José Simeão Leal de um ritual de Catimbó-Jurema, informações acerca daquela religiosidade, de seu espaço e de seus integrantes. Vale salientar a importância dessas imagens tanto pela raridade da existência de um conjunto fotográfico acerca desse ritual na Paraíba, durante a década de 1940, quanto pela proibição em realizar fotografias dos rituais. Encontram-se no Arquivo José Simeão Leal, quarenta e um registros fotográficos em preto e branco. Após o acesso às fontes, as fotografias foram devidamente digitalizadas e analisadas. Também são consideradas fontes os registros realizados pela Missão de Pesquisa Folclórica liderada por Mário de Andrade, no ano de 1938, como fotos, desenhos e gravações audiovisuais de um ritual de Catimbó, constitui em um importante vestígio da presença dessa manifestação religiosa na Paraíba, a referida documentação é encontrada na obra organizada por Vera Lúcia Cerqueira, intitulada “Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo” (2010). Também serão consideradas fontes, estudos sobre o folclore, com foco nas manifestações religiosas afro-indígenas, em especial, o Catimbó-jurema, produzidas nas décadas de 1930 e 1950. Dentre os autores, pode-se destacar Gonçalves Fernandes, com a obra “O folclore mágico do Nordeste” (1938), da coleção “Biblioteca de Divulgação Científica”, dirigida por Arthur Ramos, em que traz aspectos tanto do Catimbó nordestino, como da Barca ou Nau Catarineta. “O sincretismo religioso no Brasil” (1941) foi outra produção utilizada de Fernandes. Outro autor que fornece aporte à pesquisa é Roger Bastide. Utilizamos o livro “Sociologia do folclore brasileiro” (1959) e o texto “Catimbó” (1945), presente no livro “Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados”, organizado por Reginaldo Prandi (2011), e originalmente presente no livro “Imagens do Nordeste místico em preto e branco” (1945). Luís da Câmara Cascudo é também considerado um importante autor para a elaboração do presente trabalho, suas obras são referência no campo dos estudos folclóricos. Em Meleagro (1978 [1951]), o autor apresenta a presença do Catimbójurema no Nordeste. Além dos autores que realizaram pesquisas mais recentes, como as

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de Luiz Assunção, Ofélia Barros e Idalina Santiago, acerca da temática também serão consultadas, com o intuito de subsidiar a pesquisa. No capítulo I, intitulado Cultura popular e os primeiros estudos afroindígenas, refletimos brevemente acerca do interesse de intelectuais em se estudar a cultura popular, considerando as influências que a década de 1920, principalmente a Semana de arte Moderna, em 1922. Será também apresentado nesse capítulo, uma breve revisão historiográfica acerca dos estudos das religiosidades afro-indígenas no contexto brasileiro. No segundo capítulo, realizamos uma reflexão acerca do que se constitui a religiosidade Catimbó-jurema. Apresentamos também, os primeiros estudos sobre o Catimbó-jurema no estado da Paraíba, com os registros realizados pela Missão de Pesquisa Folclórica, liderada por Mário de Andrade e a obra de Gonçalves Fernandes, “O folclore mágico do Nordeste”, ambos do mesmo ano. No terceiro capítulo, analisamos tomando como fontes primárias as fotografias registradas por José Simeão Leal de um ritual de Catimbó-jurema, consultadas em seu arquivo, o Acervo José Simeão Leal. Na análise, compreendemos as características da religiosidade no período registrado, década de 1940, como também, a relação estabelecida entre os fiéis e o pesquisador, dentre outros possíveis aspectos. Assim, o presente trabalho monográfico realiza, a partir das fontes consideradas, uma análise de como o Catimbó-jurema foi visto e registrado pelos pesquisadores e intelectuais das décadas de 1930 e 1940, bem como, a relação e interação entre grupos oriundos de classes distintas. Ainda, apresenta aspectos da religiosidade de pessoas que foram excluídas da história e tiveram suas crenças por muito tempo perseguidas. Nas ultimas décadas tem se visto um crescimento de estudos que tem a religiosidade afro-indígena como tema, principalmente na área da Antropologia. No entanto, esses estudos ainda não alcançaram a maior parte da população, que possuem ainda, uma visão estereotipada acerca dessas manifestações religiosas, como é visto na reportagem do mês de maio do jornal “Folha de São Paulo”. Diante disso, reafirmamos aqui a necessidade e importância em ampliar os estudos e discussões acerca dessas 15

religiosidades, como uma forma de reprimir a intolerância religiosa, e evidenciar a contribuição dessas religiosidades para a cultura brasileira.

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1 Cultura popular e os estudos sobre o Catimbó no Brasil

De acordo com Carlo Marletti, são atribuídos dois significados ao termo “intelectuais”, Ao substantivo intelectuais podem ser atribuídos dois sentidos principais, aparentemente semelhantes, mas substancialmente diferentes. Em primeiro lugar ele designa uma categoria ou classe social particular, que se distingue pela instrução e pela competência científica, técnica ou administrativa superior à média, e que compreende aqueles que exercem atividades ou profissões especializadas. [...] Neste sentido, a noção de Intelectuais se torna sinônimo de técnicos [...]. Ao lado desta primeira acepção do termo, encontra-se muito frequentemente, nos ensaios de caráter sociológico e econômico, uma segunda acepção, mais vulgar na publicidade de atualidade literária e política, para a qual Intelectuais são os escritores ―engajados. Por extensão o termo se aplica também a artistas, estudiosos, cientistas e, em geral, a quem tenha adquirido, com o exercício da cultura, uma autoridade e uma influência nos debates públicos. Menos precisa do que a primeira, esta última acepção é também a mais interessante [...] porque com esta se relaciona o discutido problema do comportamento político dos Intelectuais e de sua atitude crítica e problematizante, que os inclinaria para a oposição de esquerda e, não raramente, também para o apoio militante de movimentos revolucionários. (MARLETTI apud LEAL, pag. 95-96).

É com a segunda definição que utilizaremos o conceito de “intelectuais”, no sentido de que, compreendemos como sujeitos dotados de conhecimento e saber, e que, por sua atuação em produções escritas, artísticas ou posicionamentos, são referências em determinados assuntos. A partir da década de 1920, surge um regionalismo que buscava refletir as diferentes formas e aspectos culturais presentes nas diversas áreas do país, moldados por novos valores e por novas concepções. Tais concepções são frutos das ideias suscitadas durante a Semana de Arte Moderna, em que a população brasileira tornou-se referência para as produções literárias. Lendas, mitos, cantigas populares serviram de inspiração para os artistas e escritores. A medida em que surge uma ideia de Nordeste, nasce o interesse pelo popular, tanto por seu registro, com a intenção de propagar e preservar a cultura folclórica, quanto como um mecanismo de controle e disciplina. Homens letrados e intelectuais modernistas buscavam definir um Brasil a partir de sua heterogeneidade e localidade, 17

criticando um Brasil europeizado. Para esses intelectuais, em especial Mário de Andrade, a cultura nordestina e, principalmente a sertaneja, torna-se a representação da cultura brasileira, uma vez que são atribuídas a estas, a cultura própria do povo brasileiro. No que concerne a historiografia mundial, Bakhtin (1996 [ 1987]) foi um dos pioneiros a trabalhar a cultura popular, especialmente durante a Idade Média até a metade do século XVI, sua perspectiva parte da existência de uma cultura pertencente à classe subalterna e outra cultura ligada à classe dominante, e que existe entre ambas, uma influência recíproca e de circularidade. Assim, a cultura ligada a um grupo não é homogênea, e sim heterogênea, uma vez que essa recebe influência de agentes exteriores. Cultura popular e folclore são dois conceitos que são muitas vezes identificados como sinônimos, outras, são considerados complexos e confusos. O que se pode concluir é que ambos estão diretamente relacionados. De acordo com Bastide (1959), o folclore foi definido no primeiro Congresso Nacional do Folclore, na cidade do Rio de Janeiro, em 1951, como um ramo da Antropologia, sendo este, o que estuda a cultura popular em oposição à cultura erudita. A definição proposta pelo congresso é bastante criticada, uma vez que, sabe-se pelos estudos realizados por Bakhtin (1996 [1987]), Canclini (2013 [1997]), entre outros pesquisadores, que não existe fronteiras rígidas entre culturas de grupos pertencentes à classe distintas, não sendo, essas, culturas opostas e homogêneas. Bastide (1959) vai afirmar que para se conhecer o folclore de um grupo, é necessário conhecer sua sociedade, “o folclore não flutua no ar, só existe encarnado numa sociedade, e estudá-lo sem levar em conta essa sociedade é condenar-se a apreender-lhe apenas a superfície” (BASTIDE, 1959, Introdução). De acordo com o “Dicionário do Folclore Brasileiro” (1972 [1954]), de Luís da Câmara Cascudo, folclore é: É a cultura do popular, tornada normativa pela tradição...A mentalidade, móbil e plástica, torna tradicional os dados recentes, integrando-os na mecânica assimiladora do fato coletivo, como a imóvel enseada dá a ilusão da permanência estática, embora renovada na dinâmica das águas vivas...Não apenas contos e cantos, mas a maquinaria faz nascer os hábitos, costumes, gestos, superstições, 18

alimentação, indumentária, sátiras, lirismo, assimilados nos grupos sociais participantes...O folclore estuda a solução popular na vida em sociedade...O folclore deve estudar todas as manifestações tradicionais na vida coletiva (CASCUDO, 1972 [1954], p.400-401).

Por sua vez, Ferretti (2007) vai afirmar que a cultura está relacionada ao imaterial, espiritual, à criatividade, liberdade de expressão e mudanças, acrescento, ainda, à tradição. Diante disso, fica claro a relação entre os conceito de cultura popular e folclore, não cabendo a nós, reconhece-las como sinônimos. Pode-se afirmar que as ideias modernistas antecederam a Semana de Arte Moderna. Desde 1870, intelectuais e folcloristas produziam obras com caráter inovador, moderno. Durval Muniz Albuquerque (2013), afirma que o interesse na cultura popular surge a medida em que emerge uma nova classe no Brasil pós-escravocrata (1888), a elite, em especial aquela ligada às atividades agrárias, busca repensar os critérios de distinção social, evidenciando os fatores que eram característicos de cada classe, entre eles, a cultura popular3. No entanto, essas ideias foram sistematizadas e tomaram forma a partir da organização de escritores e artistas quando promoveram a semana de 1922. Na Paraíba, a Revista Era Nova, fundada em março de 1921, na cidade de Bananeiras, pelo jornalista e literato Severino Lucena, circulou até 1926, teve um importante papel em publicizar as ideias modernistas e modernas4 no estado. A revista continha em seu conteúdo reportagens com ilustrações de mulheres dirigindo carros e com poses mais autônomas e independentes. Em 15 de maio de 1924, os editores da revista convida Joaquim Inojosa para ser o representante desta em Pernambuco, pois este vinha contribuindo com a revista em onze publicações. O referido intelectual pernambucano é conhecido por difundir em seu estado os ideais modernistas sulistas. Em resposta aos diretores da revista, Inojosa aceita o convite na condição de que ela deveria andar ao mesmo passo que a ideias modernistas, publicando em Recife, no Jornal do Commercio, uma carta, com o título “A arte moderna”, em que, além de informar a exigência, como pode-se perceber no trecho “Ou a Paraíba se filia ao 3

Atualmente o interesse pela cultura popular envolve outros fatores, a grande maioria motivados pelo lucro. Conforme afirma Canclini (2013 [1997], as manifestações culturais e as tarefas que elas envolvem não são mais exclusividades dos grupos étnicos ou de sujeitos pertencentes à cultura. Grupos distintos, sejam ligados às fundações privadas, como empresas de rádio, televisão, comércio, ou ao Estado, passaram a participar e atuar nos eventos considerados como de cultura popular. 4 Entende-se “modernistas” numa relação direta com os intelectuais da Semana de Arte Moderna, e “moderna”, como algo avançado para a conjuntura social da época.

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movimento renovador, ou, em arte, ficará no Morro do Castelo da antiguidade” (AZEVEDO, 1984, p.60), ele apresenta a importância e a presença dos modernistas em todo o Brasil. A carta suscitou uma ampla discussão de São Paulo ao Pará, alguns intelectuais se posicionaram contra, outros a favor de Inojosa. Câmara Cascudo, em cartas trocadas com Mário de Andrade, comenta acerca da resistência dos recifenses em aderir às ideias modernistas, em resposta, o futuro autor de Macunaíma afirma “Eu tenho por isso muita esperança nessa gente do Norte; mais dia menos dia de tanto ouvir e tanto matutar hão de ficar em dia com o tempo, você vai ver”5. Em Recife, havia um acirrado atrito entre os modernistas e regionalistas. O regionalismo era duramente criticado pelos modernistas pois não tinham em seu discurso a ideia de brasilidade. De acordo com Azevedo (1984), brasilidade era o conceito básico no discurso modernista, no entanto, compreender o nacional estava estritamente relacionado às particularidades de uma região. Alguns escritores transitavam entre essas tendências, as modernistas e regionalistas, construindo suas obras a partir de várias influências, como Ascenso Ferreira. Segundo Azevedo, “Ascenso Ferreira conseguiu realizar, para além dos pressupostos dos diversos grupos, uma poesia cuja marca característica pode ser definida como a brasilidade...nordestina” (AZEVEDO, 1984, p. 178). Característica muito presente em sua obra, “Catimbó” (1927). Aa referida obra contém dezenove poemas, cuja temática versa sobre a cultura e religiosidade popular. O primeiro poema, de mesmo no do livro, narra o lamento de um apaixonado, que pede ajuda ao mestre Carlos6, muito cultuado no Catimbó-Jurema, para que sua amada se interesse por ele. Pelos versos escritos, percebesse que o poeta tinha um conhecimento acerca da religiosidade citando, além de mestre Carlos, símbolos e rezas pertencentes à religiosidade. Mestre Carlos, rei dos mestres Aprendeu sem se ensinar... - Ele reina no fogo! - Ele reina na água! - Ele reina no ar! 5

Trecho de carta enviada a Luís Câmara Cascudo por Mário de Andrade, em 1926. (MORAES, 2010, p.85). 6 Mestres Carlos é uma entidade juremeira, de acordo com sua mitologia, ele tornou-se mestre após ter se deitado embaixo de uma árvore, sendo transformado em mestre pelas entidades juremeiras, e não iniciado na religiosidade, como todos (as) os (as) mestres(as) juremeiros(as).

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Pelas três-marias... Pelos três reis magos... Pelo sete-estrelo Eu firmo esta intenção, Bem no fundo do coração, E o signo-de-salomão Ponho como selo... (FERREIRA, 1988 [1927], p.13-14)

Apesar de estudos folclóricos e com interesse nas práticas populares terem sido realizados antes da Semana de Arte Moderna (1922), foi a partir dela, que se enfatizaram estudos que buscassem retratar o brasileiro enquanto sujeitos múltiplos e heterogêneos. Os anos 1930, durante o Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), foram marcados pelo fortalecimento e centralização do poder do Estado, buscando, assim, promover uma identidade nacional, cuja característica se limitava aos aspectos dos sudeste, em especial São Paulo e Rio de janeiro. Ao mesmo tempo, esse período é também caracterizado por uma renovação intelectual da sociedade brasileira, em que buscava redefinir a compreensão de nacionalidade, enfatizando a pluralidade cultural e identitária do Brasil. O tenentismo, a fundação do Partido Comunista Brasileiro – PCB e a Semana de Arte Moderna contribuíram para transformações políticas e sociais da década de 1920, os olhares dos intelectuais e historiadores, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. se voltaram para a valorização dos aspectos sociais e culturais brasileiros. As ideias propostas pelos modernos motivaram alguns intelectuais paraibanos a se dedicarem aos estudos da cultura popular nas décadas seguintes, em especial dos anos 1930 - 1950. Dentre esses, pode-se destacar alguns que voltaram suas pesquisas para a cultura dos povos afro-brasileiros, como Ademar Vidal, com as obras “Práticas e costumes Afro-brasileiros” e “Lendas e superstições: contos populares brasileiros”, e ainda, objeto de estudo deste trabalho, as pesquisas realizadas pelo paraibano José Simeão Leal, que realizou, na primeira metade da década de 1940, estudos sobre a cultura e religiosidade popular no estado.

1.1 Estudos sobre a religiosidade afro-indígena Paralelo aos estudos sobre o folclore nacional, intelectuais, principalmente ligados à área da Medicina, passaram a discutir questões raciais. Foi no seio do debate 21

acerca das relações raciais7 que emergiram estudos sobre as religiosidades afrobrasileiras, cujas principais abordagens se limitavam às consequências da dinâmica cultural entre os africanos e a população local na religiosidade popular, apoiada em pressupostos rígidos que enfatizavam uma vertente evolucionista que não valorizava as manifestações que fugissem do dito convencional, (BARROS, 2011). De acordo com Carneiro (2008 [1950]), Nina Rodrigues (1862-1906) abre os caminhos para os estudos acerca das crenças dos africanos e afro-indígenas, com “O animismo fetichista dos negros baianos” (1896) e “Os africanos no Brasil”, com publicação póstuma, em 1932. Além do médico maranhense radicado na Bahia, pesquisas como as de Roger Bastide, Ruth Landes, Arthur Ramos, são tidos como pioneiras na temática. Tais estudos estabeleceram classificações entre as religiões afro-indígenas: as denominadas de puras, o Candomblé baiano, e as chamadas de “não puras”, ou seja, as misturadas (ou ainda, degeneradas), como a Jurema8. No que tange aos estudos acerca do Catimbó-Jurema, posteriormente denominada apenas de Jurema, foram realizadas pesquisas por uma perspectiva de manifestação enquanto um objeto cultural folclórico. Os primeiros que se dedicaram a esse tema, como Gonçalves Fernandes (1938), Câmara Cascudo (1978 [1951]) e Roger Bastide (2011, [1945]), afirmaram que a Jurema, em toda sua conjuntura, é considerada de menor complexidade em comparação às outras religiosidades afro-indígenas, dada à sua formação constituir-se a partir de um universo rústico, advindo de raízes indígenas e camponesas, sendo assim, considerada uma degeneração do cristianismo ou um desdobramento de práticas mágicas. Conforme se pode ver no trecho presente no texto “Catimbó”, de Roger Bastide, Nessa pobreza geral, que a imaginação do povinho procura corrigir com o bazar de um mascate louco, um elemento lembra o velho culto indígena, é a bacia na qual bóia o ramo de jurema, na qual se prepara a bebida mágica e que toma o nome de princesa .(BASTIDE, 2011[1945], p. 153).

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O debate acerca das relações raciais no Brasil surgiu no século XIX, entre os principais autores pode-se destacar: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Manoel Querino, Gilberto Freyre, Edison Carneiro e Roger Bastide. 8 Autores como Peter Fry, Yvonne Maggie, Beatriz G. Dantas e Renato Ortiz buscam desconstruir as afirmativas que elevam o candomblé e apontam a necessidade de realizar discussões que abordam as demais religiões afro-brasileiras, uma vez que estas também ocupam um espaço na religiosidade popular.

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No trecho citado, Bastide refere-se aos juremeiros em um tom pejorativo de “povinho”, indicando ainda, a “pobreza geral” do ambiente. O texto do pesquisador é todo construído a partir de uma comparação entre o Catimbó-jurema e o Candomblé baiano, em que a jurema é sempre apresentada como um culto pobre, simples, rude, enquanto o candomblé, como algo lúdico, complexo, belo, com vários adornos e ornamentos. É importante salientar, que a pesquisa feita por Bastide foi realizada em 1945, período em que a Umbanda e o Candomblé não tinha se estabelecido na Paraíba. Essa visão estereotipada é também visível na obra Meleagro (1978) e no “Dicionário do Folclore Brasileiro” (1972 [1954]), ambos de Câmara Cascudo. Como se pode ver na definição de Catimbó: Feitiço, coisa-feita, bruxedo, muamba, canjerê e também o conjunto de regras e cerimônias a que se obedece durante a feitura do encanto...O catimbó não é religião. Não tem ritos maiores, como o candomblé baiano, o xangô pernambucano, sergipano ou alagoano, ou a macumba carioca...O mestre é uma sobrevivência do feiticeiro europeu e não um colega do babalorixá, babalaô ou pai-de-terreiro banto ou sudanês...É uma presença da velha feitiçaria, deturpada, diluída, misturada, bastarda, mas reconhecível e perfeitamente identificável (CASCUDO, 1972 [1954], p.257-258).9

Não sendo considerada uma religião, era atribuído ao Catimbó as características como de baixo-espiritismo e uma deturpação das manifestações religiosas europeias. No entanto, sua popularidade é percebida pelos estudiosos, que viam o Catimbó como “prestigioso nos arredores das grandes cidades, consultório infalível para pobres e ricos” (CASCUDO, 1972 [1954], p258). Sendo essa uma prática coletiva, a religiosidade Catimbó-jurema era considerada uma manifestação folclórica. Tal perspectiva em relação à Jurema ocorria à todas as manifestações religiosas de matrizes afro-indígenas que fossem diferentes do Candomblé jeje-nagô, e era bastante comum entre os denominados autores pioneiros do campo de estudos afro, desde Nina Rodrigues, passando por Artur Ramos, Edison Carneiro, além dos já mencionados que dedicaram alguns escritos ao Catimbó e a Jurema. É preciso lembrar o contexto em que esses trabalhos foram produzidos, pois eram as primeiras décadas do século XX, período imediatamente após a abolição da escravatura e a visão desses 9

Babalorixá, pai-de-terreiro ou pai-de-santo são sinônimos, é o cargo mais alto na hierarquia do Candomblé, líder do terreiro e pratica o jogo dos búzios. Babalaô é uma designação atribuída aos adivinhos que praticam o jogo do Opelé, prática comum na África, principalmente no Benin e na Nigéria, mas não no Brasil (SILVA, 2005).

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autores se colocava no bojo de uma perspectiva evolucionista, positivista, colonialista, ainda aos moldes oitocentistas. Como já é sabido, o questionamento à “hegemonia nagô”, às noções de “pureza”, tem como marco o trabalho de Beatriz Góes Dantas, “Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África no Brasil”, concluído em 1982.10 Desde então, com as várias discussões e controvérsias, em grande parte motivadas a partir desse trabalho, têm-se uma reflexão teórica no campo de estudos das religiões afro-indígenas, de modo que, atualmente, especialmente numa perspectiva antropológica, não há mais dúvidas de que todas as manifestações religiosas afro-indígenas são igualmente autênticas, posto que a academia não pode e não deve se imiscuir nos discursos religiosos que advogam uma “pureza”, uma suposta autenticidade religiosa como qualitativo de uma determinada religião ou grupo religioso. Evidentemente, como se pode ver nos trabalhos mais recentes sobre a Jurema como o de Idalina Santiago (2003), Luiz Assunção (2010)11 e Sandro Salles (2010), dentre outros, há grande complexidade e riqueza no universo mitológico e ritualístico da Jurema. Pesquisas em outras regiões, como no Norte, antes da década de 1950, os estudos sobre o negro na Amazônia estavam restritos aos interesses dos folcloristas, a partir da década de 1950, com a intervenção de estudiosos com formação antropológica, como Edison Carneiro, as abordagens sobre a religiosidade afro-indígena na Amazônia foram realizadas de uma forma mais sistemática. Em sua tese, intitulada “Nossos intelectuais e os chefes de mandinga”: repressão, engajamento e liberdade de culto na Amazônia (1937-1951)”, Luiz Augusto Leal, propõe refletir acerca do processo de sociabilidade e engajamento dos intelectuais paraenses em torno da mobilização pela liberdade de cultos negros no estado do Pará. Em meio as repressões impostas pelo Estado Novo (1937-1945), principalmente no que concerne as práticas culturais de origem africana, intelectuais ligados à “Academia do

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Trata-se de sua dissertação de mestrado defendida pela UNICAMP. No mesmo ano a autora publicou um artigo, bastante paradigmático, na revista Religião e Sociedade, intitulado “Repensando a pureza nagô”. A dissertação foi posteriormente transformada em livro e publicada em sua primeira edição pela Editora Graal, em 1988. 11 Esse livro é uma versão da tese de doutorado, apresentada no ano de 1999 ao Programa de Estudos PósGraduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC – SP).

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Peixe Frito”12, buscavam, por meio de suas prosas e poesias, denunciar a perseguição policial contra os terreiros, como também, ressaltar a importância da cultura negra para a formação da cultura paraense, bem como, a cultura nacional. Entre os intelectuais paraenses, Bruno de Menezes, Nunes Pereira e Dalcídio Jurandir se destacam por sua atuação na mobilização pela liberdade religiosa no Pará. Os referidos autores não tiveram formação acadêmica, sendo assim, autodidatas. Com exceção de Dalcídio Jurandir, que teve o pai letrado e também político. Os outros dois autores eram negros, oriundo de famílias pobres. (LEAL, 2011, p.35). De acordo com Leal (2011), eram três elementos de sociabilidade comum entre esses intelectuais: o esforço de consolidação de suas carreiras, oriundos de uma condição social semelhante, esses intelectuais buscavam, com, muito esforço, publicar suas obras e se estabelecerem enquanto homens de letras, apesar de muitos não ter a formação acadêmica, e sim, autodidata; seu engajamento social na esquerda, sua luta social, em especial para a defesa do povo de santo; e a produção intelectual, com influências do modernismo, com interesses pela cultura popular, em especial à cultura negra, destacando aqui, as manifestações religiosas afro-indígenas. Assim, esses intelectuais socializavam tanto no que concerne o meio de sobrevivência, colocando o ideal literário frente aos limites da própria subsistência, quanto no uso de suas produções literárias como instrumentos de luta pela liberdade de culto no Pará. Na Paraíba, os intelectuais que pesquisaram acerca das religiosidades afroindígenas nas décadas de 1930 a 1950 tinha uma realidade social distinta dos intelectuais trabalhado por Leal (2011). Como destacou Durval Muniz (2013), esses intelectuais e folcloristas eram oriundos das antigas famílias latifundiárias do campo, que, com a ascensão da República (1889), a crise econômica no setor agrícola e a urbanização/industrialização das cidades, passaram a ocupar os cargos públicos, como é o caso de José Simeão Leal. Apesar de identificar na cultura popular, e registrar a riqueza religiosa, não se tem conhecimento de que esses intelectuais se envolviam em discussões pelo reconhecimento e liberdade religiosa no estado da Paraíba, conquistada apenas em meados da década de 1960, durante o processo de legalização dos cultos 12

Inspirado na “Academia de Rebeldes” de artistas e intelectuais de esquerda baianos, a Academia do Peixe Frito consiste em um movimento criado por intelectuais paraenses envolvidos com a militância de esquerda. De origem pouco favorecida, o nome faz referência ao peixe vendido aos populares no Mercado do Ver-o-peso. Assim, o nome indica tanto um costume alimentício comum entre os populares, como, a fragilidade financeira desses intelectuais.

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afrobrasileiros no estado da Paraíba, com a criação da “Federação de Cultos Africanos do estado da Paraíba”13. Nesse cenário, o Catimbó-Jurema passou por um processo de alterações, em que incorporou elementos da Umbanda. O processo de reelaboração e criação de uma nova prática religiosa do culto da jurema está inserido no contexto das transformações da sociedade, vivido no caso específico do fenômeno religioso por meio do processo de umbandização dos cultos populares, reelaborando-as ao mesmo tempo em que ela também é reelaborada, construindo um fazer religioso que procura legitimar e tornar hegemônica a prática umbandista (ASSUNÇÃO, 2010, p.23).

Na Paraíba, o estudo da Umbanda normalmente está vinculado ao estudo da Jurema, uma vez que, ao se estabelecer no território paraibano, na década de 1960, cuja sociedade ainda não tinha alcançado uma conjuntura urbano-industrial, a Umbanda aproximou-se da religiosidade local, configurando-se na Umbanda cruzada com Jurema, ou ainda, Umbanda Paraibana, que é estudada pioneiramente por René Vandezande, em 1975. 14

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Em 1966, é criado no estado da Paraíba, durante o governo de João Agripino, a Lei Estadual nº 3.443, que garantia aos religiosos de matriz afro-indígena a liberdade de culto, desde que, o espaço religioso (terreiro), tivesse uma autorização prévia da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Paraíba, que era solicitada por meio da Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba. Assim, cabia a Federação exercer uma representação legal dos terreiros filiadas à ela. Assim como em outros estados brasileiros, aqui criou-se mais de uma federação que reúne as religiões negras e seus adeptos, visto que, uma de suas atribuições é disciplinar o exercícios desses cultos, motivo que promove discordâncias e desacordos (SALLES, 2010). 14 Estudo que resultou na dissertação de Mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, intitulada: “Catimbó: Pesquisa Exploratória sobre a Forma Nordestina de Religião Mediúnica”.

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2 O Catimbó-jurema e a representação da Missão de Pesquisas Folclóricas

No estado da Paraíba, assim como em todo o Nordeste, a região de Alhandra é considerada como o berço da Jurema (SANTIAGO, 2008, p.5). Na verdade, conforme já bem apurou Sandro Guimarães, a origem de Alhandra remonta ao final do século XVI e se vincula a aldeia “Iguaraig”, que seria a mesma “Aratagui”, uma aldeia indígena que teria sido construída pelos frades menores. Os indígenas que lá habitavam provinham de um aldeamento jesuíta e possivelmente eram da etnia “Tabajaras”. No início do século XVII, em 1610, a referida aldeia surge no Catálogo da Companhia de Jesus, com a denominação de Assunção, estando sob a administração dos jesuítas de Olinda. Mais de um século depois, em 1746, a aldeia passa a administração dos padres oratorianos e torna-se “aldeia de Nossa Senhora da Assunção de Arataguí”, pertencendo à freguesia de Taquara. Ao ser elevada a categoria de vila doze anos depois, recebeu o nome de Alhandra. Desse processo, formaram-se as propriedades de Estiva e Acais, local que se tornou referência nacional para o culto da Jurema. Assim, a tradição da Jurema em Alhandra encontra-se diretamente vinculada as famílias remanescentes do último regente dos índios que habitavam o local, Inácio Gonçalves de Barros, em contato com as demais religiosidades presentes na região, como o catolicismo e religiosidade negra (SALLES, 2010). Segundo Roger Bastide, o negro deslocado da África para a Paraíba, fora obrigado a aceitar a religiosidade já estabelecida, afirmando ainda que tal aceitação se dá pela semelhança entre as culturas africanas e indígenas: “se o negro pode aceitar o catimbó com tanta facilidade é porque encontrou nele a mesma estrutura mística existente em sua religião, a mesma resposta às mesmas tendências” (BASTIDE, 2011[1945], p.149). A convivência entre negros e índios durante a escravidão era constante, desde a coabitação nas áreas de trabalho como nas fugas para as matas e quilombos. Como exemplo, temos o culto à entidade do “rei Malunguinho” 15, liderança negra que se transformou em entidade cultuada na Jurema. Em um ritual de Catimbójurema são cantadas várias toadas para esta entidade, como por exemplo, a que se segue. 15

Conforme afirma Marcus Carvalho (1998), Malunguinho é a titulação dada aos líderes do Quilombo Catucá (início do século XIX), localizado nas proximidades de Recife-PE.

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Malnguinho me afirme um ponto Ô Malunguinho, me abre a mesa (2x) Eu quero um ponto nessa casa Quero um ponto de defesa (2x) (Malunguinho, música de domínio público)

De acordo com Solange Rocha (2006), o maior número de africanos escravizados presentes na Paraíba advinha dos portos do Congo e Angola, sendo, portanto, classificados como bantos16. Destes portos, os negros eram trazidos para o porto de Pernambuco e a partir daí, eram distribuídos para as capitanias do Norte. A autora destaca a diversidade étnica dos negros trazidos como também o contato e a relação, dentre as quais, espirituais, estabelecidas entre estes e os indígenas: Parte-se da ideia de que os “pretos da Costa” eram procedentes de diferentes localizações da África e de diversos grupos étnicos, portadores, portanto, de múltiplas culturas, e que ao passarem a viver na América, na condição de escravizados, conseguiram reinventar-se culturalmente, articulando elementos de sua própria cultura, dos povos nativos (os brasis ou indígenas) e do colonizador, forjando novas práticas culturais. Algumas delas, como as manifestações religiosas, entre as quais o catimbó, também conhecida como jurema, um culto indígena, originalmente do século XVI, que associou características das religiões africanas e do catolicismo ibérico, e se mantém presente na Paraíba e Pernambuco (ROCHA, 2006, p. 280).

Podemos identificar a presença de ditos feiticeiros na Paraíba durante o século XVIII. De acordo com Luiz Mott, em suas pesquisas realizadas com os Cadernos do Promotor da Inquisição de Lisboa sobre os processos inquisitoriais na Paraíba, foram registrados três casos de feitiçaria. Desses casos, dois eram protagonizados por índios e um remete ao angolano, de aproximadamente 50 anos de idade, chamado de Damião. Nesses processos também se faz referência a um quarto feiticeiro, originário do Congo “o qual era acostumado a usar certos pós de cor preta, amarela e vermelha, que soprando-os sobre uma pessoa, garantia o mandingueiro que o infeliz logo morria” (MOTT, 1999, p. 91). Apesar de não encontrar maiores registros sobre os ditos feiticeiros africanos, pode-se perceber a presença destes na Paraíba Colonial. 16

Os africanos escravizados foram classificados pelos colonizadores em dois grupos: bantos e sudaneses. Os bantos eram africanos procedentes da África Centro-Ocidental, atuais Congo, Angola e Moçambique. Os sudaneses provinham da África Ocidental, principalmente da Nigéria, Benin (ex-Daomé) e Togo. Foram divididos em nações, a nação nagô (os iorubás) e a nação jeje (os fons), dentre outras. Vale salientar que essas nações não eram formadas por apenas um grupo étnico, mas sim por vários, oriundos de uma região (SILVA, 2005). Para saber sobre a questão, especialmente sobre os bantos menos estudados, ver LOPES (2011).

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Alcides Bezerra propõe em seu texto intitulado “Restos de antigos cultos na Parahyba”, presente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no ano de 1910, apresentar antigos cultos e superstições populares presentes no estado. Para isso, o autor recorre à ancestralidade dos cultos, nas quais distingue em cinco categorias que são derivadas Há entre nós superstições derivadas: a) do culto chtoniano ou do culto de Anah, a Vênus babylonica; b)dos cultos mágicos accadicos produzidos pela substituição da theogonia solar accadica pelo systema lunar babylonico; c) do culto do lar ou do fogo sagrado; d) do culto solar dos Aryas; e) e do totemismo indígena e africano (BEZERRA, 1910, p.12).

Apesar de mencionar a origem indígena e africana, o autor afirma no fim de seu texto que a influência dos antigos cultos lusitanos é predominante no estado paraibano, atribuindo a estes, as tradições culturais e religiosas populares. Há de ter notado o leitor em vista do que fica exposto que a maior parte, sinão a totalidade das superstições parahybanas são de origem lusitana; bem poucas há de origem indígena e as de precedencia afro já nos foram transmitidas pelos portugueses (BEZERRA, 1910, p.40).

É evidente a resistência do autor em não considerar a influência da cultura e religiosidade afro-indígena, posicionamento característico da época, em que os intelectuais, principalmente ligados aos Institutos Históricos, narraram a história do país e, no caso, do estado, apresentando a influência e contribuição branca para a sociedade brasileira, desconsiderando, portanto, os índios e negros como sujeitos integrantes no processo histórico. O catolicismo também contribuiu para a formação do Catimbó-Jurema, essa influência é visível nos rituais, com a presença dos santos e das rezas católicas. Sendo assim, o Catimbó-Jurema é originado a partir das crenças religiosas indígenas, no entanto, com forte influência da religiosidade europeia e negra. Apesar de limitar a influência negra e indígena no Catimbó, Câmara Cascudo reconhece suas contribuições, O catimbó é o melhor, é o mais nítido dos exemplos desses processos de convergência afro-branco-ameríndia. As três águas descem para a vertente comum, reconhecíveis mas inseparáveis em sua corrida para o mar (CASCUDO, 1978 [1951], p.21).

Diante desse cenário, vê-se a formação de uma religiosidade a partir de diversas influências. De acordo com Canclini (2013), hibridização ou hibridismo 29

perpassa pelo contato entre segmentos culturais, em que seus aspectos transitam, combinando de diferentes formas e, gerando assim, novas estruturas. Essas novas estruturas não resultam em uma única cultura, mas sim, em várias vertentes culturais, com interações entre os sujeitos e elementos nelas contidas. No que tange à religiosidade afro-ameríndia paraibana, essa dinamização ocorre entre culturas distintas, africana/afrodescendente,

indígena

e

europeia,

que

aqui

se

encontraram

e

desenvolveram, ao longo do tempo, uma nova estrutura religiosa, o Catimbó-jurema. O Catimbó-Jurema é uma prática religiosa com concepções e representações em torno da planta também denominada de Jurema17. Os ritos normalmente envolvem o consumo da bebida elaborada a partir dessa planta18, no fumo do cachimbo, na defumação19 e na incorporação de entidades20, como mestres/as e caboclos/as21, que além de serem cultuados, vem também para “trabalhar” auxiliando as pessoas em seus mais diversos males da alma e do corpo. No dizer de Gonçalves Fernandes, ainda nos anos 30, “eles fornecem rezas para os fins mais diversos que possa imaginar” (FERNANDES, 1938, p.107). Sobre essa religiosidade disse Reginaldo Prandi, Na Paraíba e Pernambuco, os espíritos, que ali se chamam mestres, podiam ser espíritos de índios, de brasileiros mestiços ou brancos, entre os quais se destacavam antigos líderes da própria religião já falecidos: os mestres, designação essa que acabou prevalecendo para designar todo e qualquer espírito desencarnado cultuado nas cerimônias religiosas. Essas manifestações também herdaram das religiões indígenas o uso do tabaco, ali fumado com o cachimbo, igualmente usado nos ritos curativos, além da ingestão cerimonial de uma beberagem mágica preparada com a planta da jurema. Catimbó e jurema são os nomes pelos quais essa modalidade religiosa é conhecida, resultam desses dois elementos. Catimbó é provavelmente uma deturpação da palavra cachimbo, e jurema, o nome da planta e da sua beberagem sagrada (PRANDI, 2005, p.126-127).

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A planta tomada como sagrada em Alhandra é a Mimosa tenuiflora (Willd.), mais comumente conhecida como jurema-preta, que pertence à família das mimosaceae (SALLES, 2010, p.138). 18 Atualmente, nem todos os rituais de Jurema envolvem o consumo da bebida por todos. Muitas vezes ela só é utilizada por ocasião da incorporação dos mestres. Apesar disso, a bebida feita a partir da Jurema está sempre presente nos pejis, na maioria das vezes numa garrafa bem grande, que possui um sistema de retirada semelhante ao de um filtro. 19 A defumação é realizada com o cachimbo invertido, o sopro é feito com a boca no local da queima da erva. Essa prática é advinda dos costumes indígenas, tradicional da Jurema, é retratada pelos primeiros autores que trabalharam com a temática, incluindo-se aqui, o vídeo etnográfico produzido por Mário de Andrade, Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1928. 20 Incorporação ou transe, consiste no contato entre o fiel com o mundo místico, em que as entidades do plano espiritual “entram” no corpo do religioso (BARROS, 2011). 21 Há ritos de Jurema em que as entidades Pomba-giras são também incorporadas.

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Nos terreiros paraibanos de Jurema, realizam-se cultos para as entidades: mestres e mestras, caboclos e caboclas, canindés, pretos velhos e pretas velhas, exús e pombas giras, podendo encontrar também marinheiros, boiadeiros e baianos. Excedendo os mestres e as mestras, os caboclos e as caboclas e os canindés, as demais entidades foram incorporadas ao panteão juremeiro a partir do contato com a Umbanda22. Foi só a partir da década de 1960, com a chegada da Umbanda, e a união desta ao CatimbóJurema, que os religiosos paraibanos passaram a fundar terreiros com práticas destinadas aos cultos de orixás e às outras entidades. No entanto, como já foi dito, a religiosidade negra já exercia influência no Catimbó-jurema. A espiritualidade da planta da jurema é justificada na mitologia religiosa. De acordo com as pesquisas realizadas por Bastide (2011 [1945]), a planta tornou-se sagrada quando a virgem Maria escondeu Jesus debaixo de um pé de jurema, durante sua fuga para o Egito, contra a perseguição de Herodes, fazendo com que os soldados romanos não o vissem. O contato da planta com Jesus a transformou em planta sagrada, sendo, esta, possuidora de uma força espiritual. Este mito é narrado até hoje nas toadas dos juremeiros durante os rituais: A jurema é pau santo Onde Jesus descansô Sô mestre em toda linha, Sô mestre curadô. Quando Deus andô no mundo Na jurema descanso. O segredo da jurema Quem me deu foi o Sinhô. Os galinho da jurema Sua sombrinha formô. Que cobriu a Jesus Cristo Que era nosso Sinhô23

A mitologia religiosa narra também a existência das sete cidades da Jurema, constituindo estas em um reino sagrado da Jurema. De acordo com Salles existem sete

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A umbanda, considerada uma religião brasileira, se formou na região sudeste, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo, no início do século XX. É caracterizada por sua formação ser resultado da união das religiões negras, o catolicismo e o kardecismo. 23 “Toada”, como se fala usualmente nos terreiros, retirada da obra de Luiz Assunção (2010), p.80 e bastante ouvida em nossas observações de campo na cidade de João Pessoa na Paraíba.

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cidades: Jurema, Vajucá, Junça, Angico, Aroeira, Manacá e Catucá. Por cidades da Jurema também se entende uma conotação física, um espaço sagrado com um ou mais pés de jurema, em que são cultuados os mestres e mestras, cada mestre/a possui uma jurema, ou seja, sua cidade. Conforme o autor, o mestre morre, para renascer na cidade (SALLES, 2004). Segundo Barros (2011), em Campina Grande, como em quase todo estado paraibano, a prática da Jurema é realizada em três tipos de rituais: a Jurema arriada, também chamada de Jurema de chão; a Jurema de mesa, ou de mesa branca; e os toques de Jurema, também conhecidos como giras ou torés. Nos estudos realizados por Idalina Santiago (2003), na região da Grande João Pessoa, a qual abarca os municípios de Cabedelo, Santa Rita e Bayeux, a autora faz referência à prática de dois tipos de sessões litúrgicas na linha da Jurema: a Jurema de toque ou batida, e a Jurema de chão ou arriada, não incluindo, portanto, a Jurema de mesa, mencionada por Ofélia Barros. Em ambas as autoras a Jurema de toque e arriada possuem as mesmas características. A Jurema de chão é caracterizada pela ausência da dança, ocorre num espaço com poucas pessoas sentadas em tamboretes ou no chão. Seus rituais ocorrem por solicitação das entidades da casa ou por seguir um calendário próprio. O ritual é iniciado com defumação de fumo picado e de outros ingredientes feita nos cachimbos ou incensários. No espaço ritual, encontram-se velas, flores, copo com água, bebidas alcoólicas e também, oferendas24. Ao longo do ritual faz-se o uso apenas do maracá e/ou de pequeno sinete acompanhando as toadas que “chamam” as entidades. A Jurema de mesa, pouco encontrada nos terreiros campinenses, se aproxima da chamada Umbanda branca, o ritual é realizado em torno de uma mesa coberta por uma toalha branca, ou, apenas por um pano branco sobre o chão, com incorporações das entidades que objetivam fazer consultas, inexistindo a presença de bebidas alcoólicas (com exceções), de dança e de sacrifícios de animais, usando apenas o perfume, a vela e um copo com água (BARROS, 2011).

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Pode-se encontrar nessas casas oferendas feitas a partir de sacrifícios de animais, costume adotado a partir do contato com a Umbanda. Segundo Câmara Cascudo (1978 [1951]), Gonçalves Fernandes (1938), Roger Bastide (2011 [1945]) e René Vandezande (1975), o sacrifício de animais não era uma prática realizada pela Jurema de mesa.

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A Jurema de toque, a mais encontrada nos terreiros campinenses, talvez por ser esta a que mais incorporou elementos de religiosidades afro-brasileiras, principalmente quanto ao caráter lúdico e festivo. Seus rituais são marcados pela dança ao som dos tambores, maracás e agogôs, “é o ritual por excelência das ocasiões de festas e comemorações” (BARROS, 2011, p.129), em que são realizadas fartas oferendas preparadas com animais sacrificados, muita bebida e adereços. Apesar de classificar esses três formas de rituais, é importante salientar que as aspectos não são rígidos, havendo, em alguns casos, alterações. É característico das religiosidades afro-indígenas a distinção na forma em se realizar um ritual nos terreiros. Apesar de seguir a tradição, os ritos são realizados de acordo com o juremeiro (a) ou pai-de-santo e mãe-de-santo da casa25.

2.1 A Missão de Pesquisas Folclóricas e os primeiros estudos sobre Catimbójurema paraibano

De acordo com Assunção (2010), Mário de Andrade, como diretor do recém criado Departamento de Cultura, em 1938, foi um dos primeiros pesquisadores a registrar de forma sistemática o Catimbó nordestino, em seu projeto denominado “Missão de Pesquisas Folclóricas”. A Missão era composta por quatro integrantes: Luiz Saia, arquiteto e membro da Sociedade de Etnografia e Folclore, pesquisador da Divisão de Documentação Histórica e Social e chefe da missão; Martin Braunwieser, músico e maestro do Coral Paulistano; Benedito Pacheco, técnico de som; e Antônio Ladeira, assistente técnico de gravação do Departamento de Cultura, além de Mário de Andrade e sua assessora, Oneyda Alvarenga, chefe da Discoteca Pública de São Paulo na época e a pessoa que organizou todo o material recolhido pela Missão. O projeto tinha como objetivo realizar registros da cultura popular presente nos estados do Norte e Nordeste, considerada como um importante aspecto formador da cultura nacional. A Missão visitou cinco cidades em Pernambuco, dezoito na Paraíba, duas no Piauí, uma no Ceará, uma no Maranhão e uma no Pará. As filmagens resultaram em um documentário,

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O terreiro é também chamado de casa, roça e ainda, no caso dos candomblés, Ilé.

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intitulado “Mário de Andrade e os primeiros filmes etnográficos”, realizado pela Cinemateca do estado de São Paulo, com a duração de 27 minutos. Nos registros da Missão adquiridos em seis meses de viagem, encontram-se áudios, fotografias, textos escritos de cenas de manifestações folclóricas, como também de rituais religiosos, como o Catimbó na Paraíba, o Xangô de Pernambuco e do Tambor de Mina Maranhense. Tais registros encontram-se disponíveis no DVD e livro: “Missão de pesquisas folclóricas: cadernetas de campo” (2010), organizado por Vera Lúcia Cerqueira. De acordo com Cerqueira (2010), Luíz Saia escreve à Sociedade de Etnografia e Folclore informando que os registros só eram realizados depois que a equipe se achava familiarizada com o assunto e com as pessoas a serem documentadas. Em cada estado, a equipe era recepcionada e recebia o apoio de folcloristas ou pessoas ligadas ao governo. Em Recife, o poeta Ascenso Ferreira e Waldemar de Oliveira. Na Paraíba, Ademar Vidal, Pedro Batista, José Américo de Almeida e Silvino Olavo contribuíram para as pesquisas no estado, Vidal destacou em correspondências, o apoio do então interventor Argemiro Figueiredo. No que concerne ao Catimbó, foram contatados catimbozeiros das cidades de João Pessoa, Itabaiana e Alagoa Nova. No entanto, dois não concordaram em contribuir com a Missão por medo de policiais, como o mestre Manuel Laurentino da Silva, em Itabaiana e o mestre Zé Hilário, de Alagoa Nova. Foi em João Pessoa, com o mestre Luís Gonzaga Ângelo, localizado no antigo bairro da Torrelândia, atual bairro da Torre, que a Missão conseguiu levantar registros do Catimbó. Mestre Luís Ângelo nasceu em 1904, em Goiânia – PE, ferreiro de profissão. Nas gravações em vídeo, é relatada a dificuldade em se encontrar um catimbozeiro que se disponibilizasse a participar da gravação, possivelmente devido ao temor às perseguições policiais. O registro, em formato de vídeo e trinta e quatro (34) fotografias em preto e branco, apresenta um ritual de Catimbó de mesa26, em que os fiéis estão ao redor de uma mesa coberta com pano branco, a exceção de uma, que se encontra sentada à frente da mesa, em cima desta contém alguns elementos como água, imagem de crucifixo, imagem de um santo não identificado, garrafa, algumas plantas, conforme a descrição feita pela Missão:

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Como já foi dito, o Catimbó ou Jurema de mesa consiste em um ritual em que as pessoas estão em volta de uma mesa ou o chão coberto com um pano branco. O rito é acompanhado com toadas cantadas para as entidades, utilizando velas, perfumes, água e cachimbos.

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Nuna parte alimpada do chão colocaram uma mesinha 50 cm x 1 m aproximadamente. Em cima desta mesa uma toalha branca, quatro vasos com mudas de enfeita, um carbureto, um crucifixo, os cachimbos, os arcos, uma garrafa e um copo (CARLINI apud ASSUNÇÃO, 2010, P.91).

Os participantes do culto se movimentam em torno da mesa, alguns seguram um maracá, um arco de flechar, outros um cachimbo e todos estão com roupas claras. É interessante perceber que todos, com exceção de um, estão com a cabeça descoberta27, como pode ser visto na foto 1. No fundo da imagem vê-se casas de taipa, indicando a origem humilde dos moradores. Outro ponto a destacar, é a realização do ritual na parte externa da casa, não se sabe se a localidade foi escolhida para a gravação ou se o mestre Luís Gonzaga Ângelo realizava seus rituais em frente à casa. Pela descrição apresentada por Assunção (2010), a mesa foi posta no local, e não se encontrava lá. Sabe-se que, devido à perseguição policial, os cultos afro-indígenas eram realizados no interior da casa, buscando ser discretos para não serem surpreendidos pela polícia, como apresenta Fernandes (1938). Sobre o ambiente, Saia escreve, A casa do Luís é igual às habitações deste bairro pobre de João Pessoa. As paredes de pau-a-pique só parcialmente recobertas de rebôco e pintadas, chão de terra batida e cobertura de palma de côco de praia. (...) Atrás da habitação tem um alpendre coberto de palha e depois um quintalzinho desarrumado. Tanto de móveis como de enfeites é muito pobre esta casa. Na rua tinha muita gente curiosa e por ali soldados que o delegado do distrito - sr. Catita [sic] - havia mandado pra ajudar a gente em qualquer circunstância (...)” (SAIA apud CARLINI, 1994, p.130)

De acordo com Álvaro Carlini (1994), e apresentado na fala de Luíz Saia, as expedições da Missão eram muitas vezes acompanhadas por policiais que ajudariam os pesquisadores “em qualquer circunstância”. Motivo pelo qual, intimidava ainda mais os catimbozeiros de permitirem ser registrados e de realizar plenamente o ritual de Catimbó. No entanto, para a permissão de gravação, Saia garantiu a proteção dos catimbozeiros, afirmando que os policiais ali presentes não o incomodariam. Cinco dias antes da gravação, na noite de 14 de maio, a equipe fora convidada para uma sessão especial, sem a presença policial.

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Essa observação se dá pelo fato de que hoje em dia, nos rituais afro-indígenas, em especial na Jurema, as mulheres tem sua cabeça coberta.

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Foto 1: Ritual de Catimbó do mestre Luís Gonzaga Ângelo (Torrelândia, 1938).

Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.

No ritual registrado pela Missão, é cantado a toada para a entidade Malunguinho. Oh santa Teresa, me abra os caminhos Oh santa Teresa, me abra os caminhos Eu venho da Jurema, eu sou mestre Malunguinho Eu venho da Jurema, eu sou mestre Malunguinho

Além da toada de Malunguinho, encontra-se registrada nas cadernetas (4,5,6 e 9) escritas por Luiz Saia, presentes no DVDROOM organizado por Vera Cerqueira (2010), a descrição de vinte e oito toadas para diversos mestres juremeiros, como mestre Carlos, mestre Zé Romão, mestre Francisco Velho, mestra Antônia, Filomena, entre outros. Encontra-se descritos nas cadernetas o nome dos onze catimbozeiros, incluindo o mestre Luís Ângelo e a “secretária” do mestre, como é chamada por Luiz Saia. Pode-se ver nas seguintes fotos (2 e 3), as imagens dos fiéis em posição para a fotografia, e outra do mestre Ângelo com a “secretária”. De acordo com Assunção (2010), a secretária, ou ainda, ajudante, é quase sempre a companheira do Mestre, que tem como atribuições “travar com os mestres sobrenaturais o diálogo ritual durante o transe mediúnico” (ASSUNÇÃO, 2010, p.91). Os fiéis, também chamados de “discípulos” por Assunção (2010), são aqueles que já possuem participam dos rituais e conhecem a religiosidade, podendo se tornar um futuro mestre.

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Foto 2: Catimbozeiros do bairro da Torrelândia, 1938.

Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010. Foto 3: Mestre Luís Gonzaga Ângelo e sua “secretária”, 1938.

Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.

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É registrado em vídeo, fotografia e desenho o momento de incorporação, em que uma das catimbozeiras cai no chão, e os demais a acodem defumando o cachimbo sobre seu corpo, fazendo-o retornar ao culto. Foto 4: Catimbozeira deitada no chão.

Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010. Foto 5: Desenho de catimbozeira deitada no chão

. Fonte: CERQUEIRA, Vera Lúcia C. de; Orgs. Missão de Pesquisas Folclóricas: cadernetas de campo. DVDROOM. São Paulo: Associação Amigos do Centro Cultural SP, 2010.

Como em todas as manifestações culturais registradas pela Missão da Pesquisa Folclórica, o Catimbó foi registrado de forma sistemática, adquirindo um contato e um conhecimento prévio do que seria registrado, de modo que, a equipe estaria consciente 38

do que era considerando importante captar. No caso do Catimbó, vê-se documentado o grupo de pessoas envolvidas, o ritual, o local, a musicalidade e a estética geral. Por ser um projeto que buscou identificar as manifestações culturais populares da região norte e nordeste do Brasil, a Missão se preocupa em apresentar aspectos gerais do que vai ser registrado. No caso do Catimbó, sua intenção é registrar o ritual e o grupo que o realiza. As imagens possuem um ângulo distante, não captando o foco das expressões dos sujeitos inseridos na cena. Sendo assim, a pesquisa liderada por Mário de Andrade não se preocupou em apresentar os aspectos mais detalhados do ritual, como, por exemplo, a alteração gestual dos catimbozeiros ali presentes. Seu foco não era revelar os sujeitos envolvidos, e sim apresentar a ideia do ritual. Oneyda Avarenga, ao organizar o material recolhido pela Missão em “Registros sonoros do folclore musical brasileiro: Catimbó”, publicado pela Discoteca Pública Municipal, no ano de 1949, vai afirmar que o Catimbó está ligado às “práticas do baixoespiritismo” e que possuem funções “mágico-curativas” (Avarenga apud ASSUNÇÃO, 2010). A visão estereotipada, de limitar o Catimbó-jurema a um baixo-espiritismo, como algo degenerado, e que visa apenas as práticas mágico-curativas, é compartilhada por demais estudiosos das religiosidades afro-indígenas da época, como pode ser vista em Cascudo (1978 [1951]). Os registros da Missão fazem-nos pensar que o Catimbó é um culto de pouca hierarquia, se comparado às demais religiosidades afro-indígenas e com poucas exigências para sua prática e seu ritual. Sendo assim, podemos afirmar que as imagens registradas pela equipe de Mário de Andrade, corroboram para uma visão estereotipada do Catimbó-jurema. Outra obra pioneira nos estudos que abordam o Catimbó-jurema paraibano é “O folclore mágico do Nordeste: usos, costumes, crenças e ofícios mágicos das populações nordestinas” (1938), de Gonçalves Fernandes. A referida obra pertence à coleção dirigida por Arthur Ramos, “Biblioteca de divulgação Científica”. O livro é dividido em dez capítulos, sendo, a maioria, com a temática voltada para a reflexão acerca da magia, das orações, milagres e medicina popular. Além de conter um amplo leque de

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informações, Gonçalves traz as letras e notas musicais das toadas e os registros fotográficos, muitos retirados do Instituto e Médico Legal da Paraíba28. A formação em Medicina, pela Universidade Federal de Pernambuco, atrelada a seus conhecimentos na área da Antropologia e Folclore, fez de Fernandes um escritor e pesquisador acerca da religiosidade popular, em especial nas discussões entre magia e medicina popular, presente em “O folclore mágico do Nordeste” (1938). Apesar de apresentar variadas crendices populares, como as devoções às varias pedras consideradas sagradas, presentes em vários municípios do estado da Paraíba e as cento e quatorze (114) crendices de “faz-mal”, Fernandes se dedica com mais afinco ao estudo do Catimbó. Apresentando uma definição no primeiro capítulo, Catimbó (catimbó tanto é o próprio feitiço – o ebó, como o ato magico, o oficio, a casa do catimbozeiro), olhos, bichos assombrados, criaram raízes profundas. A medicina magica desenvolveu-se com certa côr local ao lado do feitiço, dentro do catimbó. Desse conjunto todo resta-nos através crença, ofícios mágicos e folclore, um sincretismo a que não são extranhas as influencias de sistemas culturais e de religiões extintas trazidas com o europeu, em comunhão com o misticismo fetichista do negro e do ameríndio (FERNANDES, 1938, p.9-10)

A definição dada por Gonçalves Fernandes, em 1938, é semelhante à definição dada por Câmara Cascudo, treze anos mais tarde29, Catimbó, sinônimo de feitiço, de muamba; catimbozeiro, pseudônimo popular do feiticeiro e do bruxo, é título de quem mestra a mesa, usando a “marca” fumegante ou isoladamente atende aos clientes, vendendo “orações fortes”, fazendo muambas na intenção do amor e da morte (CASCUDO, 1978 [1951], p.21-22)

Na definição, Cascudo acrescenta ainda, o clientelismo existente na religiosidade30. De acordo com o Fernandes, o Catimbó é uma prática mágica, com aspectos medicinais, formado a partir do sincretismo de culturas europeias, africanas e indígenas, 28

Em “O arsenal da macumba”, Yvonne Maggie discute acerca dos acervos construídos a partir do conjunto de objetos religiosos afro-indígenas recolhidos pelos policiais em momentos de perseguição aos terreiros. 29 O livro Meleagro foi publicado em 1951, no entanto, a obra consultada para este trabalho pertence à segunda edição de 1978, que consta um prefácio e um texto de Câmara Cascudo contendo indícios da permanência de visão do autor perante o Catimbó-jurema. 30 Ao se falar de uma relação clientelista no Catimbó, faz-se referências às pessoas que não eram da religião, mas que procuravam catimbozeiros (as) em busca da realização de algum feitiço ou trabalho, em troca de dinheiro ou proteção. Na historiografia, tem-se indícios de que muitas dessas pessoas eram pessoas ligadas às classes mais elevadas e ao meio político e policial.

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como se pode ver nos elementos culturais citados no trecho seguinte, como “garrafadas de jurema”, “cachimbo” e “crucifixo”. Presente em rituais de Catimbó em vários municípios da Paraíba, Fernandes apresenta o cenário do espaço onde acontece o ritual, Vendo o Catimbó, duma maneira geral, o aparato consiste na mesa estreita, forrada ou não, onde se misturam garrafadas de jurema, cachimbos, novelos de linha, agulhas, botões, imagens de santos, principalmente um crucifixo, amarrados de cordões e fitas, pequenos alguidares, maracás, bonecas de pano, cururus secos, fumo de rolo, etc. Muitos usam o alguidar sobre brasas ao pé da mesa, fervendo raízes ou hervas. A sessão tem início com a abertura da mesa feita com invocações cantadas, as velas acesas. Distribuem entre os presentes a jurema. O ritual que se segue varia com o fim magico desejado. Começam as invocações aos Mestres (há vários mestres: Mestre Esperidião, Mestre Carlos, muitos outros) com as toadas cantadas em côro (FERNANDES, 1938, p. 87).

Fernandes (1938) apresenta vários catimbozeiros moradores do bairro de João Pessoa, Santa Rita e, principalmente, dos renomados mestres e mestras 31 de Alhandra, em especial Maria do Acais, que havia falecido há pouco tempo. Sobre esta, relatou Fernandes (1938, p. 86), “Maria do Acais era uma feiticeira notável, enriquecida, de modos de grande senhora”, afirmando ainda que sua fama ultrapassava o estado da Paraíba, em que pessoas vinham de Pernambuco para contratar os serviços prestados pela grande catimbozeira. Analisando os primeiros registros de Catimbó, ambos de 1938, as coletadas pela Missão de Pesquisa Folclórica, na cidade de João Pessoa – PB, e as levantadas e estudadas por Gonçalves Fernandes, em várias cidades do estado, podemos perceber uma semelhança nas práticas ritualísticas juremeiras. Os artefatos, as toadas, a classe social dos fieis e as entidades são as mesmas. Acrescenta-se ainda, a semelhança nos problemas enfrentados pelos religiosos: a perseguição policial32, tão comum em todo o Brasil no período discutido. Fernandes, assim como Luíz Saia, mostram a dificuldade em ter acesso à essas sessões ritualísticas, “abordar mesa de Catimbó, mesmo das mais conhecidas, sem a fiança de pessoa de dentro, é tempo perdido” (FERNANDES, 1938, 31

No antigo catimbó-jurema, os mestres e as mestras, denominação atribuída tanto aos juremeiros/as ou catimbozeiros/as responsáveis pela direção do culto, como também, aos espíritos dos antigos catimbozeiros e catimbozeiras, que por meio do fumo, da bebida da jurema e do cântico, “baixam” nos cultos. Em ambas atribuições, os mestres e mestras eram a figura principal do culto, de acordo com Vandezande (1975), Bastide (2011) e Cascudo (1978 [1951]). 32 Sobre a perseguição policial aos cultos afro-indígenas ver: SOARES, Stênio. “Anos de Chibata”: perseguição aos cultos afro-pessoenses e o surgimento e o surgimento das federações. CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais. Número 14, setembro, 2009. P. 134-155.

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p.89), e ainda continua, “a ação repressiva da polícia faz com que retraiam as reuniões” (FERNANDES, 1938, p.89). A repressão policial era retratada na imprensa, como se vê no noticiário do jornal “A imprensa”, de João Pessoa, em 29 de setembro de 1937, “...Acompanhado dos soldados Francisco Catarino, João Felicio e Francisco Caldino, o comandante dos destacamento surpreendeu João Inocencio da Costa e Joana Amorim cercados de mais de quarenta pessoas fazendo “macumba”. Lá estavam em volta de uma pequena mesa onde as velas ardiam e se encontrava uma garrafa de aguardente, três cachimbos, um sapo seco, com a boca costurada, um novelo de linha enfiado num couro de cobra, uma mochila cheia de terra de cemitério e um grande galho de jurema. A presença da policia ocasionou grande pânico, tendo sido possível prender somente dez pessoas. A policia prossegue nas diligencias para apanhar outros núcleos de feitiço” (A Imprensa apud FERNANDES, 1938, p. 89-90).

Os jornais da época, em sua grande maioria, apresentam a religião como uma prática mágica negativa, com animais costurados, terra de cemitério, alguns com ligações a assassinatos. No entanto, ao se trabalhar com a imprensa deve-se atentar que esta revela também, o pensamento ideológico de uma época, em que as religiosidades afo-indígenas eram tidas como práticas negativas. Vale salientar que tal concepção preconceituosa é herança do período colonial, em que a Igreja Católica condenava todas as práticas religiosas, associando-as ao demônio. Gonçalves Fernandes, em um livro publicado no ano de 1937, intitulado “Xangôs do Nordeste: investigações sobre os cultos negro-fetichista do Recife”, menciona a cautela por parte dos catimbozeiros recifenses ao realizar seus cultos, afirma ainda, que muitos terreiros denominaram seus espaços de “centros espíritas”, como uma forma de resistir à repressão. Alarmados ante a vigilância da policia de costumes, os catimbozeiros retraíram-se, passando a organizar com mais cautela as sedes de suas reuniões e a disfarçar convenientemente, quase sempre, sob o rótulo de sociedades espíritas os verdadeiros fins que tem em vista. Os “centros espíritas” funcionam livremente, desde que se munam de uma autorização policial.

A partir dos estudos aqui discutidos, podemos constatar que as dificuldades enfrentadas pelos catimbozeiros (as) não eram restritas aos paraibanos, mas aos catimbozeiros (as) de todo o Brasil. Diante disso, os religiosos tinham certos receios em dialogar com outros grupos sociais, como os pesquisadores. No entanto, apesar da aproximação estabelecida entre os primeiros pesquisadores de religiosidades afroindígenas, estes últimos realizaram seus estudos com base em perspectivas na dualidade 42

de religiosidades pura/impura, degeneradas ou não, atribuindo aspectos estereotipados como o “baixo espiritismo” denominado por Câmara Cascudo (1978 [1951]), ao referirse ao Catimbó como um espiritismo degenerado, se comparado ao kardecista e ao Candomblé. No entanto, é por meio de seus registros que temos conhecimento da riqueza dos cultos afro-indígenas de gerações passadas. Apesar do objetivo de estudo da Missão de Pesquisa Folclórica não ser o Catimbó, e sim as manifestações culturais populares, seu acervo contém raros e importantes registros ritualísticos. Mesmo os registros não serem detalhados, uma vez que não intencionavam apresentar aspectos minuciosos do ritual, nem apresentar os sujeitos nele envolvidos, podemos identificar o grupo registrado, pelo ambiente, roupas, moradia do grupo religioso, como também, a estrutura organizacional de um ritual.

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3 Catimbó-jurema pela ótica de Simeão Leal Os arquivos, assim como as bibliotecas e museus, constituem em instituições de memória, uma vez que preservam de forma materializada, os registros do conhecimento humano. Assumindo a responsabilidade de coletar, tratar, recuperar e organizar, essas instituições colocam à disposição da sociedade a memória de um indivíduo, de uma região, ou ainda, de um grupo social, sendo assim, um arquivo contém um valor informativo e histórico para a sociedade. No que concerne a um arquivo pessoal, este se constitui em um espaço de memória não apenas do proprietário e de sua família, mas também, das pessoas que tiveram contato e deixaram rastros em sua vida. O acervo José Simeão Leal, por ser constituído por uma variedade de materiais, nas quais se inclui sua pesquisa de campo acerca da cultura popular, tornar-se um importante espaço de memória de uma parcela populacional excluída da sociedade. Estudar seu acervo é fazer emergir a história dos excluídos, no caso, especificamente deste trabalho,

de um

grupo

de

religiosos

excluídos

de uma sociedade

predominantemente católica, que é a sociedade paraibana da década de 1940. Através dos registros realizados por Simeão, pode-se perceber a relação estabelecida entre ele e os espaços e as pessoas inseridas neles, contatando, assim, uma dinamização entre grupos sociais de distintas classes, a do pesquisador, um intelectual ligado à elite, e os pesquisados, pertencentes a grupos sociais subalternos. Estabelecendo, assim, uma relação dialógica entre um representante estabelecido na cultura dominante e os indivíduos da cultura popular.

3.1 Quem foi José Simeão Leal?

Simeão Leal nasceu na cidade de Areia, situada no Brejo paraibano, em 13 de novembro de 1908. Filho de Alfredo dos Santos Leal e Maria de Almeida Leal, irmã do político paraibano José Américo de Almeida. Aos onze anos de idade, mudou-se para a atual João Pessoa, comum para a época as famílias se mudarem para a capital em busca de oportunidades e formação escolar. Sua vida na capital foi construída no envolvimento com atividades ligadas ao comércio, devido ao seu pai, à cultura e à política, devido aos seus tios José Américo de Almeida e Antônio Simeão Leal. 44

Fruto de uma educação tradicional, JSL estudou nas melhores escolas, incluindo o Colégio Lyceu Paraibano, onde cursou o preparatório para o ensino superior. Estudou um ano Medicina na Universidade do Recife, transferindo, em 1927, para a Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro. É na capital do país que Simeão passa a se envolver com o meio cultural. No ano de 1937, conhece sua futura esposa, a gaúcha Eloah Drummond, retornando, em pouco tempo para a capital paraibana, onde exerceu inicialmente o ofício da medicina, trabalhando no Hospital Santa Isabel, na Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa e no Hospital da Força Policial. No ano de 1939, foi nomeado presidente das bancas examinadoras de História Natural do Lyceu Paraibano, onde atuou como professor interino de Higiene. Entre os anos 1940 e 1943, José Leal ficou à disposição da Delegacia Regional de Recenseamento, e no ano de 1941, ocupou o cargo de Diretor do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, em que atuou durante o governo de Rui Carneiro (1940- 1945). Foi durante o exercício do cargo no DASP que Simeão Leal pôde se dedicar aos estudos acerca da cultura popular na Paraíba, realizando registros alimentares, religiosos, danças e demais expressões culturais, que resultaram em um rico material fotográfico e manuscrito. Após sete anos de vivência em João Pessoa, o casal Leal retorna ao Rio de Janeiro, pois Eloah não havia se adaptado à capital paraibana. Em 13 de janeiro de 1947, Simeão é nomeado, por influência de seu tio José Américo de Almeida, para o Serviço de Documentação (SD) do Ministério de Educação e Saúde33. Assumindo o cargo, Simeão Leal faz do SD, a editora oficial da política cultural do país, sendo também, um local onde se debatia sobre literatura, arte, música, vida brasileira. (OLIVEIRA, 2009). O gabinete de JSL, que funcionava no 9ºandar do prédio do Ministério da Educação, tornou-se um espaço muito frequentado por escritores como Murilo Mendes, Mauro Mota, João Condé, José Lins do Rego, entre outros. A presença desses intelectuais no SD é destaca no jornal Correio da manhã, de 6 de setembro de 1952: 33

Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública criado em 14/11/1930 (durante o governo provisório de Getúlio), através do decreto nº 19.420. Em 1937, com a Lei 378, torna-se Ministério da Educação e Saúde. Transformado em Ministério da Educação e Cultura em 25/7/1953, através da Lei nº1920.

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Há no Rio de Janeiro atualmente um “salon” intelectual à moda dos “salons” franceses do século passado; é a sala do Serviço de Documentação do Ministério da Educação. Não pontifica nele nenhuma senhora famosa e sim, o chefe do referido Serviço, Simeão Leal. Seja como for, encontram-se lá as figuras as mais óbvias do mundo intelectual brasileiro assim como as mais inesperadas misturas de intelectuais visitantes. Ontem, por exemplo, além de lá encontrarmos os Srs. José Lins do Rego e Cyro dos Anjos, observamos a presença de um professor de Heildeberg e um jornalista de Tóquio (Correio da Manhã apud BARROS, 20, P.121)

Enquanto esteve atuando no Serviço de Documentação, JSL foi editor e diretor de uma série de publicações, como a coleção “Vida Brasileira”, nos quais pode-se destacar as obras “Religião e Relações Raciais” (1957), de René Ribeiro, “Histórias do Rio Grande do Norte”, de Luís da Câmara Cascudo (1955) e “Etnias e Culturas no Brasil”

(1952) de Manuel Diégues Jr., que permitiu seu reconhecimento como o

“homem dos cadernos” em todo o Brasil. Paralelo ao cargo, exerceu também, outras funções, como Diretor Executivo da Comissão Nacional de Folclore (CNFL). Sua importância no âmbito cultural deve-se também à publicação da Revista Cultura, que, por seu caráter multidisciplinar, em que se discutia temáticas como artes, cultura, saúde e costumes tradicionais, foi responsável pela integração entre os intelectuais de todo o Brasil, que atuava em diferentes áreas, bem como, pela exportação da intelectualidade brasileira (DUARTE, 2001). Simeão contribuía também na construção de obras voltadas para o folclore, poesia, literatura entre outros, enquanto portador de informações, como também, como fornecedor de livros e materiais. Em seu acervo, é encontrado um elevado o número de cartas remetidas de vários escritores solicitando e agradecendo seu apoio. Sendo assim, a partir do breve histórico aqui exposto, pode-se perceber a importância da atuação de Simeão Leal no cenário cultural do país. Seu acervo constitui um espaço de memória não apenas do próprio, mas, das pessoas que tiveram contato e deixaram rastros na vida de Simeão, seja por meio de correspondências, livros ou dos registros realizados por ele, em forma de imagens e fichas manuscritas. 3.2 O acervo JSL Em 1996, a esposa de JSL, Eloah Drummond Leal, doou o acervo, até então situado no estado do Rio de Janeiro, para o estado da Paraíba. Aqui, o arquivo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico do Estado da Paraíba – 46

IPHAEP, e foi encaminhado para diversos espaços. As obras de sua autoria juntamente com os livros de sua biblioteca foram enviados à Fundação José Américo, depois ao Hotel Globo, para enfim, à Biblioteca do estado. O acervo de fotografias, correspondências, escritos, gravações e objetos pessoais foram enviados ao Casarão de Azulejos, no centro histórico de João Pessoa, depois, transferida novamente para o IPHAEP, e em 2009, por questões políticas, foi encaminhado ao Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba – NDHIR/UFPB. Parte do acervo artístico, nas quais se encontram obras de arte, entre telas e esculturas foram encaminhas à Galeria Archidy Picado, localizada no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, e o Museu Assis Chateaubriant, em Campina Grande. Pela riqueza de seu acervo, ele já foi fonte para o desenvolvimento de pesquisas. Em 2001, Patrício Araújo Duarte defendeu sua dissertação intitulada “Revista Cultura: modernidade gráfica e informacional”, na qual ele busca refletir acerca do papel e da atuação da Revista Cultura, idealizada por Simeão Leal, para o desenvolvimento cultural do país. Tomando como fonte principal as cartas trocadas entre Simeão Leal e seus correspondentes, como também, dedicatórias encontradas em livros e os Cadernos de Cultura, Bernardina Freire de Oliveira, em sua tese de doutorado, intitulada “José Simeão Leal: escritos de uma trajetória”, defendida no ano de 2009, ao Programa de Pós-graduação em Letras, buscou revelar uma autobiografia de Simeão Leal, em que pôde perceber sua importância para o desenvolvimento cultural do Brasil. Em 2012, a aluna Kelly Cristiane Barros apresentou ao Programa de PósGraduação em Ciência da Informação (PPGCI), sua dissertação intitulada “Rede humana de relações: relações de sociabilidade a partir do acervo fotográfico de José Simeão Lea”, na qual, com base no conjunto de fotografias encontrado no arquivo José Simeão Leal, pôde analisar as relações de sociabilidade que o paraibano mantinha. Dentre a enorme quantidade de fontes encontradas no acervo, pode-se enumerar um conjunto de mais de duas mil cartas trocadas entre Simeão Leal e seus correspondentes, os Cadernos de Cultura, documentos manuscritos, fotografias, sua produção plástica, acompanhada das críticas da imprensa, dedicatórias manuscritas, além de um elevado número de livros. Em sua biblioteca, conta-se um vasto número de obras voltadas para estudos sobre cultura e religiosidade popular. Dentre os autores, 47

podemos destacar a presença de Arthur Ramos, Edson Carneiro, Oneyda Avarenga, Alceu Maynard Araújo, Nunes Pereira34, entre outros.

3.3 Catimbó De acordo com Duarte (2001), JSL pretendia dar continuidade a pesquisa etnográfica realizada por Mário de Andrade, no fim da década de 1930. Durante a presença da Missão de Pesquisas Folclóricas no estado da Paraíba, seu tio, José Américo de Almeida, juntamente com Ademar Vidal e Silvino Olavo foram os que receberam os integrantes e contribuíram no contato com os informantes e visitação aos locais gravados, tanto na capital, quanto nas cidades do interior do estado35. Em registro da caderneta de campo de Luíz Saia, durante a estadia da equipe da Missão de Pesquisa Folclórica em João Pessoa/PB, encontramos referência a um Leal, possivelmente o Simeão Leal, considerando o local de contato, um hospital e as pessoas envolvidas. Fui só ao hospital e lá encontrei o Leal e o rapaz de Natal (que vai levando um cartão para o Cascudo).Visitei com Leal as dependências do J. M. já minhas conhecidas e outras novas para mim: a Colônia e a Zona das Mulheres. Nesta última numa cela 2 mulatas (com tendências manqfreanas [sic]) estavam nela. Numa outra teve possessão [?]. Mais tarde chegou Ulisses [Pernambucano], Pedro [Cavalcanti] e uma porção de gente. Visita, visita, coktail e ficamos Pedro, Leal e eu para sairmos juntos (já perdera a horado banco). Trouxe o meu oxê de xangô - está bom. O Pedro ofereceu 100$000 por ele para politicar gorgeta que devo dar ao Augusto... evidentemente? O Leal almoçou comigo (SAIA apud CANCLINI, 1994, p.129).

É provável que o contato com a Missão tenha estimulado o paraibano de Areia a conhecer ou se aproximar da cultura popular, fazendo com que, na primeira metade da década de 1940, se dedicasse com mais afinco às pesquisas sobre cultura popular, afastando-se das atividades médicas. Aproveitando as atividades que os cargos lhe proporcionavam, resolve, então, registrar no âmbito do município de João Pessoa, o 34

Intelectual maranhense, que escreveu sobre a cultura indígena na Amazônia, podendo citar: “Os índios Maué” (1954), “Ensaio de etnologia amazônica” (1940), “Panorama da alimentação indígena” (1964), entre outros, como também, sobre a religião afro-descendente no Maranhão “Casa das Minas: o culto dos voduns jeje no Maranhã” (1947). 35 Dentre as cidades paraibanas visitadas pela missão, podemos citar João Pessoa, Campina Grande, Ingá, Itabaiana, Areia, Alagoa Nova, Alagoa Grande, Guarabira, Mamanguape, Santa Rita, Pombal, Patos, Soledade, Patos, Sousa, Cajazeiras e Coremas.

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Catimbó, Caboclinho, os Congos, as Pastorinhas, Nau-Catarinete de cabedelo e de Bayeux, manifestações ameríndias e a medicina popular (DUARTE, 2001, 143)

Apesar de pertencer a um setor culturalmente dominante da sociedade e ter vivido boa parte de sua vida no Rio de Janeiro, Simeão reconhecia o valor da cultura popular, bem como, de sua terra, como pode-se perceber em sua trajetória de vida e profissional, explicitada em sua fala durante uma palestra proferida na Escola de Comunicação e Artes da UFRJ, em 1974, “o nordestino é o intelectual, preocupado com a cultura e com a profunda necessidade de comunicação com as pessoas” (OLIVEIRA, 2009, p. 124). A fotografia é considerada uma importante fonte de informação. Além de um instrumento ilustrativo, a imagem assume o status de matéria-prima fundamental na produção do conhecimento histórico, podendo revelar diversos olhares sobre acontecimentos e grupos sociais de determinados períodos da História. Lima e Carvalho (2011), apresenta três tópicos para se analisar uma imagem fotográfica: iniciando com uma primeira leitura, com uma análise morfológica, em que se identifica os atributos e o sistema de representação, presentes na imagem, ou seja, que identifique a sua temática. A segunda leitura, referente ao contexto de produção, as motivações do fotógrafo, as condições da imagem produzidas e a terceira leitura, os desdobramentos da circulação, “as formas de apropriação que sempre implicam ressignificações” (LIMA, CARVALHO, 2011, p.45-46). As fotografias produzidas por JSL consistem em um importante e um dos poucos registros acerca do Catimbó-jurema paraibano na década de 194036. Conforme já citado, de acordo com Duarte (2001), Simeão Leal pretendia dar continuidade às pesquisas iniciadas por Mário de Andrade, no entanto, não se tem registro de que o mesmo pretendia publicar o material ou disponibilizar apenas para outros estudiosos, pois, conforme afirma Oliveira (2009), Simeão nunca publicou suas pesquisas, com exceção de algumas crônicas publicadas em jornais locais. Dos quarenta e um registros fotográficos pertencentes ao conjunto de imagens do Catimbó-jurema, quarenta foram tirados na parte interior de um terreiro de Jurema,

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Encontra-se também no AJSL, além das fotografias, um manuscrito em forma de ficha, com a pesquisa realizada pelo intelectual, no entanto, por motivos maiores, ela não pôde ser consultada.

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no estado da Paraíba, durante um ritual para a entidade caboclo Pena Branca37. De acordo com Luiz Assunção, no livro “O reino dos mestres: a tradição da jurema na umbanda nordestina” (2010), uma das definições de caboclo, formulada a partir dos relatos de juremeiros de várias cidades do sertão nordestino, consiste em: “caboclo é índio, forte, guerreiro, mas é antes de tudo caboclo, apontando para a possibilidade de existência de uma multiplicidade de tipos de índios...”(ASSUNÇÃO, 2010, p.235). Vagner Gonçalves Silva define o caboclo como “entidade que representa o índio brasileiro ou as populações mestiças das áreas rurais” (SILVA, 2005, p.136). No verso das fotografias não contém informações acerca do dia, nem do nome dos religiosos ali presentes, nem da denominação atribuída ao terreiro. Uma única fotografia apresenta um cenário semelhante a um mausoléu em um cemitério, com a presença de santos, flores e uma ave. Como pode-se observar nos registros fotográficos, a imagens retiradas por Simeão indicam uma certa intimidade do pesquisador e os frequentadores de terreiro. Conforme indica a historiografia, como também, os relatos de Luiz Saia (CERQUEIRA, 2010) e Gonçalves Fernandes (1938), o acesso aos terreiros era dificultado devido à repressão policial. Para tanto, era necessário a indicação de alguém pertencente ao terreiro, ou ser parente próximo, como é o caso do pesquisador Nunes Pereira que, para escrever a obra “Casa das Minas” (1947), o referido autor fez uso da relação que possuía com as integrantes da casa, ele era filho biológico de uma das integrantes, Felicidade Nunes Pereira, e filho espiritual da sacerdotisa dona casa, mãe Andresa Maria. A intimidade com a casa é visível nas fotografias de mãe Andresa, em situações cotidianas, e em seus relatos, segundo Leal (2011). Conforme afirma Iêda Linhares, sobrinha de Simeão Leal, seu tio frequentava com assiduidade os espaços religiosos de matriz afro-indígena, em especial os terreiros de Catimbó-Jurema, de modo que, percebe-se pelos registros, principalmente as imagens fotográficas, uma relação de confiança entre os dirigentes religiosos e Leal (OLIVEIRA, 2009, p.123-124).

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A mitologia narra que o caboclo Pena Branca nasceu aproximadamente em 1425, na região central do Brasil. Filho de cacique, desde novo se destacou em sua tribo por sua inteligência nas relações com outras tribos indígenas. Em sua estadia no Nordeste, o caboclo não encontra apenas uma companheira, a “Flor da Manhã”, mas foi um dos primeiros a avistar a chegada dos europeus, como participou, também, da primeira missa. Outro mito atribuído ao caboclo Pena Branca é de que ele é originado dos Estados Unidos da América (EUA). Sua saudação: Oké Caboblo! Saravá Pena Branca!

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Diferente das imagens registradas pela Missão de Pesquisas Folclóricas e por Gonçalves Fernandes, ambos em 1938, as fotografias tiradas por Simeão, tiradas na primeira metade da década de 1940, apresentam uma sessão de Jurema de toque, realizado no interior de um templo religioso. No espaço registrado, pode-se ver a presença de simbologias e imagens que representam entidades juremeiras e santos católicos, como o símbolo do Caboclo Pena Branca, um preto-velho, e um Sagrado Coração de Jesus, um crucifixo e a pomba branca, que representa, segundo o catolicismo, o Divino Espírito Santo. Tais imagens evidenciam a influência da religiosidade afro-brasileira e do catolicismo na Jurema. Como pode-se ver nas imagens que seguem: Foto 6: Símbolo de Caboclo Pena Branca e Salomão no chão do terreiro.

Fonte: AJSL

A foto número 6 registra o símbolo do Caboclo Pena Branca, com os machados cruzados, as estrelas e os “x”, em cima da estrela e o “S” de Salomão. O selo de Salomão é um símbolo do judaísmo, também considerado o escudo de Davi. De acordo com Sandro Salles (2010), é possível que o símbolo de Salomão tenha se inserido no Catimbó por influência da magia europeia, também muito presente na Paraíba 38. Ao

38

Sobre magia europeia na Paraíba ver BEZERRA (1911).

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redor, mulheres vestidas com saias ou vestidos, algumas descalças e outra calçada. De todas as imagens registradas por Simeão, todas as mulheres se apresentaram com saia e blusa ou vestido. Não é apenas uma característica da época, em que as mulheres não usavam ou pouco usavam calças, mas, muito comum nas tradições populares, tanto religiosas quanto culturais, como o coco de roda, as mulheres estarem vestida com uma saia ou um vestido. Na imagem seguinte (Foto 7), vê-se na parede ao fundo a representação do símbolo de caboclo Pena Branca e, ao lado, a imagem de um Preto-velho. O destaque da foto é dado à uma senhora negra, com uma vestimenta característica da religião, em movimento de dança e canto, juntamente com as mulheres que estão ao seu lado, em posição e roupas semelhantes. Pelo modo que elas seguram o charuto, possivelmente elas estão sendo incorporadas por alguma entidade. Atrás da senhora negra, vê-se uma outra mulher cobrindo o rosto com a mão. Seu penteado, acessórios, como o brinco e relógio, e sua roupa indicam uma condição mais favorecida diante dos demais ali presentes. Sua ação de esconder o rosto pode estar relacionado ao medo de que alguém descubra sua presença ali. Como já foi dito, muitas pessoas não pertenciam à religião, no entanto, visitavam os espaços em busca de trabalho e feitiços, no entanto, não se pode afirmar que essa mulher seja uma cliente, uma vez que ela pode também, ser uma nova adepta da religião. Foto 7: Mulheres no terreiro.

Fonte: AJSL

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Na foto 8, vê-se uma mesa39, com a presença de um crucifixo, a representação do Sagrado Coração de Jesus, com várias guias em seu pescoço, e a imagem de pombas brancas, que representam o Divino Espírito Santo, segundo o catolicismo. É interessante perceber que o conjunto de elementos que compõe o espaço (foto 8) estão relacionados ao catolicismo, com exceção ao pano branco do lado esquerdo, com símbolos de pontas de flechas, que possivelmente faz referência à jurema. É comum nessas religiões, objetos religiosos de crenças distintas compartilharem um mesmo espaço, em que se vê, por exemplo, preto-velho ao lado de Jesus e uma santa católica ao lado de um caboclo, caracterizando a falta de barreiras existentes entre as crenças dentro dessas religiosidades. Além dos objetos, vê-se várias flores, muito comuns nesses espaços. Como a imagem é cortada, não se pode definir se não há a presença de outros objetos na mesa, ou se está se constitui um espaço mais sagrado, uma Tronqueira. Caso seja uma Tronqueira, pode se justificar o corte da imagem, uma vez que se encontram ali elementos sagrados. Foto 8: Mesa com elementos cristãos.

Fonte: AJSL

Os registros apontam para um ritual de jurema de toque para o caboclo Pena Branca. Como se vê nas imagens seguintes, um homem apresenta-se todo ornamentado,

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Pelo ângulo e recorte da imagem não dá pra definir se consistem em o que se chama popularmente chamado de altar. Na Jurema, os espaços destinados aos assentamentos das entidades, onde se colocam flores, água, vela e oferendas, são chamados de Tronqueiras. Na Umbanda denomina-se Congá.

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com os adornos característicos do caboclo: as penas brancas, um tipo de espada com símbolos do caboclo e suas guias. Uma característica importante da imagem 9 é a lâmpada ligada ao teto, indicando assim, que esse terreiro encontra-se possivelmente em João Pessoa, visto que os terreiros, como todas as casas existentes em Alhandra, e na maioria das cidades do interior, não havia, nessa época, primeira metade da década de 1940, energia elétrica. Foto 9: Homem incorporado com adornos do Caboclo Pena Branca

. Fonte: AJSL

Um dos principais aspectos visíveis dos rituais de Catimbó-jurema é a presença do fumo do cachimbo invertido e o vinho da jurema, que não é visto em nenhum registro feito por Simeão Leal. No entanto, vê-se tanto o caboclo Pena Branca, como demais pessoas incorporadas com um charuto na mão ou fumando.

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Foto 10: Homens incorporados.

Fonte: AJSL

Dentre o conjunto de imagens fotográficas algumas merecem destaque por registrarem, com foco e proximidade, pessoas incorporadas. Algumas, semelhantes às fotografias intituladas de “Possessão”, tiradas por Pierre Verger 40, encontradas nas primeiras vinte páginas do livro de Rene Ribeiro (1952). Entre as imagens citadas, pode-se observar as seguintes destacadas: Foto 11: Mulher incorporada com charuto.

Fonte: AJSL

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Pierre Verger é um fotógrafo francês que morou durante quarenta anos no Brasil, boa parte na Bahia, e quinze na África, em Benin e Nigéria. O fotógrafo-etnólogo, como é chamado por Souty, dedicou quarenta anos de sua vida pesquisando e registrando o negro, sua cultura e religiosidade, especialmente o Candomblé, de modo a vivenciar a religião, tornando-se um babalaô (SOUTY, 2007). Assim como Simeão, seus primeiros registros sobre a temática datam da década de 1940, no entanto, Verger registrou os Candomblés baianos.

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Foto 12: Homem incorporado.

Fonte: AJSL

A foto 11 e 12 apresentam pessoas incorporadas por diferentes entidades. Na primeira, a entidade fuma um charuto e aparenta estar mais agitada, já a foto 12, a entidade aparentar estar mais calma. Nas fotografias de número 13 e 14, não aparece a imagem dos corpos das mulheres retratadas, no entanto, pela gesto seus rostos e pelo formato de seus cabelos, indica um posição de agitação.

Foto 13: Mulher incorporada.

Fonte: AJSL

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Foto 14: Mulher incorporada.

Fonte: AJSL

Nas imagens de número 15 e 16, em que se são retratados as imagens de rosto e parte do corpo de uma mulher (foto 15) e um homem (foto 16), pode-se perceber semelhança entre esses quanto ao posicionamento das mãos (como se estivesse fazendo um “L”), tal posição indica quando uma pessoa está incorporada por algum caboclo, significando, esse “L”, um arco e flecha, como afirma Salles, A incorporação do caboclo é, frequentemente, acompanhada de espasmos e convulsões. Sua dança é bastante intensa. Quase sempre a entidade sem apresenta com o dedo indicador em riste, representando a ponta de uma flecha. Sua saudação é “okê caboclo!”. Quando não estão dançando, é comum vê-los caminhando inquietos, de um lado ao outro do salão, sempre sérios e carrancudos (SALLES, 2010, p.123).

Se tratando de uma festa para o caboclo Pena Branca, vemos, pela forma como as pessoas são fotografadas na sequência de imagens, considerando sua expressão facial, posição do corpo e das mãos, a incorporação de caboclos em vários religiosos.

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Foto 15: Mulher incorporada com charuto na boca.

Fonte: AJSL

Foto 16: Homem incorporado.

Fonte: AJS

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Foto 17: Mulher incorporada.

Fonte: AJSL

Na foto 17, vê-se uma mulher incorporada, em uma posição sentada ou ajoelhada, com pessoas ao seu redor, uma segurando uma vela, um homem com a faixa de “Ogam Calofé”, que seria o cargo de um Ogã Calofé, que é aquele ogã, ou seja, tocador de ilús (atabaques), responsável pela marcação rítmica das toadas nos terreiros, são pessoas com experiência e de confiança do catimbozeiro ou pai-de-santo do terreiro. A lado esquerdo da mulher incorporada, vê-se uma pessoa com guias que contém búzios. O interessante dessa imagem é perceber a influência da religiosidade negra. De acordo com a historiografia, a Umbanda chegou à Paraíba na década de 1960, e o Candomblé em 1980. No entanto, antes disso, aspectos das religiosidades de matriz africana já se encontravam na Paraíba, seja pelos negros escravizados que aqui viveram, seja pela influência advinda de Recife, como pode ser constatado nas imagens. Como já foi dito, de acordo com Duarte (2001), Simeão Leal pretendia, com suas pesquisas acerca da cultura popular, dar continuidade aos registros realizados pela Missão de Pesquisa Folclórica na Paraíba. No entanto, por ser paraibano e morar, na época, no estado, seu registro é diferenciado do realizado pela Missão. Além disso, é 59

notório, tanto pela fala de sua sobrinha, quando afirma que o intelectual frequentava terreiros de jurema (OLIVEIRA, 2009), quanto pela proximidade que os registros são adquiridos, uma certa “intimidade” com o ambiente e com os sujeitos lá encontrados, ou seja, com o terreiro de Catimbó-jurema e com os catimbozeiros ou juremeiros. As imagens registradas por Leal nos revelam elementos detalhado característicos de um ritual de Catimbó-jurema. Simeão mostra-se interessado em registrar detalhes que indicassem aspectos íntimos de um ritual, como as expressões nos rostos das pessoas, a posição de seus corpos, sempre em movimento, os objetos ritualísticos e os símbolos ali presentes. Um aspecto interessante a ser notado é o direcionamento do olhar dos fotografados, uma mulher em posição frontal, olha diretamente para a câmera, como na foto 12, os demais olham em outra direção. Mesmo olhando para máquina fotográfica, observa-se que a mulher retratada não se posicionou para tirar a foto, uma vez que ela se apresenta de forma espontânea, com gestos semelhantes aos demais ali fotografados. As outras imagens, que apresentam pessoas que não olham para a direção da câmera, percebe-se, pela espontaneidade das expressões e das posturas, que não se incomodam com a presença desta, o que indica, ainda, uma relação de proximidade entre o pesquisador, José Simeão Leal e os religiosos registrados. Assim como Souty (2007) percebeu uma aproximação entre o fotógrafo francês Pierre Verger e os baianos, em especial, os candomblecistas, ao afirmar “não existe uma representação da distância do outro. Ao contrário, há uma tentativa de aproximação, de torná-lo mais próximo” (SOUTY, 2007, p. 3), percebemos também, essa tentativa de aproximação por parte de José Simeão Leal diante dos juremeiros. Assim como Verger, a imagem registrada por Simeão, Não busca necessariamente mostrar todos os elementos da cena, nem apresentar de maneira exaustiva as informações brutas. Ela não é somente um simples instrumento de coleta. Ela sugere a altitude, o objeto de ser do outro, por vezes, por meio de um detalhe, de um movimento, de um olhar carregado de emoção (SOUTY, 2007, p. 3).

Os símbolos religiosos presentes nas fotos 6, 7, 8 e 17, indicam as culturas que influenciaram o Catimbó-jurema, como o catolicismo e a religiosidade negra. Retratar esse conjunto de elementos, estando eles em um mesmo ambiente e em um mesmo ritual, nos faz entender o contato e a “harmonia” presente entre essas crenças dentro 60

desses espaços. Contrastando, evidentemente, ao que ocorria fora dos terreiros, com a demonização dessas religiosidades por parte do catolicismo. Ao teorizar sobre a cultura popular, Thompson valoriza a resistência social e luta de classe conectada às manifestações culturais. O mesmo autor vai admitir uma relação entre as classes ditas subalternas e as dominantes, “esboçando uma noção de inter-relações recíprocas entre os dois universos sociais” (VAINFAS, 1997, 157). Essa resistência social é visível nas imagens, tanto pela Missão de Pesquisa Folclórica, quanto pelas imagens tiradas por Simeão Leal, uma vez que, vemos os registros de um grupo social subalterno, em que a grande maioria são pessoas negras, que realizava seus rituais religiosos sob o amedrontamento da perseguição policial. A relação e o contato estabelecidos entre o pesquisador e o objeto de pesquisa são também identificados nas imagens de Simeão, que registrou suas fotografias a partir de uma posição inserida no espaço ritualístico, próximo aos religiosos, e com acesso aos ambientes sagrados, como pode-se ver nas fotos 7 e 8. O conjunto de imagens registrado por José Simeão Leal nos faz vislumbrar o Catimbó-jurema como um culto dinâmico, híbrido, expressivo e de uma riqueza simbólica e mitológica. Simeão Leal capta a imagem dos indivíduos em momentos ímpares vivenciados na religiosidade, que é a incorporação, quando um catimbozeiro mantém uma relação direta com um mundo espiritual. Pelas lentes de Simeão, os próprios sujeitos se apresentam. Sendo assim, os registros encontrados no AJSL nos mostram fragmentos da memória de um grupo subalternizado e excluído da sociedade da época, que, no entanto, dotado de uma riqueza cultural e religiosa.

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Considerações finais A partir da segunda década do século XX, artistas, escritores e estudiosos se dedicaram a representar, escrever e refletir de forma sistemática acerca das diferentes formas e culturas do Brasil. Tal interesse, fruto principalmente da Semana de Arte Moderna, direciona o foco para a cultura popular, principalmente as manifestações culturais presente na região Norte e Nordeste. Paralelo aos estudos folclóricos, intelectuais, principalmente ligados à Medicina, posteriormente, à Antropologia, fazem emergir o debate acerca das questões raciais no Brasil. É nesse contexto que surge as primeiras discussões acerca das religiosidades afro-indígenas. Considerando a época, primeiras décadas do século XX, portanto, período logo após a abolição da escravidão, a visão desses pesquisadores eram moldados por uma perspectiva evolucionista, positivista, colonialista, ainda nos moldes do século XIX. Tais estudiosos descaracterizaram as diversas religiosidades afroindígenas que não fossem o Candomblé baiano, construíram uma imagem estereotipada acerca das religiosidades, especialmente o Catimbó-jurema, que fora caracterizada como “pobreza geral” e “imaginação do povinho” (BASTIDE, 2011 [1945]), “baixo espiritismo” (CASCUDO, 1978 [1951]), visão essa que só foram descontruídas a partir de estudos mais recentes, com Luiz Assunção, Idalina Santiago, Ofélia Barros, entre outros, que buscam apresentar em suas obras, a riqueza e especificidades da religião. Em 1938, a Missão de Pesquisa Folclórica realiza o primeiro trabalho sistemático de pesquisa que recolhe informações sobre o Catimbó-jurema paraibano, em que se encontram cadernetas com todas ritualísticas, registros audiovisuais e fotografias de um ritual de Catimbó na cidade de João Pessoa. Outro registro do Catimbó-jurema é o realizado pelo intelectual paraibano José Simeão Leal, na primeira metade da década de 1940. Em seu acervo, encontram-se quarenta e uma fotografias em preto e branco. Simeão Leal pretendia, com suas pesquisas acerca da cultura popular na década de 1940, dar continuidade aos registros levantados pela Missão de Pesquisa Folclórica no ano de 1938. Analisando os dois conjuntos fotográficos, podemos identificar algumas distinções quanto à retratação da manifestação: na Missão, fica claro que o 62

objetivo da imagem é registrar o ritual de catimbó, considerando este uma manifestação folclórica popular. Nos registros de Simeão, são os indivíduos e os símbolos que compõem o espaço religioso que o atraem. No primeiro, algumas imagens são feitas com os personagens posando para a foto, no segundo conjunto, o de J. Leal, todas a imagens que constam pessoas são batidas de forma dinâmica, em movimento. Os registros da Missão fazem-nos vislumbrar que o Catimbó é um culto de pouca hierarquia, se comparado às demais religiosidades afro-indígenas, como os Candomblés baianos, e com poucas exigências para sua prática e seu ritual, essa imagem contribui para uma visão estereotipada do Catimbó-jurema, visão essa, cristalizada na época. Os corpos capturados pelo olhar de Simeão Leal revelam a expressividade, a dinâmica corporal e a riqueza da simbologia vista nos adornos. Tal imagem difere dos registros levantados pela Missão e contrapõe a mentalidade predominante da época, em que o Catimbó é caracterizado como uma pobreza ritualística. Os registros levantados pela Missão, como também, por Simeão Leal são importantes por refletirem pioneiramente sobre o Catimbó-jurema, religiosidade que é tradição ainda hoje, mesmo com as transformações ocorridas ao longo do tempo, não apenas na Paraíba, mas em todo o Brasil. Sendo assim, fica claro a importância desses registros. O presente trabalho monográfico realizou, a partir das fontes consideradas, uma análise de como o Catimbó-jurema foi visto e registrado pelos pesquisadores e intelectuais das décadas de 1930 e 1940, bem como, a relação e interação entre grupos oriundos de classes distintas. Ainda, apresentamos aspectos da religiosidade de pessoas que foram excluídas da história e tiveram suas crenças, por muito tempo perseguidas. As manifestações religiosas afro-indígenas contribuíram não apenas com aspectos sagrados, mas, com características sociais e principalmente, culturais, para a formação da sociedade brasileira. Quem nunca foi ou conhece que alguém que tenha ido a uma rezadeira41? Ou tenha ouvido falar em banho de sal grosso contra mal-olhado? Ou ainda, beber chás feitos com ervas naturais para curar de doenças do corpo. Essas,

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De acordo com Fernandes (1938) e Cascudo (1978), as mulheres preferiam se autodenominarem de rezadeiras, realizando seu trabalho individualmente, a receber o título de feiticeiras-catimbozeiras. Pratica ainda vista na atualidade.

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entre outras práticas e superstições são vestígios de culturas indígenas e negras e contribuíram em diversos aspectos para a formação da sociedade brasileira. Diante do exposto, torna-se necessário o estudo e discussões sobre as manifestações afro-indígenas visando o conhecimento e reconhecimento da identidade indígena e negra, desconstruir estereótipos, construir as noções de semelhanças e diferenças entre pessoas, sociedades, culturas, etc, bem como, para suscitar o debate sobres as variadas religiões e o dever de se respeitá-las. O principal objetivo no investimento em estudos e debates das religiosidades afro-indígenas consiste em compreender sua importância no processo histórico do índio e do negro e, portanto, do Brasil. Assim, o conjunto de imagens aqui analisados faz emergir a história de um grupo que tiveram suas práticas perseguidas e vitimadas pelo preconceito, no entanto, o Catimbó-jurema é tradição presente não apenas no Nordeste, mas em todo o país.

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