UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social O DISCURSO DE HUMANIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE APROXIMAÇÃO COM O CONSUMIDOR NAS PUBLICIDADES DAS MÍDIAS SOCIAIS

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

VANDA DE SOUZA MACHADO

O DISCURSO DE HUMANIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE APROXIMAÇÃO COM O CONSUMIDOR NAS PUBLICIDADES DAS MÍDIAS SOCIAIS

São Bernardo do Campo-SP, 2016

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

VANDA DE SOUZA MACHADO

O DISCURSO DE HUMANIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE APROXIMAÇÃO COM O CONSUMIDOR NAS PUBLICIDADES DAS MÍDIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves

São Bernardo do Campo-SP, 2016

FICHA CATALOGRÁFICA

M18d

Machado, Vanda de Souza Machado O discurso de humanização como estratégia de aproximação com o consumidor nas publicidades das mídias sociais / Vanda de Souza Machado. 2016. 191 p.

Dissertação (mestrado em Comunicação Social) -- Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016. Orientação : Elizabeth Moraes Gonçalves

1. Comunicação 2. Linguagem (Comunicação) 3. Análise de discurso 4. Publicidade 5. Mídias sociais I. Título. CDD 302.2

FOLHA DE APROVAÇÃO A dissertação de mestrado sob o título “O discurso de humanização como estratégia de aproximação com o consumidor nas publicidades das mídias sociais”, elaborada por Vanda de Souza Machado foi apresentada e aprovada com Summa Cum Laude em 04 de abril de 2016, perante banca examinadora composta por Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves (Presidente/UMESP), Prof. Dra. Lana Cristina Nascimento Santos (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Denis Porto Renó (Titular/UNESP).

Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a minha anuência enquanto orientadora, nos termos do Art.34 do Regulamento dos Cursos de Pós-Graduação.

__________________________________________ Prof. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora Data: São Bernardo do Campo, 04 de abril de 2016.

__________________________________________ Profa. Dra. Marli dos Santos Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Área de concentração: Processos Comunicacionais Linha de pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica Projeto temático: Estratégias de aproximação nas mídias sociais

DEDICATÓRIA À Pessoa que considero acima de qualquer coisa, àquele que é a Palavra, e por meio dela trouxe tudo à existência. Àquele que proferiu os melhores e mais importantes discursos que a humanidade já pôde experimentar. Àquele que é a minha inesgotável fonte de inspiração e de vida.

A Deus, minha eterna gratidão!

EPÍGRAFE

O silêncio alimenta o pensamento, a reflexão desenvolve a sabedoria, saber ouvir gera humanismo. (NAISBITT; NAISBITT; PHILIPS, 2006, p. 38).

AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para o êxito desta pesquisa. Quero, ainda, deixar meu agradecimento em especial aos que estiveram diretamente envolvidos comigo em toda a sua elaboração. À minha querida orientadora Elizabeth Moraes Gonçalves por ter acreditado em mim, mesmo antes de me conhecer, e por me incentivar, em todos os momentos com sua presença contagiante. Certamente, seu jeito leve e descontraído de conduzir nossos encontros e de levantar questionamentos foi de suma importância para a realização desta pesquisa. Aos professores da banca de qualificação e de defesa deste trabalho, cujas contribuições foram muito valiosas para o direcionamento da pesquisa. Aos meus pais, Clóvis e Maria, que são os responsáveis diretos pelo que sou como pessoa, pois sempre me incentivaram aos estudos e principalmente à leitura. Ao meu esposo, Anselmo Machado, pelo incentivo dado para que retornasse a meus estudos, depois de mais de dez anos longe da universidade, e por me apoiar durante o processo desgastante da pesquisa. Obrigado por sua paciência em ouvir as inúmeras ideias que surgiam na minha cabeça, em ser minha plateia para eu treinar as apresentações de meus trabalhos, enfim, por estar comigo tanto nos bons momentos como nos difíceis. Ao ser que considero mais importante da minha vida, esse que me impulsiona a querer ser uma pessoa melhor todos os dias, meu filho querido Pietro Brait de Souza Machado, a quem sou devedora de parte de minha atenção nesses dois últimos anos de dedicação à pesquisa.

Muito obrigado!

LISTA DE TABELAS, ILUSTRAÇÃO E GRÁFICOS Tabela 1: Evolução da publicidade em vídeo nas mídias sociais ............................................. 44 Tabela 2 – Estratégias de aproximação .................................................................................... 94 Tabela 3 – Estratégia de experiências reais .............................................................................. 97 Tabela 4 – Estratégia homenagem a pessoas anônimas .......................................................... 98 Tabela 5 – Estratégia Histórias da vida real ............................................................................. 99 Tabela 6 – Estratégia cocriação na publicidade...................................................................... 100 Tabela 7 – Estratégia convite à participação (mobilização social) ......................................... 101 Tabela 8 – Estratégia entrevista com pessoas anônimas ........................................................ 102 Tabela 9 – Estratégia famosos da Internet .............................................................................. 103 Tabela 10 – Estratégia linguagem conexão ............................................................................ 104 Tabela 11 – Estratégia ação com aplicativo de celular ........................................................... 105 Tabela 12 – Estratégia concurso cultural ................................................................................ 106 Tabela 13 – Estratégia ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais ........ 106 Figura 1 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo convite aos participantes da campanha ........... 127 Figura 2 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo seleção dos participantes nas House Parties ... 127 Figura 3 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo recepção dos participantes no Hotel Bellagio . 128 Figura 4 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo cobertura da festa na suíte presidencial Hotel Bellagio ................................................................................................................................... 128 Figura 5 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo síntese de tudo o que aconteceu em Las Vegas ................................................................................................................................................ 129 Figura 6 – Ethos da realeza..................................................................................................... 132 Figura 7 – Storyline Johnson’s Baby. Vídeo Sinfonia da Vida .............................................. 135 Figura 8 – a foto como um elemento pessoal que valida a veracidade da história ................. 137 Figura 9 – Storyline Johnson & Johnson. O presente mais valioso do mundo ...................... 138 Figura 10 – Fotografia da infância do famoso ao lado do pai e irmão ................................... 139 Figura 11 – Storyline Itaú. Vídeo Pai por Gustavo Kuerten .................................................. 141

Figura 12 – Storyline Comfort. Primeiro vídeo #amocomovocêama ..................................... 144 Figura 13 – Storyline Comfort. Segundo vídeo #amocomovocêama ..................................... 144 Figura 14 – Storyline Bradesco. Vídeo Tocha Olímpica........................................................ 148 Figura 15 – Storyline Coca-Cola. Vídeo você pode ser ouro ................................................. 149 Figura 16 – Storyline Nissan. Vídeo quem se atreve ............................................................. 149 Figura 17 – Storyline Carefree. Vídeo desabafa amigas ........................................................ 152 Figura 18 – Storyline C&A. Vídeo blogueira Helena Lunardelli........................................... 154 Figura 19 – Storyline C&A. Vídeo blogueira Nati Vozza ..................................................... 154 Figura 20 – Storyline Mc Café. Vídeo trigêmeas Caram ....................................................... 155 Figura 21 – Storyline Perdigão. Vídeo Dubsmash ................................................................. 157 Figura 22 – Storyline Chevrolet. Vídeo pessoas reais opiniões verdadeiras .......................... 159 Figura 23 – Storyline Itaú. Vídeo concurso Rock in Rio 2015 .............................................. 161 Figura 24 – Storyline Café Pelé. Vídeo epidemia dos bocejos .............................................. 162

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 CAPÍTULO I – MÍDIAS SOCIAIS: UMA NOVA CULTURA COMUNICACIONAL . 23 1.1 - A desmassificação da comunicação de massa ............................................................. 23 1.1.2 – O crescimento das novas mídias ........................................................................... 29 1.1.4- A ecologia dos meios ............................................................................................. 34 1.2- As Mídias sociais........................................................................................................... 38 1.2.1- As mídias sociais mais acessadas ........................................................................... 41 CAPÍTULO II - O CONSUMIDOR CONTEMPORÂNEO E SUA INFLUÊNCIA NA CULTURA PARTICIPATIVA ............................................................................................. 47 2.1- A cultura de participação e a colaboração de massa ................................................... 47 2.2- O perfil do consumidor no ambiente das mídias sociais .............................................. 52 2.2.1 – As relações de consumo no ambiente das mídias sociais ..................................... 55 2.2.2 – O consumidor evangelista .................................................................................... 58 2.3 – A Publicidade e a propaganda .................................................................................... 63 2.3.2- A superabundância de informação e a incomunicação entre interlocutores .......... 69 CAPÍTULO III – O IMPACTO DA CULTURA DE PARTICIPAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES ................................................................................................................. 75 3.1- As organizações no ambiente das mídias sociais.......................................................... 75 3.1.2 – A busca pela liberdade: do humanismo ao tecnocentrismo .................................. 81 3.1.3- O discurso da humanização como estratégia de aproximação ............................... 87 3.2- Estratégias de aproximação das marcas com os consumidores ................................... 92 3.2.3 – Histórias da vida real ............................................................................................ 98 3.2.4 – Cocriação na publicidade...................................................................................... 99 3.2.5 – Convite à participação (mobilização social) ....................................................... 100 3.2.6 – Entrevistas com pessoas anônimas ..................................................................... 101 3.2.7 – Famosos da Internet ............................................................................................ 102 3.2.8 – Linguagem conexão............................................................................................ 103 3.2.9 – Ação com aplicativo de celular .......................................................................... 104 3.2.10 – Concurso cultural.............................................................................................. 105 3.2.11 – Ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais ...................... 106 CAPÍTULO IV – DISCURSOS ORGANIZACIONAIS ................................................... 109 4.1- O discurso das marcas nas mídias sociais .................................................................. 109 4.2 – Ethos e cenografia do mundo das celebridades e o sistema de vigilância................ 116 4.3- Experiências reais ....................................................................................................... 122 4.3.1- Experiência do reality show na publicidade ......................................................... 123 4.3.2 - Campanha Viva Las Vegas da Skol .................................................................... 125 4.4- Homenagem a pessoas anônimas ................................................................................ 133 4.4.1- Sinfonia da Vida – Johnson’s Baby ..................................................................... 133

4.5 – Histórias da vida real ................................................................................................ 135 4.5.1 – O presente mais valioso do mundo - Johnson & Johnson .................................. 137 ............................................................................................................................................ 138 4.5.2 – Pai por Gustavo Kuerten – Banco Itaú ............................................................... 138 4.6 - Cocriação na publicidade .......................................................................................... 141 4.6.1 – #amocomovocêama da Confort Amaciantes ...................................................... 142 4.7 – Convite à participação (mobilização social)............................................................. 144 4.7.2 – Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 – Coca-Cola, Bradesco e Nissan .. 146 4.8 – Entrevistas com pessoas anônimas............................................................................ 150 4.9 – Famosos da Internet .................................................................................................. 153 4.10 – Linguagem da conexão ............................................................................................ 155 4.11 – Ação com aplicativo de celular ............................................................................... 157 4.12 – Concurso cultural .................................................................................................... 159 4.13 – Ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais ........................... 161 4.14 – Principais resultados das análises .......................................................................... 163 CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 167 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 175

RESUMO

MACHADO, Vanda de Souza. O discurso da humanização como estratégia de aproximação com o consumidor nas publicidades das mídias sociais. 2016. 190 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Este trabalho propõe o estudo analítico de estratégias discursivas das organizações empregadas nas publicidades das mídias sociais no Brasil em que, na tentativa de aproximação com os consumidores, as empresas emitem discursos de humanização. A pesquisa ocupou-se em identificar e analisar as publicidades das marcas notabilizadas nesse ambiente superabundante de informação, capazes de comunicar-se efetivamente com os consumidores, a ponto de levá-los ao engajamento com os interesses da organização pela interação e compartilhamento dos conteúdos nas mídias sociais, e de torná-los os agentes da marca, aqueles que divulgam voluntariamente os seus benefícios para a sua rede de amigos. Trata-se de uma pesquisa exploratória de teor qualitativo, cuja busca se dará pelas delineações de um espaço discursivo. Utilizou-se a análise do discurso (AD), da linha francesa, sob a perspectiva dos estudos do ethos, cenas de enunciação e contrato de comunicação que contemplam os discursos organizacionais. Além da conceituação teórica e revisão de literatura vinculadas às mídias sociais e cultura organizacional, o trabalho analisou as publicidades em vídeo publicadas no Facebook e YouTube, nos anos de 2014 e 2015, cujo intuito era a aproximação com o consumidor. A pesquisa demonstrou que o ambiente das mídias sociais requer outra postura das organizações, uma linguagem dialógica e interativa com a participação do consumidor nas suas publicidades. A supervalorização do consumidor e a sua inclusão nas narrativas é uma tentativa de humanizar as relações entre organização e seus públicos e demonstram ser o eixo conciliador entre ambos na nova ambiência midiática.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação. linguagem. discursos. publicidade. mídias sociais.

RESUMEN

En este trabajo se propone el estudio analítico de las estrategias discursivas de las organizaciones que trabajan en la publicidad de los medios sociales en Brasil que, en un intento de acercarse a los consumidores, las empresas emiten discursos de humanización. La investigación se dedica a la identificación y análisis de la publicidad de marcas que notabilizadas entorno de la información sobreabundante, capaz de comunicarse de manera efectiva con los consumidores como para llevarlos a comprometerse con los intereses de la organización de la interacción y el intercambio de contenidos medios de comunicación social, y hacer que los agentes de marca, los que dan a conocer voluntariamente sus beneficios a su red de amigos. Se trata de un contenido cualitativo exploratorio, cuyo objetivo es dar a las delimitaciones de un espacio discursivo. Se utilizó el análisis del discurso (DA), la línea francesa, desde la perspectiva dos estudios do ethos, escenas de enunciación y acuerdo de comunicación que incluyen el discurso organizacional. Además de la conceptualización y revisión de la literatura teórica en relación con los medios sociales y la cultura organizacional, el estudio analizó la publicidad en video publicado en Facebook y YouTube en los años 2014 y 2015, cuyo lo objetivo era quedarse más cercano del consumidor. La investigación ha demostrado los ambientes en los medios de comunicación social requiere otra postura de las organizaciones, un lenguaje dialógico y interactivo con la participación de los consumidores en sus anuncios. Sobrevaloración del consumidor y su inclusión en las narrativas son tentativas para humanizar las relaciones entre la organización y sus grupos de interés y de conciliar ambos en el nuevo ambiente de médios de comunicación.

PALABRAS CLAVE: Comunicación. lenguaje. discursos . la publicidad. medios de comunicación social .

ABSTRACT

This paper proposes the analytical study of the discursive strategies in organizations applied to advertising of social media in Brazil which, in an attempt to get closer to consumers, emit humanization messages. The research was engaged in identifying and analyzing the advertisement of brands that have been able to stand out on this environment overwhelmed of information while communicating effectively with consumers, leading them to engage with the brand in the interaction and sharing of content on social media, thus becoming agents of the brand, who voluntarily spread their benefits to their own network of friends. This is an exploratory research of qualitative content, in the sense that its search is going to happen through a discursive space. The French-line based discourse analysis (DA) has been used under the perspective of do the ethos studies, scenes of enunciation and agreement of communication which include the organizational discourse. Besides the theoretical conceptualization and literature review related to social media and organizational culture, this paper made the analysis of video advertisements from Facebook and Youtube issued in 2014 and 2015, which aimed to approach the consumer. The research shows that social media required new attitude from organizations, a dialogical and interactive language that provides consumer participation in their advertisement. The consumer overvaluation and their inclusion in the narrative are attempts to the humanization of relationship between organizations and their target consumers and have shown to be the conciliating axis between both of them in the new media ambience.

KEYWORDS: Communication. language. speeches. advertising. social media.

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INTRODUÇÃO Nos últimos vinte anos, a humanidade vem experimentando mudanças em toda a sua estrutura como consequência da nova cultura comunicacional estabelecida após o advento da Internet. Até o ano de 2004, a comunicação entre pessoas dava-se de forma individual ou limitada ao seu convívio social. Com a chegada das plataformas interativas, o sujeito conquistou a possibilidade da autonomia interacional, mediado pelas mídias sociais, passando a emitir mensagens para muitas pessoas ao mesmo tempo, de forma instantânea e de qualquer lugar do mundo. Lembrando que essa possibilidade até então não foi estendida a todas as pessoas, pois existem diversas regiões no país em que a internet ainda não é acessível devido a problemas relacionados à infraestrutura e outros fatores de ordem econômica e social. Embora a grande maioria da população (53%)1 ainda não faça uso das mídias sociais, conforme apontou a Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pelo Ministério da Comunicação do Governo Federal no ano de 2014, a Internet facilitou a vida da grande massa que passou a ter uma fonte abundante de informação e conhecimento disponível pelo acesso ao ambiente digital. Essa liberdade informacional classifica o sujeito contemporâneo como um ser emancipado, pois, com os recursos tecnológicos, a informação de que precisa está a seu dispor e não mais sob a tutela de instituições detentoras de poder. Com a emancipação do consumidor, as relações entre organizações e consumidores, que nunca estiveram em conformidade, ficaram ainda mais enfraquecidas. As novas mídias trouxeram à população consumidora o sonho de liberdade suprimido por séculos pela classe dominante. O estudo Barômetro de Confiança, apresentado pelo Instituto Edelman 2 em 2015, apontou que as organizações e os governantes representam uma fonte de menor credibilidade entre as pessoas e a crença em alguém comum lidera o ranking em questão de confiança. Isso significa que a opinião de um sujeito comum na contemporaneidade tem muito mais valor entre seus semelhantes do que os discursos organizacionais. Percebe-se que o surgimento de uma nova ambiência comunicacional trouxe à tona uma problemática a ser enfrentada pelas organizações: Como se comunicar com os consumidores que também são comunicadores? As organizações encontram-se diante de

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http://observatoriodaimprensa.com.br/download/PesquisaBrasileiradeMidia2014.pdf http://www.edelman.com.br/propriedades/trust-barometer/

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diversos fatores conflitantes, que precisam ser levados em consideração para evitar riscos em seus negócios. São eles: 

Consumidores (que também são produtores de conteúdo), emancipados e descrentes das propostas organizacionais;



Déficit de atenção das mensagens publicitárias veiculadas nas mídias tradicionais ocasionado pela mudança de comportamento da audiência em que esta passou a assistir às programações apenas como um pano de fundo para as suas outras atividades em execução;



Excesso de informações disponíveis nas mídias sociais; o consumidor escolhe o conteúdo que quer ver e na hora que lhe for mais conveniente. O que torna um problema para as publicidades que precisam da atenção absoluta do consumidor para que sua eficácia seja plena;



O consumidor atual quer participar ativamente da sociedade, opinando, criticando, colaborando com suas ideias, alterando cenários e fazendo-se visto por seus participantes. A linguagem unidirecional que a mídia de massa estava acostumada já não satisfaz a nova geração de consumidores, que não se percebe na comunicação.

Além desses pontos conflitantes, as organizações também passam por mudanças necessárias na sua cultura interna, antes que sua marca seja alvo de críticas que possam levalas a enfrentar uma crise de imagem. Mudanças que incluam essencialmente transparência nas relações com todos os seus públicos, sejam eles funcionários, fornecedores e consumidores. Nesse contexto, alcançar a atenção dos públicos de interesse para a marca está cada vez mais difícil, o que exige da organização uma postura ética firme e comprovada pela sociedade. Assim, esta pesquisa propôs analisar quais estratégias estão sendo empregadas pelas organizações para atrair a atenção dos consumidores na ambiência das mídias sociais, uma vez que o olhar destes não está direcionado para as publicidades e sim para conteúdos de seus próprios interesses. Num cenário de tamanha instabilidade e descrença, de que modo as publicidades estão conseguindo levar essas pessoas ao engajamento e ao compartilhamento de conteúdos favoráveis às marcas pelas mídias sociais? Buscou-se trabalhar com as seguintes questões de pesquisa: a) O discurso de humanização das relações empregados na publicidade promove uma aproximação com os públicos de interesse, gerando no consumidor a percepção da marca como alguém igual a ele?

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b) A apropriação de elementos pertencentes ao consumidor, como as suas histórias de vida, fotos e vídeos é uma estratégia da publicidade que consegue de fato atrair a atenção do consumidor para o anúncio, promovendo o engajamento com a marca e o compartilhamento dos conteúdos para sua rede de amigos? c) Os discursos de humanização das relações emitidos pelas marcas de fato exprimem os verdadeiros interesses organizacionais de supervalorização do consumidor ou trata-se de mais uma tentativa corriqueira de manterem-se no domínio das massas? Para responder a essas questões, a pesquisa utilizou-se de dois norteadores metodológicos: o primeiro ocorreu pelo levantamento bibliográfico sobre os conceitos da nova ambiência comunicacional e o seu impacto na cultura organizacional; e o segundo, por uma pesquisa qualitativa de publicidades divulgadas nas mídias sociais nas quais havia discursos de humanização como estratégia de aproximação das organizações com seus públicos de interesse. Optou-se por publicidades em vídeo em que os usuários das novas mídias fossem convidados a participar da narrativa por meio de elementos particulares e que posteriormente seriam incluídos nas histórias das marcas, como: envio de vídeos, fotos, histórias pessoais, experiências reais vividas com a marca etc. Escolheu-se o jornal Meio & Mensagem3 como fonte de referência para o levantamento das informações, por apresentar um amplo portfólio de trabalhos realizados pelas agências de publicidades do país. A busca considerou a escolha de vídeos de todos os setores da economia disponíveis no portal nos últimos cinco anos, mas observou-se que houve uma maior incidência da publicidade com a estratégia de aproximação nos últimos dois anos. O levantamento dos dados foram realizados nas duas principais mídias sociais de maior destaque no país4, que permitem a publicação de vídeos publicitários: o YouTube e o Facebook. A coleta foi realizada entre agosto e setembro de 2015. O critério para escolha dos vídeos teria que conter algum dos seguintes aspectos: 

A publicidade deveria ser exclusivamente no formato vídeo, por apresentar uma dinâmica interativa e capaz de despertar a atenção do enunciatário;



O discurso precisaria conter argumentos convidativos à interação e participação do consumidor na produção do vídeo;

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http://portfoliodeagencias.meioemensagem.com.br/anuario/propaganda/trabalhos Conforme classificação do Global Digital Future In Focus Brasil 2015 - www.comscore.com

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A publicidade deveria apresentar discursos de humanização das relações com o propósito de gerar aproximação dos públicos com a marca anunciada. Nesse caso, a humanização da marca ocorre quando ela se desloca da instância de poder e cede este lugar de prestígio ao sujeito anônimo, levando-o a ser o protagonista da história.



As narrativas teriam que apresentar cenografias e o ethos do mundo da celebridade, não se importando ser este famoso ou anônimo, contanto que o discurso promovesse a supervalorização do indivíduo com histórias e elementos da sua vida real;

Levantou-se um total de 170 vídeos relacionados a 40 marcas. Os vídeos foram agrupados de acordo com a similaridade de seus discursos, resultando em 11 estratégias de aproximação classificadas da seguinte forma: 

experiências reais: A estratégia de aproximação da marca com consumidores classificada como experiências reais apresenta discursos convidativos ao sujeito anônimo ou famoso que deseja participar de uma experiência verdadeira. Embora tenha um roteiro preestabelecido pela produção, é preservado o efeito surpresa dos protagonistas, para que a publicidade aparente de fato se tratar de uma experiência real;



homenagem a pessoas anônimas: ocupa-se em promover a supervalorização do indivíduo, tornando-o protagonista de uma história surpreendente;



histórias da vida real: a narrativa publicitária é a história de alguma pessoa anônima ou famosa, o importante é que o discurso contenha a supervalorização da história pessoal do sujeito;



cocriação na publicidade: o consumidor é convidado a enviar elementos pessoais que ajudarão na construção da narrativa publicitária (foto, vídeo, texto etc.);



convite à participação (mobilização social): a marca promove a participação voluntária das pessoas em alguma causa social;



entrevistas com pessoas anônimas: busca também elevar o sujeito anônimo à posição de prestígio, concedendo-lhe a oportunidade de ter suas opiniões, expostas e produzidas pela marca divulgadas nas mídias sociais;



famosos da Internet: a marca insere pessoas que se tornaram famosas no ambiente das mídias sociais em suas narrativas publicitárias (ex: blogueiros);

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linguagem da conexão: a marca apropria-se de elementos linguísticos empregados pelos usuários das mídias sociais, passando a utilizar do mesmo código linguageiro que eles;



ação com aplicativo de celular: cria-se um canal num aplicativo existente ou novo e disponibiliza-o para que os consumidores possam interagir diretamente com a marca, tornando a comunicação mais pessoal;



concurso cultural: destinado a promoções da marca com seus consumidores;



ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais: a marca promove alguma experiência direta com o consumidor no ambiente externo (off-line) e depois transforma a ação em um vídeo que é compartilhado nas mídias sociais.

Os números apresentados na quantidade de visualização, curtidas, compartilhamentos e comentários dos vídeos foram preservados no momento da pesquisa, sabendo-se que a sua contagem poderá sofrer alterações em consultas futuras devido à movimentação de usuários das mídias sociais. Não se trata da totalidade absoluta nem de parâmetros estatísticos, porém contribuiu para a identificação das estratégias de aproximação mais expressivas realizadas nas mídias sociais até a data desta pesquisa. O presente estudo foi estruturado da seguinte forma: os dois primeiros capítulos apresentam os conceitos que validam as mídias sociais como a nova cultura comunicacional, a cultura de participação e também como os usuários das novas mídias interferem na cultura das organizações. Os dois capítulos finais ocuparam-se em analisar as estratégias discursivas das organizações empregadas nas mídias sociais, e as análises do discurso (AD) foram agrupadas no último capítulo. No primeiro capítulo, a pesquisa propôs recapitular o processo da desmassificação da comunicação de massa depois da expansão das tecnologias de informação e comunicação, acompanhando toda a sua evolução. O texto buscou observar o desenvolvimento das mídias sociais e como a sua expansão interferiu diretamente na forma como o sujeito se relaciona com o mundo. Foram levantados autores como Marshall McLuhan (1960), Décio Pignatari (1970) e Alvin Toffler (1980), que já preconizavam em tempos atrás que, no futuro dominado pelas tecnologias, os consumidores assumiriam um papel de consumidor e produtor. Numa situação como essa, em que um novo meio se estabelece, naturalmente acontece a convergência dos meios, e isso não significa que os antigos deixarão de existir, mas que a sua utilização passa por um processo de ressignificação. Nesse caso, a pesquisa fundamentou-se

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em autores como Henry Jenkins, que aborda especificamente a convergência dos meios; Don Tapscott, que destaca a importância da colaboração de massa; Clay Shirky, que conceitua a cultura de participação, entre outros tão importantes quanto esses que destacaram as mudanças ocorridas na sociedade com a Internet. Buscou-se também mostrar que as tecnologias digitais impactaram não só a comunicação, como também a forma como o sujeito se relaciona com o meio. Para isso, levantaram-se autores voltados aos estudos da ecologia dos meios como Neil Postman, Derrick de Kerckhove, Manuel Castells, Máximo Di Felice, entre outros. O

segundo

capítulo

concentra-se

no

personagem

mais

importante

da

contemporaneidade, o consumidor. Buscou-se apresentar esse sujeito que ganhou extremo prestígio e notoriedade com a chegada das mídias sociais, e como ele interfere na cultura participativa. Autores como Christopher Barger, A. Paul Argenti e Courtney M. Barnes contextualizam essas questões decisivas para as organizações diante dos seus públicos de interesse. A prática do evangelista de marketing ganhou força nessa nova modalidade comunicacional, em que qualquer pessoa tem a possibilidade de ser um emissor de conteúdos com poder de influenciar ou não o seu semelhante. O autor Ben McConnell e Jackie Huba e Conrado Adolpho Vaz fundamentam essa prática como a tendência do marketing contemporâneo em que organizações buscam identificar aqueles que serão os agentes discursivos das marcas pelas mídias sociais, divulgando voluntariamente conteúdos favoráveis que trarão benefícios a longo prazo. Além dos benefícios que as mídias sociais trouxeram para o consumidor, esse capítulo procurou também apontar os embates gerados pelo exagero de informação a que o sujeito está exposto e a sua dificuldade em digerir esse excesso. Esses conflitos levaram a uma crise de atenção e à consequente incomunicação entre interlocutores. As mudanças na publicidade também são introduzidas nesse capítulo com a abordagem da Lúcia Santaella e Winfried Nöth, que falam sobre as estratégias da semiótica na publicidade e Grant McCracken, que traz as novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Já no terceiro capítulo, a pesquisa concentra-se no impacto que as organizações sofreram com a cultura de participação, uma vez que as organizações nunca vislumbraram que um dia seus públicos interfeririam nas suas estratégias de negócios. Nessa parte, buscouse mostrar que as organizações resistiram às mídias sociais não porque sua utilização não fosse tão importante quanto qualquer outra mídia, mas porque as mídias sociais em específico

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concedem uma liberdade ao consumidor que desestabiliza toda a sua estrutura autocrática. A partir desse ponto, buscou-se entender como o consumidor contemporâneo contribuiu para a desconstrução de uma cultura organizacional autoritária presente na história desde a sua concepção. O discurso de humanização das relações procede justamente dessa desconstrução em que organizações buscam se reconciliar com seus consumidores se fazendo passar por alguém como ele. Como as pessoas tendem a não confiar na boa intenção das marcas, então a estratégia de aproximação prevê a participação do próprio consumidor como o protagonista das narrativas publicitárias. Utilizou-se de autores como Wilson Bueno, que aborda questões relacionadas à cultura organizacional e às mídias sociais, Dominique Wolton e Neil Postman, que trazem à tona a complexidade derivada do excesso de informação na Internet e a necessidade da urgência na humanização das relações, entre outros. O capítulo final introduziu as análises abordando o sistema de vigilância Panóptico empregado no século XVIII, adotado por todas as instituições de controle da sociedade até os dias atuais. Michael Foucault é o autor que contextualiza esse modelo, mas Thomas Mathiesen, ao analisar a sociedade contemporânea dominada pelas mídias sociais, reconsiderou essa prática numa versão mais ampliada para o Sinóptico, em que todos se observam. Zygmunt Bauman também questiona se de fato a sociedade atual vive a liberdade tanto preconizada pelas novas mídias, uma vez que os usuários delas são submetidos a controles quando liberam seus dados para os provedores das plataformas digitais. Falou-se também da cenografia e do ethos do mundo da celebridade empregado nas publicidades das mídias sociais. Para isso, utilizou-se da Análise do Discurso (AD), de linha francesa, sob a perspectiva de autores como Patrick Charaudeau, para abordar os contratos de comunicação empregados nos discursos e, Dominique Maingueneau, que sustentou a pesquisa com os aspectos teóricos do ethos discursivo e as cenas de enunciação, empregados na publicidade. As análises buscaram interpretar os contextos ideológicos que estão por trás das falas e como eles interferem na relação de troca entre organizações e consumidores. A pesquisa possui uma abordagem qualitativa, pois “ela se ocupa nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, dos motivos, das aspirações, das crenças dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2009, p.21). A escolha pela Análise de Discurso fez-se necessária por esse campo de estudo teórico metodológico articular os sentidos existentes entre sujeito, língua e história. Ela nos leva a compreender que as tramas que tecem um discurso estão muito além daquilo que é dito. Os

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dizeres carregam ideologias construídas não pelo sujeito em si, mas que a própria história se encarregou de formar. Assim como as organizações que, durante toda a sua existência, ocuparam um papel dominante na sociedade, impondo condutas e valores conforme os seus padrões de interesses e, na atualidade, buscam humanizar as relações numa tentativa implícita de manter o controle dos seus públicos de interesse. Não mais se valendo de uma postura impositiva como outrora, pois agora os seus públicos possuem os recursos digitais que lhes permitem serem ouvidos por uma ampla audiência, mas atuando na percepção da mente, valendo-se de publicidades que abordam o ethos da supervalorização do sujeito, elevando-o ao mundo da celebridade, o lugar onde a maioria deseja estar.

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CAPÍTULO I – MÍDIAS SOCIAIS: UMA NOVA CULTURA COMUNICACIONAL

Pode parecer impróprio definir as mídias sociais como uma nova cultura comunicacional, mas, observando o seu trajeto histórico, vê-se que a comunicação foi tomada por muitos anos pela cultura de massa, pelos meios de comunicação como a televisão, o rádio, a mídia impressa etc. Sua principal função era dirigir mensagens padronizadas para a população, ditando regras de conduta e valores sociais. Com a expansão das mídias sociais houve mudanças significativas na cultura, numa abrangência global, alterando toda a estrutura preestabelecida até então. Este primeiro capítulo propôs expor a ruptura gerada na comunicação de massa com a desmassificação dos meios e a ascensão das mídias sociais como uma nova cultura comunicacional da sociedade contemporânea.

1.1 - A desmassificação da comunicação de massa A chegada das tecnologias de informação e comunicação (TICs)5, há menos de duas décadas abriu várias possibilidades para a humanidade. Dentre elas, propiciar a qualquer pessoa que disponha de um computador ou um aparelho de celular com acesso à Internet o poder de emitir conteúdos para o mundo. Com o avançar das tecnologias digitais, passou-se a dispor de uma lista crescente de plataformas interativas abrigadas sob a Web 2.06, favorecendo a comunicação direta entre pessoas no ambiente virtual, a construção de comunidades virtuais em torno de interesses compartilhados, a disseminação de opiniões favoráveis ou não a respeito das organizações etc. Essa novidade no ambiente da comunicação revelou-se contrária a todas as invenções comunicativas surgidas, até então, que favoreciam uma pequena parcela da sociedade. Dessa vez, o indivíduo foi o maior beneficiado com a possibilidade palpável de poder também ser um emissor de conteúdos. A expansão da Internet foi recebida com louvor pelas pessoas, pois a tão sonhada liberdade promovida pelo acesso às informações numa esfera global tinha sido alcançada pela humanidade. 5

Entende-se que TIC consiste de todos os meios técnicos usados para tratar a informação e auxiliar na comunicação, o que inclui o hardware de computadores, rede, telemóveis, bem como todo software necessário. 6 Web 2.0 é um termo popularizado a partir de 2004 pela empresa americana O'Reilly Media para designar uma segunda geração de comunidades e serviços, tendo como conceito a "Web como plataforma", envolvendo wikis, aplicativos baseados em folksonomia, redes sociais e tecnologia da informação. Seu ambiente colaborativo facilita a criação e a troca de conteúdos gerados pelos usuários.

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O que foi um triunfo para a grande massa tem sido ainda hoje o motivo de preocupação para as organizações, que consideravam ter o controle sobre os seus consumidores usando os meios de comunicação de massa tradicionais como a tevê, o rádio e a revista. “Antes da explosão digital, na virada do século, a imagem das corporações era construída pela comunicação unidimensional que os mais altos níveis gerenciais impunham verticalmente aos grupos de interesse de maneira separada e sem qualquer discussão” (ARGENTI; BARNES, 2011, p.18). Após a Web 2.0, essa realidade foi alterada pela autonomia proporcionada ao sujeito e este passou a interferir em todos os assuntos da sociedade através das mídias sociais. Situação nada favorável para a grande maioria das organizações que se manteve numa atmosfera de inércia durante bastante tempo. Enquanto as empresas pensavam se embarcariam na nova ambiência midiática, as pessoas foram tomando posse de todos os aparatos tecnológicos disponíveis no mercado e, rapidamente, as tecnologias de informação e comunicação integraram-se na vida social das pessoas. Estima-se que 47%7 da população brasileira já faz uso da Internet e esse dado tende a aumentar com a proliferação dos aparelhos móveis de celular pelas regiões menos favorecidas do país, frisando-se que a grande maioria da população brasileira ainda não tem o acesso à Internet. Mas, de acordo com o estudo apresentado pelo ComScore8 em março de 2015, os usuários da Internet móvel cresceram 7%, nos últimos 6 meses que antecederam a pesquisa, totalizando 38,3 milhões de brasileiros online por meio de smartphones e tablets. Isso mostra que, de acordo com Barger (2013, p. 10): “Evitar a presença nas mídias sociais a menos (ou até) que você possa controlá-la é uma ideia ilusória e faz com que você perca uma ótima oportunidade de influenciar as pessoas para que sigam na direção que você deseja”. Essa é uma nova cultura comunicacional, e as organizações relutantes em aceitá-la perceberam que não podem descartá-la simplesmente, é necessário compreender sua ambiência e a linguagem dialógica do público conectado. As organizações sentiram fortemente o impacto das mudanças comunicacionais, pois toda a sua estrutura foi estabelecida com os parâmetros da cultura de massa. Pode-se entender como natural a resistência das organizações à nova ordem social, pois o seu poder foi ameaçado pela emergente autonomia do consumidor. Antes do fenômeno das massas, as pessoas estavam acostumadas a criar seus próprios modelos de realidade por imagens

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Dados obtidos através da Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em 2014. 8 Global Digital Future In Focus Brasil 2015 - www.comscore.com

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recebidas de uma pequena fonte de informação, geralmente relacionada à família, ao professor, ao sacerdote ou autoridade local. Em conjunto com a Revolução Industrial, o crescimento da aglomeração urbana e o surgimento dos meios de comunicação, aflorou também o conceito da cultura de massa, que teve sua origem em países como Inglaterra e França desde o início do século XIX. Máquinas, multidões, cidades: um trinômio que significava o progresso, o fascínio, mas também o medo devido ao estranhamento que as novas condições de vida impunham aos indivíduos, que se viam desgarrados das relações familiares, tradicionais, rurais, com suas correlatas relações de fidelidade, tradições, concepções de tempo regido pela natureza, ligação com a terra. Mas o medo advinha também por parte das elites, que viam uma ameaça constante na mistura e proximidade física entre diferentes (social, cultural, e economicamente falando) (BORELLI; PEREIRA, 2014, p.101).

As massas sempre representaram uma ameaça à burguesia, que temia a perda do controle da população, assim, surgiram várias “teorias formuladas pelo pensamento conservador da elite da época que pudessem compreender essas massas e seu comportamento, bem como forjar códigos e ações para o seu ordenamento/disciplinamento e controle” (BORELLI; PEREIRA, 2014, p.101-102). Essa aversão à participação pública nos assuntos das sociedades sempre existiu. “A inclinação popular para opinar a respeito de cada assunto era associada por Platão à natural tendência das massas de infringir as leis. Tal índole, na visão do filósofo, constituiria uma ameaça à cidade” (FELICE, 2008, p.33-34). Na verdade, as pessoas sempre tiveram a necessidade de participar da sociedade com suas opiniões, uma vez que essa característica é intrínseca do ser humano, mas sempre foram contidas pela classe dominante. A introdução de novos meios de comunicação de massa na sociedade como o telefone, a revista, o rádio e a televisão possibilitaram, além de novas práticas comunicativas, novas formas de interação social. As informações não partiam mais apenas dos pequenos grupos de convivência ou aldeia, as pessoas passaram a receber também notícias pelos novos meios de longo alcance. “Os próprios meios de comunicação de massa tornaram-se um gigantesco altofalante. E seu poder era usado através das linhas regionais, étnicas, tribais e linguísticas para padronizar as imagens que fluem para a corrente mental da sociedade” (TOFFLER, 2014, p.163). Os valores e costumes da sociedade continuaram por muito tempo sob o controle da elite, que, dominando os aparatos de comunicação de longa distância, emitiam mensagens padronizadas para a sociedade a fim de manter a ordem social. Certamente os meios de

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comunicação de massa favoreceram ainda mais o controle sobre as pessoas e permitiram às organizações atingir amplamente seus lares, que, perplexas diante das novas tecnologias, tinham como sagrado o momento de assistir as programações permeadas com os elementos persuasivos de padronização comportamental. Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que, com efeito, se transformaram em ícones [...] estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na ‘mente da massa’ pelos meios de comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo sistema de produção industrial (TOFFLER, 2014, p.163).

Os meios de comunicação de massa como a tevê e o rádio tiveram seu apogeu durante muito tempo, e a população dominada pela influência e o fascínio das tecnologias era mera receptora de mensagens quentes como definiu Marshall McLuhan na sua teoria dos meios quentes e meios frios. Para o estudioso, “o efeito do tratamento por meios quentes dificilmente implica a empatia e a participação” (MCLUHAN, 1964, p. 46). Assim como o rádio e a tevê, que não permitem a interação espontânea da audiência nas programações. As mensagens são mais delineadas e preparadas para o público absorver apenas o seu conteúdo, enquanto os meios frios incitam os públicos ao diálogo com a mensagem. Para o autor, além da importância do conhecimento dos meios, também é importante saber se a cultura dos receptores da mensagem também é quente ou fria. Importa muito saber se um meio quente é utilizado numa cultura quente ou fria. O rádio, meio quente, aplicado a culturas frias ou não letradas, provoca um efeito violento, contrariamente ao que acontece, por exemplo, na Inglaterra e na América, onde o rádio é considerado divertimento. Uma cultura fria, ou pouco letrada, não pode aceitar como simples divertimentos os meios quentes, como o rádio e o cinema. Estes meios são tão perturbadores para elas como o meio frio da televisão acabou por se mostrar em nosso mundo altamente letrado (MCLUHAN, 1964, p. 46-47).

Os meios de comunicação de massa aperfeiçoaram-se paralelamente com a expansão das tecnologias digitais. A tevê, por exemplo, foi muito beneficiada com aparelhos incrivelmente sofisticados e imagens cada vez mais perfeitas, além da abertura dos canais digitais e tevê fechada, que permitiram uma programação de melhor qualidade para os seus públicos. Mas, mesmo com os recursos aperfeiçoados, os telespectadores continuaram apenas como receptores de mensagens quentes, sem poder interagir com o aparelho. É certo que surgiram tentativas de interação, como convites para o telespectador escolher programações, filmes, ou mesmo fazer ligações telefônicas para opinar nos programas, mas isso está longe de ser interatividade de fato. Eram apenas participações isoladas e controladas pela mídia de

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massa. Essa falta de interação dos públicos com o meio incomodou o teórico Marshall McLuhan, que, na década de 19609, discutia os efeitos da automação elétrica nos processos de informação e vislumbrava o nascimento de um consumidor também produtor interagindo com o meio. A automação não afeta somente a produção, mas também o consumo e o mercado; pois, no circuito da automação, o consumidor se transforma em produtor – assim como o leitor da imprensa telegráfica em mosaico produz as suas próprias notícias ou simplesmente é suas próprias notícias [...] energia e produção tendem agora a fundir-se com a informação e o aprendizado. O mercado e o consumo tendem a formar um corpo único com o aprendizado, o esclarecimento e a absorção da informação (MCLUHAN, 1996, p.392).

Outros teóricos também anunciaram mudanças impactantes, favorecidas pelos avanços tecnológicos, na relação do sujeito com o meio. Décio Pignatari em 1970 disse ser “tempo de produssumo [...] o mundo do consumo substituído pelo mundo da informação, onde se travarão grandes lutas” (PIGNATARI, 2004, p.31). Um pouco mais tarde, na década de 1980, Alvin Toffler também defendeu a ideia do surgimento de um consumidor que interferiria na produção, ao qual ele denominou de prossumidor. O autor já alertava que a estrutura da cultura de massa, que não permitia a participação do consumidor nas suas produções, tinha seus dias contados e que a sociedade estava caminhando para uma cultura dominada pelas tecnologias de informação. A desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma “sociedade de informação” (TOFFLER, 2014, p.172).

Com o aperfeiçoamento dos meios de comunicação promovido pelo avanço tecnológico, os indivíduos foram absorvendo os seus recursos e mudando a sua posição de simples receptores de mensagens para também transmissores de mensagens. O processo de autonomia do sujeito acontecia naturalmente à medida que se implantavam os recursos na sociedade. Por exemplo, quando surgiu o controle remoto, o telespectador absorveu esse objeto para interagir com o aparelho de televisão, para mudar de canal e escolher o programa. Esse foi um recurso tecnológico que concedeu ao telespectador o poder de escolha da programação ou a mudança de canal, sem ter que sair do conforto de seu sofá e ficar girando os botões do aparelho toda vez que a programação não lhe agradasse. 9

A obra original do autor é da década de 1960, mas este trabalho utilizou a oitava edição em língua portuguesa, de uma tradução feita por Décio Pignatari.

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A fragmentação dos computadores para uso doméstico também contribuiu para o surgimento de outras tecnologias de distribuição como os disquetes, CDs, pendrives, DVDs, etc., logo absorvidas pelos usuários, que copiavam conteúdos em mídias e compartilhavam com outras pessoas. Embora de forma tímida, pode-se perceber que a informação iniciou aqui um processo de desmassificação. A partir das tecnologias de distribuição, foi possível a troca de conteúdos digitais entre pessoas, sem depender de intermediários, ações, todavia, limitadas aos grupos de convivência. A desmassificação dos meios ganhou força com a expansão do acesso à Internet para a esfera pública em meados de 1995, inovando o campo da comunicação com o compartilhamento de conteúdos entre os usuários numa dimensão jamais experimentada na história da comunicação. Alvin Toffler já profetizava, na década de 198010, que as tecnologias romperiam com as barreiras da informação pública e provocaria o que chamamos hoje de inteligência coletiva. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas, a que está dentro dos nossos cérebros. Pois, tomadas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido (TOFFLER, 2014, p.170).

De fato, as tecnologias digitais favoreceram a inteligência coletiva e a participação das pessoas nos mais diferentes assuntos da sociedade. Diferente dos meios quentes que não permitiam a participação dos telespectadores como a televisão e o rádio, nessa nova forma de comunicação priorizou-se a interação entre os usuários, tornando as novas mídias um meio frio, ou seja, que permitem a participação ativa dos seus públicos para a sua sobrevivência. É importante observar como a cultura dos meios também foi alterada. Um meio quente como a televisão e o rádio não tem o mesmo significado que antes na vida das pessoas, pois a cultura que já foi considerada passiva às suas mensagens (cultura quente), transformou-se numa sociedade de produtores de conteúdos, ou seja, uma cultura fria, que busca cada vez mais a interação com os meios. É certo que esse meio ainda esteja em crescimento, pois o acesso não chegou a muitos lugares do país pela falta de incentivo e arte das instituições governamentais. Mas a projeção é de crescimento e, seguramente, tanto a cultura da contemporaneidade quanto a do futuro serão pautadas pelas tecnologias digitais.

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A obra original foi lançada na década de 1980, mas utilizamos a 32º. edição publicada no ano de 2014.

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1.1.2 – O crescimento das novas mídias

As tecnologias de informação e comunicação expandiram-se inicialmente para a denominada Web 1.0, possibilitando ao indivíduo a transmissão de informações por e-mails e sites. Em 1996, “a Internet da Web 1.0 já abrigava aproximadamente 250 mil sites e 45 milhões de usuários mundiais. Entretanto, esses sites eram estáticos e repletos de texto para leitura” (ARGENTI; BARNES, 2011, p. 24). Embora de forma transitória, a Web 1.0 serviu como marco inicial para as mudanças em todas as áreas da sociedade. Instituições de grande e pequeno porte e usuários comuns passaram a utilizá-la como um canal de transmissão de mensagens. O uso do correio eletrônico para envio e recebimento de mensagens instantâneas foi legitimado pelas pessoas ao incorporarem a sua prática no dia a dia e utilizá-lo como uma mídia de distribuição. A partir dos sites estáticos e dos correios eletrônicos, começa-se uma nova era da comunicação, a do compartilhamento de informações sem a interferência dos meios de comunicação de massa. Em 2004, a Internet obteve outro avanço que transformou de vez a história da comunicação digital. A plataforma digital Web 2.0 chegou com uma proposta revolucionária de promover a participação das pessoas numa ambiência global de comunicação. Diferente dos demais meios de comunicação existentes até então, a ideia central dessa plataforma de código aberto é a de que qualquer pessoa possa participar da rede colaborando com informações e juntas constituir a inteligência coletiva. “Se existe um princípio abrangente que define o que é a nova web, esse princípio é o de que estamos construindo essa coisa juntos – a cada inserção em um blog, a cada podcast e a cada mistura, uma após a outra” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.28). A Web 2.0 mudou definitivamente a forma como o indivíduo se relacionava com as mídias. Aquele sujeito considerado passivo pelos meios de comunicação de massa ganhou autonomia interacional e, mediado pelas tecnologias digitais, passou a interferir na sociedade com suas opiniões. A ideia da Web 2.0 surgiu em uma conferência do O´Reilly Media Group em 2004. Na ocasião, Tim O´Reilly disse que: as empresas de Web 2.0 contam com a Internet como plataforma para promover, distribuir e aperfeiçoar seus produtos, tratando o software como um serviço concebido para ser executado em múltiplos dispositivos, contando com dados como o “killer app”, e aproveitando a “inteligência coletiva” de uma rede de usuários (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 79).

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A Web 2.0 abriu as portas para uma nova ambiência da comunicação e conferiu poder de interação às pessoas por meio de recursos tecnológicos. A partir da Web 2.0, as pessoas puderam comunicar-se e interagir umas com as outras de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora do dia e em tempo real. Nesse espaço público, “o eu on-line não se apoia em nenhum tipo de tempo, espaço ou corpo, é sem dúvida, um presente” (KERCKHOVE, 2009, p. 221). Esse foi o marco para a emancipação do consumidor que percebeu na plataforma digital a possibilidade de interagir com o mundo. Claro que ainda há uma grande parcela da sociedade que não tem acesso à Internet devido a problemas como a falta de infraestrutura das cidades, recursos financeiros etc. Inicialmente o acesso à Internet dava-se apenas por computadores e esse foi, durante muito tempo, o motivo pela falta de acesso. Mas, com a chegada dos celulares inteligentes - os smartphones -, que possuem um custo menor do que o computador, o número de usuários tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Independentemente da quantidade de usuários, o fato é que existe hoje uma possibilidade de comunicação disponível à grande massa para ela expressar o seu ponto de vista individual na arena pública. Por isso, cada vez mais há um crescente número de pessoas aderindo ao uso dos dispositivos móveis de comunicação, sem pressupostos de faixa etária ou nível cultural. Com a chegada do novo meio, o sujeito rapidamente adaptou-se à linguagem interativa e dialógica das mídias sociais, emitindo e recebendo mensagens, produzindo e alterando conteúdos, participando ativamente das mídias de relacionamento que surgiram, como Orkut, Facebook, YouTube, Twitter, MySpace etc., além dos blogs que foram povoando a rede e estendendo aos usuários os recursos necessários para interferir na sociedade. Paralelo a isso, as indústrias de dispositivos móveis foram criando aparelhos cada vez mais portáteis e interativos alterando o comportamento das pessoas. Atualmente, por qualquer lugar que se passa, é possível ver alguém manuseando um aparelho de celular nas mãos com as telas sensíveis ao toque - touchscreen – enviando e recebendo mensagens, fotografando, visualizando vídeos, gravando uma notícia etc. Essa nova ambiência comunicacional é classificada como mídias sociais, pois vai além da simples recepção de conteúdo, permite ao usuário a interação com o meio. A mídia social é um ambiente no qual as barreiras para a publicação de dados desapareceram, transformando qualquer pessoa que possua boa conexão de Internet em um editor em potencial e, por conseguinte, em uma fonte confiável de informações. Seja ela voltada para eventos ou produtos, trata-se de um ambiente em que fontes tradicionais de informação – a “mídia tradicional”, o governo e até mesmo empresas e organizações – se mostram menos confiáveis ou são vistas com mais ceticismo e até desprezo (BARGER, 2013, p.2).

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O ambiente das mídias sociais é composto por diversas plataformas que permitem aos usuários a interação com o outro. E, diferentemente da ambiência das mídias de massa, nesse espaço o emissor de conteúdos pode ser qualquer indivíduo disposto a interagir com o mundo.

1.1.3 – A convergência dos meios Os meios de comunicação de massa foram fortemente impactados pelas novas mídias, pois a sua sobrevivência se dava justamente por serem as únicas fontes de transmissão de conteúdos entre as organizações e a grande massa. As mídias sociais provocaram um processo inverso na estrutura estabelecida há tanto tempo, com ela tornou-se possível a emissão e recepção de informações por qualquer indivíduo, sem depender dos meios de comunicação de massa. Por esse motivo, os proprietários dos grandes veículos de televisão e rádio resistiram à entrada das novas mídias ignorando a sua existência e crescimento na sociedade. Com o passar dos anos e o amadurecimento das mídias sociais, os meios de comunicação de massa perceberam que, para manterem-se competitivos e preservarem sua audiência cada vez mais declinante, a decisão correta a ser feita seria o realinhamento do sistema tradicional à nova linguagem dos seus públicos. A sociedade contemporânea mudou. O estilo de vida das pessoas não é o mesmo do século passado quando os meios de comunicação de massa se estabeleceram. Com a participação da mulher no mercado de trabalho e o excesso de atividades no dia a dia, as famílias não se reúnem mais para fazerem suas refeições juntas e muito menos se sentam no sofá para assistirem a novela em horário nobre. O tempo tornou-se algo precioso e a busca por coisas práticas e que dificultem a perda de tempo tem sido uma constante na vida das pessoas. Por isso, as novas mídias vêm crescendo a cada dia, ganhando a aceitação dos usuários e expandindo-se por toda parte. Os usuários das mídias sociais não querem mais esperar o horário nobre para assistir uma notícia ou ver a novela preferida, eles esperam abrir seus dispositivos móveis na hora que lhes for mais conveniente e buscar a informação que desejam. Estima-se que 76%11 das pessoas conectadas acessem a Internet todos os dias, com uma exposição média diária de 4h59 de 2ª a 6ª-feira e de 4h24 nos finais de semana. 11

Dados obtidos através da Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em 2015.

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Dessa forma, os velhos meios de comunicação passam por um processo de ressignificação para manterem-se competitivos. As notícias são disponibilizadas nas mídias sociais para que seus públicos possam acessá-las de onde estiver. Muitas vezes as notícias são construídas em conjunto com os usuários, que publicam, comentam e compartilham informações constantemente nas mídias sociais. O papel do jornalista também ganhou um novo significado. Ele não é mais a única fonte de informação, mas assume um compromisso mais qualitativo com a notícia. De acordo com Wolton (2011, p.72), “Não é o suporte que dá sentido à informação, nem o receptor, mas o jornalista”, que entra nessa configuração com um papel de legitimador da notícia, selecionando, hirarquizando, verificando, comentando, eliminando e criticando os conteúdos para garantir-lhe a qualidade necessária de notícia. As novas programações da televisão e rádio também contemplam a participação dos usuários das mídias sociais com envio de opiniões, vídeos etc. As revistas vão migrando dos papéis impressos para as plataformas digitais. A publicidade, que é o objeto deste estudo, também acompanha essa ressignificação imposta pela nova ambiência social e inova a comunicação com histórias reais de consumidores nas suas criações. Enfim, todo o sistema de comunicação que conhecíamos passa por um processo de convergência. Embora as estatísticas apontem para uma declinante audiência dos telespectadores, os velhos meios de comunicação buscam adequar suas programações à nova realidade dos seus públicos. Mesmo com toda essa revolução causada pelas novas mídias, a televisão ainda continua como a grande detentora do poder midiático na população brasileira. Além de que é para ela que vão a maior parte dos investimentos publicitários. A Pesquisa Brasileira de Mídia 201512 aponta que 95% dos entrevistados assistem à tevê e 73% têm o hábito de assistir diariamente. A pesquisa também buscou entender dos entrevistados quais eram os motivos que os levavam ainda assistir à televisão e esses dados revelaram que a sua utilização na atualidade está mais associada a um pano de fundo para outras atividades em andamento como: comer alguma coisa (49%), conversar com outra pessoa (28%), realizar alguma atividade doméstica (21%), usar o celular (19%) e usar a Internet (12%) e apenas 23% disseram que não realizam nenhuma atividade enquanto assistem à televisão. Percebe-se que há uma declinante audiência para a recepção de conteúdos veiculados pela tevê, uma vez que seus telespectadores dividem a sua atenção com a execução de outras atividades ao mesmo tempo em que a assistem.

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Dados obtidos através da Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em 2015.

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Essa convergência dos meios foi apontada por Henry Jenkins (2008, p.27) como: “onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2008, p.27). O autor alertou que essa migração dos públicos aconteceria, mas que os meios tradicionais como a tevê, o rádio e as revistas deveriam buscar uma ressignificação nessa nova ambiência para manterem-se vivos. A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas suposições sobre o que significa consumir mídias, suposições que moldam tanto decisões de programação quanto de marketing. Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (JENKINS, 2008, p.46).

O autor conclui que a convergência é uma transformação cultural ao tempo que os consumidores são cada vez mais incentivados a procurar novas informações e a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. A convergência tem sido experimentada pelos meios de comunicação que, embora tenham retardado a sua adaptação a essa transformação cultural, não encontraram outra saída a não ser renderem-se ao novo meio. Algumas programações já contemplam a participação do consumidor no seu enredo com envio de foto, vídeos, opiniões, reportagens, entre outras. Da mesma forma que esses meios tradicionais se vêm ressignificando com programações cada vez mais descontraídas, em muitos casos incorporando a linguagem das mídias sociais, para reaproximarem-se com o público indiferente aos meios de comunicação de massa. As novas mídias democratizaram o controle da informação que estava sob o poder das grandes corporações e o concedeu a qualquer pessoa. “A empresa de mídia impressa e a rede de televisão são organizações hierárquicas que refletem os valores de seus proprietários. As novas mídias, por outro lado, dão o controle a todos os usuários” (TAPSCOTT, 2010, p.33). A emancipação do consumidor foi a mudança mais significativa que a comunicação sentiu nos últimos tempos e que tem forçado as empresas de mídia de massa a convergirem para os novos meios. Mas, atuar nesse novo habitar da comunicação não é tão simples quanto parece, as organizações precisam conhecer as diversas facetas que regem a linguagem da sociedade conectada antes de ingressar nas plataformas sociais, é necessário estudar o ambiente digital e principalmente o perfil dos usuários e os seus interesses.

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1.1.4- A ecologia dos meios A humanidade passou por quatro grandes revoluções comunicativas na história que foi marcado pela escrita no século V a.C., a invenção dos caracteres móveis e o surgimento da impressão criada por Johannes Gutenberg no século XV, a cultura de massa no século XIX e XX com a difusão de mensagens veiculadas pelos meios de comunicação eletrônicos e, por último, a recente revolução das tecnologias de informação e comunicação que possibilitou a comunicação livre entre indivíduos na esfera pública pelas mídias sociais. Todas essas revoluções “marcaram não apenas o surgimento de uma nova forma de comunicar e de novos meios, mas também a introdução de novas possibilidades de comunicação e, consequentemente, de novas práticas de socialização e de interação com o meio ambiente” (FELICE, 2008, p. 21). Em cada meio que surgem, mudanças ocorrem alterando o ambiente cultural e a mente das pessoas. Como se mencionou anteriormente, o telespectador modificou-se com a entrada das novas mídias, ele não fica mais exposto às programações da televisão como antes, recebendo unicamente seus conteúdos. Hoje ele divide sua atenção com outras atividades, deixando a televisão como um pano de fundo de seu ambiente. Foi assim também com o surgimento da escrita, da impressão, da televisão etc., cada nova tecnologia altera o ambiente das pessoas que a recebem. Nessa perspectiva, surgiu a ecologia dos meios (media ecology), um estudo que implica em analisar os ambientes, sua estrutura, conteúdo e impacto na vida das pessoas. A ecologia dos meios “analisa como os meios de comunicação afetam a opinião humana, a compreensão, a sensação, e o valor; e como nossa interação com os meios facilita ou impede nossas possibilidades de supervivência” (ROSA; ISLAS, 2009, p. 161-162). A ecologia dos meios, conhecida também como “Escola de Toronto”, “Escola de Nova York” ou “Escola de San Luís”, teve sua origem a partir da década de 1960 e fundamentalmente parte do pensamento de Marshall McLuhan de que “o meio é a mensagem. Isto apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio [...] constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos” (MCLUHAN, 1964, p. 20). Essa ideia foi enriquecida, ao longo da sua história, com contribuições teóricas de diversos pensadores. Os autores dessa escola canadense defenderam a tese que dizia respeito

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à influência decisiva que os meios de comunicação exercem na reconfiguração da percepção e da cognição humanas [...] cada novo meio propõe uma modalidade toda própria de organização e veiculação da informação, impactando a maneira como percebemos e processamos nossa experiência no mundo (CASTRO, 2014, p. 178).

Em 1970, Neil Postman criou o termo “ecologia de mídia” para o estudo das mídias como ambientes. Mais tarde, em 1998, seus discípulos fundaram a Media Ecology Association (MEA), com o objetivo de promover e difundir estudos sobre o ambiente midiático. Postman acreditava no fenômeno tecnopólio em que “as novas tecnologias alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. Alteram o caráter de nossos símbolos: as coisas com que pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual os pensamentos se desenvolvem” (POSTMAN, 1994, p. 29). Na época em que se iniciaram os estudos sobre ecologia dos meios, a tecnologia digital era apenas um embrião a ser desenvolvido, no entanto esses pesquisadores observavam os efeitos de qualquer meio entendido como tecnológico na vida do homem como a escrita, a tevê, o rádio etc. Os ensinamentos de que cada nova tecnologia reconfigura o contexto sociocultural do qual emerge causaram grande impacto na época. “Para os autores dessa vertente teórica, a comunicação deve ser entendida como um processo que ocorre em estreita sintonia com o meio cultural circundante” (CASTRO, 2014, p. 179). McLuhan foi criticado durante muito tempo pelo seu pensamento de que a tecnologia é como uma extensão de nossos corpos e de nossos sentidos. Quando estamos privados do sentido da visão, os outros sentidos, até certo ponto, procuram supri-lo. Mas a necessidade de utilizar os sentidos disponíveis é tão premente quanto respirar — o que confere sentido à necessidade que sentimos em manter o rádio ou o aparelho de televisão ligados quase que continuamente. A pressão para o uso contínuo independe do “conteúdo” dos programas ou do sentido de vida particular de cada um, testemunhando o fato de que a tecnologia é parte de nosso corpo (MCLUHAN, 1964, p. 87).

Embora as ideias de McLuhan sejam da década de 1960, esse pensamento nunca fez tanto sentido quanto nos dias atuais em que são evidentes os efeitos exacerbados que a tecnologia digital tem gerado na vida das pessoas, alterando não só a percepção cognitiva quanto o contexto cultural da sociedade. Com a chegada dos dispositivos móveis de comunicação, as pessoas apropriaram-se dos aparelhos como parte de si mesmas. Ficou-se tão dependentes da Internet que só se percebe quando ocorre alguma pane nas operadoras de banda larga e por algumas horas não se tem acesso. É comum ouvir das pessoas depoimentos de que se sentiram nuas ao ter esquecido seu aparelho em casa ou por um breve período de

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tempo ficarem longe dele. Os aparelhos de celular que inicialmente eram utilizados para fazer ligações se transformaram em minicomputadores e receberam o nome de smartphones. Sua função atual contempla todas as funções de um computador, porém com a vantagem da mobilidade, de poder ser carregado no bolso. A inteligência desses aparelhos levou as pessoas a uma adesão mundial para usufruir das suas funções que englobam desde uma simples chamada telefônica, à gravação de vídeos e câmeras fotográficas de boa qualidade, até transmissão de mensagens instantâneas mediadas por aplicativos gratuitos. Em qualquer parte do mundo, existem inúmeras pessoas com seus celulares nas mãos fotografando ou deslizando os seus dedos pelas sofisticadas telas sensíveis ao toque “touch screen”. É comum também em reuniões sociais as pessoas ao invés de se relacionarem entre si, passarem seu tempo interagindo-se com o mundo virtual. Essas têm sido algumas das alterações que as novas mídias têm gerado na vida das pessoas, e muitos estão se questionando qual será o futuro dessa geração dominada pelas tecnologias digitais, talvez como outros também questionassem no passado diante do surgimento de novas tecnologias. O telégrafo e o jornal diário mudaram o que antes chamávamos de informação. A televisão muda o que antes chamávamos de debate político, notícia e opinião pública. O computador muda a informação mais uma vez. A escrita mudou o que antes chamávamos de verdade e lei; a imprensa mudou-as mais uma vez e agora a televisão e o computador tornam a mudá-las. (...) a tecnologia se apodera imperiosamente de nossa terminologia mais importante. Ela redefine liberdade, verdade, inteligência, fato, sabedoria, memória, história – todas as palavras com que vivemos. E ela não pára para nos contar. E nós não paramos para perguntar (POSTMAN, 1994, p. 18).

As tecnologias digitais chegaram e rapidamente estabeleceram uma nova ambiência comunicacional entre indivíduos. As pessoas passaram a interagir umas com as outras mediadas por aparatos tecnológicos cada vez mais sofisticados e instantâneos. Os usuários dessas tecnologias tornaram-se dependentes delas, a ponto de não conseguirem viver, pensar ou agir sem elas por perto. De fato, as tecnologias de informação e comunicação tornaram-se extensão dos seus usuários como previa McLuhan. Derrick de Kerckhove também foi um dos colaboradores próximos de McLuhan que estudou a ecologia do meio e seus estudos se fundamentam nos princípios “da Escola de Toronto, sendo ele quem ampliou sua aplicação para refletir sobre a contemporaneidade. Em seu trabalho sobre sociologia da cultura digital, o foco incide sobre as chamadas psicotecnologias – enfatizando sua influência na psique humana” (CASTRO, 2014, p. 183). Kerckhove criou o termo psicotecnologia

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baseado no modelo de psicologia que emula, estende ou amplifica o poder de nossas mentes [...] telefone, rádio, televisão, computadores e outros media combinam-se para criar ambientes que, juntos, estabelecem o domínio de processamento de informação. É o domínio das psicotecnologias. [...] a televisão torna-se a nossa imaginação projetada para fora do nosso corpo, combinando-se numa teledemocracia consensual eletrônica (KERCKHOVE, 2009, p. 23).

Kerckhove acredita que para entender o impacto das tecnologias na vida das pessoas é preciso observar do prisma da tecnopsicologia, que estuda a condição psicológica das pessoas submetidas às influências das inovações tecnológicas. De fato, as tecnologias prolongam as propriedades de envio e recepção da consciência e também penetram e alteram a consciência das pessoas usuárias dessas tecnologias. Todos esses teóricos da ecologia dos meios prepararam um caminho para o estudo mais apurado sobre as influências que as tecnologias exercem sobre os indivíduos. Na era digital, têm sido muitas as discussões sobre os possíveis impactos que essas tecnologias poderão causar na sociedade. O uso excessivo das mídias móveis, bem como o tempo a que as pessoas estão expostas a esses aparelhos, associada à abundante informação que circula nesses meios, tudo isso tem levado pesquisadores a uma profunda análise sobre essa questão. É certo que a nossa cultura já foi fortemente impactada pelas novas tecnologias digitais. Os aparelhos de celular, por exemplo, aos poucos estão tornando obsoletos os telefones fixos, os computadores de mesa e a televisão; as mídias sociais digitais aos poucos vão tomando o lugar das programações da televisão; a comunicação interativa e dialógica vai tomando o espaço da linguagem unidirecional dos meios de comunicação de massa; a língua também incorporou elementos da cultura da conexão com os novos vocabulários inseridos no contexto linguístico da sociedade. Constata-se isso nos anúncios publicitários, nos programas jornalísticos, nas conversas casuais pelas ruas, nas letras de músicas etc. A palavra “conectada” nunca foi tão usada como nos últimos anos. Além desses aspectos da linguagem, a postura das pessoas também foi alterada, é comum ver pessoas em qualquer lugar com seus aparelhos de celular nas mãos digitando ou navegando na Internet. Um motorista de carro não fica mais parado num trânsito ou num semáforo sem que esteja deslizando seus dedos pelas telas touchscreen de seus celulares; um aluno em sala de aula faz uma pesquisa rápida na Internet enquanto seu professor discorre sobre determinado assunto; nas residências, é comum as pessoas estarem conectadas com seus notebooks e ao mesmo tempo assistindo à tevê. “É mais provável que um jovem da Geração Internet ligue o computador e interaja simultaneamente com várias janelas diferentes, fale ao telefone, ouça música, faça o dever de

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casa, leia uma revista e assista à televisão. A tevê se tornou uma espécie de música de fundo para ele” (TAPSCOTT, 2010, p. 32). Todas essas mudanças ocorridas na sociedade foram provocadas pela inserção de um novo meio, o da tecnologia digital. Assim como foi com a escrita, a imprensa e os meios de comunicação de massa, a humanidade está experimentando os impactos causados na sua cultura. Nos estudos sobre a ecologia do meio, “o meio é a mensagem” porque ele remodela as ações e associações humanas. “O conteúdo ou usos desses meios são tão diversos quão ineficazes na estruturação da forma das associações humanas. Na verdade, não deixa de ser bastante típico que o ‘conteúdo’ de qualquer meio nos cegue para a natureza desse mesmo meio” (MCLUHAN, 1964, p. 21). Ou seja, o conteúdo do meio não é tão relevante quanto os aspectos implícitos no uso desse meio, que são experimentados pelos usuários e incorporados como parte ou extensões de si mesmos a ponto de não conseguirem viver sem eles, até que outro meio venha e se estabeleça alterando o significado do anterior. A sociedade ainda está longe de dominar todas as potencialidades que as novas mídias dispõem, pois, além de aprender a utilizá-las, as tramas que moldam e geram estruturas da sociedade estão sendo redefinidas pela nova cultura de participação. Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as tecnologias de comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia (CASTELLS, 2006, p. 17).

É natural que tenha levado tanto tempo para que a cultura de participação se estabelecesse no ambiente digital, pois a revolução digital causou impacto em todas as áreas da sociedade. Seja no campo educacional, religioso, político, empresarial etc. Esse é um momento em que todos buscam se adaptar às mudanças do novo meio e adequar-se à comunicação dialógica das mídias sociais.

1.2- As Mídias sociais

Estamos mergulhados num novo tempo, a era da conexão, que foi possibilitado pela criação da plataforma Web 2.0, no ano de 2004. Ela foi de excepcional importância para termos acesso ao que conhecemos hoje de mídias sociais. A proposta que norteou essa nova plataforma veio de forma diferente de todos os demais meios existentes até então, exigia a

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interação das pessoas para que pudesse manter-se ativa. Seus princípios “motivam o público a participar da construção e da customização de serviços e mensagens, em vez de esperar que as empresas lhes apresentem experiências completas formadas em sua totalidade” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 79).

Percebe-se o impacto da Web 2.0, após sua chegada, quando, “entre dezembro de 1996 e dezembro de 2006, o número de usuários de Internet disparou, indo de aproximadamente 36 milhões para quase 2 bilhões” (ARGENTI; BARNES, 2011, p. 27). A partir de então, a Web foi-se democratizando e ganhando espaço na vida das pessoas, deixando de ser apenas uma interface tecnológica para ser uma plataforma dinâmica e interativa. A Web 2.0 permitiu a entrada de diversas plataformas interativas como as redes sociais, os blogs, plataformas de compartilhamento de vídeos, wikis etc., além dos inúmeros aplicativos incorporados pelos usuários. Cada uma dessas plataformas permite algum tipo de interação específico entre as pessoas que, mediadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação como os celulares, tablets, notebooks etc., possibilitam a emissão ou recepção de mensagens instantâneas que podem ser representadas por textos, imagens, áudio ou vídeos. A esse conjunto de plataformas que mediam a interação entre os usuários chamamos de mídias sociais. Antes de aprofundarmos no conteúdo desta pesquisa, é importante conceituarmos a diferença entre mídias sociais e redes sociais. As mídias sociais “dizem respeito às pessoas e suas interligações, formando grupos de interesse e sob a mediação das tecnologias digitais de comunicação e interação. Elas sustentam o que existe de mais característico do ser humano, que é a sua capacidade de se comunicar” (GOULART, 2014, p.14). As redes sociais existem desde sempre e “são formadas por um agrupamento de pessoas ou organizações, que se unem com o objetivo comum de estabelecer relacionamento e debater assuntos de interesse, mesmo que sejam temas de pouca importância” (TEIXEIRA, 2013, p.16). Ou seja, isso sempre aconteceu em reuniões nos bares, nas igrejas, nas comunidades, nas escolas, enfim, as pessoas sempre se relacionaram entre si para trocar informações e debater assuntos de seus interesses, sejam políticos, sociais, econômicos ou qualquer assunto sem importância. A definição “redes sociais” ganhou um novo significado com a chegada da Web 2.0, que possibilitou a criação de redes sociais no ambiente digital.

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A primeira rede social a chegar ao Brasil foi o Orkut no ano de 2005. A página de relacionamento propunha algo nunca visto ou experimentado pelos usuários da Internet; eles poderiam criar sua rede de amigos, conectar-se com pessoas distantes e que há muito tempo não se encontravam, publicar suas fotos, compartilhar recados, participar de comunidades de seu interesse etc. Depois disso, outras redes sociais foram sendo criadas como o Facebook, o MySpace, o Linkedin etc. No caso das mídias sociais, o termo é amplo e contempla todas as categorias de redes sociais existentes no ambiente digital que permitam a geração de conteúdos e o relacionamento entre os seus usuários. “Mídias sociais é o termo mais abrangente para referirse a todas as ferramentas com interatividade e da geração de conteúdo por meio das novas mídias, que incluem computador, móbile, tablets e games. E as redes sociais constituem um tipo de mídia social” (TEIXEIRA, 2013, p.14). As mídias sociais têm o poder de difundir uma mensagem de forma descentralizada dos grandes meios de comunicação de massa. Graças a essas plataformas, qualquer pessoa pode enviar e receber mensagens, publicar suas opiniões e críticas sobre os mais diversos assuntos, relacionar-se com um mundo de possibilidades e experiências. As mídias sociais existentes que permitem a produção de conteúdos compartilháveis são: as redes sociais, blogs, wikis, podcasts, fóruns, comunidades de conteúdos, microblogs e Whatsapp. Assim se define cada uma delas: 

Redes sociais digitais: permite a criação de páginas pessoais na plataforma digital para os usuários interagirem com uma infinidade de pessoas ao mesmo tempo, com o objetivo de compartilhar conteúdos. Exemplo: Facebook, Linkedin, MySpace etc;



Blogs ou Vlogs: são páginas pessoais criadas numa plataforma que permite a inserção de conteúdos - de textos para blogs e vídeos para vlogs - podendo o usuário obter seguidores que curtem, comentam e compartilham as suas publicações pelas mídias sociais;



Wikis: Os Wikis são sites construídos para a inserção colaborativa de conteúdos. Cada usuário pode incluir ou alterar um conteúdo existente. Nessa plataforma, a colaboração é de extrema importância para a plenitude do conteúdo. Ex. Wikipédia;



Podcasts: É uma forma de transmissão de arquivos multimídia na Internet criados pelos próprios usuários. Nesses arquivos, as pessoas disponibilizam listas e seleções

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de músicas ou simplesmente falam e expõem suas opiniões sobre os mais diversos assuntos, como política ou o capítulo da novela etc.; 

Fóruns: Os fóruns é um ambiente de conversação online criado para discutir algum tema em que a colaboração de ideias dos usuários é necessária. Os sites criam esse espaço e convidam seus usuários num determinado momento para o debate de alguma temática;



Comunidades de conteúdos: São plataformas criadas especificamente para compartilhamentos de conteúdos específicos como vídeos, fotos, músicas etc. Ex. YouTube, Flickr, Instagram etc.;



Microblogs: Essa plataforma é uma combinação de redes sociais com blog, porém com a capacidade limitada de textos. Ex. Twitter;



Whatsapp: Embora a sua utilização seja em aparelhos de celulares smartphones, o Whatsapp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz. Além de mensagens de texto, os usuários podem transmitir imagens, vídeos, mensagens de áudio e efetuar ligações para outros usuários do aplicativo gratuitamente. Em janeiro de 2015, a plataforma também passou a ser utilizada nos computadores, permitindo aos usuários transitar entre as duas mídias.

Dessa forma, quando nesta pesquisa o texto se referir à “mídias sociais”, estarão sendo abordado os meios tecnológicos que permitem a interação dos usuários para o compartilhamento de conteúdos no ambiente digital. E, quando a referência for “rede social”, significa que se falará de alguma plataforma específica que possibilita a criação de um perfil pessoal e o relacionamento entre diversas pessoas ao mesmo tempo, como o Facebook, por exemplo. Nem todas as plataformas são redes sociais, cada uma tem a sua característica específica como já observado, assim, o Facebook é uma rede social, mas o Twitter é um microblog; O Youtube e o Instagram são comunidades de conteúdos etc. Mas se a referência a eles for relativa aos meios que permitem a interação entre as pessoas, que é a composição de todas essas plataformas, trata-se de mídias sociais.

1.2.1- As mídias sociais mais acessadas

Com a Internet em plena expansão, a cada dia surge uma mídia social com novas funções que pode ou não ter a adesão dos usuários de Internet. Por exemplo, a primeira rede social no

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Brasil foi o Orkut, que teve seu império garantido até a chegada do Facebook, e este por sua vez absorveu os usuários da primeira rede social e consolidou-se no mercado até os dias atuais. O Facebook é considerado a maior rede social do planeta com quase 1,5 bilhão de usuários e, no Brasil, as mídias sociais mais acessadas pelos usuários da Internet são o Facebook e o Whatsapp. De acordo com a Secom13 (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), eles são as mais importantes ferramentas de envio e recebimento de mensagens instantâneas do momento, O Facebook lidera o ranking com 83%, seguido pelo Whatsapp, que detém 58% da preferência dos usuários. O Whatsapp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas, criado em 2009, que rapidamente ganhou um lugar de destaque na vida dos usuários de dispositivos móveis. Devido à facilidade do aplicativo para poder enviar e receber mensagens de texto, áudio e vídeo, e de forma gratuita, seu crescimento foi exponencial alcançando rapidamente posição de destaque entre as mídias sociais mais acessadas do país. Embora essa mídia social permita também a transmissão de vídeos, sua função ainda não é comercializada para publicidades de marcas. Mas muitos consumidores compartilham as publicidades de que gostam entre seus contatos e esses dados ainda não são mensurados. Todas essas plataformas digitais foram criadas com a finalidade de propagar conteúdos entre os usuários das mídias sociais. Elas não permanecem estáticas, mas evoluem de acordo com as oportunidades do mercado. Algumas conseguem manter-se na preferência popular e outras fracassam como foi o caso do Orkut. Em virtude da rapidez com que as informações são transmitidas e da velocidade que as coisas acontecem no ambiente digital, as mídias sociais também precisam adequar-se inovando suas funções e ferramentas constantemente, caso contrário, estão fadadas ao insucesso. O Facebook, por exemplo, mantém-se em crescimento desde que iniciou suas atividades, porém está sempre atualizando as funções da plataforma para acompanhar a evolução do mercado e as exigências dos usuários. Até o ano de 2014 essa rede social não permitia a publicação de vídeos, quando então percebeu a necessidade de incorporar mais esse recurso à plataforma. De acordo com o estudo do Facebook IQ14, desde junho de 2014 a rede social apresenta uma média de mais de 1 bilhão de visualizações de vídeos por dia.

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Dados obtidos através da Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em 2015. 14 Disponível em: https://insights.fb.com/2015/01/07/new-universal-language/

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De acordo com o estudo ComScore15, o YouTube e o Facebook são as duas plataformas ou mídias sociais mais utilizadas para propagação de vídeos. O YouTube lidera a categoria de conteúdos de entretenimento (93%) e o Facebook está em segundo lugar ocupando a categoria de multimídia (92% ). O estudo também mostra que os brasileiros estão mudando os seus hábitos de uso das mídias sociais. Os anúncios publicitários digitais cresceram 18% em minutos assistidos por visualização durante os últimos 6 meses antes desta pesquisa. Essa é uma oportunidade lucrativa para os investidores das redes sociais que expandem sua capacidade para absorver também as publicidades em vídeos cada vez mais presentes nas mídias sociais. Outro estudo analisado nesta pesquisa foi apresentado pela Cisco Visual Networking Index16, em fevereiro de 2015, que avaliou o tráfico de vídeos nas mídias sociais e prevê um crescimento exponencial no ambiente mundial de dados móveis. De acordo com o relatório da Cisco, o tráfego aumentará 18 vezes nesse período atingindo um total de 10,8 exabytes 17 por mês - ou um volume de 130 exabytes por ano - até 2016. Para o Brasil, é esperado um crescimento de 19 vezes, alcançando um total de 0,26 exabytes por mês em 2016. Isso ocorrerá graças a um aumento projetado no número de dispositivos móveis conectados à Internet, que excederá o número da população do planeta. O estudo aponta que, entre 2011 e 2016, o tráfego global de dados móveis vai superar em três vezes o tráfego global de dados fixos. Sem dúvidas essa é uma oportunidade para as mídias sociais se articularem e aperfeiçoarem recursos de transmissão e recepção de vídeos. Isso significa também que poderão surgir outras novas mídias sociais para disputar o tráfego dos vídeos pela Internet, visto que organizações também se mobilizam para divulgar as publicidades em vídeo de suas marcas nessa nova ambiência midiática. Todos os estudos citados aqui apontam para um futuro promissor das mídias sociais. De acordo com a pesquisa da ComScore, o ano de 2015 marcou o crescimento das publicidades em vídeo na Internet e o reflexo dessa afirmativa pode ser confirmado nesta pesquisa

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Global Digital Future In Focus Brasil 2015 - www.comscore.com Cisco Visual Networking Index (VNI) Global Mobile Data Traffic Forecast for 2011 to 2016. Acesso: http://www.cisco.com/c/en/us/solutions/collateral/service-provider/visual-networking-indexvni/white_paper_c11-520862.html 17 Unidade de medida de informação que equivale 1 EB equivale 1.000.000.000.000.000.000 Bytes (segundo SI) mas comumente se usa como sendo 1 EB = 1 152 921 504 606 846 976 Bytes (Fonte: Wikipédia) 16

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levantada para este trabalho em que as publicidades em vídeo apareceram timidamente em 2013 e 2014, mas ganharam força em 2015, conforme a tabela a seguir.

Tabela 1: Evolução da publicidade em vídeo nas mídias sociais

Marcas que postaram publicidades em vídeo nas mídias sociais (estratégia de aproximação

CANAL

2011

2012

2013

2014

2015

YOUTUBE

2

1

3

11

36

FACEBOOK

0

0

1

9

35

Fonte: A autora, 2015.

Destaca-se que os números do gráfico não representam a totalidade das marcas que publicaram vídeos nas mídias sociais, tendo em vista que esta pesquisa limitou-se em buscar apenas as publicidades em vídeo que contemplavam em seus discursos a “estratégia de aproximação”, que veremos na sequência. Mas é perceptível que no ano de 2015, de fato, houve um esforço maior para a veiculação de vídeos nas mídias sociais e esse número tende a crescer pelo aumento do número de usuários móveis expostos às mídias sociais e também pelas novas possibilidades de recursos proporcionadas por tecnologias digitais. De fato, consolida-se uma nova cultura comunicacional favorecida pelas tecnologias digitais e essa é uma realidade que não tem volta. A projeção é de crescimento no número de adeptos aos recursos proporcionados pelas novas mídias e de organizações em busca de interação com seus públicos por meio da publicidade em vídeo. A intenção deste primeiro capítulo foi explanar a ambiência digital e suas particularidades. Embora a proposta da Internet tenha sido da tão sonhada liberdade, ou seja, da emancipação do indivíduo, ainda existem muitas complexidades a serem enfrentadas, pois inúmeros conflitos sociais também são gerados pelo excesso de informação advindos da nova ambiência. O capítulo seguinte deu lugar a reflexões sobre os impactos que a nova ambiência midiática trouxe para a sociedade ao alterar a forma de relacionamento das pessoas em todas as suas dimensões. Aborda-se a cultura de participação que prevê a colaboração em massa nas mídias sociais, a mudança no perfil do consumidor que, embora nunca tenha sido passivo,

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passou a interferir ativamente e com mais forças na sociedade, mediado pelas tecnologias de informação e comunicação, figurando assim como protagonista da história. Diante da representatividade que o sujeito conectado ganhou na sociedade, as instituições buscam adaptar-se para atrair a atenção desse indivíduo que possui nas mãos o poder da comunicação jamais concedido a ele. Nunca a opinião das pessoas ganhou tanta importância como na contemporaneidade. Desse modo, a publicidade inova também seus discursos inserindo o consumidor nas suas narrativas, tornando-o evangelista da marca, aquele que divulga voluntariamente seus benefícios na sua rede de amigos. O próximo capítulo também traz à tona os problemas gerados pelo excesso de informação na Internet como a crise de atenção e a incomunicação entre os interlocutores, fenômenos que acabam refletindo na publicidade tradicional.

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CAPÍTULO II - O CONSUMIDOR CONTEMPORÂNEO E SUA INFLUÊNCIA NA CULTURA PARTICIPATIVA

O indivíduo foi o maior beneficiado com a nova cultura comunicacional, com o livre acesso a um mundo de informações ele alcançou a tão sonhada liberdade: ter na palma das mãos o poder de receber e emitir conteúdos de forma onipresente. Este capítulo aborda a atuação do indivíduo como um consumidor e produtor de conteúdos na ambiência digital e sua importância para a cultura de participação. Como novo protagonista da história, o sujeito conquista seu espaço nas mídias sociais e atua como um agente influenciador nas relações dos interlocutores. Por outro lado, há uma crise de atenção que permeia o perfil do novo consumidor e que ainda não foram apuradas suas consequências a longo prazo, mas que já impacta diretamente na eficácia da comunicação.

2.1- A cultura de participação e a colaboração de massa Desde o surgimento das novas mídias, os termos participação e colaboração têm sido muito empregados para definir a forma de atuação dos indivíduos na sociedade conectada. Convém entender a essência dessas duas palavras ou expressões para melhor compreensão das análises que virão a seguir. Embora pareça dizer a mesma coisa, esses dois termos possuem significados diferentes, ainda que interligados. Participação significa ação ou efeito de participar ou fazer parte de alguma coisa e colaboração é o trabalho feito em comum com uma ou mais pessoas numa obra ou projeto. Ou seja, a participação exige que o sujeito faça parte de determinado grupo social e, para isso, o integrante deve manifestar sua adesão ao objeto proposto. No caso da colaboração, o sujeito precisa contribuir com alguma ação para que o ato seja, de fato, consumado. Assim, a colaboração pressupõe que cada indivíduo que faz parte ou que participa deva contribuir com algo para que o ambiente participativo possa se manter ativo. O conceito de cultura de participação foi incorporado pelas mídias sociais, após a criação da Web 2.0, fundamentando-se nos princípios da colaboração de conteúdo pelas pessoas. Os nós que formam a estrutura da conexão dependem de indivíduos conectados às redes sociais para que se constitua a estrutura participativa. Em suma, não existiriam as redes

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sociais se as pessoas não se conectassem a ela. A conexão individual de cada integrante é que forma a cultura participativa no ambiente digital. A colaboração de massa no ambiente digital representa as contribuições de cada indivíduo nas mídias sociais com seus conteúdos, textos, vídeos, imagens, opiniões e compartilhamentos de informações. A colaboração das pessoas não é algo novo, fruto das novas mídias, ela representa um comportamento intrínseco do ser humano desde a sua existência. Shirky entende a cultura participativa como um movimento que sempre existiu, mas somente agora as pessoas receberam os recursos tecnológicos para a mediação do indivíduo com o mundo. as pessoas tiveram a oportunidade de se comportar de uma maneira que recompensasse alguma motivação intrínseca, e essas oportunidades foram possibilitadas pela tecnologia, mas criadas por seres humanos. Esses pequenos novos comportamentos, no entanto, são extensões de padrões muito mais antigos das nossas vidas como criaturas sociais, muito mais do que substitutos desses padrões (SHIRKY, 2011, p. 80).

A colaboração de massa também conhecida como inteligência coletiva é o resultado das interferências individuais dos usuários das mídias sociais que somadas ganham forças e provocam mudanças na sociedade, assim como as que têm sido presenciadas nas últimas décadas. “Os indivíduos agora compartilham conhecimento, capacidade computacional, largura de banda e outros recursos para criar uma vasta gama de bens e serviços gratuitos e de código aberto que qualquer um pode usar ou modificar” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.22). Essa capacidade de dividir conhecimentos sempre esteve presente na vida das pessoas. Em se tratando de um ser social, é impossível o homem viver em sociedade sem colaborar com o outro. A colaboração é intrínseca ao ser humano e flui espontaneamente no convívio social. “Todos nós temos motivações intrínsecas, desejos de fazer coisas pelo prazer que elas nos dão. Temos agora ferramentas para nos comunicar e compartilhar, novos meios para nos entregar a essas motivações” (SHIRKY, 2011, p. 77). Antes das tecnologias de informação e comunicação, as relações davam-se num ambiente de poucos, no seio familiar, na comunidade, igreja, no trabalho etc. Não existiam recursos disponíveis para a colaboração em massa, isso só foi possível com as plataformas participativas, que foram constituídas prevendo a interação entre indivíduos. Com a cultura participativa, embarcamos numa sociedade “não mais constituída por um conjunto de representantes iluminados, nem por uma maioria ao poder, mas pela interação

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técnica e espontânea dos seus membros, que através das interações colaborativas passam a redefini-la e a moldá-la continuamente” (FELICE, 2008, p.56). A cultura participativa permitiu a emancipação do consumidor do regime unidirecional em que se pautava a comunicação de massa até então praticada. Ele passou a colaborar e a interferir na sociedade, mediado pelas tecnologias de informação e comunicação, deixando de ser apenas um simples consumidor e passando também a produzir conteúdos. Embora a emancipação do consumidor só tenha sido consolidada após a expansão das mídias sociais, pesquisadores do século passado já alertavam que os avanços tecnológicos trariam essa consequência para a sociedade. Marshall McLuhan previu, na década de 1960, que “a automação não afeta somente a produção, mas também o consumo e o mercado; pois, no circuito da automação, o consumidor se transforma em produtor” (MCLUHAN, 1996, p.392); Décio Pignatari na década de 1970 já falava sobre o produssumo e Alvin Toffler em 1980 definiu o novo consumidor produtor de prossumidor. E se a isto agora acrescentarmos a possibilidade de que muitas pessoas, dentro em breve, estarão trabalhando em casa ou nas cabanas eletrônicas de amanhã, começaremos a imaginar uma mudança significativa nas “ferramentas” acessíveis ao consumidor. Muitos dos mesmos dispositivos eletrônicos que usaremos em casa para fazermos trabalho remunerado também tornarão possível produzir mercadorias ou serviços para o nosso próprio uso. Neste sistema o prossumidor, que dominou as sociedades da Primeira Onda, será trazido de volta ao centro da ação econômica – mas numa Terceira Onda, em base de tecnologia (TOFFLER, 2014, p.275).

A interferência do consumidor na cultura comunicacional produzindo conteúdos em larga escala é algo novo e fruto das tecnologias. O consumidor não só recebe o conteúdo que quer absorver como também altera conteúdos já existentes e os compartilha com seu círculo de amigos virtuais. Numa versão mais atual, Axel Bruns, entende o consumidor da cultura participativa como um produser, uma fusão de produtor e usuário. “A premissa dentro da comunidade de produsage é que quanto mais participantes puderem examinar, avaliar e expandir as contribuições dos seus predecessores, mais provável será um resultado de qualidade forte e crescente” (BRUNS, 2008, p. 24). Independentemente da nomenclatura utilizada para o perfil do consumidor da cultura participativa, as novas mídias de fato alteraram o seu comportamento. Hoje o consumidor dispõe de recursos digitais que o colocam na posição de colaborador e consumidor do conteúdo produzido em conjunto.

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Pode-se ir, no que tange ao conceito de consumidor, um pouco além de simplesmente produtores e usuários, os consumidores atuais consomem, produzem, alteram e compartilham conteúdos. O compartilhamento de informações e conhecimentos é, sem dúvida, o trunfo da cultura participativa e a menina dos olhos das organizações. É por meio do compartilhamento que os usuários influenciam e são influenciados. Quando uma informação é compartilhada nas mídias sociais, a audiência torna-se exponencial. Conforme constatou-se nesta pesquisa, as marcas estão investindo esforços publicitários para que o consumidor não só curta as suas publicações como também comente e compartilhe a publicidade para a sua rede de contatos. Mais do que ser visto, um conteúdo ganha forças quando é compartilhado. O compartilhamento de conteúdos é compreendido como o engajamento do consumidor na mensagem recebida. Ao compartilhar uma publicação para seus contatos, há uma mensagem implícita nesse ato de que ele aprova aquele conteúdo e por isso quer repartilo com as pessoas. Estamos aqui falando de conteúdos de teor positivo, mas também há aqueles que são compartilhados com a intenção de prejudicar a imagem da instituição ou de pessoas públicas. Quando esses ganham forças, podem gerar crises de imagem para as organizações, precisando de um grande esforço para que a má informação seja contida. Na cultura participativa, “a colaboração de massa se baseia em indivíduos e empresas utilizando a computação e tecnologias de comunicação amplamente distribuídas para alcançar resultados compartilhados, através de associações voluntárias livres” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.28). Esses resultados sempre são a favor dos usuários e nunca das instituições, por isso as organizações precisam elaborar um planejamento de comunicação pressupondo todas as complexidades de sua interação com os consumidores numa ambiência que não impeça a exposição de opiniões públicas. Algumas organizações, sabendo do potencial da cultura participativa, buscam aliar-se aos usuários das mídias sociais como mediadora de causas sociais positivas, incentivando-os à participação conjunta. O objetivo é levá-los ao engajamento da causa proposta pela marca e o compartilhamento da informação para o maior número possível de pessoas conectadas. Esse engajamento não acontece por questões de interesses comerciais ou financeiros, essa nova geração de consumidores considera o ‘direito de modificar’ o conteúdo como um patrimônio hereditário. Para os usuários, não importa se é uma marca que está mediando uma causa, para eles o que importa é que aquele conteúdo possa servir para as trocas de informações entre as suas redes de amigos.

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Quando os membros do público propagam esse conteúdo de uma comunidade para outra é porque têm interesse na circulação dessas mensagens. Eles estão adotando um material significativo para si em função de este ter um valor dentro de suas redes sociais, além de facilitar as conversas que querem manter com seus amigos e familiares (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 92).

A nova colaboração de massa está transformando o modo como as organizações e sociedade utilizam o conhecimento e a capacidade de inovar e criar valor, isso engloba todos os setores da sociedade, desde organizações, instituições religiosas e políticas, educação etc. As organizações demoraram, mas perceberam que não podem ficar de fora da cultura participativa. Elas precisam se adaptar à nova realidade do mercado que prevê a liberdade do compartilhamento de informações antes mantidas em sigilo. Um novo tipo de empresa está surgindo – uma empresa que abre as suas portas para o mundo, inova em conjunto com todos (sobretudo os clientes), compartilha recursos que antes eram guardados a sete chaves, utiliza o poder da colaboração de massa e se comporta não como uma multinacional, mas como algo novo: uma firma verdadeiramente global (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.31).

Algumas organizações já contemplam em suas estratégias a cocriação de novos produtos, design, sabores e ideias juntamente com os consumidores para implantação futura na sua linha de produção. A publicidade também contempla a participação de consumidores nas narrativas com as suas histórias de vida, envio de foto, vídeos, ou mesmo ajudando a marca a criar as publicidades. Na cultura participativa, não há espaço para o isolamento, as instituições precisam assumir seu espaço na cultura. A ideia de propriedade exclusiva faz parte da cultura de massa e não cabe no ambiente das mídias sociais. Os que não compartilham estão cada vez mais sendo deixados de lado; em contrapartida, cresce cada vez mais os que compartilham, adaptam e atualizam o conhecimento para criar valor. A participação ligada em rede também força as empresas de mídia e as marcas a ser mais compreensivas com seus públicos. As comunidades ligadas em redes podem “convocar” as empresas que elas percebem que estão agindo contra os interesses da comunidade, e seu acesso a ferramentas de mobilização de publicidade significa que elas podem provocar algum dano real (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 220). A colaboração de massa promove a inteligência coletiva, e todos os participantes da cultura são beneficiados pelos conhecimentos produzidos por ela. Assim, organizações e consumidores integram-se à cultura participativa em busca de conexões favoráveis a seus interesses particulares. Essa é a cultura que permeia na sociedade mediada pelas tecnologias digitais e que tem alterado todas as estruturas da sociedade contemporânea.

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2.2- O perfil do consumidor no ambiente das mídias sociais

Muitos pesquisadores têm-se dedicado em entender as mutações que o consumidor vem passando no ambiente das mídias sociais. O livre acesso à Internet rompeu com as barreiras que impediam as manifestações particulares dos consumidores na esfera pública. Essa liberdade midiática do consumidor provocou instabilidade na comunicação entre empresas e seus públicos de interesse que de uma hora para outra se tornaram os protagonistas da história. O consumidor foi o maior beneficiado com o surgimento das novas mídias e consequentemente da oportunidade jamais vivida na história de interferir na sociedade no espaço das plataformas interativas. O contato com uma infinidade de pessoas ao mesmo tempo, de qualquer lugar, a qualquer hora e com aparelhos que cabem na palma da mão, foi um dos maiores benefícios que as tecnologias digitais trouxeram para a comunicação entre indivíduos. As redes digitais instauram uma forma comunicativa feita de fluxos e de troca de informações ‘de todos para todos’. Em função da quantidade ilimitada de informações que podem ser veiculadas na rede, a temporalidade também é distinta, praticamente em tempo real, resultando instantâneas todas as formas de comunicação na web (FELICE, 2008, p.53).

Embora o contexto aqui seja o da nova linguagem virtual, as pessoas sempre sentiram a necessidade de se relacionar umas com as outras, pois o indivíduo é um ser social. Assim, o dialogar faz parte da essência humana desde os tempos primitivos. Segundo Frederico (2014, p.330), “os homens em formação tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros – com essa hipótese, Engels situou a forma básica de comunicação – a linguagem – como uma necessidade nascida no interior do processo de automação do gênero humano”. Bakhtin acredita que “o conceito que estabelece relação entre linguagem, sujeito e vida, é o dialogismo.” Para ele, “desde os primeiros escritos, o sujeito é considerado em sua dimensão histórica e social, definido na relação com os outros, quer sejam reais, imaginários, personificados, definidos ou indefinidos” (BRAIT, 2014, p. 515). Portanto, as mídias sociais ampliaram as possibilidades de uma característica intrínseca dos seres humanos. Nas últimas décadas, houve um deslocamento na forma de se relacionar das pessoas, que antes se dava em seu grupo limitado de convivência mas agora expandiu-se para o ambiente público por meio das mídias sociais.

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Nós criamos oportunidades uns para os outros, seja para a passividade ou para a atividade, sempre foi assim. A diferença de hoje é que a Internet é uma máquina de oportunidades, um meio para pequenos grupos criarem novas oportunidades, a baixo custo e com menos obstáculos do que nunca, e com a possibilidade de anunciar essas oportunidades ao maior número de potenciais participantes da história (SHIRKY, 2011, p.101).

O consumidor atual não é um novo consumidor, na verdade ele é o mesmo sujeito com anseios de interagir com o mundo. Ocorre que mediado pelas tecnologias de informação e comunicação romperam-se as barreiras que o impediam de expressar a sua opinião coletivamente. A proposta da nova mídia é de que o consumidor da atualidade é um ser livre e plural, “ele comunica-se (on-motion) quando se move, ou (on-time) a qualquer hora ou ainda (online) quando em rede, certamente isso é novo, o que significa um grande desafio: como falar com este ser humano contemporâneo? Em sua dimensão mais humana, a de um ser comunicante” (GALINDO, 2012, p.100). O consumidor contemporâneo gosta de escolher e manipular as informações de que precisa. Por isso, as organizações inteligentes estão criando conteúdos e tornando-os disponíveis nas mídias sociais de forma aberta para que todos possam fazer uso como melhor lhes convenham. A Internet de código aberto rompeu com as barreiras que impediam o acesso a conteúdos antes restritos a poucos. O consumidor conectado pode, a qualquer momento, ter acesso a todo tipo de informação de que precisa para tomar suas decisões antes de sair para as compras. A sociedade a código aberto, mais do que um conjunto de definições e de conceitos, é também uma prática e uma forma de habitar, na qual construímos e nos apropriamos do mundo através das tecnologias digitais. Portanto, além de um conceito em movimento, um campo de possibilidades, constitui-se num ecossistema no interior do qual habitam todos aqueles que criam ideias, pensamentos, culturas, tempo livre, prazer, arte, conteúdos ‘na’ e ‘através’ das redes (FELICE, 2008, p.58).

As organizações, quando disponibilizam os seus conteúdos nas mídias sociais, precisam estar cientes de que os softwares de código aberto exigem flexibilidade para serem alterados pelos usuários. O consumidor, quando acessa qualquer conteúdo de seu interesse, sente-se no direito de compartilhá-lo, criticá-lo, recriá-lo e assim por diante. Os direitos autorais e o sentido de posse nessa ambiência digital perderam o seu significado. O perfil do consumidor das mídias sociais possui uma complexa interpretação porque ele se apresenta de forma plural. O perfil virtual muitas vezes pode ir além da realidade, representado por uma multiplicidade de eus ou selfies. Conforme define Maffessoli (1996,

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p.305), “somos sempre outra coisa além do que nos creem ser. Somos vários”. Essa multiplicidade de selfies torna o indivíduo um ser plural e anômalo. Nas mídias sociais, ele tem autonomia para sonhar, relacionar-se com outras pessoas que pensam como ele, para produzir conteúdos, publicar vídeos e até alcançar a fama. Nesse espaço não há barreiras, não há distância e não há tempo, as coisas acontecem em questão de segundos. As relações individuais também sofreram alterações de significado no ambiente digital. O conceito de amizade que, na sua origem, significa demonstração de afeto, nas mídias sociais é alterado para quantidade de pessoas. Quanto mais “amigos” o usuário tiver, mais ele terá prestígio entre os demais. A popularidade dá-se de acordo com a sua audiência. Assim, um usuário pode ter muitos amigos nas mídias sociais, enquanto nas relações da vida cotidiana esse número é infinitamente menor. Nas mídias sociais, eles interagem, dialogam, são populares uns com os outros e compartilham informações. Nesse palco digital, a ostentação também tem a sua trama encenada pelos integrantes e as publicações possuem sempre uma conotação positiva e de exibicionismo coletivo. Geralmente as postagens são da viagem dos sonhos, restaurantes badalados, fotos bem enquadradas e de boa apresentação, conquistas, festas e de família sempre unida e feliz. As publicações são curtidas ou comentadas pelos amigos virtuais podendo ser até compartilhada. Seja no Facebook, o Twitter, o Youtube, os blogs ou qualquer outra plataforma de mídia social, o fato é que as pessoas estão lá por causa da natureza interativa que cada uma delas ostenta. Elas querem trocar informações no Twitter, fazer comentários nas páginas do Facebook e nos blogs, ter sua presença reconhecida, obter respostas para suas publicações, se envolver em debates saudáveis (ou totalmente sem propósito) e criar e publicar vídeos uns para os outros no Youtube. A interação e a resposta formam a base das redes sociais (BARGER, 2013, p. 13).

Estar presente nas mídias sociais integra o homem à sociedade virtual e o fato de não estar lá é visto pelos integrantes como uma incoerência. É como se o sujeito vivesse às margens da sociedade, nesse caso, da sociedade em rede. O sujeito que participa das mídias sociais fica por dentro de tudo o que acontece na sociedade, notícias são recebidas em primeira mão, antes mesmo de sair no jornal oficial outros participantes publicam imagens e reportagem sobre o acontecido instantaneamente. Em questão de segundos, a notícia é compartilhada e ganha proporções gigantescas dependendo do teor do assunto. Inclusive os meios de comunicação de massa, algumas vezes, utilizam-se de informações coletadas nas Internet para formar as suas matérias.

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No ambiente digital, tudo é sintetizado para atender à velocidade dos acontecimentos. As notícias são curtas para que o leitor possa ler em questão de segundos, entender e compartilhar com seus amigos; as propagandas são cada vez mais interativas para que o receptor não desista de ver ou desvie seu olhar para outra informação mais atrativa; as notícias acontecem e são atualizadas constantemente e em questão de poucas horas perdem também a sua importância, na medida em que outras informações mais relevantes são publicadas.

2.2.1 – As relações de consumo no ambiente das mídias sociais

As relações de consumo também foram fortemente impactadas após a expansão das mídias sociais. Antes do advento da Internet, as negociações entre vendedor e comprador davam-se no ambiente de loja física, mas com a chegada dos múltiplos canais de vendas digitais (e-commerce), o consumidor passou também a fazer suas compras por meio de seus computadores, no conforto de suas casas, não precisando mais se deslocar para uma loja física se quiser adquirir algum bem ou serviço. Foram muitos os benefícios que o e-commerce trouxe ao mercado consumidor, porém o aspecto mais relevante, “é o seu enorme poder de influência para todos os produtos e serviços, ao permitir comparações, análises e aprofundamento de informações sobre características, preços e condições, serviços, garantias, formas de uso e tudo mais que possa influenciar a decisão de compra” (SOUZA, 2009, p.34). Essa fonte inesgotável de informações antecedentes à compra era algo que o consumidor não dispunha até então. Hoje, antes de efetuar qualquer compra, o consumidor faz uma varredura de opiniões pelos blogs, redes sociais e até mesmo no site das lojas virtuais os depoimento de outros consumidores influenciam na decisão de compra. Muitas vezes o consumidor faz o levantamento de todas as informações de que precisa na Internet e vai até a loja física com a decisão de compra já tomada anteriormente. Pensando nesse consumidor que pesquisa e pode até efetuar a sua compra nas lojas virtuais, a Google criou a ferramenta remarketing, que tem como função lembrar o consumidor incansavelmente sobre aquele produto ou serviço que ele viu de algum parceiro da empresa. Por onde o consumidor navegar seja pelas redes sociais, blogs, sites etc. fica aparecendo uma propaganda do produto já vista anteriormente.

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São muitos os recursos que as lojas virtuais dispõem para satisfazer o consumidor tão almejado no ambiente digital, graças à expansão das tecnologias de informação e comunicação como o Big Data18, por exemplo, que organiza todas as informações na Internet como a análise, a captura, a pesquisa, o compartilhamento, o armazenamento, a transferência, a visualização e informações sobre privacidade. O Big Data é um termo popular que define conjuntos de dados muito grandes ou complexos com maior capacidade do que os aplicativos de processamento de dados tradicionais. Essas informações são manipuladas pelas empresas que conseguem realizar análises mais precisas sobre o perfil de seus clientes em potencial. O consumidor nunca foi tão cortejado como tem sido após a expansão das tecnologias de informação e comunicação, sobretudo porque ele tem em suas mãos o poder de influenciar seus amigos nas decisões de compra. As ferramentas proporcionadas pelas tecnologias facilitam as análises e a organização das informações, mas as empresas que entenderam a linguagem do ambiente das mídias sociais sabem que o melhor a fazer é conquistar a simpatia e confiança dos consumidores para que eles venham a trabalhar em favor da marca, produzindo conteúdos favoráveis a ela com a sua rede de amigos, influenciando-os ao consumo de seus produtos ou serviços. A produção de conteúdos relevantes é primordial para atrair a atenção do consumidor, pois ele está atrás de informações que satisfaçam os seus interesses pessoais. Quando se depara com um bom conteúdo, havendo identificação, ele passa a trabalhar em favor da marca, compartilhando com o seu grupo de amigos. “Um conteúdo de Internet bem organizado conduzirá os clientes ao longo do ciclo de vendas até chegar ao ponto em que estiverem prontos para fazer a compra ou assumir algum outro compromisso junto à sua organização” (SCOTT, 2008, p.30). Produzir bons conteúdos significa preparar a história que o consumidor quer saber, contar-lhe coisas que vão ao encontro de suas necessidades. É criar um ambiente que induza o consumidor a querer saber mais sobre aquela história e admirar a organização que a produziu. Elaborar vídeos do tipo “faça você mesmo” e disponibilizá-los para os usuários também é uma prática e se produzir conteúdos favoráveis à marca, porém sem mencioná-la, já que o consumidor não aceita esse tipo de linguagem invasiva. Outra forma de se produzir conteúdos é convidando pessoas comuns a fazer resenhas sobre os seus

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Em tecnologia da informação, o termo Big Data ("megadados" em português) refere-se a um grande conjunto de dados armazenados. Diz-se que o Big Data se baseia em 5 V's: velocidade, volume, variedade, veracidade e valor. Fonte: Wikipedia.

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produtos em blogs. O fato de alguém comum indicar tal produto para uso tem grande aceitação entre os usuários de Internet. Os clientes estão se tornando os supremos evangelistas das marcas (ou, até mesmo, os responsáveis por sua destruição). Além de criarem seu próprio conteúdo, os stakeholders também recorrem a seus pares em busca de referências e testemunhos sobre as marcas antes de pedir informação às próprias empresas que as produzem (ARGENTI; BARNES, 2011, p. 29-30).

As pessoas costumam influenciar as outras a comprar algum produto ou serviço que as fizeram sentir-se bem, a assistir um filme que gostaram, a frequentar locais que lhes proporcionaram prazer, e até mesmo compartilhar experiências indesejáveis. Os indivíduos estão conectados pela troca de experiências e assim influenciam uns aos outros naquilo que acreditam. Este é um consumidor evangelista19, que trabalha voluntariamente a favor ou contra as marcas, expondo suas opiniões e circulando informações entre seus pares para que obtenham realmente o produto que almejam. Em um mundo em que o público é bombardeado por centenas de mensagens diariamente e onde, em resposta, ele se tornou extremamente desconfiado em relação à autenticidade e à credibilidade das mensagens de marketing, as recomendações boca a boca são uma fonte muito importante de informação digna de confiança (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 109).

Entender o consumidor contemporâneo, como ele se manifesta no ambiente das mídias sociais e estabelecer um diálogo positivo com os seus públicos de interesse, tem sido o grande desafio dos profissionais de comunicação das empresas. Pois, por um breve período, as organizações perderam o controle de suas estratégias de marketing que tinham como certa. “A perda de controle pode ser compreendida como a consequência direta da crescente autonomia do sujeito pós-moderno, como a mutabilidade, a fluidez, a desregularização e a evidente anomia vivenciada por esse sujeito” (GALINDO, 2013, p.53). Todo um planejamento estratégico pode ser abalado se algum consumidor insatisfeito decidir denunciar alguma ação da empresa nas mídias sociais e o caso ganhar repercussão entre os demais usuários. Este é um consumidor que reage ao sistema quando algo não lhe pareça favorável. O sujeito em re(ação) é o sujeito da contemporaneidade, distante do consumidor passivo e ancorado nos discursos de um porvir. Ele é o sujeito do agora, sem barreiras temporais ou espaciais e muito menos dependente das organizações e instituições, as quais, não apenas ignora, mas em cujas imagens ele interfere ao 19

Conhecido também como evangelista de marketing ou buzzmarketing. Termo utilizado pelos autores Ben McConnel e Jackie Huba para definir o consumidor que divulga voluntariamente algum benefício de determinada marca por acreditar nas suas propostas.

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indagar, questionar, retrucar e, de forma mais contundente, compartilhar nesse espaço eminentemente público (GALINDO, 2013, p.67).

As organizações não suspeitaram que um dia a sua reputação pudesse estar tão exposta e suscetível, dependente da aceitação do público e torcendo para que nenhum de seus produtos ou serviços caia na rede. Segundo Elias Goulart (2013, p.159), “este é um fenômeno social jamais imaginado há uma década e altera o panorama das relações entre as pessoas em todas as suas dimensões”. Por isso, é fundamental que as organizações estejam atentas ao que é falado sobre as suas marcas nas mídias sociais, “o comentário dos clientes é importante. Ele é (ou deveria ser) a base para muitas decisões estratégicas da organização” (MCCONNEL; HUBA, 2006, p. 25). Além de monitorar as conversas a respeito da marca, a empresa pode conduzir o que é comentado sobre ela, elaborando conteúdos que propiciem discussões e compartilhamentos a ela favoráveis. Uma grande vantagem das novas mídias é que, além de ter um custo reduzido em comparação às mídias de massa, “as ferramentas da rede social transformaram sua organização em uma ‘publicadora de conteúdos’ – um veículo midiático” (BARGER, 2013, p.12). Qualquer pessoa que disponha de um computador e acesso à Internet pode produzir conteúdos e publicar nas mídias sociais. As marcas também podem criar seus perfis nas mídias sociais e usá-los como fonte de informações para capturar as opiniões de seus consumidores e utilizá-las nas suas estratégias de marketing. A comunicação digital transformou o modo de se relacionar das pessoas em todas as dimensões e possibilitou um novo posicionamento do indivíduo na sociedade, pois na ambiência das mídias sociais ele encontrou o palco para as suas manifestações e interações com o outro.

2.2.2 – O consumidor evangelista

Influenciar ou ser influenciado é uma prática comum e involuntária entre as pessoas que vivem em sociedade. A troca de informações presentes num diálogo é permeada com discursos que influenciam ou não as pessoas envolvidas na conversa. O sujeito que influencia o próximo de forma voluntária a adquirir algum bem ou serviço que o fez sentir-se satisfeito é denominado de consumidor evangelista. Embora saibamos que essa prática sempre existiu, ela

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ganhou popularidade no marketing após a ascensão das mídias sociais que permitiu uma abrangência maior no número de influenciadores. As mídias sociais tornou-se o lugar propício para a prática do consumidor evangelista, visto que numa ambiência em que circulam uma superabundância de informação, as pessoas tendem a confiar mais na opinião de alguém como elas do que em discursos de cunho comercial. Além disso, existe um poder natural que emana das palavras presentes num diálogo. As pessoas influenciam e são influenciadas por meio delas. O diálogo é intrínseco do ser humano desde a sua concepção. A narrativa bíblica sobre a criação do mundo é marcada pelo poder da palavra e sua influência sobre o outro. “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus” (João 1.1). De acordo com a história em Gênesis 1, todas as coisas foram criadas e ordenadas pelo poder da palavra de Deus: haja luz...haja firmamento...ajuntem-se as águas...produza a terra a relva etc. Conta a história que depois de formar todas as coisas, Deus ocupou-se em criar o primeiro homem. Nesse primeiro capítulo bíblico, percebe-se que era comum o diálogo diário entre Deus e o homem: “E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia” (Gênesis 3:8). Assim, também a queda do homem foi marcada pela influência de outro ser, a serpente, que se valeu de um discurso persuasivo influenciando a criação de Deus e resultando em sua trágica expulsão do paraíso. Essa narrativa bíblica da formação do homem revela-nos que uma conversa informal pode influenciar em decisões impactantes na vida das pessoas. Toda relação é dialógica, como define Bakhtin, “o fato de ser ouvido, por si só, estabelece uma relação dialógica. A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder à resposta, e assim ad infinitum” (BAKHTIN, 1997, p.357). Ao iniciar um diálogo, as pessoas envolvidas preparam-se para escolher a linguagem adequada ao seu enunciatário. Todos os elementos envolvidos no processo de fala são, na verdade, selecionados com a intenção de influenciar o outro a compreender a mensagem enunciada. Portanto, todo diálogo é marcado por enunciados influenciadores que podem ou não obter o objetivo esperado pelo seu enunciatário. Sendo assim, cada pessoa exerce o poder de influenciar o outro se usar de recursos discursivos apropriados na construção da argumentação. Quem nunca influenciou ou foi influenciado por alguém quando estava na fila de um banco, de um supermercado, na sala de espera de um consultório médico, ou em outro lugar qualquer? Muitas vezes, uma simples conversa entre duas pessoas num salão de cabeleireiro resulta na compra de determinado produto.

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Esse indivíduo que divulga voluntariamente algum produto ou serviço que o fez sentirse satisfeito e influencia o outro a aderir à marca recomendada, chamamos de consumidor evangelista. O evangelista de marketing fala de forma apaixonada e entusiasmada sobre o produto que acredita ser a melhor escolha, “os olhos dele se ilumina e sua voz tem um toque de emoção. A outra pessoa por sua vez decide experimentar o produto porque confia nele, suas histórias se conectam” (MCCONNEL; HUBA, 2006, p.3). O termo evangelista teve sua origem no Cristianismo e a raiz da palavra é baseada “naquele que traz as boas novas”. Os apóstolos de Jesus Cristo foram incumbidos de anunciar as boas novas de salvação por todo o mundo. Eles eram apaixonados pelo evangelho de Cristo e, por isso, fizeram um trabalho excepcional na igreja primitiva, firmando a base do evangelho que existe até os dias atuais. Os evangelistas da época de Cristo trazem uma lição, para o mundo dos negócios, de que a principal atitude para tornar um cliente evangelista é, antes de tudo, transformá-lo num amante da marca. Criando um vínculo afetivo, eles farão voluntariamente o trabalho de evangelização ou divulgação da marca. As lições dos evangelistas originais – os crentes religiosos que vagaram pelas estradas do mundo espalhando a palavra de sua fé – nos ensinam que crenças são baseadas em uma ligação emocional, em convicções profundamente enraizadas e na promessa de um caminho melhor. Quando acreditamos piamente em algo, isso nos compele a contar para os outros (MCCONNEL; HUBA, 2006, p.3). Costuma-se falar bem do que se aprova; é um desejo comum a todos de que os amigos

também participem da alegria em consumir algo que traz prazer. Ainda de acordo com os autores, “os amigos, familiares e colegas influenciam nosso comportamento mais do que qualquer propaganda repetitiva ou qualquer vendedor agressivo” (MCCONNEL; HUBA, 2006, p.16). O estudo global Barômetro de Confiança do Instituto Edelman20, realizado em 2015, aponta que no Brasil cerca de 71% dos entrevistados recusam-se a comprar produtos e serviços de uma empresa na qual não confiam, enquanto 63% a criticam para um amigo ou colega. Inversamente, 80% preferem comprar produtos de empresas nas quais confiam, e 78% recomendam essas companhias para os amigos. As pessoas sempre influenciaram umas as outras, e quanto mais próximas, maior é a influência exercida, conforme aponta essa pesquisa. A desconfiança do consumidor em testemunhos de organizações e de celebridades foi resultado de uma conduta de anos praticados de ofertas não correspondidas. A publicidade e a moda se firmaram na era industrial utilizando-se de celebridades para testemunhar em favor 20

http://www.edelman.com.br/propriedades/trust-barometer/#sthash.k5M61vYH.dpuf

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das marcas. Os consumidores por sua vez identificavam-se com o artista e eram influenciados a consumir tal produto anunciado. Porém, muitas vezes a marca não cumpria com as promessas ofertadas na propaganda e isso foi deixando o consumidor cada vez mais cético em relação às propostas das organizações. O conteúdo ruim e o excesso de informação publicitária também contribuíram para a descrença do consumidor atual. O consumidor ativo é muito mais exigente e desconfiado também. Não acredita mais tanto nas instituições, não acredita nas universidades como detentoras do saber, é cínico em relação a valores morais, não acredita no emprego, na hierarquia e em muitas outras instituições tidas até então como basilares para a nossa sociedade (VAZ, 2011, p.140).

A prática do consumidor evangelista ganhou relevância, sobretudo, com a chegada das mídias sociais, que proporcionou ao indivíduo a possibilidade de influenciar de uma só vez uma multidão de pessoas. Nas mídias sociais, é possível sugerir, comentar, opinar, publicar, compartilhar e criar conteúdos de todo tipo para uma ampla rede de amigos. Isso facilitou a vida das pessoas na busca por informações críveis entre pessoas iguais a ela, que dão suas opiniões sem interesse comercial. Após o advento das mídias sociais, um consumidor antes de ir às compras faz a sua pesquisa na Internet em busca por opiniões que vão ajudá-lo na em sua decisão de compra. Curiosamente “a crença do consumidor no próprio consumidor foi, praticamente a única coisa que não se abalou no mercado e, pelo contrário, vem sendo o pilar de marcas e empresas” (VAZ, 2011, p.141). A pesquisa do Barômetro de Confiança também analisou os criadores de conteúdo mais críveis do ambiente digital. Os amigos e familiares lideram a lista dos mais confiáveis para 84% dos respondentes brasileiros, seguidos por acadêmicos (81%) e pelas marcas utilizadas pelos respondentes (74%). Os entrevistados mostram neutralidade em relação à CEOs e funcionários de empresas. Celebridades e governantes eleitos figuram entre os criadores de conteúdo menos confiáveis, de acordo com os entrevistados brasileiros. No cenário global, a confiança no CEO como porta-voz de credibilidade continuou em queda pelo terceiro ano consecutivo. No mundo, os CEOs (43%) e os representantes governamentais (38%) continuam sendo as fontes de menor credibilidade, ficando muito atrás dos especialistas acadêmicos e da indústria (70%) e de uma “pessoa como você” (63%). No Brasil, a credibilidade do CEO chega a ser 20 pontos percentuais mais alta, chegando a 63%. Além disso, a confiança de pessoas comuns ultrapassa o prestígio de especialistas acadêmicos e representantes de ONGs para 84% dos entrevistados (EDELMAN TRUST BAROMETER, 2015).

A importância que o consumidor evangelista recebeu juntamente com as mídias sociais impactaram na forma tradicional de comunicação praticada nas publicidades. Na nova ambiência comunicacional, o consumidor é o agente propagandístico da marca. Ele será o responsável pelo seu sucesso ou destruição. Portanto, ao invés de investir milhões em publicidades unidirecionais e que visam apenas à lucratividade, as organizações da pós-

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modernidade devem atentar-se na construção de uma boa imagem e reputação na mente de seus consumidores que poderão tornar-se os evangelistas de suas marcas. “Em vez de investir em propaganda vazia de relacionamento, invista na qualidade do produto e do serviço e no grau de atividade do consumidor” (VAZ, 2011, p.125). Um consumidor satisfeito falará bem das marcas nas mídias sociais. Quanto mais forem os depoimentos favoráveis à marca, maior será o seu capital social ao longo do tempo. Quanto mais pessoas comentando e compartilhando conteúdos positivos sobre a marca, maior a divulgação dos seus produtos e serviços. A publicidade tradicional usou durante muito tempo celebridades para influenciar seus consumidores, nessa nova ambiência os consumidores influenciam e são influenciados numa cadeia global. Eles receberam o lugar de destaque e se tornaram os astros das marcas. O objetivo é transformá-los em consumidores evangelistas, em divulgadores voluntários de conteúdos favoráveis da marca. Um consumidor evangelista compra e acredita no seu produto ou serviço; é leal e apaixonadamente o recomendam aos amigos, vizinhos e colegas; compram seus produtos para dar de presente para outros; fornecem feedback ou elogios não requisitados; perdoam as falhas ocasionais no serviço e na qualidade, mas deixam que você saiba quando a qualidade está deixando a desejar; não é possível comprálos; clientes evangelistas elogiam suas virtudes livremente; no papel de seus evangelistas, sentem-se conectados a algo maior do que eles mesmos (MCCONNEL; HUBA, 2006, p.2).

O ambiente das mídias sociais permite a qualquer pessoa tornar-se um consumidor evangelista. No YouTube é comum encontrar vídeos caseiros do tipo “faça você mesmo”, produzidos por pessoas anônimas, ensinando como preparar algo ou como usar algum produto. Os Blogs, Vlogs e redes sociais como o Facebook, também ganham seus adeptos, que criam seus perfis e tornam-se celebridades do mundo digital. Claro que “a influência em uma rede não é distribuída igualmente; alguns usuários têm mais influência, ao passo que outros têm pouca ou nenhuma” (TAPSCOTT, 2010, p. 226). Essa popularidade não vem gratuitamente, isso vai depender do quanto esse sujeito dedica-se a criar conteúdos que caiam na graça do público. O crescimento dos blogs e posteriormente os vlogs foi tanto que eles viraram um negócio lucrativo. Muitas organizações trabalham hoje em conjunto com esses influenciadores das mídias sociais. Elas procuram aliar-se àqueles que têm credibilidade entre os seus públicos de interesse e que deem bons testemunhos sobre os seus produtos e serviços. Uma influência significativa muitas vezes é exercida por um pequeno número de indivíduos que tem um impacto desproporcional no sistema. Algumas empresas de

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ponta estão tentando identificar esses agentes individuais nas redes, como os sabichões, conectores e vendedores de Gladwell, e usar as capacidades deles para ajudar a maximizar a influência (TAPSCOTT, 2010, p. 250).

Nesse sentido, o consumidor evangelista das mídias sociais tem um papel fundamental para o crescimento ou fracasso das marcas. Portanto, o trabalho das organizações consiste em ganhar a atenção e simpatia dos seus públicos de interesse no ambiente digital, publicando conteúdos que serão inseridos em seu contexto social e compartilhados pela sua rede de amigos. Assim, é preciso alinhar as estratégias de comunicação de forma que privilegie a participação e interação com o consumidor, seu principal agente propagandístico no ambiente das mídias sociais. Com essa novidade, as organizações também se preocupam em readequar sua comunicação criando narrativas publicitárias com a participação de pessoas anônimas para testemunhar as suas experiências com a marca.

2.3 – A Publicidade e a propaganda A publicidade e a propaganda sempre foram utilizadas pelas organizações como um canal de comunicação com seus públicos de interesse, mas, após a chegada das mídias sociais, sua linguagem tem sido alterada para adaptar-se ao novo meio. Antes de se tratar dessas mudanças ocasionadas pelas novas mídias, é importante relembrar os princípios da publicidade e a sua importância para o consumo. “Em português o termo publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para a propagação de ideias como no sentido de publicidade” (SANDMANN, 2005, p. 10). O termo publicidade significa tornar público um fato ou uma ideia, a propaganda com origem na propagação da fé cristã é entendida como qualquer tipo de comunicação ideológica, seja religiosa, política ou organizacional. Mesmo tendo princípios diferentes, tanto a publicidade quanto a propaganda são linguagens de massa, mas que se aproximam progressivamente. A propaganda aproxima-se da publicidade como do modelo veicular da única grande e verdadeira ideia-força desta sociedade concorrencial: a mercadoria e a marca. Esta convergência define a sociedade, a nossa, onde já não há diferença entre o econômico e o político, porque nelas reina a mesma linguagem de uma ponta a outra, de uma sociedade onde a economia política, em sentido literal, está enfim plenamente realizada, isto é, dissolvida como instância específica (como modo histórico de contradição social), resolvida, absorvida numa língua sem contradições, como o sonho, porque percorrida por intensidades simplesmente superficiais (BAUDRILLARD, 1991, p. 114).

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Embora tenham significados diferentes, publicidade e propaganda estão ligadas no sentido de que para se vender algum serviço ou ideia nos dias atuais, em que quase não há diferenciação de atributos funcionais entre os produtos, as marcas precisam propagar as suas ideologias e criar uma ambiência simbólica em torno de seus produtos de forma que convença os consumidores a adquiri-los. A publicidade contemporânea não se dedica unicamente a vender produtos, sua função vai muito além de convencer os consumidores a comprá-los. A publicidade do mundo atual é um processo que se trava no ambiente da mente valendo-se de elementos persuasivos para induzir o consumidor a acreditar que aquela marca é a melhor opção dele. Todo processo publicitário implica uma sequência de dois atos, grosseiramente um de persuasão e um de venda. Em publicidades em revistas e na TV, esses atos são separados por tempo e lugar. O primeiro é um ato semiótico envolvendo a troca de mensagens entre o anunciante e o consumidor. Seu alvo semiótico é a informação, a persuasão ou a criação de uma convicção. O segundo é um ato econômico envolvendo a troca de bens entre o vendedor e o consumidor (SANTAELLA; NÖTH, 2010, p. 15).

Na década de 1950, quando a televisão chegou ao Brasil e os processos industriais ganhavam força no país, as publicidades saíram da mídia impressa e ganharam destaque nas telas das tevês. Numa época em que a concorrência de produtos similares era pequena, os anúncios tinham um apelo informativo e ressaltavam apenas as características funcionais dos produtos. Com a expansão da indústria e a crescente oferta de produtos cada vez mais parecidos, destacar seus diferenciais passou a não ter mais relevância. Assim, as publicidades começaram a trabalhar os valores simbólicos das marcas nas mentes dos seus consumidores. “A publicidade nacional e internacional de produtos de massa aborda os consumidores indiretamente. Em vez de apresentar um produto, ela apresenta um estilo de vida ao qual o produto possa ser associado” (SANTAELLA; NÖTH, 2010, p. 98). A publicidade busca constantemente transferir os significados do mundo culturalmente constituído para os produtos, e essa é uma tarefa que exige bastante engenhosidade no processo criativo que fará com que os receptores da mensagem se percebam como parte daquele mundo proposto no anúncio. Assim, embora o resultado final da publicidade seja a intenção de venda de produtos ou serviços, as mensagens quase sempre são construídas com signos que transmitem a intenção para o consumo de forma implícita. De acordo com McCraken, ela atua como um potente método de transferência de significado do mundo culturalmente constituído para um bem de consumo por meio de um anúncio específico.

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O diretor de criação de uma agência busca conjugar esses dois elementos de tal modo que o espectador/leitor vislumbre uma similaridade essencial entre eles. Quando esta equivalência simbólica é estabelecida com sucesso, o espectador/leitor atribui ao bem de consumo certas propriedades que ele ou ela sabe que existem no mundo culturalmente constituído (MCCRACKEN, 2003, p. 106).

As imagens visuais, o texto, os signos utilizados nas narrativas assumem um papel importante nesse processo de transferência de significado do mundo para o objeto. O texto falado ou escrito torna explícita a mensagem que já estava implícita nas imagens. Para o autor, a publicidade tem o papel de “desprender o significado do mundo culturalmente constituído e transferi-lo para um bem de consumo, através de um anúncio” (MCCRACKEN, 2003, p. 109). Como vimos, a publicidade atual não luta mais pela diferenciação de atributos funcionais dos produtos, ela busca atuar no ambiente da percepção humana, trabalhando o emocional das marcas na mente dos consumidores. O discurso publicitário contemporâneo mantém, por natureza, um laço privilegiado com o ethos; de fato, ele procura persuadir associando os produtos que promove a um corpo em movimento, a uma maneira de habitar no mundo; como o discurso religioso, em particular, é por meio de sua própria enunciação que uma propaganda, apoiando-se em estereótipos avaliados, deve encarnar o que ela prescreve (MAINGUENEAU, 2008, p. 66).

Os discursos publicitários são construídos com elementos de arquétipos e estereótipos que são formados na própria cultura humana e que são incorporados para as marcas, dandolhes personalidade similar a de seus públicos de interesse. Os arquétipos são elementos permanentes e muito importantes da psique humana que podem ser encontrados em todas as nações, civilizações, e até mesmo em sociedades tribais primitivas de todos os tempos. É essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica por meio de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta. Os estereótipos são as imagens e contatos que estabelecemos com os elementos que existem à nossa volta no decorrer da vida diária. São os modelos sociais que tentamos imitar por representarem aquilo a que a sociedade almeja como um todo (CARDOZO, 2004, p.70-72).

Ao se deparar com uma marca que possui características similares às suas, o consumidor identifica-se com o mundo imaginário proposto por ela e opta em consumi-la. Assim, as publicidades almejam construir uma identidade para as marcas, torná-las interessantes para seus consumidores. Mas isso só se torna possível se o receptor da mensagem estiver com a sua atenção voltada para o anúncio e como visto anteriormente, o telespectador da atualidade divide a sua

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atenção com outras mídias e atividades sendo exercidas ao mesmo tempo em que assiste à tevê. Dessa forma, a publicidade contemporânea depara-se com diversas complexidades a serem enfrentadas como: a busca por elementos que despertem a atenção de um consumidor instável e que tem o poder da escolha em suas mãos; a criação de narrativas que contemplem a participação do consumidor num processo de cocriação publicitária como uma tentativa de aproximação com seus públicos; e, mais do que isso, o principal desafio da publicidade atual é tornar o consumidor um agente discursivo, um evangelista de marketing que divulga voluntariamente os benefícios da marca para o seu grupo de amigos na ambiência das mídias sociais e fora dela.

2.3.1- A crise de atenção refletida na publicidade

O crescente e promissor mercado de aparelhos móveis e a crise de atenção dos telespectadores têm levado a publicidade a reposicionar-se na ambiência das mídias sociais. Viu-se que, após a chegada das tecnologias de informação e comunicação, o perfil do consumidor mudou e este passou a interferir em todas as cadeias da sociedade. A publicidade também sentiu seu impacto, pois sempre foi utilizada pelas organizações como um recurso para se comunicar com os consumidores; porém, até a chegada das mídias sociais e ainda nos dias atuais as publicidades veiculadas na televisão e rádio tinham um perfil estático e unidirecional, não podendo o telespectador interagir com a marca anunciada. Com a expansão das mídias sociais, a publicidade veiculada na televisão passa por uma crise, pois a maioria dos seus públicos de interesse está com a atenção dividida entre outras atividades enquanto as programações da televisão tornaram-se um pano de fundo. Segundo registros anteriores da pesquisa divulgada pela Secom, sobre os motivos que levavam os telespectadores ainda a assistirem a televisão, apenas 23% dos entrevistados afirmaram não realizar nenhuma atividade enquanto assistem as programações. Percebe-se que este número é muito pequeno quando 95% da população brasileira afirma assistir à tevê. Nota-se aqui um grande desafio para a publicidade que depende da atenção dos públicos de interesse para a sua eficácia. “A publicidade é um dos campos da produção cultural que, para a sua própria sobrevivência, fazendo uso das mais diversas tecnologias de linguagem – do texto impresso às imagens, aos cartazes, filmes, áudio e Internet – mais depende da atenção dos receptores” (SANTAELLA; NÖTH, 2010, p. 4). Ora, se ela depende da atenção dos

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receptores para que a sua mensagem possa cumprir com o propósito de informar e persuadir os consumidores a comprar a ideia proposta, a publicidade televisiva encontra-se diante de uma crise de atenção. Percebe-se que a atenção dos telespectadores está dividida entre diversas atividades enquanto assistem à televisão, como: comer alguma coisa (49%), conversar com outra pessoa (28%), realizar alguma atividade doméstica (21%), usar o celular (19%) e usar a Internet (12%). Considerando que o crescente uso de celular está associado à conexão com a Internet, 31% dos telespectadores dividem sua atenção, conectados à Internet seja por computadores seja por aparelhos móveis de celular. Sabe-se que “são exigências de primeira ordem as estratégias a serem empregadas pela publicidade para a constituição de um gênero próprio que fisgue a atenção não só reativa, mas também ativa dos receptores” (SANTAELLA; NÖTH, 2010, p. 5). Diante da crise de atenção que a publicidade televisiva vem enfrentando, a sua eficácia está cada vez mais reduzida. Isso porque após as mídias sociais, o consumidor passou a receber tanta informação que é incapaz de assimilar todas elas. “Há muitas informações, contudo, e o tempo para processá-las continua o mesmo: o cérebro, asfixiado diante de tão grande volume de estímulos, opera em percepção seletiva e só retém a pequena quantidade que parecer relevante” (VAZ, 2011, p.100). Por conta disso, há um crescente número de publicidades em vídeo sendo lançadas nas mídias sociais. No ano de 2014, o mercado brasileiro gastou R$ 72121 milhões com publicidade móvel e essa é uma tendência para os próximos anos devido ao crescimento dos usuários de aparelhos móveis. Diferentemente da publicidade unidirecional veiculada na televisão, as publicidades das mídias sociais precisam incorporar a característica interativa estabelecida neste meio. Embora as marcas continuem disputando a atenção tão concorrida dos usuários, na ambiência das mídias sociais é possível fisgar a atenção ativa e reativa dos públicos de interesse, pois os recursos tecnológicos permitem a reação do consumidor ao se deparar com um conteúdo criativo que lhe desperte interesse. O que diferencia a publicidade das mídias sociais das de massa é a capacidade de cocriar suas narrativas em parceria com os consumidores. Em busca de captar a atenção dos

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Global Digital Future In Focus Brasil 2015 . www.comscore.com

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usuários de Internet, as marcas criam histórias que contemplem a participação de qualquer pessoa interessada em colaborar com a construção do anúncio. Conforme se pôde apurar nesta pesquisa, as marcas que optam em trabalhar numa ambiência dialógica de comunicação estão mais suscetíveis ao engajamento dos consumidores. Outra característica marcante das novas mídias é que a geração de consumidores nascidos numa sociedade já digitalizada apresenta um comportamento mais reativo que seus pais diante dos anúncios das marcas. Eles consideram inadmissíveis anúncios publicitários invasivos e que não permitem a interação do consumidor com a história. As mídias sociais têm um código de conduta ou de postura próprio, necessariamente não escrito, mas planetariamente institucionalizado, e que repudia a truculência, a arrogância, o abuso do poder econômico e o uso de procedimentos do universo off-line com o objetivo de sufocar as vozes divergentes, muitas vezes pela supressão legal de blogs, perfis no Twitter ou Facebook ou de vídeos no YouTube (BUENO, 2015, p.137).

Propagandas enganosas viram motivo de piada entre os usuários das mídias sociais, que não perdoam e fazem questão de redigir duras críticas entre os seus amigos pelas redes sociais ou em blogs. O consumidor das mídias sociais exige transparência das publicidades, que sejam honestas e cumpram com as suas propostas. Não é por acaso que algumas das campanhas publicitárias de maior sucesso direcionadas ao jovem público estão pondo seu conteúdo em sites populares como o Youtube e em redes sociais como o MySpace. Ao invés de serem transmitidas, essas campanhas são lançadas em plataformas de mídia interativa nas quais os usuários assumem um papel ativo na criação, publicação, filtragem, remixagem e distribuição de conteúdo (TAPSCOTT, 2010, p. 243).

As publicidades nas mídias sociais estão se transformando em verdadeiros avatares, levando o consumidor a mergulhar num universo interativo e participativo em que lhe é concedido a liberdade para colaborar com o seu conteúdo e recriar novas histórias a partir da proposta pela marca. Mais do que participar, as marcas buscam atrair a atenção do consumidor para a geração do compartilhamento de seus vídeos e alcance do maior número de pessoas possível. A propagabilidade é uma arma poderosa na divulgação dos conteúdos das marcas e assume um papel importante na publicidade contemporânea. Quando um material é produzido pelas marcas, ele pode não atender à totalidade de seus públicos, todavia os usuários da Internet se veem no direito de alterá-lo para que venham atender às suas necessidades. “Quando o material é propagado, ele é refeito: seja literalmente, ao ser submetido aos vários procedimentos de remixagem e sampleamento, seja figurativamente, por

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meio de sua inserção em conversas em andamento e através de diversas plataformas” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 54). No ambiente das mídias sociais, é possível criar histórias usando as técnicas da transmídia, que permitem ao usuário transitar de um meio a outro, de uma plataforma a outra, levando o consumidor a montar seu próprio roteiro e a inserir-se como personagem desse enredo. A publicidade participativa é uma nova abordagem criativa capaz de aproximar os consumidores para perto da marca levando-o ao engajamento e compartilhamento do conteúdo. Essa nova abordagem evidencia duas notáveis mudanças na postura organizacional, a primeira concerne à mudança de linguagem, que antes se pautava numa comunicação unidirecional e agora é necessário a interação e diálogo com o consumidor. A segunda sustenta a primeira, que, numa tentativa emergencial de manter as pazes com o consumidor, as marcas entram num clima de “supervalorização do consumidor” utilizando discursos convidativos para que ele seja o protagonista ou ator da peça publicitária. Esse reconhecimento repentino deixa o consumidor admirado e curioso por ver se realmente a marca vai cumprir com o anunciado. Após sua aparição, o consumidor sente-se satisfeito e compartilha com a sua rede de amigos para que eles vejam a sua exposição numa peça publicitária. A tentativa de aproximação da marca com os públicos de interesse também é um reflexo do excesso de informações que o mundo moderno passou a absorver com a disponibilização de dados abertos para todos os usuários da Internet. Obter a atenção dos consumidores nessa ambiência, portanto, tornou-se um grande desafio para a publicidade que busca diferenciar-se optando por formas interativas e cada vez mais criativas.

2.3.2- A superabundância de informação e a incomunicação entre interlocutores

Celebra-se a vitória da abundante informação com a chegada da Internet, todavia depara-se com um fato conflitante e que se deve reparar: a incomunicação gerada pelo exagero da informação. Descarta-se muito do que se vê, pois a capacidade cognitiva e temporal humana não caminha na mesma velocidade das tecnologias digitais. As

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organizações também têm sofrido as consequências desse fato e se articulam para produzir discursos que motivem a aproximação do consumidor. A comunicação e a informação sempre caminharam juntas, o objetivo era um só: transmitir conhecimento. Mas a vida da era conectada mostra que essa realidade pode e deve ser questionada. Hoje, “o consumidor recebe mais informações do que pode assimilar ou lembrar” (VAZ, 2011, p. 100), e essa superabundância não gera o efeito desejado do conhecimento. Muito pelo contrário, o excesso causa um processo de rejeição automática no indivíduo que, por não conseguir acompanhar a velocidade das informações e não ter a capacidade cognitiva para absorver tudo, descarta a maioria do que vê e retém somente aquilo que considera relevante. “Os receptores, ou seja, os indivíduos e os povos resistem às informações que os incomodam e querem mostrar os seus modos de ver o mundo. A incomunicação torna-se o horizonte da comunicação obrigando a negociações constantes para que se possa conviver” (WOLTON, 2011, p.15). As tecnologias de informação e comunicação foi uma vitória comemorada por toda humanidade. “Com a sociedade digital e suas ferramentas, o processo de produção e armazenamento de informações foi levado ao extremo” (VAZ, 2011, p. 99). Estima-se que a humanidade produziu nas últimas três décadas mais informações do que nos últimos cinco mil anos. Isso seria uma vitória, se a capacidade cognitiva do ser humano também acompanhasse a velocidade com que se reproduz o imensurável volume de informações que circula pela Internet. Mas isso não acontece, porque o sujeito continua sendo o mesmo, sua capacidade mental não mudou, mas a quantidade de informações que recebe diariamente multiplicou em proporções gigantescas. O excesso de informação tornou-a sem propósitos e sem direcionamento, reduzindo a sua qualidade, a da legítima comunicação. A informação tornou-se uma espécie de lixo, não apenas incapaz de responder às questões humanas mais fundamentais, mas também pouco útil para dar uma direção coerente à solução de problemas mundanos. Para dizer isso de uma outra maneira: o meio em que floresce o tecnopólio é um meio em que foi cortado o elo entre a informação e o propósito humano, isto é, a informação aparece de forma indiscriminada, dirigida a ninguém em particular, em enorme volume e em altas velocidades, e desligada da teoria, sentido ou propósito (POSTMAN, 1994, p. 78).

Além disso, a sociedade também sofreu mudanças significativas na sua estrutura. Os modelos familiares já não são os mesmos de trinta anos atrás, a forma de trabalho mudou, muitas famílias já não se sentam à mesa para fazer as refeições juntas e muito menos se prostram diante de uma tevê para assistir o noticiário do dia ou a novela em horário nobre como o faziam anteriormente. O tempo tornou-se escasso diante de tantas atribuições que o

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mundo pós-moderno foi entregando ao homem. “O ruído dessas tecnologias, tanto no sentido literal como no figurado, pode efetivamente isolar os seres humanos uns dos outros, da natureza, e de nós mesmos. A tecnologia pode criar distância física e emocional, e nos afastam das nossas vidas” (NAISBITT; NAISBITT; PHILIPS, 2006, p. 39). As pessoas estão cada vez mais reduzidas a si mesmas, embora conectadas no mundo virtual; as informações cada vez menos cumprem com o seu papel de comunicar, embora haja abundância de conteúdo disponível a todos. É provável que, diante de tantas mudanças e atribuições, o ser humano descarte boa parte daquilo que vê e absorva somente o que lhe é relevante. “Não há nenhuma novidade nessa constatação: as pessoas consomem conteúdos em função do seu interesse ou motivação, do seu nível de conhecimento, da sua trajetória de vida e de sua formação em particular” (BUENO, 2015. p.133). O que fazer com tanta informação diante da escassez de tempo? O indivíduo encontrase num grande dilema, nunca teve em suas mãos tanta informação, porém não possui o tempo necessário para absorver o conhecimento qualitativo dos fatos. É nesse sentido que Dominique Wolton questiona a comunicação gerada pelo progresso tecnológico que chegou com a proposta de uma comunicação autêntica, mas a realidade mostra que isso ainda não aconteceu. “O progresso técnico é, ao mesmo tempo o melhor e o pior da comunicação. Ele possibilitou sair da comunicação fechada e multiplicar as mensagens e os contatos, mas não aumentou a comunicação proporcionalmente à performance das ferramentas” (WOLTON, 2011, p.23). Isso porque informar não é comunicar. Para o autor, a informação e a comunicação possuem duas facetas contraditórias, mas que caminham juntas. A informação remete à ideia de verdade enquanto a comunicação à de compartilhamento. Para haver a comunicação, o indivíduo precisa de tempo para conviver com o fato e absorver o conhecimento. Pois, se “pensamos que a informação produz sentido, é o oposto que se verifica. A informação devora os seus próprios conteúdos” (BAUDRILLARD, 1991, p.104). A incomunicação gerada pela superabundância de informação tem sido uma problemática a ser enfrentada pelas marcas que dependem da atenção de seus interlocutores para que a sua comunicação obtenha eficácia. “As tecnologias de informação e comunicação têm efetivamente revolucionado a comunicação empresarial, de tal modo que culturas de gestão tradicionais encontram dificuldades para se adaptar aos novos tempos” (BUENO, 2015. p.124). Todos estão embarcados na mesma problemática, organizações tentando reter a

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atenção dos seus públicos de interesse em meio a um turbilhão de informações e, por outro lado, consumidores aprendendo a conviver com a abundância de dados, retendo somente o que lhe é relevante. Vive-se o dilema do excesso, “uma maior quantidade de dados sobre um assunto nos dá maior segurança para o processo decisório. No entanto, quanto mais informações, maiores também são nossa impotência e nosso desalento diante da abundância a ser verificada criteriosamente” (VAZ, 2011, p. 104). O fato é que o sujeito contemporâneo não possui o tempo necessário para a verificação criteriosa que exige a comunicação eficaz, pois estão mergulhados nos acontecimentos instantâneos e descartáveis, promovidos pelo excesso de atividades que as tecnologias impuseram aos seus usuários. O uso excessivo das tecnologias e a superabundância das informações levou a humanidade ao ponto de buscar a “humanização das relações”. Nunca se falou tanto em humanizar as relações como nos últimos anos. Há um discurso que paira sobre todas as instituições que apregoam o retorno ao simples, ao manual, ao orgânico, ao reciclável, ao presencial, ao tête-à-tête etc. Não é por acaso que a prática do consumidor evangelista tem ganhado forças nos últimos tempos, as pessoas confiam mais em alguém como elas para tomar suas decisões, pois há um excesso de informações circundantes que, ao invés de favorecer os processos decisórios, acabam por gerar mais incerteza na mente das pessoas. As organizações precisam entender que o excesso de informação gerado por suas marcas nas mídias sociais não irão favorecê-las, muito pelo contrário, “o objetivo não é apenas ‘empurrar informações’, mas estar disposto a dialogar com os usuários, a partir de pautas e agendas por eles definidas, de tal modo que a perspectiva vertical e unilateral (que não configura efetivamente uma comunicação autêntica) é superada” (BUENO, 2015, p.129). As marcas que buscam a humanização das relações não estão enfocadas em gerar volume de informações nas mídias sociais, mas sim de criar uma comunicação direta e eficaz com seus públicos de interesse. A humanização das relações entre marcas e consumidores prevê uma aproximação com seus públicos e o excesso de informação afasta cada vez mais o consumidor da marca. A humanização das relações pressupõe ouvir o que o outro tem a dizer, exige tempo para absorver o seu conteúdo e respostas imediatas às suas indagações. Quando não há silêncio, não há espaço para o pensamento. Ficamos tão acostumados ao ruído que deixamos de ouvi-lo. Num mundo que bipa, trina, brilha, não é de admirar que 77 milhões de pessoas nascidas no período que se seguiu aos últimos anos da Segunda Guerra Mundial (os baby boomers) esteja à procura de um sentido para a vida (NAISBITT; NAISBITT; PHILIPS, 2006, p. 38).

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A ansiedade por experimentar todas as novidades proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação conduz a um estado de escassez de tempo e comunicação. O desafio agora é o de humanizar as relações, reparar os ruídos causados pelo uso excessivo das tecnologias. É preciso uma reavaliação residual desses prejuízos. A humanização das relações começa por entender que o excesso não pode promover a qualidade que se espera. É necessário promover a utilização consciente das mídias sociais, produzir informações com propósitos de comunicar e não informações soltas e sem destinatários. Ocorre que algumas marcas perceberam nesse discurso de humanização uma oportunidade para se aproximar dos consumidores. As análises subsequentes vão mostrar que as organizações sempre mantiveram uma postura aristocrática e nunca se preocuparam com o que de fato os seus públicos se importavam. Nessa nova configuração, elas mudam seus discursos assumindo o papel de uma empresa responsável e tão humana quanto os seus públicos. Com esse formato, elas conseguem atrair atenção para as lindas narrativas que são contadas, quando na verdade o seu interesse é unicamente de cunho comercial. Se as relações precisam ser humanizadas, é porque alguma coisa fez com que elas perdessem a característica humana. O processo de industrialização e a mecanização das atividades que, antes eram feitos por seres humanos, e hoje são feitos por máquinas, não foi o principal motivador da desumanização das relações, mas a competitividade econômica e a lucratividade em larga escala fez com que as pessoas, e principalmente as organizações, dessem ênfase aos números e esquecessem as relações sociais. Com a chegada das novas mídias, as pessoas perceberam a liberdade na palma da mão, o poder de se relacionar com o outro numa esfera ampla de comunicação, sem supostos intermediários e sem o controle declarado da sua movimentação no ambiente digital. Claro que isso não é uma verdade, pois, ao tornar-se participante de uma mídia social, todos os atos do sujeito são observados pela organização detentora da marca. A humanização, portanto, não passa de uma tentativa de aproximação com os públicos, mas na intenção de utilizá-los como um agente propagandístico da marca, ou seja, alguém que trabalha gratuitamente a fim de que o maior número de pessoas possível tenha acesso ao conteúdo publicado e o tão sonhado lucro venha como consequência dessas ações.

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CAPÍTULO III – O IMPACTO DA CULTURA DE PARTICIPAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES Com uma cultura participativa em plena ebulição e consumidores assumindo uma posição mais julgadora na sociedade, as organizações foram fortemente afetadas no sentido de ter que mudar não somente a sua cultura interna como também se adaptar à nova linguagem dialógica imposta pelas novas mídias a seus participantes. Este capítulo buscou apurar que, antes do discurso humanista, as organizações pouco se importavam com a opinião de seus públicos de interesse: funcionários, fornecedores e consumidores. Sempre mantiveram uma posição imperativa ante a sociedade. Por conta disso, as relações enfraqueceram-se e o estereótipo que paira na sociedade contemporânea é o de que todo discurso organizacional vem intencionado em obtenção de lucro. A publicidade tradicional é vista com certa descrença pelas pessoas que sabem que por trás do discurso da marca há uma intenção implícita de que ele compre o produto anunciado. De acordo com isso, as pessoas tendem a confiar mais na opinião de alguém como ela do que nos discursos advindos das instituições.

3.1- As organizações no ambiente das mídias sociais As mídias sociais determinaram um novo modelo comunicativo para as organizações que, apesar de resistir à outorga de poder aos consumidores, não tiveram outra saída a não ser integrar-se à cultura participativa e readequar a comunicação unidirecional praticada durante toda uma existência para uma comunicação dialógica e interativa. As ideias de Bakhtin sobre o homem são marcadas pelo princípio dialógico, conforme relata Brait (2014, p.515): “Desde os primeiros escritos, o sujeito é considerado em sua dimensão histórica e social, definido na relação com os outros, quer sejam reais, imaginários, personificados, definidos ou indefinidos. O dialogismo, ou seja, a relação eu/outro, constitui o ser humano”. Fiorin (2008, p. 154), ao abordar as questões discursivas da linguagem, diz que “é preciso considerar que o enunciatário não é um ser passivo, que apenas recebe as informações produzidas pelo enunciador, mas é um produtor do discurso, que constrói, interpreta, avalia, compartilha ou rejeita significações”. Analisando as relações das organizações com seus consumidores com base nesses dois pontos de vista, constata-se que a linguagem

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unidirecional cultivada até então foi um erro que marcou uma era não só dos meios de comunicação de massa, mas também da hierarquização de poder nas organizações e que ainda insiste em permanecer nos dias atuais, após o fenômeno das mídias sociais. Desde a revolução industrial e a expansão dos meios de comunicação no século XIX até pouco tempo atrás, a cultura das organizações pautava-se no regime aristocrático. Ou seja, o poder de decisão era privilégio de poucos, os subordinados não interferiam nas tomadas de decisões. O jargão conhecido “manda quem pode, obedece quem tem juízo” provém dessa cultura impositiva que punia os funcionários que não respeitavam as normas de convivência das organizações. Essa mesma postura refletia-se no mercado consumidor, que apenas consumia seus produtos sem poder questionar quando algo não atendia às expectativas. Em caso de reclamações, os únicos recursos disponíveis ficavam por conta do serviço de atendimento ao consumidor da própria organização ou do Serviço de Proteção ao Consumidor (Procon). Porém, muitas das queixas não eram atendidas pelas organizações, deixando o consumidor frustrado. Para completar o constrangimento, as propagandas eram carregadas de promessas que nem sempre foram cumpridas. Toda essa indiferença gerou um consumidor descrente das propostas organizacionais. As mídias sociais trouxeram um fôlego de esperança para as pessoas que, ao ter contato com elas, ganharam voz e acesso a um mundo de informações e conhecimentos, antes somente sob o domínio de poucos. Com a chegada das mídias sociais, o consumidor rapidamente se apoderou do novo meio e passou a usufruir dos seus abundantes benefícios, inclusive o de torná-lo um canal coletivo de reclamações. Por outro lado, as organizações resistiram ao máximo que puderam à presença das novas mídias, ignorando as suas potencialidades, receosas da perda de controle sobre os seus públicos. Os consumidores foram ganhando forças nas plataformas digitais, organizando-se em comunidades, criando blogs, elaborando resenhas favoráveis ou desfavoráveis às marcas, produzindo vídeos e publicando no YouTube etc. Num breve espaço de tempo, as redes sociais foram povoadas por uma multidão de consumidores ávidos pelas inúmeras possibilidades de interação que as novas mídias lhes proporcionaram. Enquanto isso, muitas organizações continuaram adormecidas, porque para elas, “a ideia de permitir que seu público defina as direções ou os tópicos das discussões é assustadora o bastante para fazer com que algumas delas questionem se, de fato, desejam se envolver plenamente com as mídias sociais” (BARGER, 2013, p. 8). A maioria delas optou em criar perfis somente para constar que estavam presentes nas mídias sociais, porém não interagiam

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com os usuários, mantendo a mesma linguagem unidirecional dos meios de comunicação de massa. Essa postura desagradou a muitos usuários que tentavam dialogar com organizações mudas no ambiente digital. E essa, sem dúvida, é uma atitude repudiada pelos usuários das mídias sociais que rotulam as marcas que agem assim, como arrogantes; portanto, não dignas de sua admiração. As organizações perderam o controle que acreditavam ter sobre os consumidores, “a perda de controle pode ser compreendida como a consequência direta da crescente autonomia do sujeito pós-moderno, como a mutabilidade, a fluidez, a desregularização e a evidente anomia vivenciada por esse sujeito” (GALINDO, 2013, p.53). A perda do suposto controle, no entanto, estava atrelada à falta de recursos dos meios de comunicação de massa, que mantinham um alto custo para a veiculação de mensagens, dificultando o acesso da grande massa na sua utilização. Somente organizações muito ricas é que tinham a chance de divulgar as suas marcas e serviços. Essa foi uma diferença marcante entre as mídias de massa para as novas mídias: o livre acesso à recepção e ao envio de informações por qualquer pessoa com baixo custo, quando comparado às mídias tradicionais. Seis anos após a chegada das mídias sociais, a Deloitte22 apresentou em 2010 uma pesquisa realizada com 302 empresas atuantes no país, e 70% delas monitoravam as redes sociais na época para ver o que os consumidores falavam a respeito delas, 83% utilizavam as mídias sociais para divulgar ações de marketing, o suporte ao cliente aparece na quarta posição no ranking das iniciativas mais exploradas pelas empresas, com 43%, e o desenvolvimento de produtos por meio da colaboração aparece em último lugar, com 17%. Observa-se que nem o diálogo e nem a colaboração estavam nos planos das organizações, porque essas questões não correspondiam aos seus interesses voltados para a lucratividade. A emancipação do consumidor proporcionada pelas novas mídias alterou toda a extensão da cultura, refletindo inclusive na relação das organizações com seus funcionários, que não se submetem mais a regimes autoritários. A nova geração de funcionários valoriza o aprendizado contínuo, a confiança e a flexibilidade, eles querem participar das decisões estratégicas das organizações e não se importam com estabilidade de carreira. Na nova cultura participativa, o empregado não se vê como um ativo fixo das organizações, eles se consideram autônomos e vão para onde lhes oferecem alternativas de trabalhos recompensadores. Para Bueno, essa nova geração de funcionários exige flexibilidade em

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Empresa de consultoria apresentou um relatório sobre mídias sociais nas empresas, o relacionamento online com o mercado. Fonte: http://www.deloitte.com

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todos os sentidos, até mesmo em relação a horário de trabalho e prazo para entrega de projetos. Tem um conceito muito particular de lealdade – mais aos chefes (de que gostam, é claro) e aos amigos de trabalho do que propriamente às empresas que os empregam. Na prática, só respeitam quem os respeita e exigem sempre justificativa para as ordens que recebem, relutando em executar algo no qual não acreditam ou com que não concordam. Para mantê-los motivados no trabalho, é preciso efetivamente conquistá-los e eles estão abertos para isso porque, fundamentalmente, gostam de fazer amizades (BUENO, 2013, p.64).

Adequar-se à cultura participativa, portanto, tornou-se um desafio bastante penoso para as organizações, principalmente para aquelas que mantinham um regime autoritário e controlador sobre os seus públicos de interesse, que incluem funcionários, fornecedores e consumidores. Não há saída para essas organizações. Se não buscarem o diálogo com os seus públicos estarão fadadas ao insucesso. O primeiro passo da mudança a ser considerado é que, antes de se adequar às mídias sociais, é preciso voltar-se para a sua cultura interna e levantar os pontos que estão defasados em relação à cultura de participação. Fechar todas as lacunas que existem e que podem virar alvo de críticas nas mídias sociais. O segundo passo é criar estratégias de comunicação que contemplem a interação com os públicos das novas mídias. “As estratégias de comunicação dizem respeito a um conjunto de ações de comunicação planejadas que visam atender a determinados objetivos e que, se bem formuladas, implicam metas, ou seja, definem resultados concretos a serem perseguidos” (BUENO, 2015, p.125). E, por último, estando com a casa alinhada, estratégias estabelecidas e uma mentalidade aberta para receber os feedbacks mesmo sendo negativos no que tange à marca, daí sim as organizações poderão atuar nas mídias sociais. As novas mídias alteraram o conceito de transparência praticado pelas organizações por longos anos e que não condiziam com a realidade. Os discursos de antes, cujas promessas não eram cumpridas, são repudiados pelos consumidores das mídias sociais. Para atuar na ambiência digital, os discursos precisam estar de acordo com a realidade da empresa em todos os sentidos: na comunicação interna, pois os funcionários e fornecedores também são usuários das mídias sociais e manifestam suas opiniões na rede; nas práticas produtivas, pois um produto que não é manufaturado de forma ética também é duramente criticado; no relacionamento com os consumidores, que não aceitam mais uma postura autoritária e enganosa das organizações. Atuar nas novas mídias implica, acima de tudo, ser ou parecer verdadeiramente transparente.

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As organizações que decidiram adequar-se à realidade do mercado precisam também entender a linguagem colaborativa do ambiente digital, que é muito diferente da praticada pelas mídias de massa e exclui todo tipo de tentativa de controle, ou que, pelo menos não transpareça ser. As mídias sociais privilegiam o diálogo entre interlocutores, linguagem intrínseca do ser humano, e que foi por muito tempo ignorado pelas organizações. A ideia que permeia o ambiente das mídias sociais é a de que “estamos nos tornando a economia de nós mesmos – uma vasta rede global de produtores especializados que permutam e trocam serviços por entretenimento, sustento e aprendizado. Está surgindo uma nova democracia econômica, na qual todos somos protagonistas” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.26). Ou seja, a economia é de todos, não é privilégio de alguns como na configuração da mídia de massa em que poucos mantinham o controle sobre a comunicação. A linguagem desse ambiente prevê a ação e reação dos usuários constantemente e o diálogo entra como peça fundamental para que haja a comunicação. Esse novo habitar da comunicação exige mudanças complexas e desafiadoras na cultura das organizações e conta com alteração na forma de relacionar-se com seus funcionários, com os fornecedores e com os consumidores; presume ainda uma postura cada vez mais ética e transparente na sua relação com o mercado e também a inovação constante para acompanhar as novas tendências proporcionadas pelo avanço tecnológico. Por conseguinte, estar nas mídias sociais requer uma atenção maior do que pensavam as empresas que se aventuraram em mergulhar na rede sem o devido planejamento. Como mencionado anteriormente, é preciso rever a cultura interna e elaborar um planejamento que envolva todas as cadeias da organização, realinhando a comunicação com os públicos de interesse e só por último introduzir-se nas mídias sociais com uma linguagem dialógica adequada para os seus usuários e que gere valor para a marca a longo prazo. Algumas organizações já deram sinais de que estão dispostas a buscar um clima de harmonia e aproximação com o consumidor. Nos últimos anos, percebeu-se um crescimento de narrativas publicitárias carregadas de discursos de supervalorização do consumidor. O consumidor hoje vive em uma monarquia absolutista em que o rei é ele, e isso já não é novidade. Empresas de todo o mundo trabalham no sentido de atender o consumidor da melhor maneira possível em um marketing one-to-one, que, até poucos anos atrás, fazia parte do imaginário da ficção científica dos negócios (VAZ, 2011, p.102).

Tal postura significa que as organizações já compreenderam que está na hora de reverter a imagem negativa que foi gerada durante tanto tempo na mente dos consumidores. O

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objetivo é passar a ideia de uma organização humana, próxima do consumidor, alinhada aos mesmos anseios e experiências de vida. Esse discurso humanista, no entanto, não deixa de ser uma tentativa implícita de controle sobre os consumidores para influenciá-los a confiarem na marca a ponto de gerarem discursos favoráveis a ela pelas mídias sociais. Todavia o controle dessa nova geração não se dá pelos meios de comunicação como na era anterior, ele se trava no ambiente da mente. É trazendo o consumidor para próximo da marca, convidando-o à participação e interação que a confiança vai sendo restaurada. Vender, atualmente, é um processo construtivista em que você faz com que o consumidor construa a marca e a necessidade do seu produto na mente dele, sozinho. É como um processo terapêutico em que a indução e o esclarecimento são muito mais intensos e decisivos do que o convencimento pela insistência (VAZ, 2011, p.138).

No ambiente das mídias sociais, “os produtos que não permitem e nem convidam os clientes a participar serão um anátema – restos acomodados e antiquados de uma era menos propícia ao cliente” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.185). Ações positivas podem surgir quando a marca ganha aceitação do público. Pensando nisso, as organizações inteligentes estão apressadas em construir um bom relacionamento com seus públicos de interesse e atraílos para perto da marca, num clima participativo. As regras de convivência entre organizações e consumidores ainda estão sendo estabelecidas. Empresas midiáticas estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo midiático pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores (JENKINS, 2008, p.44).

Esse aprendizado é positivo no sentido de que a transparência nas relações é um item indispensável e obrigatório. Aquela postura conservadora e manipuladora de antes não cabe nesse novo cenário. Aqui, as relações precisam acontecer numa perspectiva bilateral, o fluxo de informações vai e vem e não é mais de um para muitos e sim de muitos para muitos. “O fato é que a interação de mão dupla demandada pelos públicos alcançados por meio de mídias sociais é simplesmente fundamental para o sucesso de longo prazo em qualquer empresa” (BARGER, 2013, p. 44). As organizações que ainda insistem em não se envolver com as mídias sociais correm o risco de fracassar em seus negócios num futuro bem próximo, pois, como já observado aqui, a tendência é de crescimento.

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É certo que as tecnologias de informação e comunicação forçaram um reposicionamento cultural por parte das organizações que desejam manter-se competitivas no mercado consumidor. Optar por uma comunicação dialógica e participativa é a escolha assertiva para quem está inserido na nova configuração da sociedade em rede, uma vez que os consumidores têm demonstrado uma declinante aceitação às mídias tradicionais. É preciso conhecer as regras que compõem essa teia de relacionamentos e como se constituem as relações para alcançar êxito diante dos públicos de interesse. Não se trata de estar nas mídias sociais, e sim como fazer o melhor uso das tecnologias proporcionadas por ela. Empresas inteligentes que saíram na frente e ousaram experimentar o poder da colaboração de massa nas suas estratégias confessam que essa foi uma decisão arriscada, mas que lhes trouxe excelentes benefícios. É preciso ir além dos muros da empresa e escutar o que o consumidor tem a acrescentar para os negócios. É necessário romper com as velhas maneiras de se pensar marketing e inserir as mídias sociais no seu planejamento estratégico. Toda decisão estratégica da organização deve estar pautada no princípio da participação e isso muda toda a cultura que era praticada até então.

3.1.2 – A busca pela liberdade: do humanismo ao tecnocentrismo

No capítulo anterior, foi analisado que o nível de confiança das organizações tem caído a cada ano, conforme dados do Barômetro de Confiança do Instituto Edelman: “No mundo, os CEOs (43%) e os representantes governamentais (38%) continuam sendo as fontes de menor credibilidade, ficando muito atrás dos especialistas acadêmicos e da indústria (70%) e de uma “pessoa como você” (63%)” (EDELMAN TRUST BAROMETER, 2015) 23. Essa constatação tem levado as organizações a uma reconsideração das suas práticas estabelecidas por tanto tempo. Há uma atmosfera de ceticismo que paira sobre as pessoas em relação a todas as instituições existentes, seja política, religiosa ou organizacional. O homem da pósmodernidade tornou-se um ser individualista e descrente das propostas advindas de qualquer autoridade. O sujeito da atualidade faz jus ao termo que o classifica como um ser individual e tendencioso a pensar ou fazer coisas que proporcione prazer único e exclusivo para si. Essa 23

http://www.edelman.com.br/propriedades/trust-barometer/

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característica do ser humano de olhar para si como o centro do universo também não é algo novo, fruto das condições da atual sociedade em que vivemos, mas é uma tentativa de busca que vem sendo apresentada na história desde o movimento intelectual humanista difundido na Europa, no século XIV, em que o teocentrismo (Deus como centro de tudo) cede lugar ao antropocentrismo, passando o homem a ser o centro de interesse. Dentre as principais características da filosofia humanista, destaca-se a valorização do ser humano e das suas emoções, que começaram a ser mais priorizadas pelos artistas. A burguesia também surgiu nesse período e posteriormente se consolidou com outro movimento mais expressivo, o Iluminismo. O Iluminismo foi outro movimento intelectual da Europa, no século XVIII, e teve grande influência no campo social, cultural, político e religioso. Os temas giravam em torno da liberdade e progresso do homem, que vivia sob o regime feudal, dominado pela igreja e monarquia. A burguesia, liderando camponeses e operários, lançou-se contra a nobreza e o clero e assumiram a direção do movimento que pôs fim às práticas feudais existentes naquele período. O objetivo principal dos filósofos do Iluminismo era a busca pela felicidade humana. Eles rejeitavam a injustiça, a intolerância religiosa e os privilégios, prometendo livrar as pessoas das trevas e trazer a luz por meio do conhecimento. Esses movimentos foram os pontos de partida para a era industrial, e as organizações passaram a ter um papel dominante sobre a sociedade, substituindo o trabalho artesanal para o trabalho com o uso de máquinas e a mão de obra assalariada. Mas, diferentemente do que pensavam os adeptos do movimento iluminista, as pessoas não alcançaram a tão sonhada liberdade, tão somente o poder só foi transferido da igreja para a burguesia e desta para as organizações. As organizações estabeleceram-se sustentadas pelo sonho da humanidade em achar que a empregabilidade e os salários lhes fossem trazer a tão sonhada autonomia. Mas, por muito tempo, as organizações mantiveram um regime aristocrata sobre os seus funcionários, impondo regras de conduta e regimes muitas vezes abusivos, como, por exemplo, carga horária de trabalho excessiva, baixos salários, condições desconfortáveis e inseguras de trabalho etc., o que favoreceu o surgimento de outros movimentos sindicalistas que lutavam a favor dos direitos do trabalhador. Embora muitos benefícios fossem sendo concedidos aos trabalhadores, ao longo dos séculos XIX e XX as organizações sempre mantiveram um papel dominante como nas eras anteriores.

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O crescimento das tecnologias de informação e comunicação, no início do século XXI, contribuiu para o surgimento de outro movimento revolucionário da história da caomunicação na esfera global, trata-se do tecnocentrismo. A visão dos tecnocentristas coloca a tecnologia como o centro de reflexão e nela polariza, positiva ou negativamente, as principais questões da sociedade, do seu desenvolvimento e das relações humanas. Ao comparar-se a era atual com os movimentos anteriores, nota-se que este último, o tecnocentrismo, chegou com a mesma proposta dos demais: liberdade e emancipação do sujeito. Nos séculos antecedentes, a humanidade viveu o teocentrismo (Deus era o centro do universo), o antropocentrismo (o homem passou a ser o centro) e atualmente presenciamos o tecnocentrismo em que as tecnologias se tornaram o centro do universo. Talvez o fascínio pelas novas mídias se explique pelo fato de as pessoas verdadeiramente sentirem que alcançaram a tão sonhada emancipação, diversamente dos demais movimentos, que sempre foram promovidos pela classe dominante e as promessas de liberdade nunca foram cumpridas. Dominique Wolton é pessimista em relação à ideologia que coloca a tecnologia como o centro da vida. Para ele, a ideologia tecnicista: é aplicável à informação e à comunicação, que estão no centro da experiência humana e do funcionamento das nossas sociedades. Não se trata, portanto, de uma ideologia “periférica”, mas de algo que está no centro da modernidade junto com o modelo da liberdade individual e a busca de novas relações sociais. Compreende-se assim o sucesso da ideologia tecnicista, muitas vezes identificada como “um novo humanismo” (WOLTON, 2011, p. 44-45).

Por isso que com a chegada da Internet as pessoas ficaram deslumbradas pelos recursos proporcionados por ela e também pela oportunidade palpável da liberdade. Diferentemente das propostas anteriores, a tecnologia digital surgiu com promessas de soluções fáceis e acessíveis a qualquer um, embora saibamos que mais da metade da população ainda não tem acesso à Internet. As propostas são muitas e fascinam qualquer pessoa, conforme se vê na sequência: Ela promete nos tornar melhores, mais espertos e inteligentes, aumentar o nosso desempenho e nos fazer mais felizes. Promete ser mais rápida, mais barata e mais fácil do que tudo o que já apareceu antes. A tecnologia jura que oferece segurança, estabilidade, privacidade e controle, ao mesmo tempo que traz paz à nossa mente e nos mantém livres de preocupações. A tecnologia promete nos conectar com o mundo todo e nos manter próximos dos nossos amigos e da nossa família (NAISBITT; NAISBITT; PHILIPS, 2006, p. 18).

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Ela chegou e fascinou uma multidão de pessoas que se renderam ao devaneio da vida conectada sem se preocupar com as consequências do seu uso exacerbado. Dominique Wolton explica os possíveis motivos de tanta sedução que a Internet proporcionou aos indivíduos: O reino do indivíduo e a vitória da informação que se vai buscar onde se quer e quando se quer. E a sensação de ser inteligente, competente, conectado, capaz de circular sem precisar de autorização. Numa palavra, ter confiança em si. Tudo isso é verdade. Com a Internet, se tem a impressão de sair das instituições e das suas limitações (WOLTON, 2009, p.36).

Não se pode negar que as tecnologias digitais trouxeram muitos benefícios para a humanidade, como o acesso a informações que antes eram privilégio de poucos, a interatividade com muitas pessoas ao mesmo tempo, a emancipação do consumidor, a sensação de liberdade, entre outras. Mas não podemos deixar de também observar que as tecnologias digitais “alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. Alteram o caráter de nossos símbolos: as coisas com que pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual os pensamentos se desenvolvem,” fenômeno nomeado por Postman (1994, p. 29), como tecnopólio. Juntamente com os inúmeros benefícios, questionam-se também as possíveis consequências que impactarão no futuro próximo de uma sociedade dominada pelas tecnologias. A comunicação já experimenta os resultados da superabundância da informação nas relações humanas. O que se investiga não são somente os benefícios que as tecnologias trouxeram para a vida das pessoas, mas também o que se está fazendo com elas? Não se pode perder de mente que as tecnologias são os “meios” para se obter o que se deseja, ela não pode e não deve substituir o papel do homem na sociedade. Postman que é um dos otimistas das tecnologias, nos alerta de que a maioria dos favoráveis à ideologia tecnicista oculta a função do ser humano na sua criação, e com isso tentam fazer emergir um novo tipo de humanismo mediado pelas tecnologias capaz de solucionar todos os problemas da humanidade. As relações com as tecnologias digitais transparecem um novo humanismo e a sensação de liberdade promovida pela sua utilização fascina cada vez mais as pessoas. Entretanto, traz também uma inquietação sobre “para quem a tecnologia dará maior poder e liberdade? E o poder e a liberdade de quem serão reduzidos por ela?” (POSTMAN, 1994, p. 21). É de consenso que as relações entre pessoas tiveram seu caráter simbólico alterado: os encontros passaram a ser mais virtuais do que presenciais, e os amigos passaram a ser um

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aglomerado de pessoas conectadas nas redes sociais digitais. Embora a promessa das tecnologias de informação e comunicação fosse de liberdade, há uma dependência resultante nos usuários das mídias sociais que os colocam numa posição de servidão semelhante à anterior; porém, não mais submissos somente à burguesia ou às organizações, mas também aos aparatos tecnológicos. Uma imagem pública comum da sociedade conectada é de pessoas curvadas sobre os seus smartphones, deslizando os seus dedos sobre telas touchscreen, seja num estabelecimento comercial, numa roda de amigos, numa festa, num cinema etc. Pessoas de toda parte conectadas e interagindo umas com as outras, mas no ambiente digital. “Interatividade, palavra mágica que simboliza uma mistura de liberdade e de inteligência. A dependência é tanta que liberdade passa a ser estar multiconectado” (WOLTON, 2009, p.32). As novas tecnologias alteram o que se entende por conhecimento e verdade, “elas alteram hábitos de pensamento profundamente enraizados, que dão a uma cultura seu senso de como é o mundo – um senso do que é a ordem natural das coisas, do que é sensato, do que é necessário, do que inevitável, do que é real” (POSTMAN, 1994, p. 21-22). Na era conectada, as pessoas estão cada vez mais longe uma das outras e cada vez mais próximas virtualmente. Como apontado no início deste capítulo, as relações deste século estão distantes e cada vez mais frias, principalmente quando se trata das instituições. As pessoas confiam cada vez menos nos líderes das instituições. O campo religioso é colocado em questão, os políticos têm suas práticas fraudulentas cada vez mais escancaradas ao público, e as marcas que não têm postura ética são desmascaradas nas mídias sociais por um público cada vez mais exigente e barulhento. Por isso, tanto se fala em humanização das relações, tendo em vista que o avanço tecnológico afasta cada vez mais as pessoas das instituições. Diante de uma sociedade descrente e cada vez mais tecnocêntrica, algumas organizações procuram com urgência revisar a sua conduta perante a sociedade, promovendo um realinhamento nas estruturas interna e externa e na comunicação com os públicos de interesse. O objetivo é atrair mais uma vez a atenção dos consumidores para junto da marca, diminuindo assim a sua insatisfação e descrença quanto à transparência e credibilidade das organizações. Assim como na época do movimento humanista, o indivíduo da atualidade continua a sua busca pela valorização humana e pela liberdade das instituições que tentam oprimir seus direitos e conhecimentos. As tecnologias trouxeram uma promessa de tempos melhores para as relações sociais, no ambiente digital “os internautas buscam, antes de tudo, outras relações

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humanas e novas solidariedades. Mais do que nunca, o horizonte é o outro” (WOLTON, 2009, p.38). Não podemos afirmar que as relações mediadas pelas tecnologias serão melhores que as anteriores, e que com efeito o indivíduo vai alcançar a tão sonhada liberdade. Há também problematizações que acompanham o movimento digital e que só serão resolvidas com o amadurecimento das novas mídias. Bauman acredita que a elogiada interatividade das novas mídias é um grande exagero, pois a Internet não é para qualquer pessoa, para ele “mesmo aqueles que têm acesso são autorizados a fazer opções dentro do quadro estabelecido pelos provedores, que os convidam a ‘gastar tempo e dinheiro escolhendo entre os inúmeros pacotes que eles oferecem’” (BAUMAN, 1999, p. 52). Ao fazer parte de uma mídia social, o usuário precisa tornar disponível os seus dados pessoais como moeda de troca e todos os seus passos são observados pelos detentores das redes, pelas organizações e pelos membros das comunidades virtuais. É por isso que Bauman questiona de qual liberdade se está tratando quando se colocam as tecnologias digitais como o centro da vida humana. Embora as organizações propaguem discursos de humanização para se aproximar do emancipado consumidor, elas o fazem numa tentativa conservadora de domínio sobre as massas, como sempre o fizeram. Sucede que dessa vez há um embate de consumidores céticos e que possuem o poder da comunicação em suas mãos, a tão sonhada liberdade. Se o poder ainda está nas mãos das organizações ou se efetivamente já passou para os consumidores, ainda é questionado, o certo é que as marcas já perceberam o impacto da emancipação proporcionada pelas novas mídias. As relações entre organizações e consumidores estão cada vez mais enfraquecidas e a tendência dos próximos anos é de as empresas tentarem recuperar a reputação perdida. São frequentes discursos de humanização emitidos por toda parte em busca de aproximação das pessoas com as instituições. Buscar a reconciliação com seus públicos, portanto, é uma tentativa de neutralizar as críticas na esfera pública para diminuir assim a incidência de crises geradas por usuários de mídias sociais. Dessa forma, as relações que por mais de um século foram suprimidas pelas organizações, de uma hora para outra passaram a ter prioridade em seus discursos que valorizam e enaltecem o consumidor, colocando-o num lugar privilegiado nas suas estratégias, o de celebridade.

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3.1.3- O discurso da humanização como estratégia de aproximação

Antes de se aprofundar neste tópico, faz-se necessário a definição do que é o discurso de humanização empregado como estratégia de aproximação entre marcas e consumidores. Por muito tempo, as barreiras da comunicação unidirecional da cultura de massa impediram as pessoas de relacionar-se com as organizações. Para o consumidor, as empresas sempre ocuparam a posição da classe dominante, as donas do poder, bem distante da sua insignificância de um simples consumidor. Dialogar diretamente com a pessoa do consumidor nunca esteve nos planos das organizações que utilizavam a publicidade para emitir mensagens persuasivas aos seus públicos. Com a chegada das mídias sociais, findaram-se as barreiras que impediam a comunicação direta entre as instituições e os seus públicos. O livre acesso às novas mídias abriram as portas para uma nova cultura comunicacional, a cultura da participação em que a colaboração de cada pessoa é que torna o ambiente instigante. Embora a cultura participativa seja inclusiva e preveja a participação de todas as instituições da sociedade, consumidores ainda se mantêm distantes e com desconfiança das organizações. A humanização das relações vem justamente como uma estratégia de aproximação dos consumidores com as organizações. A marca submete-se ao mesmo patamar que o consumidor, coloca-se na mesma instância e com a mesma linguagem deles e convida-os ao diálogo para ser reconhecida pelos consumidores como alguém igual a eles. Aproximar-se dos seus públicos na contemporaneidade é uma forma estratégica que organizações encontraram para não perder o controle da situação. Na verdade, os discursos externam a humanização quando ela se faz passar por alguém igual a eles, mas a intenção implícita é a de continuarem dominando as massas. Para analisar o discurso de humanização das relações entre organização e consumidores aplicado nas publicidades em vídeo das mídias sociais, utilizou-se a Análise do Discurso (AD), de linha francesa, que permite transitar entre os dois extremos do texto e contexto e examinar a linguagem empregada nas publicidades e os silêncios resultantes da sua mensagem “Isso por sua vez, exige uma consciência aprimorada das tendências e contextos sociais, políticos e culturais aos quais os textos se referem” (GILL, 2002, p. 255). Em que se atenta não somente para a mensagem do enunciador como também busca entender aquilo que não é dito, mas que está inserido na sua fala.

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Fazer as pazes com o consumidor parece ser uma boa intenção de diversas marcas atuantes nas mídias sociais, segundo aponta esta pesquisa que apurou 40 marcas que investem numa comunicação dialógica na ambiência digital e que contemplam a participação dos consumidores nas suas narrativas. Apuraram-se 71 campanhas com um total de 170 vídeos publicitários divulgados nas mídias sociais YouTube e Facebook que utilizaram o discurso de humanização como estratégia de aproximação com os consumidores. As marcas levantadas nesta pesquisa foram as seguintes: Açúcar União, Billboard, Bradesco, Budweiser, Burger King, Cacau Show, Café Pelé, Carefree Absorventes, C&A, Chevrolet Brasil, Confort, CocaCola, Doralgina, Dove, Fiat Uno, Fundação Sos Mata Atlântica, Friboi, Gol, Guaraná Antarctica, Heineken, Ibm, Itaú, Johnson's Baby, Johnson & Johnson, Klin, Knorr, Marisa, Mcdonalds, Miorrelax, Natura, Natura + Gol, Nissan, O Boticário, Perdigão, Pfizer Brasil, Skol, Tam, Tena, The Fifties + Kibon, Volkswagen. Os vídeos foram classificados em conformidade com a estratégia aplicada pelas marcas, que se dividiram em 11 grupos: experiências reais, homenagem a pessoas anônimas, histórias da vida real, cocriação na publicidade, convite à participação (mobilização social), entrevistas com pessoas anônimas, famosos da Internet, linguagem conexão, ação com aplicativo de celular, concurso cultural, ação gerada num local público e trazida para as redes sociais. A pesquisa tinha em mente rastrear todos os casos postados nos últimos cinco anos, mas percebeu-se uma maior incidência dos vídeos nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa. Como já referido, o relatório Global Digital Future In Focus Brasil 2015 da ComScore24 apurou que o ano de 2015 marcará o crescimento das publicidades em vídeo na Internet, e o reflexo dessa afirmativa se confirmará nesta pesquisa em que as publicidades em vídeo aparecem timidamente em 2013 e 2014, e ganham força em 2015, em que se vê na figura 2 do primeiro capítulo. Quanto a outro relatório divulgado em fevereiro de 2015, que avaliou o tráfico de vídeos nas mídias sociais, o Cisco Visual Networking Index25 prevê que no Brasil o tráfico de dados móveis na Internet aumentará em 19 vezes até 2016. Isso vai ocorrer devido a um aumento projetado no número de dispositivos móveis conectados à Internet, que excederá o número da população do planeta.

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Global Digital Future In Focus Brasil 2015 - www.comscore.com Cisco Visual Networking Index (VNI) Global Mobile Data Traffic Forecast for 2011 to 2016 . Acesso: http://www.cisco.com/c/en/us/solutions/collateral/service-provider/visual-networking-indexvni/white_paper_c11-520862.html 25

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Essas informações revelam uma tendência de crescimento para a publicidade em vídeo nas mídias sociais e também o fato de que a aproximação com os consumidores é de fundamental importância para as marcas, desejosas de um futuro promissor e lucrativo para esse setor da economia. Para as organizações modernas, “estar mais presente na mídia não é o que vale: o fundamental é que a sua visibilidade nos meios de comunicação, ou nas mídias sociais, esteja associada a noticiário relevante, positivo, umbilicalmente vinculado aos seus objetivos estratégicos” (BUENO, 2015, p.126). Nos casos levantados para esta pesquisa, entreviu-se nas marcas uma preocupação por tornarem seus conteúdos atrativos para o consumidor. A estratégia de aproximação tem por objetivo proporcionar experiências únicas aos consumidores a ponto de torná-los fãs da marca, visando ao seu engajamento e à divulgação de conteúdos favoráveis a ela pelas mídias sociais. O interesse é que ao fazer parte das narrativas publicitárias, o consumidor perceba a marca como alguém igual a ele, uma amiga, e passe a trabalhar em favor dela como um consumidor evangelista. “A economia do século 21 é a do compartilhamento e da geração de informação. O poder está na criação e na propagação, não mais na informação pura e simples” (VAZ, 2011, p. 183). A utilização de pessoas comuns ou celebridades nas publicidades é uma forma de humanizar a marca, pois a crença entre pessoas praticamente foi a única coisa que não se abalou no mercado, e vem sendo utilizada como suporte pelas empresas na sua comunicação com os públicos de interesse. Todavia a propagação voluntária do conteúdo só vai acontecer se de fato o consumidor ver naquela mensagem algo que lhe chame a atenção e que esteja associado às suas conversas já em andamento ou se o assunto estiver relacionado com o seu grupo de interesse ou estilo de vida. Quando as pessoas repassam seus conteúdos, “elas não o fazem como empregados pagos motivados pelo o ganho econômico. Pelo contrário, essas pessoas são membros de comunidades sociais envolvidas em atividades que são importantes pra elas sob o aspecto individual e/ou social” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 105). A humanização da marca pressupõe também a produção de um conteúdo que seja propagável e isso significa que o consumidor precisa identificar naquele material alguma possibilidade de apropriação. As mensagens precisam ser editáveis e de fácil manuseio para que estejam à disposição para uma provável alteração ou recriação do conteúdo pelos usuários.

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No caso de publicidade em vídeo, o processo de criação precisa conter elementos que despertem o interesse do consumidor em participar daquela produção ou chamada para outra que será publicada posteriormente. O apelo para viver uma experiência real com a marca, um convite para contar a sua história de vida, uma entrevista pessoal ou bate-papo com pessoas anônimas, a experiência de ser surpreendido por uma celebridade etc. Elementos como esses têm mais chances de serem aceitos pelos usuários das mídias sociais, pois os incentivam à participação pessoal na narrativa publicitária. Além disso, pode também envolver tanto os participantes quanto os demais usuários numa discussão, instigando o compartilhamento. As pessoas querem compartilhar os textos de mídia que se tornam um recurso significativo em suas conversas contínuas ou que ofereçam a elas alguma fonte de prazer e interesse. Elas querem intercambiar conteúdo de mídia e discuti-lo quando o material contém ativadores culturais, quando oferece atividades das quais elas podem participar (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 279).

A ideia de uma pessoa anônima participar voluntariamente de um vídeo publicitário ainda é algo novo, isso nunca aconteceu antes na história da publicidade e essa novidade gera uma curiosidade no consumidor que se sente valorizado pela marca ao ter sua história produzida e compartilhada na esfera pública. Essa é uma estratégia de cocriação da publicidade que consequentemente promove a humanização e aproximação da marca com o consumidor, pois utiliza alguém como ele para falar pela marca para outros consumidores. É a prática do consumidor evangelista sendo incorporada na publicidade, já que, se a crença em semelhantes ainda tem um bom poder de influência sobre as pessoas, as marcas passaram a incorporar as histórias de pessoas anônimas nas publicidades como forma de atrair a atenção dos usuários das mídias sociais. Em tempos de descrença, o ser humano parece se voltar para o próprio ser humano como forma de buscar a si próprio, já que há uma crise de valores. Volta-se para si e para o seu semelhante. Espera pra ouvir o que ele tem a dizer e reflete sobre isso [...] Talvez isso explique o alto e crescente número de propagandas que utilizem tanto celebridades quanto consumidores comuns para promover determinado produto (VAZ, 2011, p. 141).

Aproveitar a imagem de pessoas anônimas nas publicidades em vídeo é uma forma de aproximar as pessoas. O interessante dessa prática é que a marca lança o convite à participação nas mídias sociais, os usuários interessados decidem participar da experiência proposta e, após o lançamento do vídeo publicitário, a pessoa que participou da história está lá, comentando igualmente a todos os demais usuários a sua incrível experiência de participar da publicidade da marca. Isso é humanizar as relações, a marca incorpora a imagem de um

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anônimo como sua, que passa a falar por ela, de igual para igual, retomando a confiança dos consumidores na mensagem anunciada. Nesta pesquisa, concluiu-se que a estratégia que permite aos consumidores a vivência de “experiências reais” obteve um alto índice de visualização, curtidas e principalmente comentários e compartilhamentos. Esses dois últimos podem ser considerados os mais importantes para a marca, pois o consumidor que parou para comentar e posteriormente compartilhar teve a sua atenção voltada para a publicidade e engajou-se na sua propagação. Pode-se perguntar sobre o que leva as pessoas a parar o que estão fazendo, já que vivemos em escassez de tempo, para aceitarem viver experiências reais com as marcas. Algumas dessas experiências incluem a disponibilidade do consumidor de submeter-se a alguma atividade proposta, e para isso é necessário dispor de tempo e dedicação para cumprir com o desafio. Shirky (2011, p.75), defende a ideia de que "as motivações intrínsecas das pessoas são fortes o bastante para que elas gravitem em experiências que as recompensem". Talvez isso explique o fato da ampla adesão aos apelos das marcas convidando as pessoas à participação. Ter a sua história reproduzida por uma agência de publicidade com todos os recursos audiovisuais disponíveis e depois a sua publicação na esfera pública pode ser uma forma de recompensa para o consumidor que acredita que o fato de ter a sua imagem exposta publicamente lhe confira prestígio entre as pessoas do seu convívio. Essa recompensa não está ligada a ganhos econômicos, mas às necessidades intrínsecas do ser humano que lhe gerem prazer. Enquanto o consumidor tem as suas motivações materializadas pela experiência de ter a sua história pessoal escolhida para uma marca, por outro lado as organizações são beneficiadas pela personificação da marca. Isso porque o sujeito que aceita participar da publicidade transfere a sua autêntica história de vida para a marca, tornando-a alguém igual a ele e falando com outros consumidores semelhantes a ele. Atuar nas mídias sociais não é tarefa simples como julgaram muitas empresas que se aventuraram a publicar conteúdos nesse novo habitar da comunicação sem o devido planejamento. Estratégias de aproximação como as que abordamos nesta pesquisa “exigem competência profissional e conhecimento aprofundado do perfil da audiência e das características particulares de cada mídia social envolvida” (BUENO, 2015, p.135). A produção de conteúdos relevantes, portanto, constitui-se em um processo global com um bom planejamento estratégico de comunicação desde os objetivos da organização a aspectos

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relacionados ao texto, aos interesses e demandas do público e principalmente ao conhecimento do perfil do público que se deseja atingir. Essa postura, portanto, deve fazer parte do planejamento de mídia da organização com a mesma seriedade das demais mídias de massa. De conformidade com o que será exposto, as estratégias de comunicação para as mídias sociais precisam estar alinhadas ao planejamento global da organização incluindo o relacionamento com todos os públicos de interesse, sejam eles funcionários, fornecedores e consumidores. Isso porque há a possibilidade de estarem conectados com as mídias sociais, o principal palco para as reclamações de consumidores insatisfeitos. É claro que a linguagem das mídias sociais é diferente das mídias de massa, portanto espera-se dos seus participantes que respeitem o perfil dialógico e interativo peculiar a esse novo meio. Poder-se-ia ilustrarem muitas marcas que não respeitam a linguagem dialógica das mídias sociais e transferem a mesma linguagem unidirecional da televisão para a nova ambiência; mas, ao contrário disso, esta pesquisa empenhou-se em buscar as marcas que estão conseguindo relacionar-se com os seus públicos nas plataformas digitais.

3.2- Estratégias de aproximação das marcas com os consumidores Os 170 vídeos levantados, neste estudo, foram agrupados em 11 estratégias diferentes, mas todas elas são impregnadas de um discurso humanista para incitar a aproximação do consumidor com a marca. Ou seja, um discurso que coloca o consumidor como protagonista das narrativas, elevando-o à posição de celebridade. Enquanto as marcas, que sempre estiveram na posição de superioridade, nessas estratégias elas abrem mão da realeza e colocam-se numa posição de igualdade com o sujeito comum. Para efeito da análise do discurso, foram selecionadas as campanhas que mais tiveram compartilhamento e comentários dentro de cada estratégia, pois como o objetivo final é a divulgação gratuita pelas mídias sociais, concluímos que essas são as marcas que mais conseguiram levar o consumidor ao engajamento. Essa pesquisa não se ocupou em analisar a qualidade dos comentários e dos compartilhamentos, se eram positivos ou negativos para a marca e sim o engajamento e a propagação pelas mídias sociais.

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Definiram-se como estratégias de aproximação os vídeos que de alguma forma promoviam a participação de pessoas anônimas nas narrativas publicitárias e que supervalorizavam a atuação do sujeito, elevando-o à posição de celebridade. Essa participação pode acontecer por meio de qualquer um desses elementos: presença física no vídeo, imagens fotográficas, vídeos caseiros enviados para a marca, textos enviados pelos consumidores, ou qualquer outro elemento que seja característico do público das mídias sociais e que a publicidade poderá incorporar na sua produção. Identificaram-se também publicidades que veicularam a história da vida real de pessoas famosas, porém destacando-lhes não a sua importância como celebridade, mas a sua história de vida tão igual quanto à de qualquer indivíduo. A classificação das estratégias deu-se de acordo com a similaridade dos discursos contidos nos vídeos. Embora quase todos eles contemplem de alguma forma a participação do consumidor, seja como o protagonista da história vivendo uma experiência real, seja enviando vídeos, fotos ou mesmo suas histórias de vida, há algumas diferenças na abordagem dos discursos. Por exemplo, as narrativas em que as marcas propunham ao consumidor viver uma experiência real foram agrupadas e classificadas como “experiências reais”; outras que homenageavam pessoas anônimas foram nomeadas de “homenagem a pessoas anônimas”; outras que convidavam o consumidor para ser o ator do vídeo publicitário enviando foto, vídeo ou texto, foram classificadas como “cocriação na publicidade” e assim por diante. Para sedimentar estes estudos, será feita, no próximo tópico, uma breve explanação sobre as características de cada uma dessas estratégias para melhor compreendê-las, bem como posteriormente um aprofundamento desses conceitos e das suas aplicações.

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Tabela 2 – Estratégias de aproximação ESTRATÉGIAS APROXIMAÇÃO Experiências Reais

VISUALIZAÇÕES CURTIDAS COMPART. COMENTS 105.825.646 683.028 73.755 33.257

Homenagem a pessoas anônimas

64.496.822

462.171

108.708

23.517

Histórias da vida real

52.614.545

977.272

224.618

43.892

Cocriação na publicidade Convite à participação (mobilização social) Entrevistas com pessoas anônimas

41.821.829

503.316

108.164

18.720

37.707.556

650.772

97.330

17.244

17.467.144

161.014

27.738

10.856

Famosos da Internet

7.945.973

94.885

6.941

5.256

Linguagem conexão

4.859.559

120.455

7.105

7.930

Ação com aplicativo de celular

3.419.682

16.554

2.384

1.212

Concurso Cultural Ação gerada num local público e trazida para as redes sociais

2.080.884

11.672

790

467

268.758

2.213

1.064

247

338.508.398

3.683.352

658.597

162.598

Total: 11 estratégias

Fonte: a autora, 2015.

3.2.1 – Experiências reais

Percebe-se que a estratégia “experiências reais” foi a que mais recebeu visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários dos usuários das mídias sociais. Essa estratégia foi aplicada em 18 campanhas que escolheram proporcionar experiências verídicas aos seus consumidores como uma forma de aproximá-los da marca. A publicidade que recorre a essa estratégia lança um desafio nas mídias sociais convidando os usuários a viver uma experiência real com a marca. Após a inscrição dos candidatos que aceitam o desafio, é feito uma triagem para selecionar os que estão dentro do regulamento estabelecido pela marca. Os critérios de escolha não costumam ser divulgados, mas algumas das atividades exigem certos tipos de habilidades que nem todos estão aptos a executar. Escolhidos os candidatos, segue-se ao desafio, que precisa parecer o mais natural e verdadeiro possível. Embora haja um planejamento no roteiro a ser produzido e seguido pelos participantes, todos os elementos envolvidos na criação, como o cenário, as emoções, e a reação dos protagonistas devem acontecer de forma espontânea. Dentro dessa estratégia, listou-se diferentes abordagens que proporcionam “experiências reais” aos consumidores, tais como:

95



Experiência do reality show: A marca promove uma campanha e convida os participantes a viver alguma experiência em que eles serão os protagonistas da peça. O processo contempla a produção de um vídeo convite, a inscrição de candidatos, a comissão julgadora dos participantes, a possível hospedagem no hotel e a experiência com a marca. Todas as etapas são filmadas e disponibilizadas em vídeos nas mídias sociais em que os usuários poderão acompanhar o passo a passo dos protagonistas da história. As marcas que utilizaram a estratégia do reality show foram: a Skol, com a campanha “aperte on” e “Viva Las Vegas” 26, e a Budweiser27, com a campanha “a turnê da sua vida”.



Experiência do desafio: Similar às demais categorias, a marca faz o apelo convidando os usuários das mídias sociais a aceitar viver um desafio com a marca. Mas os candidatos não sabem o que será esse desafio, e o fato de eles não saberem o roteiro é que dará o efeito-surpresa esperado pela publicidade da marca. Todo o passo a passo também é filmado, mostrando a ansiedade e espontaneidade dos protagonistas. O resultado de toda a experiência é sintetizado num vídeo publicitário de poucos minutos e divulgado nas mídias sociais. As marcas pesquisadas que apresentaram a experiência do desafio foram: Guaraná Antártica, com a campanha “se joga no escuro”28; Johnson & Johnson, “bem de perto”29; Burger King, “the big king” 30; TAM, “nosso mundo girando ao redor da Lili31”; Gol, “o cata nuvem”32; Klin, “chip Klin”33; Chevrolet Brasil, “test drive do amor”34; Skol, “neste Carnaval, viva redondo”35 e Billboard, com “invisible concert”36.



Experiência surpresa: A marca convida uma pessoa anônima para dar um depoimento sobre algum assunto e no final promove uma experiência-surpresa para o participante. Toda a reação espontânea é filmada e sintetizada no vídeo publicitário. As marcas que trabalharam com essa estratégia foram: Coca-Cola com “mesa da felicidade”37 e Knorr “sabor em casa”38

26

Viva Las Vegas: https://www.youtube.com/watch?v=bbj993scdT4 Budweiser: https://www.youtube.com/watch?t=40&v=YuTdiUXTepw 28 Guaraná Antártica: https://www.youtube.com/watch?v=_ctfz5CrMnI 29 Johnson & Johnson : https://www.youtube.com/watch?v=V9cybl5ldPU 30 Burger King: https://www.youtube.com/watch?v=-NWQELnbMM4 31 TAM: https://www.youtube.com/watch?v=kSWnCoBbwJI 32 GOL: https://www.youtube.com/watch?v=2jRmkYyjuJU 33 KLIN: https://www.youtube.com/watch?v=mHGaxImnnJw 34 Chevrolet do Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=8sLZHr8aJww 35 SKOL: https://www.youtube.com/watch?v=0sRdwO53Bu8 36 Billboard: https://www.youtube.com/watch?t=46&v=ZT0KvJSNscE 37 Coca Cola: https://www.youtube.com/watch?v=36i5VJs_aMU 27

96



Experiência de explorar a cidade: A marca convida um grupo de pessoas anônimas para explorar as curiosidades culturais da cidade. Somente uma marca trabalhou com essa estratégia, a Chevrolet Brasil, com a campanha “#ExploreACidade”39.



Pegadinha na publicidade (prankvertising): O uso de pegadinha na publicidade também é uma prática nova no Brasil, mas já é empregada em outros lugares do mundo. A ideia é que o consumidor viva alguma situação de constrangimento e depois a marca apareça com a solução para o problema. O efeito-surpresa é primordial para que a publicidade consiga obter o resultado que se espera. Observa-se, nesse caso, bastante compartilhamento do conteúdo pelos usuários das mídias sociais, pois o formato do vídeo é mais parecido com uma pegadinha do que uma publicidade. A marca que trabalhou com essa estratégia foi a Doralgina, com a “Pegadinha da Doralgina”40.



Desafio com famosos: A proposta do desafio é levar pessoas famosas a viver uma experiência real com a marca. O efeito de espontaneidade e surpresa dos protagonistas também é de fundamental importância para o resultado final do vídeo. A marca Volkswagen trabalhou com essa estratégia na campanha “Best drive” 41 em que os personagens famosos eram convidados a fazer um passeio com o carro da marca e durante esse passeio acontece a surpresa que deixa os famosos admirados com a experiência.



Surpresa com famosos: Quem já imaginou ser surpreendido por uma celebridade num ambiente público? A marca leva o famoso até o consumidor para um bate-papo informal com ele. O efeito-surpresa no momento em que são abordados precisa parecer bastante natural. A marca que trabalhou com essa estratégia foi a Friboi 42 com a campanha “aqui tem confiança”.

38

Knorr: https://www.youtube.com/watch?v=Er3anAE7E9E Chevrolet Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=n5MgJtxZS8Y 40 Doralgina: https://www.youtube.com/watch?v=2porfQByh8k 41 Volkswagen: https://www.youtube.com/watch?v=FCl2SHSGhW4 42 Friboi: https://www.youtube.com/watch?v=jMxu1zHCvR4 39

97

Tabela 3 – Estratégia de experiências reais ESTRATÉGIA MARCA

CAMPANHA

VISUALIZ.

JOHNSON & JOHNSON COCA-COLA

Bem de Perto

18.575.994

19.461

4.663

868

Mesa da Felicidade

18.121.220

88.424

10.008

3.515

BURGER KING

The Big King

16.479.278

138.087

8.996

11.718

GUARANÁ ANTARCTICA SKOL KNORR

Se joga no escuro

14.022.303

63.116

3.451

1.320

Viva Las Vegas

7.847.023

47.432

3.395

1.389

Sabor de casa

6.664.806

12.030

1.015

416

TAM

Nosso mundo girando ao redor da Lili Budweiser: A turnê da sua vida Pegadinha da Doralgina

6.446.753

10.241

1.857

1.110

5.735.492

53.543

1.849

1.293

3.084.594

4.908

4.956

626

SKOL VOLKSWAGEN

Aperte On

2.912.343

72.669

16.423

4.437

Best Drive

1.848.227

11.147

1.115

1.142

CHEVROLET BRASIL GOL

#ExploreACidade

1.461.927

39.900

1.836

468

O Cata Nuvem

959.869

56.607

6.922

2.180

FRIBOI

Aqui tem confiança

855.519

994

67

198

SKOL KLIN

Neste Carnaval, viva redondo Chip Klin

736.918

5.977

1.041

309

63.267

1.504

803

215

CHEVROLET BRASIL BILLBOARD

Test Drive do Amor

5.834

56.952

5.316

2.050

Invisible Concert

4.279

36

42

3

105.825.646

683.028

73.755

33.257

BUDWEISER Experiências Reais

TOTAL

DORALGINA

18 MARCAS

CURTIDAS COMPART. COMENTS

Fonte: a autora, 2015.

3.2.2 – Homenagem a pessoas anônimas

Embora a estratégia de aproximação que homenageia pessoas anônimas esteja em segundo lugar no ranking em visualizações, essa estratégia possui um alto volume de compartilhamentos e comentários. Dentre as marcas que trabalharam com essa estratégia, destaca-se a Johnson’s baby, com as duas campanhas mais compartilhadas da categoria: “a mãe de 1000 filhos”43 e “sinfonia da vida”44. Essa estratégia promove a homenagem de pessoas anônimas, com histórias surpreendentes que se transformam num vídeo publicitário que é divulgado nas mídias sociais. As histórias precisam ser reais e o efeito de espontaneidade e surpresa são os elementos primordiais para a produção do vídeo. A sua utilização dá-se em datas comemorativas como dia das mães, dia dos pais, dia dos namorados, natal etc.

43 44

Johnson’s baby - a mãe de 1000 filhos: https://www.youtube.com/watch?v=U0FSf9gkJsU Johnson’s baby- sinfonia da vida : https://www.youtube.com/watch?v=skxucGgIN4s

98

Tabela 4 – Estratégia homenagem a pessoas anônimas ESTRATÉGIA MARCA

CAMPANHA

VISUALIZ.

JOHNSON'S baby

A mãe de 1000 filhos

16.164.372

101.630

29.646

7.065

NATURA

Dia dos Pais Natura

8.768.766

1.656

4.085

307

NATURA

Mais perto do que você gosta. Sinfonia da Vida

8.402.408

827

607

103

7.158.433

231.325

37.822

8.445

Poetas do Cotidiano

5.040.459

1.130

3.930

174

Filmes que mudaram nossas vidas Voa Coração

4.397.774

13.535

1.759

773

3.303.957

37.457

3.007

698

A Música Que Move Seu Amor Um Voo Inesquecível

3.006.829

1.267

1.341

176

2.652.501

4.493

3.878

532

2.045.280

40.876

5.477

3.026

TENA

Instruções de Segurança em Família Rolê com os Avós

1.072.166

17.185

9.429

1.062

MARISA

Dia dos Pais 2015

1.044.481

6.536

3.789

677

TAM

Pais são super-heróis

805.208

2.446

1.883

320

NATURA 08 MARCAS

Homenagem Surpresa no Cinema 14 CAMPANHAS

634.188

1.808

2.055

159

64.496.822

462.171

108.708

23.517

JOHNSON'S baby NATURA ITAÚ Homenagem a pessoas anônimas

PERGIGÃO NATURA NATURA + GOL TAM

TOTAL

CURTIDAS COMPART. COMENTS

Fonte: a autora, 2015.

3.2.3 – Histórias da vida real

Histórias que relatam as mazelas e alegrias da vida alheia continuam sendo campeãs de audiência mesmo nas mídias sociais como aponta esta pesquisa. Essa estratégia conseguiu mais

engajamento

por

parte

dos

consumidores,

promovendo

comentários

e

compartilhamentos. Destacam-se duas marcas que trabalharam muito bem essa estratégia: a primeira é a Johnson & Johnson, com a campanha “o presente mais valioso do mundo” 45, com um total de quase 52 mil compartilhamentos e 10 mil comentários e a outra marca é o Itaú, com a campanha “pai por Gustavo Kuerten”46, que obteve o maior número de curtidas e compartilhamentos. Nesse vídeo, o Itaú vale-se da imagem de uma celebridade do mundo dos esportes, Gustavo Kuerten, mas, diferentemente das abordagens publicitárias tradicionais, que apresentam o testemunhal de um famoso para falar dos benefícios de algum produto, nesse caso a estratégia foi a de contar a história de Gustavo numa situação cotidiana em família, rodeada por grandes emoções. O vídeo é inovador, pois aborda o lado humano do famoso, mostrando que ele também tem vida real igual a qualquer pessoa. 45 46

Johnson & Johnson: https://www.youtube.com/watch?v=RNH7BoukZnQ Itaú: https://www.youtube.com/watch?v=kh0ZHl-z8cw

99

Embora a história seja verídica, e os atores fossem personagens da vida real, o vídeo possui uma produção bem elaborada, com roteiros e elementos que despertam a emoção nos receptores da mensagem, levando-os à identificação com o personagem que é “alguém igual a ele”. Tabela 5 – Estratégia Histórias da vida real ESTRATÉGIA MARCA

Histórias da vida real

CAMPANHA

VISUALIZ.

CONFORT

Pura Verdade

18.330.289

153.707

31.647

6.983

AÇÚCAR UNIÃO

Doces Notícias

12.084.831

136.076

39.690

6.498

ITAÚ JOHNSON & JOHNSON GOL

Pai por Gustavo Kuerten

10.134.085

289.309

59.246

7.119

O presente mais valioso do mundo Nosso amor vai longe

4.308.978

147.982

51.665

9.896

2.349.073

24.020

4.215

1.360

ITAÚ O BOTICÁRIO

Filmes que mudaram nossas vidas Quando nasce o amor

1.859.130

132.701

14.736

7.227

1.156.083

34.158

12.310

2.069

de mãe Pais que ensinam a voar

952.462

22.603

5.581

857

História da Rosinha

835.322

24.642

2.967

985

CACAU SHOW

Espalhe Carinho

501.969

11.548

2.072

735

JOHNSON'S baby

Maria Fernanda

73.187

318

271

150

NATURA

Dia dos Namorados Natura 12 CAMPANHAS

29.136

208

218

13

52.614.545

977.272

224.618

43.892

GOL BRADESCO

TOTAL

10 MARCAS

CURTIDAS COMPART. COMENTS

Fonte: a autora, 2015.

3.2.4 – Cocriação na publicidade

A cocriação na publicidade é uma estratégia que convida o consumidor a participar da produção do vídeo enviando elementos de sua vida pessoal, como fotos, vídeos ou depoimentos, que poderão ser aproveitados nas narrativas publicitárias e publicados nas mídias sociais. Na cocriação, os vídeos não necessariamente precisam ter uma produção bem elaborada, porque o que se espera é justamente o efeito natural e espontâneo dos participantes. Constata-se um engajamento considerável dos consumidores em ações desse tipo como a campanha da Confort Amaciantes, “amo como você ama”47, que teve um total de quase 85 mil compartilhamentos e quase 10 mil comentários de usuários das mídias sociais.

47

Confort Amaciantes: https://www.youtube.com/watch?v=IfUQVHi0WOk

100

Tabela 6 – Estratégia cocriação na publicidade ESTRATÉGIA MARCA

cocriação na publicidade

TOTAL

CAMPANHA

VISUALIZ.

CURTIDAS COMPART. COMENTS

DOVE

Escolha Bonita

9.125.904

75.415

2.860

1.170

C&A

#Selfiecea

7.737.181

42.040

1.507

910

VOLKSWAGEN

Sonzeira

7.657.850

35.135

4.198

2.545

ITAÚ

3.995.455

219

-

81

FIAT UNO

Filmes que mudaram nossas vidas #Happydesérie

3.615.000

21.125

2.722

1.416

CONFORT

Amo como você ama

3.380.061

238.429

84.882

9.615

GUARANÁ ANTARCTICA MIORRELAX

Bora lá

2.412.559

14.776

907

337

Chega de Sofrência

1.820.277

12.732

5.547

1.017

NATURA

Minhas Amis

1.526.514

4.117

845

278

HEINEKEN

551.028

1.082

64

54

JOHNSON'S baby

Você está pronto pra virar uma lenda? Maria Fernanda

11 MARCAS

11 CAMPANHAS

-

58.246

4.632

1.297

41.821.829

503.316

108.164

18.720

Fonte: a autora, 2015.

3.2.5 – Convite à participação (mobilização social)

As pessoas costumam aproveitar as mídias sociais para mobilização social, em prol de alguma causa social, prática já comum entre os usuários da Internet. Porém, para as marcas, isso é uma nova modalidade da publicidade, que passou a utilizá-la como uma estratégia de aproximação com os consumidores. Vejamos o caso da Lanchonete Fifties que, em parceria com a Kibon e o Projeto Gira Mundo 48, criaram a campanha “gentileza gera sobremesa”49. Além de estimular a gentileza entre os seus consumidores no ambiente da loja, a marca promoveu a doação colaborativa em dinheiro destinada ao projeto, resultando num aumento de 2000% no número de cadeiras de rodas doadas pelo Gira Mundo. A ação não teve muitas visualizações e curtidas quando comparadas às outras marcas, pois foi uma ação pontual realizada dentro das lojas Fifties. Mas percebe-se bastante engajamento das pessoas quando o assunto é mobilização social, como no caso da campanha Tocha Rio 2016, que uniu três marcas (Bradesco50, Coca-Cola51 e Nissan52) para mobilizar cidadãos que indiquem pessoas anônimas, mas que fazem a diferença na sua cidade, e que serão escolhidas para levar a Tocha Olímpica pelo país em 2016. A produção do vídeo é realizada pelas três marcas e pode ou não contemplar depoimentos ou imagens de pessoas anônimas. 48

http://www.projetogiramundo.com.br/ The Fifties em parceria com Kibon: https://www.youtube.com/watch?v=MsnbivP0nDg 50 Bradesco: https://www.youtube.com/watch?v=8bT4aI71olE 51 Coca Cola: https://www.youtube.com/watch?v=jez505xt1Zs 52 Nissan: https://www.youtube.com/watch?v=rmyamzcqvrk 49

101

Tabela 7 – Estratégia convite à participação (mobilização social) ESTRATÉGIA MARCA COCA-COLA Convite à participação (mobilização social)

BRADESCO

TOTAL

05 MARCAS

NISSAN FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA THE FIFTIES + KIBON

CAMPANHA

VISUALIZ.

Em busca da Tocha Olímpica Tocha Rio 2016

20.741.792

593.491

91.295

16.077

11.192.391

15.920

848

568

Rio 2016 - Rota da Tocha Observando os Rios

2.662.301

13.625

1.143

241

2.391.677

23.606

2.965

232

Gentileza Gera Sobremesa 5 CAMPANHAS

CURTIDAS COMPART. COMENTS

719.395

4.130

1.079

126

37.707.556

650.772

97.330

17.244

Fonte: a autora, 2015.

3.2.6 – Entrevistas com pessoas anônimas

Depoimentos de pessoas anônimas são cada vez mais comuns na Internet. Pessoas criam seus vídeos e publicam em canais como o Youtube, e os demais usuários curtem, comentam, ou compartilham essas publicações. Aliás, esse foi um dos benefícios que as tecnologias de informação e comunicação proporcionaram às pessoas. Tais vídeos, diga-se, são bem aceitos pelos usuários das mídias sociais, pois essa já é uma prática bastante popular no meio digital. Pensando nesse público que acompanha vídeos em mídias sociais, algumas marcas adotaram a estratégia de entrevistar pessoas anônimas na publicidade. Veja-se o caso da Carefree Absorventes53, que criou uma série de vídeos denominada webséries54, com entrevistas ou bate-papo de garotas anônimas abordando temáticas do cotidiano que as deixam inseguras. A campanha “velho quem? #envelhecer sem vergonha” 55, realizada pela Pfizer laboratórios farmacêuticos, é um vídeo com outro tipo de abordagem, mas com a mesma estratégia. Com uma produção bem elaborada, o vídeo apresenta diversas pessoas anônimas (idosos e jovens) falando de situações corriqueiras que costumam praticar no seu dia a dia. Essa produção também revela uma nova postura da indústria farmacêutica, que sempre teve uma comunicação mais dirigida à classe médica, e que agora também utiliza-se das mídias sociais para se relacionar com os seus consumidores.

53

Carefree Absorventes: https://www.youtube.com/watch?v=DYbQAxMvwKU Websérie ou webshow é uma série de episódios lançados na internet ou por telefone celular e faz parte de um novo meio de broadcasting chamado de web televisão. Fonte: Wikipédia 55 Pfizer: https://www.youtube.com/watch?v=wLrHVqeTDhU 54

102

Tabela 8 – Estratégia entrevista com pessoas anônimas ESTRATÉGIA MARCA Entrevistas com pessoas anônimas TOTAL

CAREFREE ABSORVENTES ITAÚ PFIZER BRASIL

03 MARCAS

CAMPANHA

VISUALIZ.

Desabafa Carefree

16.474.282

113.673

10.311

6.885

918.321 74.541

47.025 316

16.669 758

3.957 14

17.467.144

161.014

27.738

10.856

Incentivo a música Velho Quem? #EnvelhecerSemVergon ha 03 CAMPANHAS

CURTIDAS COMPART. COMENTS

Fonte: a autora, 2015.

3.2.7 – Famosos da Internet

Com a chegada das mídias sociais, muitas pessoas que até então eram anônimas se tornaram famosas ao criarem seus blogs, vlogs ou canal em Youtube, e terem suas opiniões expostas na esfera pública. Quanto mais seguidores uma pessoa tem, maior será o seu prestígio nas mídias sociais. Muitas pessoas começaram seus blogs de forma autônoma, manifestando seus pontos de vista em relação a algum problema da sociedade, ou mesmo dando dicas de como fazer algo etc. e, com o passar do tempo, tornaram-se pessoas famosas no meio digital. As marcas perceberam nesses líderes de opinião uma oportunidade de transformá-los em evangelistas de seus produtos, pois possuem um alto poder de persuasão entre os seus seguidores. A maioria desses blogueiros tornou-se profissionais que trabalham, não mais publicando a sua opinião nas mídias sociais, mas divulgando os benefícios das marcas com roteiros prontos enviados pelo departamento de marketing dos seus patrocinadores. A publicidade, considerando a fama desses personagens entre os seus seguidores, aproveita-se da sua imagem para criar vídeos e divulgar na Internet. Algumas marcas chegam a contratá-los como uma personalidade para participar de eventos promovidos por ela. Nessa estratégia, destaca-se o MC Donalds, que utilizou as trigêmeas do portal Trigêmeas Caram56 para a publicidade em vídeo da marca, em que elas utilizam o elemento que as tornaram famosas na Internet: a voz - no vídeo elas aparecem cantando o jingle para o Mc Café57. Destacam-se também as marcas C&A58 e O Boticário59, que contrataram blogueiras famosas para a produção de vídeos falando sobre as tendências das marcas.

56 57

https://www.youtube.com/channel/UCb6PWptaSMsW8SS863_T0oQ Mc Café: https://www.youtube.com/watch?v=Z7Ujk8PFpWw

103

Tabela 9 – Estratégia famosos da Internet ESTRATÉGIA MARCA

Famosos da Internet

Mc Café

C&A C&A O BOTICÁRIO

TOTAL

CAMPANHA

MCDONALDS

O BOTICÁRIO 03 MARCAS

VISUALIZ.

CURTIDAS COMPART. COMENTS

6.776.256

68.845

5.691

4.767

Helena Lunardelli

960.488

12.506

464

262

Nati Vozza

154.739

12.403

439

175

52.475

977

335

40

Seis usos para a Água Termal Up na Nécessaire 05 CAMPANHAS

2.015

154

12

12

7.945.973

94.885

6.941

5.256

Fonte: a autora, 2015.

3.2.8 – Linguagem conexão

Após a introdução da Internet na sociedade, novos vocabulários também passaram a ser utilizados pelas pessoas. Nunca se ouviu tanto palavras como “conectado, face, zapzap, etc.” como nos últimos tempos. Além disso, a linguagem praticada nas mídias sociais é diferente do que a língua culta recomenda, é normal o uso de abreviações de palavras, símbolos representando o sentimento da pessoa etc. Nos vídeos, a linguagem também empregada tem uma característica particular dos usuários das mídias sociais. Percebe-se nas publicações das marcas uma tentativa de incorporar essa mesma linguagem para relacionar-se com seus públicos. Tanto nas postagens de textos seguidos com fotos, quanto nos vídeos como os que foram levantados nesta pesquisa. Essa é a linguagem da conexão, uma linguagem informal, com textos curtos e sem regras gramaticais. A marca Perdigão, por exemplo, utilizou-se de uma linguagem praticada pelos usuários como estratégia de aproximação com seus públicos. A linguagem da conexão é uma estratégia em que está presente a linguagem dos usuários das mídias sociais na sua produção. A marca Perdigão trabalha neste vídeo com personagens famosos como os apresentadores da TV Globo, Angélica e Luciano Huck, mas ela se aproxima do consumidor ao utilizar uma linguagem comum entre os usuários da Internet como Dubsmash, aplicativo que permite a dublagem de citações famosas. O Dubsmash foi usado exaustivamente pelos usuários do Facebook, no ano de 2015, e a marca

58 59

C&A: https://www.youtube.com/watch?v=nFTQ8bvxgmw O Boticário: https://www.youtube.com/watch?v=c5oPy-1q7ys

104

não perdeu tempo e incorporou-o oportunamente para as suas publicidades, publicadas em três vídeos diferentes.

Tabela 10 – Estratégia linguagem conexão ESTRATÉGIA MARCA

CAMPANHA Dubsmash

Linguagem conexão

PERGIGÃO

TOTAL

01 MARCA

Ajude a salvar a ceia 02 CAMPANHAS

VISUALIZ. 4.689.962

CURTIDAS COMPART. COMENTS 120.314

6.906

7.918

169.597

141

199

12

4.859.559

120.455

7.105

7.930

Fonte: a autora, 2015.

3.2.9 – Ação com aplicativo de celular

A ambiência das mídias sociais exige muita criatividade das organizações para interagir com os seus públicos de interesse. Algumas marcas já se mobilizam para criar um canal ainda mais direto com os consumidores, como o caso da marca Chevrolet 60, que lançou um canal no aplicativo Whatsapp para que os consumidores pudessem tirar suas dúvidas com outros consumidores que já possuem o automóvel da marca. A IBM 61 também criou um aplicativo específico para um evento de tecnologia em São Paulo, promovendo interação entre os participantes do evento tanto no ambiente digital quanto no próprio espaço do evento. O interessante dessa estratégia é que a marca cria um canal direto de comunicação pessoal com o consumidor, podendo esclarecer-lhe todas as dúvidas, como no caso da Chevrolet, que disponibilizou um canal, não direto com a marca, mas sim com outro usuário de seus produtos. Ou seja, “alguém igual” ao consumidor é que tonou-se o porta-voz da organização. Essa ação ainda é embrionária, conforme visto nesta pesquisa, em que apenas duas publicidades exploravam esse recurso, mas pode ser uma tendência para os próximos anos, uma vez que com o aumento do número de usuários de aparelhos móveis a comunicação será cada vez mais dirigida para o engajamento dos usuários com a marca. O que poderá ser também um problema, pois conforme se constatou no capítulo anterior, o consumidor contemporâneo não aceita conteúdos invasivos - como acontece com os e-mails, em que as marcas lotam suas caixas de entrada com mensagens automáticas. O consumidor atual não 60 61

Chevrolet: https://www.youtube.com/watch?v=QGsl6kjxARs IBM: https://www.youtube.com/watch?v=3X3wwaVvodg

105

quer ser bombardeado com um monte de mensagens, ele quer escolher o conteúdo que deseja ver. Essa poderá ser uma boa estratégia, se as marcas respeitarem a privacidade dos consumidores, deixando por conta deles escolher a participação ou não em aplicativos.

Tabela 11 – Estratégia ação com aplicativo de celular ESTRATÉGIA MARCA Ação com aplicativo de celular TOTAL

CHEVROLET BRASIL IBM 02 MARCAS

CAMPANHA Consumidores Reais. Opiniões Verdadeiras. Chuva de Moeda Digital 02 CAMPANHAS

VISUALIZ.

CURTIDAS COMPART. COMENTS

2.606.897

16.258

2.319

1.164

812.785 3.419.682

296 608.248

65 58.214

48 38.440

Fonte: a autora, 2015.

3.2.10 – Concurso cultural

O concurso parece ser uma tendência também para a publicidade em vídeo na Internet, pois instiga os participantes a percorrer os caminhos apresentados pela marca para obter alguma recompensa. Atualmente existem muitas promoções e concursos na Internet, e essa é uma ação que gera bastante engajamento das pessoas, porque há uma recompensa palpável por trás do interesse dos envolvidos. Quem não quer ganhar alguma coisa sem muito esforço? Nessa estratégia, selecionamos apenas o caso do Itaú 62, pois embora a produção do vídeo tenha sido feita com atores reais, a narrativa apresenta-se como se fossem pessoas anônimas cantando a melodia Love of My Life, do grupo britânico Queen, trilha sonora que foi símbolo do Rock in Rio de 1985. Além disso, a marca realizou o concurso com a intenção de continuar a campanha nas ruas, promovendo aproximação com as pessoas. A marca instalou caixas eletrônicos na orla da praia do Rio de Janeiro; todavia, ao invés de caixa eletrônico, era um karaokê em que as pessoas poderiam cantar a melodia utilizada na publicidade, e, no final, os participantes eram surpreendidos com um par de ingressos que saia do caixa eletrônico. Nota-se que a ação transita entre as mídias sociais e as ruas, e o envolvimento do consumidor é fundamental para o sucesso da marca.

62

Itaú: https://www.youtube.com/watch?v=23JMMl6fhNQ

106

Tabela 12 – Estratégia concurso cultural ESTRATÉGIA MARCA Concurso Cultural

ITAÚ

CAMPANHA Serenata Rock in Rio

VISUALIZ. 2.080.884

CURTIDAS COMPART. COMENTS 11.672

790

467

Fonte: a autora, 2015.

3.2.11 – Ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais

Ações geradas em local público e trazidas para as mídias sociais funcionam como um tipo de conteúdo compartilhável. Os usuários apropriam-se do vídeo e compartilham-no porque ele serve como um gatilho para as suas conversas já em andamento. O vídeo selecionado nesta pesquisa da marca Café Pelé63 realizou a ação numa estação de Metrô, na cidade de São Paulo, em que a marca colocou um painel eletrônico com um sensor. Quando as pessoas se aproximavam do painel, o personagem da publicidade abria a boca instigando as pessoas para uma epidemia de bocejos. Logo após, uma promotora da marca entrava com a solução para o cansaço coletivo das pessoas trazendo uma degustação de cafezinho. Experiências como essa podem ser aproveitadas e transformadas em vídeo para posterior publicação nas mídias sociais. As pessoas costumam ser receptivas com conteúdos criativos como esse e acabam compartilhando-os para a rede de amigos. Tabela 13 – Estratégia ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais ESTRATÉGIA MARCA Ação gerada num local

CAFÉ PELÉ

CAMPANHA Epidemia de Bocejos

VISUALIZ. 268.758

CURTIDAS COMPART. COMENTS 2.213

1.064

247

Fonte: a autora, 2015.

Diante dessas estratégias que estão sendo empregadas pelas organizações nas mídias sociais, é convincente dizer que “o consumidor hoje vive em uma monarquia absolutista em que o rei é ele” (VAZ, 2011, p. 102). Os discursos das marcas, que estão conseguindo interagir com o consumidor na nova ambiência, estão todos voltados para a exaltação do consumidor. É importante destacar que empregar o discurso de humanização e conseguir de fato aproximação com o consumidor não significa que a marca não venha a ter reclamações, muito 63

Café Pelé: https://www.youtube.com/watch?v=J07zrL5QqB4

107

pelo contrário, quanto mais íntimo da marca o consumidor for, mais ele se sentirá no direito de exigir algo que não esteja atendendo às suas expectativas. Conforme mencionado no capítulo anterior, os consumidores evangelistas “perdoam as falhas ocasionais no serviço e na qualidade, mas deixam que você saiba quando a qualidade está deixando a desejar; não é possível comprá-los; clientes evangelistas elogiam suas virtudes livremente; no papel de seus evangelistas” (MCCONNEL; HUBA, 2006, p.2). Portanto, não basta emitir discursos de humanização, é necessário também ter responsabilidade com a produção de suas mercadorias, respeitando os funcionários, fornecedores e consumidores com a qualidade que se espera de uma empresa que se vende como humana. A comunicação precisa estar alinhada com o que de fato a empresa é, para que o discurso realmente seja verdadeiro. Caso contrário, o consumidor continuará cada vez mais descrente das propostas organizacionais e, ao invés de propagar os benefícios da marca para a sua rede de amigos, fará o processo inverso, divulgando as suas insatisfações, piorando ainda mais a credibilidade das organizações. O próximo capítulo apresenta as análises mais aprofundadas dos discursos de humanização empregados em cada uma dessas estratégias. Para isso, utilizamos a análise do discurso (AD), da linha francesa, sob a perspectiva dos estudos do ethos, que abordam aspectos da influência do enunciador sobre o enunciatário; cenas de enunciação que contemplam todos os elementos discursivos presentes na ambiência em que se dá o discurso e o contrato de comunicação existente no processo comunicativo.

108

109

CAPÍTULO IV – DISCURSOS ORGANIZACIONAIS

Como exposto até aqui, a ambiência das mídias sociais exige uma comunicação dialógica e interativa com os usuários a qual nem toda organização está disposta a praticá-la. Por conta disso, um grande número de empresas apenas transfere a comunicação unidirecional das mídias de massa para as mídias sociais, gerando o lixo da informação sem propósitos. Os conteúdos publicitários são disparados sem o devido planejamento estratégico, e o objetivo principal, que seria utilizar as facilidades das mídias sociais para melhorar a comunicação com os consumidores, acaba não sendo alcançado. Algumas marcas, porém, estão conseguindo destacar-se nessa ambiência, com uma comunicação dialógica e participativa, promovendo a interação com os consumidores e a aproximação com a marca. Este capítulo apresenta o discurso de humanização presente nas publicidades que são utilizados como estratégia de aproximação entre marcas e públicos de interesse.

4.1- O discurso das marcas nas mídias sociais

Conforme apurado nesta pesquisa, o caminho para alcançar a desejada aproximação com os consumidores está na humanização das relações entre marca e consumidores. É fazendo-se passar por alguém igual a ele que a marca desperta a sua atenção e identificação. Constatou-se também, no capítulo II, que o nível de confiança nas instituições está cada vez menor e a crença entre as pessoas ainda é uma das poucas áreas que não foram abaladas. Por conta disso, as organizações encontraram na humanização das relações uma forma de trazer o consumidor para perto da marca, permitindo a ele experimentar reações antes só assistidas nas telas da televisão, ou seja, dando-lhe a possibilidade de vivenciá-las como protagonista das narrativas publicitárias. A marca posiciona-se como “alguém próxima” do consumidor, em quem ele pode confiar ao ceder a sua história de vida, suas mazelas, sua imagem etc., sem se importar com recompensas financeiras ao ter sua vida exposta na esfera pública pela marca que lhe propiciou viver a experiência de um astro.

110

A estratégia de aproximação vai muito além de atrair consumidores para as marcas, ela atrai fãs, seguidores nas mídias sociais e fora dela. Para a marca ter um fã significa o mesmo que ter um amigo fiel, alguém que vai falar bem dela onde estiver e para quem ele puder. Um fã não apenas visualiza ou curte uma publicação nas mídias sociais, ele vai um pouco além, comenta a postagem e a compartilha com sua rede de amigos. Ao fazer isso, ele trabalha em favor da marca, como um consumidor evangelista, que divulga voluntariamente os benefícios ou a experiência positiva que determinado produto lhe proporcionou. As marcas que entendem o poder de influência que uma pessoa comum tem sobre a outra estão focadas em atrair consumidores evangelistas e fãs de seus produtos. “Quanto mais a empresa consegue fazer com que o mercado fale (bem) dela, maior será esse capital social – pessoas ligadas à marca e se relacionando com ela – e, portanto, maior divulgação do produto ou serviço” (VAZ, 2011, p. 124). O objetivo é que um maior número possível de pessoas esteja constantemente falando bem dela pelas mídias sociais, compartilhando os seus conteúdos, comentando as suas publicações etc. Um exemplo de publicidade gratuita é o que acontece no aplicativo Whatsapp, utilizado para transmissão de mensagens entre usuários de smartphones. O aplicativo não comercializa publicidades e ainda não existe monitoramento no mercado que avalie esse material publicitário circulando espontaneamente na mídia. Mas, vez ou outra, aparece publicidade gratuita de alguma marca sendo compartilhada entre os contatos. Este capítulo apresenta as particularidades do discurso de humanização como estratégia de aproximação da marca com os consumidores. A análise preocupou-se em observar não somente o texto das publicidades, mas principalmente as falas não ditas das organizações, mas implícitas nas mensagens, ou seja, como elas manifestam seus discursos de humanização sem dizer que são humanas. De acordo com Gill (2002 p.266), “uma análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso”. Para analisar o discurso de humanização das relações entre as marcas e consumidores aplicado nas publicidades em vídeo das mídias sociais, utilizou-se a Análise do Discurso (AD), de linha francesa, que permite transitar entre os dois extremos do texto – que pode ser escrito ou falado - e contexto, examinando a linguagem empregada nas publicidades e os silêncios resultantes da sua mensagem. “Isso, por sua vez, exige uma consciência aprimorada das tendências e contextos sociais, políticos e culturais aos quais os textos se referem.”

111

(GILL, 2002, p. 255). Ou seja, em que se atenta não somente para a mensagem do enunciador como também procurando as pistas daquilo que não é dito, mas que está implícito na sua fala. Procurou-se entender o que tem levado as organizações a optar por um discurso de humanização, quando, na verdade, sabe-se que seus interesses são puramente lucrativos. Assim, foi necessário compreender que “os sentidos não estão só nas palavras, no texto, mas na relação com a exterioridade, nas condições em que eles são produzidos e que não dependem só das intenções do sujeito” (ORLANDI, 2001, p.30). Essa constatação descortina um leque de possibilidades para a compreensão de que cada uma das mensagens publicitárias levantadas nesta pesquisa traz um rico material para reflexão. O produtor da publicidade pode até ter a boa intenção ao pensar num discurso de humanização, mas os diversos fatores externos acabam interferindo no resultado do texto. “O fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer, é fundamental para se compreender o funcionamento do discurso, a sua relação com os sujeitos e sua ideologia” (ORLANDI, 2001, p.32). Sabe-se bem que analisar um discurso não é tarefa que se resume ao entendimento único e exclusivo do texto, também é necessário investigar os elementos externos que contribuíram para a sua composição, funcionamento ou organização. Os elementos externos a este objeto de estudo já foram levantados até o capítulo 3, em que se abordou a transição da mídia de massa para as mídias sociais e o seu impacto na cultura, a situação das organizações diante da mudança no perfil da audiência e a sua estratégia de aproximação com os públicos. A partir deste ponto, abordar-se-á a cenografia do discurso, que é o lugar ou situação da enunciação, o ambiente ou momento em que se deu o discurso das publicidades pesquisadas. Esse ambiente não necessariamente é aquilo que se vê, mas pode também ser construído pela imaginação de acordo com o contexto da fala. A cena de enunciação é um conjunto de três cenas: 

a cena englobante, que representa o tipo de discurso a ser enunciado (no caso desta pesquisa, trata-se de discurso publicitário);



a cena genérica, que está ligada ao gênero do discurso (os enunciados do discurso publicitário seguem as normas impostas pelo gênero “mídias sociais”, que definem a linguagem a ser empregada na publicidade e que será reconhecida pelos seus públicos);



a cenografia que é a cena construída pelo próprio texto. A cenografia é “a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar

112

através

de

sua

própria

enunciação:

qualquer

discurso,

por

seu

próprio

desenvolvimento, pretende instituir a situação de enunciação que o torna pertinente” (MAINGUENEAU, 2008, p. 70). Além disso, a publicidade também trabalha com cenas variadas, pois, na busca por persuadir o seu coenunciador, deve captar seu imaginário e atribuir-lhe uma identidade, por meio de uma cena de fala valorizada por ele. Maingueneau denomina de cenas validadas imagens instaladas na memória coletiva, um estereótipo. A cenografia, no entanto, não atua sozinha, ela precisa do ethos, um corpo em movimento para que a fala seja validada. “A cenografia, com o ethos da qual ela participa, implica um processo de enlaçamento: desde a sua emergência, a fala é carregada de certo ethos, que, de fato, se valida progressivamente por meio da própria enunciação” (MAINGUENEAU, 2008, p. 71). Por conseguinte, a cenografia é ao mesmo tempo a origem do discurso e o seu desenvolvimento, ela legitima um enunciado e é legitimada por ele, ela estabelece que a cena da qual vem a palavra é aquela e não outra. O ethos é a imagem que o enunciador se propõe construir ao enunciar seu discurso. Sua fala é carregada de ethos, que “consiste em causar boa impressão mediante a forma com que se constrói o discurso, em dar uma imagem de si capaz de convencer o auditório, ganhando sua confiança” (MAINGUENEAU, 2008, p. 56). Vale destacar que o ethos de um discurso é composto por ethos pré-discursivo (aquele imaginado pelo enunciador) e o ethos discursivo (aquele de fato mostrado pelo enunciador). Todo discurso pressupõe um enunciador e um coenunciador e um lugar onde acontece a enunciação. Nesta pesquisa, o contexto dos enunciadores apresenta-se de forma bem complexa, pois as organizações não falam por si mesmas, falam por intermédio de outras falas, como a de publicitários e, muitas vezes, com a fala do próprio consumidor. Mas, mesmo assim, ao produzir seus discursos as organizações preocupam-se em dar uma imagem de si capaz de convencer os coenunciadores ou enunciatários de que é alguém como ele que está falando, a fim de ganhar a sua confiança. Ainda que seja um intermediário assumindo o lugar de enunciador, ele na verdade incorpora na sua fala o ethos característico da marca. O estudo do ethos teve sua origem na Retórica de Aristóteles, que entendia que o ethos estava crucialmente ligado ao ato de enunciação. Porém, Maingueneau completa essa teoria ao defender que “não se pode ignorar que o público constrói também representações do ethos

113

do enunciador antes mesmo que ele fale” (MAINGUENEAU, 2008, p. 60). Ou seja, para o autor, ao elaborar seu discurso, o enunciador também é afetado pelo ethos do enunciatário. O processo de formação do discurso contempla elementos de acordo com o perfil do enunciatário, como escolha da língua, das palavras, do tom de voz, da postura etc. “O ethos se elabora, assim, por meio de uma percepção complexa que mobiliza a efetividade do intérprete,

que

tira

suas

informações

do

material

linguístico

e

do

ambiente”

(MAINGUENEAU, 2008, p. 60-61). Veja-se o caso das publicidades nas mídias sociais: a marca que não leva em consideração a característica da linguagem dialógica e interativa desse meio não consegue ser eficaz em seus discursos, uma vez que não há identificação do ethos dos enunciatários com o ethos da marca. O ethos está ligado aos valores, caráter e ética do enunciador da mensagem, e manifesta-se no momento da enunciação. Ao ter contato com o enunciado, o enunciatário pode ou não ser influenciado por ele dependendo da sua identificação com o ethos do enunciador. O ethos não está unicamente relacionado à dimensão verbal, mas também a aspectos psicológicos do caráter do enunciador. “O destinatário o identifica apoiando-se em um conjunto difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de estereótipos, que a enunciação contribui para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU, 2008, p. 65). Os estereótipos podem ser entendidos como as generalizações que as pessoas fazem sobre comportamentos ou características de outros. Essas impressões são passadas de geração a geração por meio da cultura, e os indivíduos esperam determinados comportamentos preestabelecidos para que possam julgar a aparência do outro e em qual categoria cada um se insere. Maingueneau acredita que se trata de um “mundo ético” do qual todos fazemos parte e, quando ativado por meio da leitura, integra um conjunto de situações estereotípicas associadas a comportamentos. A publicidade contemporânea trabalha abundantemente com estereótipos para se manter no mundo ético dos seus públicos. Para que a persuasão de seu discurso aconteça, ela lança mão de elementos estratégicos, objetivando fixar ou padronizar pensamentos e ideologias na mente das pessoas, e “uma das principais estratégias é o emprego dos estereótipos sociais para demarcar as linhas relacionais e categorizar os personagens que atuam na manifestação de seu discurso” (LEITE, 2014. p.84-85). A publicidade sustenta-se de estereótipos como: o mundo ético das celebridades, dos famosos, dos executivos, das estrelas de cinema etc. Esses personagens entram como

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“fiadores” da enunciação, aqueles que sustentarão o estereótipo do gênero discursivo. “A especificidade de um ethos remete, de fato, à figura de um ‘fiador’ que, por meio de sua fala, se dá uma identidade em acordo com o mundo que supostamente faz surgir” (MAINGUENEAU, 2008, p. 72). A publicidade participativa das mídias sociais apropria-se de estereótipos relacionados à humanidade das pessoas e incorpora o próprio consumidor como o fiador da enunciação. Dessa forma, ao ter contato com a mensagem, os demais identificam-se com o ethos do enunciador, porquanto os elementos que o compõem fazem parte do imaginário coletivo. A publicidade “procura persuadir associando os produtos que promove a um corpo em movimento, a uma maneira de habitar o mundo [...] é por meio de sua própria enunciação que uma propaganda, apoiando-se em estereótipos avaliados, deve encarnar o que ela prescreve” (MAINGUENEAU, 2008, p. 66). Assim, a adesão do enunciatário ao enunciado opera-se por uma ação recíproca da cena de enunciação na qual o ethos participa e do conteúdo que se apresenta. O gênero publicitário exige a escolha de cenografias estereotípicas, como a de conversação, gênero científico etc. Eles “mobilizam cenografias variadas na medida em que, para persuadir seu destinatário, devem captar seu imaginário, atribuir-lhe uma identidade por intermédio de uma cena de fala que seja valorizadora para o enunciador assim como para o coenunciador” (MAINGUENEAU, 2008, p. 119). Dessa forma, a cenografia é ao mesmo tempo a origem e o produto do discurso porque de onde se origina a palavra é que surge a cenografia requerida para a história, quanto mais o enunciador avança no texto, mais ele comprova que é aquela cenografia e não outra que deve ocupar aquele mundo configurado no discurso. Conforme exposto, a eficácia discursiva está diretamente ligada à adesão do enunciatário ao discurso. Tanto o ethos quanto a cenografia são elementos inseparáveis na construção de um texto, pois promoverá a identificação do enunciatário ao enunciado. Para Fiorin (2008, p.157), “o enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um conjunto de ideias que expressa seus possíveis interesses, mas sim, porque se identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com um tom”. Dessa forma, o discurso não é apenas um conteúdo, mas também um modo de dizer construído pelos sujeitos da enunciação, porque, ao construir um enunciador, o discurso constrói também o enunciatário.

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Na ambiência das mídias sociais, percebemos a presença de muitas cenografias de conversação e depoimentos de consumidores contando as suas histórias de vida, outras cenografias com consumidores vivendo experiências reais com a marca etc. A fala do enunciatário é que ganha força na publicidade desse meio, pois o interesse das marcas é que o consumidor se identifique com o ethos e a cenografia da enunciação. O caráter, o tom, o corpo do enunciado são identificados pelos consumidores que supõem tratar-se de alguém como ele que se dirige a ele. Outro ponto levado em consideração nesta pesquisa é o contrato de comunicação presente na construção do discurso entre a marca e o consumidor. Por um lado, o consumidor empresta a sua imagem pessoal enquanto que, por outro, a marca lhe confere a recompensa de ter sua vida reproduzida como a história de um astro exposta na esfera pública. Esse jogo de linguagem não está explícito na mensagem publicitária, mas encontra-se implícito entre as negociações que “dependem da relação dos protagonistas entre si e da relação dos mesmos com as circunstâncias de discurso que os reúnem” (CHARAUDEAU, 2014, p.24). Essas circunstâncias do discurso são provenientes do saber já estabelecido na linguagem no que diz respeito às práticas sociais e na condição de sujeitos coletivos. Ou seja, há um saber coletivo na nossa cultura que confere prestígio àqueles que têm a sua imagem exposta na mídia. É o estereótipo da celebridade, da estrela de cinema etc. Portanto, ceder a imagem para as publicidades, na cultura popular, é ter como que uma posição privilegiada entre os demais. A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis a chegar a um acordo sobre as representações linguageiras dessas práticas sociais. Em decorrência disso, o sujeito comunicante sempre pode supor que o outro possui uma competência linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nessa perspectiva, o ato de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da qual ele espera uma contrapartida de conivência (CHARAUDEAU, 2014, p.56).

Além do contrato de comunicação, é importante que o discurso se utilize de estratégias de reconhecimento para que possa obter sucesso nas interpretações. A noção de estratégia repousa na hipótese de que o sujeito comunicante (EUc) concebe, organiza e encena suas intenções de forma a produzir determinados efeitos – de persuasão ou de sedução – sobre o sujeito interpretante (TUi), para levá-lo a se identificar – de modo consciente ou não – com o sujeito destinatário ideal (TUd) construído por EUc. Para fazê-lo, o EUc poderá utilizar contratos de reconhecimento (CHARAUDEAU, 2014, p.56).

Pode-se afirmar que a construção de um discurso vai muito além do texto verbal, e, por isso, todo o contexto interpretativo precisa ser levado em consideração na sua elaboração.

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Nos discursos das marcas analisadas nesta pesquisa, notou-se uma preocupação com todas essas questões para que o discurso de humanização das relações pudesse obter êxito diante dos públicos de interesse.

4.2 – Ethos e cenografia do mundo das celebridades e o sistema de vigilância

Entender a ampla aderência gratuita do público para discursos que o convidam a viver uma experiência real com a marca é uma questão que suscita curiosidade, pois a sua única recompensa está em ter a sensação de ser celebridade, mesmo que por um curto período de tempo, e a sua imagem exposta na mídia. Fica evidente que o sujeito gosta da sensação nele provocada ao ter a sua imagem exposta na tela da televisão ou nas mídias sociais e ser vigiado ou reverenciado por outros. McLuhan explica que a tecnologia funciona como uma extensão do nosso corpo e, portanto, não há meio de recusarmos viver as sensações de sentidos provocados pela imagem refletida na tela. “Os homens logo se tornam fascinados por qualquer extensão de si mesmos em qualquer material que não seja o deles próprios” (MCLUHAN, 1964, p. 58). Ele entende essa extensão como um ídolo que o homem cria para se projetar nele. “E o Salmista insiste em que a contemplação dos ídolos ou o uso da tecnologia conforma os homens a eles: ‘Quem os fez será como eles’” (MCLUHAN, 1964, p. 63). Talvez o autor tenha razão em sua explanação sobre o fascínio provocado nas pessoas ante uma nova tecnologia como na sua época foi a televisão e, hoje, as mídias sociais. Mais do que isso, ter a sua imagem refletida proporciona prazer e prestígio ao ser humano. Fenômeno de todas as épocas, as pessoas sempre procuraram projetar-se em algo que não seja elas próprias. Mesmo que para isso a sua imagem ou os seus dados pessoais sejam submetidos ao controle público. Também ao analisar a influência das tecnologias digitais sobre o ser humano, Bauman aborda outra vertente, comparando o fascínio exercido sobre as pessoas como uma versão melhorada do modelo Panóptico de Jeremy Bentham. Para ele, nossos corpos são capturados para dentro das redes digitais por meio dos bancos de dados e “assim todos esses locais de armazenamento de informação onde nossos corpos são, por assim dizer, ‘amarrados

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informaticamente’ não mais oferecem refúgio à observação ou uma barreira em torno da qual se possa traçar uma linha de resistência” (BAUMAN, 1999, p. 50). Para o autor, a armazenagem dos dados pessoais ampliadas a cada uso do cartão de crédito e nas compras online resulta na mesma prática do sistema disciplinar panóptico praticado no século XVIII, apenas com a diferença de que, na contemporaneidade, os vigiados fornecem os seus próprios dados de forma voluntária. De acordo com Michael Foucault (1987, p. 163), o dispositivo panóptico foi usado como forma de regulamento no fim do século XVIII – quando se declarava a peste numa cidade, a população era vigiada constantemente para evitar então que a doença se generalizasse. Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro à periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos – isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar (FOUCAULT , 1987, p. 163).

Já no século XIX, o sistema Panóptico de Jeremy Benthan foi transformado numa figura arquitetural dessa composição e visava a disciplinar os criminosos, loucos ou condenados. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. [...] o dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente (FOUCAULT , 1987, p. 165-166).

O Panóptico era um espaço artificial construído com o intuito de manipular a população tendo em mente a assimetria da capacidade visual. “O propósito era manipular conscientemente e rearrumar intencionalmente a transparência do espaço como relação social — como, em última instância, uma relação de poder” (BAUMAN, 1999, p. 35). A tarefa principal era disciplinar os súditos sob uma ameaça constante, real e palpável de punição de forma que eles acreditassem que jamais poderiam se esconder do olhar onipresente dos seus superiores. “No seu “tipo ideal”, o Panóptico não permitiria qualquer espaço privado; pelo

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menos nenhum espaço privado opaco, nenhum sem supervisão ou, pior ainda, não passível de supervisão” (BAUMAN, 1999, p. 49). As técnicas panópticas passaram do sistema de integração local, autovigilantes e autorreguladores para a integração supralocal, administrada pelo Estado, porém com territórios muito mais amplos que o alcance das faculdades naturais do homem. “Essa última função pediu a assimetria da vigilância, vigilantes profissionais e a reorganização do espaço para que eles pudessem fazer o seu trabalho, tornando ciente a pessoa observada de que o trabalho estava sendo feito e podia ser feito a qualquer momento” (BAUMAN, 1999, p. 49). Todas as instituições da cultura de massa incorporaram esse modelo para as suas práticas disciplinadoras, acima de tudo as indústrias e o exército. Nota-se que muitas organizações ainda hoje utilizam esse modelo para hierarquizar o seu quadro de funcionários. Com a chegada da televisão, a ideia do modelo Panóptico foi adaptada para o gênero reality show. O primeiro programa a apresentar a experiência real de uma família foi na TV americana, em 1971, sobre a família Loud. Conforme Baudrillard, um documentário bruto e a mais bela proeza da televisão comparável à escala da nossa cotidianidade. Sete meses de apresentação ininterrupta, trezentas horas de filmagem direta, sem cenário, a odisseia de uma família, os dramas, as alegrias e as peripécias sem parar. Mais interessante é o fantasma de filmar os Loud como se a TV lá não estivesse. O triunfo do realizador era dizer “eles viveram como se nós lá não estivéssemos.” Fórmula absurda, paradoxal – nem verdadeira, nem falsa: utópica. O “como se nós lá não estivéssemos” sendo equivalente ao “como se você lá estivesse”. Foi esta utopia, este paradoxo que fascinou os vinte milhões de telespectadores, muito mais que o prazer “perverso” de violar a intimidade. Não se trata de segredo nem de perversão na experiência “verdade”, mas de uma espécie de arrepio do real, ou de uma estética do hiper-real, arrepio de exatidão vertiginosa e falsificada, arrepio de distanciação e de ampliação ao mesmo tempo, de distorção de escala, de uma transparência excessiva (BAUDRILLARD, 1991, p. 40-41).

Para Baudrillard, as pessoas vivem o virtual, mas quando percebem o real ficam fascinadas. É por isso que ver a vida do outro sendo exposta na tela gera tanto interesse. O fascínio pela bisbilhotagem da vida alheia está na busca do real. Na verdade, o que as pessoas procuram ao continuar produzir e reproduzir é ressuscitar o real que lhe escapa. É por isso que esta produção “material” é hoje, ela própria, hiper-real. Ela conserva todas as características do discurso da produção tradicional, mas não é mais que a sua refracção desmultiplicada (assim, os hiper-realistas fixam uma verossimilhança alucinante, um real de onde fugiu todo o sentido e todo o charme, toda a profundidade e a energia da representação). Assim, em toda a parte o hiperrealismo da simulação traduz-se pela alucinante semelhança do real consigo próprio (BAUDRILLARD, 1991, p. 34).

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Para o autor, estamos vivendo numa sociedade hiper-realista em que o real se confunde com o modelo, é o fim do sistema panóptico, porque agora não há mais obrigação de submissão ao modelo ou ao olhar, cada pessoa é o modelo. “Este é o estádio ulterior da relação social, o nosso, que já não é o da persuasão [...] mas o da dissuasão: “VOCÊS são a informação, vocês são o social, vocês são o acontecimento, isto é convosco, vocês tem a palavra, etc” (BAUDRILLARD, 1991, p. 42). Isso explica a grande quantidade de programas televisivos no formato reality show e o consequente uso do gênero pela publicidade exaltando a pessoa do consumidor. O discurso prevalente da nossa sociedade contemporânea é o da hiper-realidade. O discurso da hiper-realidade aparece como uma versão melhorada das técnicas panópticas, não mais colocando a população em campos de treinamento como outrora nem a submetendo a um regime opressor; porém, o modelo de controle prevalece quando as pessoas são submetidas à vigilância das câmeras tanto pelas mídias de massa quanto pelo Estado. Na contemporaneidade, estar sob vigilância constante parece não incomodar às pessoas, que já absorveram no inconsciente coletivo a prática do panoptismo como algo natural e necessário para a ordem social. Por isso, a vasta adesão de pessoas aos discursos que os convidam a viver a experiência cotidiana sob a vigilância das câmeras. Isso também explica a facilidade que as pessoas têm em liberar suas informações pessoais para ter acesso a portais na Internet ou para efetuar compras no ambiente digital.

O banco de dados da Internet funciona com um

instrumento panóptico de seleção, separação e exclusão que valida ou não a participação dos indivíduos no ambiente digital. Porém, diferentemente de outrora em que o sistema restringia a liberdade, as pessoas sentem-se livres no ambiente digital, mesmo sabendo que suas vidas são vigiadas. Algumas pessoas ele admite no ciberespaço extraterritorial, fazendo com que se sintam à vontade onde quer que se encontrem e sejam bem-vindas onde quer que cheguem; outras têm seu passaporte e vistos de trânsito confiscados, sendo impedidas de perambular pelos espaços reservados aos residentes do ciberespaço. Mas este último efeito é subsidiário e complementar do primeiro. Ao contrário do Panóptico, o banco de dados é um veículo de mobilidade, não grilhões a imobilizar as pessoas (BAUMAN, 1999, p. 51).

Verifica-se, no entanto, que a liberdade tão sonhada pelas pessoas com a chegada das mídias sociais continua sendo um discurso longe de ser alcançado. Vive-se ainda num sistema de vigilância muito mais extensivo que outrora. Nessa instância, o sujeito é vigiado por organizações detentoras dos portais que exigem dos usuários a liberação de seus dados pessoais em troca da sua exposição na rede; seus passos são acompanhados também por

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outros sujeitos que nomeados por seguidores ou “amigos” vigiam cada publicação, cada comentário etc.; e por fim, as marcas que supostamente haviam perdido o controle com a emancipação do sujeito mediado pelas mídias digitais reelaboram um novo jeito de continuar exercendo o domínio sobre seus públicos, ou seja, criando a publicidade participativa, que insere o indivíduo anônimo como um enunciador de seus discursos. Thomas Mathiesen, ao analisar o modelo do Panóptico, reconsiderou que ainda há uma vigilância atuando na sociedade, mas o sistema de vigilância atual não está mais nas mãos de poucos como outrora. Com a expansão das tecnologias de informação e comunicação, a nova ordem agora é a de que todos se observam. Na nova ordem de captura do indivíduo pelo poder, que perde seu grau de severidade, atuando no corpo e pelo corpo, assim, age agora com consentimento das massas, agora todos se observam, e “poucos observam muitos”, fato que pode ser notado pelos sistemas computacionais, com programas que nos enquadram em uma ordem de controle permanente. Não muda muito em se tratando de “saberes”, pois continuamos sendo medidos, classificados e punidos na sociedade, por uma relação de forças (MATHIESEN, 1998, p. 81 apud SANTOS, 2011, p.22).

Para Mathiesen, o sistema de vigilância da atualidade é um modelo Sinóptico, isto é, a figura do vigia foi substituída pelo computador, que difundiu o controle da observação para todos “através de câmeras onipresentes que nunca sabemos exatamente onde estão, seja pelo novo processo “sinóptico” de muitos vigiando poucos” (MATHIESEN, 1997; 1998 apud SANTOS, 2011, p.21).

No Panóptico, alguns residentes observavam outros moradores locais e isso era visto com uma conotação negativa, pois estes eram os marginalizados da sociedade. No Sinóptico, o processo é inverso, os locais observam os globais e ser vigiado é tido como algo bom. O significado de poder aqui é tomado por um sentido de realeza e de referência a ser seguida. Os globais não são literalmente “deste mundo”, mas sua flutuação acima dos mundos locais é muito mais visível, de forma diária e intrusa, que a dos anjos que outrora pairavam sobre o mundo cristão: simultaneamente inacessíveis e dentro do raio de visão, sublimes e mundanos, infinitamente superiores mas dando um brilhante exemplo para todos os inferiores seguirem ou sonharem em seguir; admirados e cobiçados ao mesmo tempo — uma realeza que guia, em vez de mandar (BAUMAN, 1999, p. 53).

Esse é o estereótipo que paira sobre o inconsciente coletivo, o de que ser vigiado representa poder. Estar na tela significa ser uma celebridade, uma realeza admirada e que tem o seu lugar cobiçado por todos os que estão do outro lado vigiando a sua performance de astro. O ethos na contemporaneidade está em conformidade com as mídias audiovisuais. Tudo

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o que se tinha por crença e valores são transformados para a representação da hiper-realidade como se viu acima. Com elas, o centro de interesses deslocou-se das doutrinas e dos aparelhos que lhes estavam ligados para a apresentação de si, para o “look”. [...] tal movimento acompanha o enraizamento de qualquer convicção em certa determinação do corpo em movimento; testemunha-o a transformação da “propaganda” de antes em “publicidade”: uma propunha argumentos para valorizar o produto, a outra elabora em seu discurso o corpo imaginário da marca que supostamente está na origem do enunciado publicitário (MAINGUENEAU, 2008, p. 56).

O fato de ser vigiado nas mídias sociais não impede as pessoas de participar de publicidades ou programações que exponham a sua vida para a ambiência pública. Porque a nova ordem é de que o consumidor seja o astro da vez, a realeza a ser cultuada pelas marcas e por todos à sua volta. O imaginário da marca caminha em conformidade com o imaginário coletivo que valoriza a exibição humana nas telas da tevê ou das mídias sociais. Não é por acaso que as mídias sociais têm sido tão comemoradas por seus usuários, porquanto eles receberam os recursos que os colocaram em posição de destaque nas redes de relacionamento. Como diz McLuhan, “é a extensão de si mesmo” sendo vigiada por outros semelhantes, é a sua vida sendo acompanhada diariamente por seus seguidores que se ocupam em bisbilhotar todos os passos dados. Nada lhes escapa nesse “espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos [...] onde todos os acontecimentos são registrados [...] onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos” (FOUCAULT, 1987, p. 165-166). Encontra-se o ethos do mundo das celebridades presente em todos os discursos que envolvem a participação do consumidor nas suas narrativas. Tanto nas programações de televisão quanto nas publicidades para as mídias sociais, os discursos promovem a ascensão do consumidor à estrela do momento. Existem diversas cenografias nas histórias, mas o ethos discursivo é o mesmo: um ser de suma importância, reis e rainhas que estreiam suas próprias histórias de vida nas telas como o modelo que merece ser admirado e seguido por todos. O ser humano é o acontecimento e o poder da palavra está com ele. Os discursos de humanização das relações emitidos pelas organizações por meio da exaltação do consumidor são eficazes em promover a aproximação entre consumidores e marcas, mas continuam sendo uma forma de mantê-los sob o controle de vigilância. As organizações valem-se do ethos e cenografia da celebridade para enaltecer o consumidor, levando-o a trabalhar em favor da marca, sendo o porta-voz e incentivando o consumo entre

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os seus semelhantes. Embora a submissão a esse controle aconteça de forma voluntária, ainda assim os sujeitos são tidos como um dispositivo que age conforme o modelo preestabelecido, seguindo o roteiro imposto pela produção publicitária. O controle, na verdade, acontece de forma enrustida num discurso de humanização que não condiz com a realidade das organizações atrás apenas da lucratividade de seus produtos. A seguir será exposto como o ethos do mundo da celebridade está presente em muitas cenas na publicidade das mídias sociais e também como as marcas amoldam o discurso de humanização para gerar aproximação com os públicos de interesse.

4.3- Experiências reais

As marcas na contemporaneidade buscam diferenciar seus produtos não mais destacando os benefícios funcionais, mas proporcionando aos consumidores a experiência de viver um sonho com ela, trabalhando com o imaginário das pessoas. Nas mídias sociais, a publicidade também tem incorporado essa mesma proposta, mas com uma linguagem dialógica e interativa. Os usuários são convidados a participar de experiências reais com a marca que são verdadeiros desafios. Para o emprego dessa estratégia, os discursos são construídos com a cena validada já instalada na memória coletiva de seus consumidores, que é a do mundo da celebridade. As cenografias se apoiam frequentemente em cenas de fala que denomino validadas, isto é, já instaladas na memória coletiva, seja a título de algo que se rejeita ou de modelo valorizado.[...] O repertório dessas cenas varia em função do grupo visado pelo discurso, mas, de modo geral, a qualquer público, por vasto e heterogêneo que seja, pode-se associar um estoque de cenas que podemos considerar como compartilhadas (MAINGUENEAU, 2008, p. 127).

Essa cena validada apoia-se no estereótipo de celebridade popularizado pela mídia e instalado na memória coletiva das pessoas de que estar em cena confere ao indivíduo uma posição de prestígio e destaque perante os demais do seu convívio social. O ethos dessa categoria de discurso revela-se no caráter de um astro. O enunciatário que estava na origem do processo agora ganha status de enunciador e é convidado a falar pela marca cedendo-lhe gratuitamente o caráter e a voz de alguém comum, e, em contrapartida, é recompensado pela posição de celebridade perante a sociedade ao ter a sua imagem exposta na esfera pública.

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Dentro da estratégia experiências reais, notam-se algumas subcategorias sobre as quais se falou no capítulo 3, tais como: a experiência do reality show, a experiência do desafio, a experiência-surpresa, a experiência de explorar a cidade, a pegadinha na publicidade (prankvertising), o desafio com famosos, a surpresa com famosos. Em todos esses subgrupos, havia uma similaridade no ethos discursivo, no texto, nas cenas da enunciação, no tom de voz, na narrativa etc. A espontaneidade dos protagonistas da história, o efeito-surpresa e a naturalidade com que acontecem as cenas são elementos que estão presentes em todas as publicidades dessa estratégia. É preciso parecer real, algo vivido no cotidiano das pessoas, para que o objetivo de humanizar a marca seja alcançado. Até mesmo quando a experiência é realizada por um famoso, ele assume o papel de alguém comum no discurso. A intenção é mostrar que o famoso também tem o seu lado humano tão igual quanto o dos enunciatários da mensagem, gerando assim a identificação dos públicos com o ethos humano do famoso. Em experiências reais elegemos um caso que consideramos mais representativo para essa análise, que é o reality show incorporado na publicidade. Escolhemos esse caso não pela quantidade de visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários, mas por ele sintetizar todos os demais ao incorporar a cenografia do mundo da celebridade no seu discurso e também o sistema de vigilância das câmeras conhecido como Sinóptico.

4.3.1- Experiência do reality show na publicidade

O reality show é um formato de programa de tevê em que se permite a exibição momentânea de experiências reais vividas por pessoas anônimas no ecrã ou tela da televisão. Essas pessoas são selecionadas como protagonistas da história apresentada, que nesse caso é a representação da sua própria história de vida cotidiana. Existem diversos programas dessa categoria, no Brasil o mais famoso é o Big Brother. Devido à multiplicidade de formatos existentes, há uma dificuldade em definir esse gênero televisivo, porém há princípios que se repetem em todos eles. Na sequência, serão analisados esses princípios e a sua semelhança com as publicidades do gênero nas mídias sociais: a) centralidade do cotidiano: Esse atributo é focado na exibição da vida cotidiana de pessoas anônimas, igual a de qualquer outro telespectador que assista ao programa. O importante é

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que o desempenho diante das câmeras apareça para o telespectador como genuíno ou verdadeiro. O sucesso de audiências advém precisamente da insurgência do indivíduo anônimo no ecrã da televisão, até aí quase exclusivamente ocupada com especialistas, políticos, ou celebridades. Com os programas televisivos de realidade eis que a pessoa comum se torna uma “estrela”, uma fama que, acontecendo no momento da exibição catódica, prescinde de qualquer mérito prévio (MATEUS, 2012. p.239).

O ethos das publicidades do gênero reality show nas mídias sociais também possui essa característica de promover o indivíduo anônimo a protagonista da história real, o astro da marca. As narrativas destinam-se a promover a exibição de uma experiência focada na centralidade do cotidiano das pessoas. Toda a trajetória dos protagonistas é acompanhada pelas câmeras e resumida em vídeos de curta duração exibidos nas mídias sociais. b) tendência escopofílica: Leva o telespectador a observar, olhar por si só a vida do outro, uma espécie de vigilância sobre o sucesso bem como comiserações e infelicidades dele. O espectador torna-se cúmplice daquilo que visiona. Ao ceder à escopofilia, ao mirar o cotidiano dos indivíduos, ele não pode afirmar que não sabe; e não pode fazê-lo porque o viu. O espectador dos programas televisivos de realidade olha, mas este mirar não é inocente: é um observar avaliativo e, sobretudo, um olhar que envolve um consentimento automático (MATEUS, 2012. p.240).

Pode-se ver nesse atributo que a Internet permite aos seus usuários viver a experiência escopofílica independente de programas específicos e de horários preestabelecidos. Nela, é permitido ao usuário navegar na hora e pelo tempo que ele quiser para praticar o que ele mais gosta de fazer: a bisbilhotagem da vida alheia. Não é por acaso que o Facebook lidera 64 o ranking das páginas sociais mais visitadas da Internet. É nele que 67,1% dos usuários que acessam a Internet passam pelo menos 3,43 horas dos seus dias conectados. A experiência do reality show incorporada pela publicidade permite aos usuários das mídias sociais ver alguém como ele ser o protagonista de uma história real da qual ele também desejaria participar. c) emancipação do espectador: É a inserção do próprio espectador na televisão transformando-o num ator protagonista e agente discursivo no programa. É a possibilidade

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Dados obtidos através da Pesquisa brasileira de mídia realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República em 2014.

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que ele tem de tomar a palavra e fazer da televisão um confessionário público levando os telespectadores a cúmplices e parceiros da sua sociabilidade. O reality-show emancipa o espectador quando se assume como lugar de escuta atenta, como confessionário coletivo, como agente de uma conversação que frequentemente possui contornos terapêuticos. Emancipado dos espartilhos da passividade e do simples visionamento, o indivíduo comum invade a cena televisiva com as suas próprias memórias, as suas mágoas, as dificuldades que experimenta ou os receios que determinada situação lhe suscita (MATEUS, 2012, p.241-242).

Nas mídias sociais, o consumidor sente-se emancipado das barreiras que o impediam de expor suas opiniões, de colocá-lo em contato com uma infinidade de pessoas ao mesmo tempo etc. Ele encontrou, nesse suposto ambiente de liberdade, o espaço ideal para as suas manifestações, um autofalante público para expor seus pontos de vista e ser percebido pelo outro. Estão presentes esses atributos nas publicidades da marca Skol, com a campanha “Viva Las Vegas”, e Budweiser, com “A Turnê da Sua Vida”. A proposta das duas marcas foi a de proporcionar a experiência do reality show aos seus consumidores, porém não na televisão como costumeiramente, mas na ambiência das mídias sociais. Aqui, o emancipado consumidor, ao aceitar o convite de participar da publicidade, concede a sua voz para a marca e passa a falar por ela, de forma que os enunciatários da mensagem se identifiquem com o ethos do enunciador resultando na eficácia do discurso. “A eficácia do discurso ocorre quando o enunciatário incorpora o éthos do enunciador” (FIORIN, 2008, p.157). Para efeito de análise, escolheu-se a campanha “Viva Las Vegas”, da Skol, por ter sido concluída até a data desta pesquisa.

4.3.2 - Campanha Viva Las Vegas da Skol

A campanha “Viva Las Vegas”, da marca Skol, foi publicada nas mídias sociais em junho de 2015 e contou com a participação de celebridades como o famoso Mike Tyson, Paola Oliveira e o DJ americano Steve Aoki. A marca primeiramente lançou um vídeo convite propondo aos consumidores viver quatro dias de experiência com a marca na badalada Las Vegas acompanhados de diversas estrelas da mídia. A proposta consistia em levar 30 participantes com direito a um acompanhante para viver os quatro dias de muita festa e

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curtição. Além do site criado especificamente para a promoção, a Skol também realizou diversas ações com os conteúdos dos bastidores da campanha prevendo o engajamento dos fãs da marca pelas mídias sociais, como o Instagram, Facebook, Twitter, Snapchat e Tumblr. Foi criada também uma ação exclusiva para mobile dos fãs que puderam acessar o celular do Mike Tyson e do Dj Steve Aoki, com acesso a fotos, vídeos e conversas como se o usuário estivesse navegando no celular das celebridades. Este estudo atentou-se apenas para as publicidades em vídeo por estarem dentro dos objetivos propostos na metodologia de pesquisa. Verificou-se que a primeira opção de mídia para divulgação dos vídeos é o Youtube, seguindo uma ordem cronológica e, na sequência, é complementada com postagens no Facebook, que não necessariamente obedecem a mesma sequência de vídeos, podendo ser repetidas as publicações. De todas as publicidades analisadas, a campanha Viva Las Vegas foi a mais abrangente, publicando um total de 31 vídeos somente dessa campanha. Assim, o propósito aqui é descrever apenas as publicações do Youtube para efeito de análise. As publicações no YouTube foram realizadas em quatro etapas: a) - O convite aos consumidores interessados em participar da experiência: 

Publicação em 19/6/2015: Promoção Viva Las Vegas com Skol #VegasIsON (Versão completa) https://www.youtube.com/watch?v=mfbLocPZgGI Viva Las Vegas com Skol. Com Mike Tyson. Com Steve Aoki. Com Paolla Oliveira. E com mais dois amigos! Participe da promoção e concorra a uma viagem para Vegas com muitas experiências incríveis. Vá ao bar, aperte ON e participe!



Publicação em 7/7/2015: Promoção Viva Las Vegas com Skol - Mike Tyson na bateria #VegasIsON: https://www.youtube.com/watch?v=Qj4UfkoX8t0 Viva Las Vegas com Skol. Com Mike Tyson. Com Steve Aoki. Com Paolla Oliveira. E com mais dois amigos! Participe da promoção e concorra a uma viagem para Vegas com muitas experiências incríveis. Vá ao bar, aperte ON e participe!

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Figura 1 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo convite aos participantes da campanha

b) - A cobertura do processo seletivo nas festas pelo Brasil (Skol House Party): 

Publicação em 13/7/2015: Promoção Viva Las Vegas: Skol House Party pelo Brasil #VegasIsON https://www.youtube.com/watch?v=DiYjnnv2MI0 A galera já carimbou o passaporte pra viagem mais insana dos últimos tempos! Em breve vamos conhecer todos os sortudos que vão curtir Las Vegas! Enquanto isso, saca só o que rolou nas House Parties pelo Brasil.

Figura 2 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo seleção dos participantes nas House Parties

c) - A chegada dos participantes a Las Vegas, a recepção, a balada e a pool party. 

Publicação em 20/7/2015: Promoção Viva Las Vegas com Skol - A chegada (e algumas surpresas!) #VegasIsON https://www.youtube.com/watch?v=GuE7KX2v3cI

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Depois de fazerem o check in e conhecerem o incrível Hotel Bellagio, nossos Reis e Rainhas de Vegas partiram para um jantar com vista TOP no Stratosphere, um prédio com 350 metros de altura! Teve ainda a presença da Carol e do Bruno Gissoni como anfitriões dessa curtição em grande estilo!

Figura 3 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo recepção dos participantes no Hotel Bellagio



Publicação em 20/7/2015: Promoção Viva Las Vegas com Skol - A balada mais incrível de Vegas #VegasIsON https://www.youtube.com/watch?v=IpszlWnYlpM Uma festa exclusiva na Suíte Presidencial do Hotel Bellagio e depois um camarote insano numa das baladas mais concorridas da cidade. Tá bom ou quer mais? O melhor é que teve muito mais!

Figura 4 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo cobertura da festa na suíte presidencial Hotel

Bellagio

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d) - Síntese de tudo o que aconteceu com os participantes em Las Vegas. 

Publicação em 24/7/2015: Promoção Viva Las Vegas com Skol - Pool Party @ Mike Tyson's home #VegasIsON https://www.youtube.com/watch?v=oEMkoBMzaJI Pensa numa piscina, agora adiciona a melhor galera, o melhor anfitrião e a melhor vibe! Esse foi o dia em que Mike Tyson, sim, o próprio, abriu a casa para a Pool Party mais insana de Vegas.

Figura 5 – Storyline Viva Las Vegas. Vídeo síntese de tudo o que aconteceu em Las Vegas

Além da publicação desses vídeos, a Skol também foi atualizando os fãs da marca com postagens diárias de fotos com a cobertura dos eventos, gerando conteúdo relevante para os demais fãs que acompanhavam, de seus dispositivos móveis, a vida dos novos astros em Vegas e contribuíam com os seus comentários e compartilhamentos pelas mídias sociais. A ideia da marca era de contar histórias reais vividas pelos próprios consumidores, criando uma aproximação efetiva com seus públicos e, por fazerem parte da história, levá-los ao engajamento voluntário e à consequente divulgação pelas mídias sociais. Observa-se que os princípios norteadores desse discurso são os mesmos aplicados no gênero reality show: centralidade do cotidiano, a tendência escopofílica e a emancipação do espectador. A base dessa narrativa foi construída com o propósito de exibir situações reais vividas no cotidiano de seus consumidores. A ação envolveu a participação de pelo menos 60 pessoas anônimas escolhidas por uma equipe de jurados, em concurso realizado em diversos bares espalhados pelo país. Os candidatos foram convidados para viver uma experiência em Las Vegas vigiados por câmeras que acompanhariam toda a trajetória e momentos vividos pelos

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participantes. As imagens das atividades realizadas e a agitação promovida por conta de serem eles os astros da peça possuem um tom muito similar com as festas vividas em programas como o Big Brother. As festas Open Party no Brasil, o check-in no aeroporto, a chegada ao hotel em Las Vegas, a recepção dos participantes pelos famosos na casa, a balada, a festa à beira da piscina, todas as imagens transmitiam um roteiro muito familiar a qualquer pessoa que já assistiu a um programa de reality show. Todos os elementos linguísticos empregados na publicidade, como expressão facial dos participantes, as músicas e os textos, transmitem um discurso comum aos enunciatários das mensagens. Em contrapartida, os usuários de Internet tiveram a possibilidade de acompanhar alguém como ele sendo o protagonista de uma história real da qual ele também desejaria participar. Os consumidores puderam acompanhar toda a trajetória da ação que durou aproximadamente um mês, visualizando os vídeos e fotografias do passo a passo da campanha, desde o convite à participação, à seleção dos finalistas, à chegada em Las Vegas e os eventos ocorridos durante a experiência. Podendo também comentar as publicações e compartilhar com outras pessoas a ação da marca. Essa capacidade escopofílica de observar a vida dos participantes por detrás das telas também é algo comum na vida das pessoas que reconhecem a linguagem do gênero reality show praticada na televisão. Porém, na ambiência das mídias sociais, a bisbilhotagem acontece de maneira diferenciada da tevê, o usuário é quem escolhe quando quer ver e como quer ver, independente de programas específicos e de horários preestabelecidos. Além disso, pode interagir com a história postando os seus comentários nas publicações da marca. A emancipação do consumidor tem sido o principal motivo de tanta exaltação nos discursos das organizações. Não foi por acaso que a Skol preparou uma megaprodução que incluiu regalias dignas de um astro para o seu singelo consumidor anônimo, que até pouco tempo atrás não tinha voz, e estava sujeito a absorver uma comunicação unidirecional imposta pela mídia de massa. Com a chegada das mídias sociais, o consumidor emancipou-se, pois recebeu os recursos que o colocaram em contato com o mundo. A partir de então, o consumidor ganhou voz e seus ruídos começaram a interferir nas estratégias das organizações. Ele passou também a ser um agente em potencial para a comunicação da marca, para o mal ou para o bem. Portanto, o melhor a fazer nesse novo contexto é cortejar o consumidor, conceder-lhe regalias, elegê-lo como a celebridade do momento, o representante da marca, a

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fim de que possa produzir conteúdos favoráveis a ela pelas mídias sociais e consequentemente gerar valor para a marca. Na publicidade da Skol, os consumidores foram inseridos na narrativa como protagonistas de uma história real, aquela produzida com o auxílio da sua imagem pessoal, ou seja, os consumidores participam como o fiador do discurso. Ele assumiu o papel de agente discursivo ou o enunciador da marca. Embora os participantes não tivessem nenhuma ação verbal, todo o contexto foi carregado de elementos visuais comuns tanto para os enunciadores da mensagem quanto para os enunciatários. Dessa forma, percebeu-se que esse discurso da Skol segue os mesmos princípios que regem o gênero reality show, divergindo no tempo de exposição do programa, que na televisão tem a duração de dias ou meses de exibição e, nas mídias sociais, toda situação é resumida em vídeos com menos de 5 minutos. Todavia, em se tratando de um ambiente onde o tempo e o espaço parecem não ter significância, o conceito adere-se perfeitamente às plataformas digitais. Embora o sistema de vigilância empregado nesse tipo de publicidade seja algo novo na ambiência das mídias sociais, essa prática faz parte do imaginário coletivo, desde o século XVIII, com o modelo Panóptico, que se expandiu para todas as formas de controle ou disciplina da sociedade. Com a expansão das mídias de massa, a televisão ressignificou o modelo que ganhou o nome de Sinóptico, ou seja, muitos vigiando poucos no espaço da tevê. Esse lugar de vigilância, conforme já mencionado, foi sendo trabalhado pela mídia como um lugar de prestígio aos participantes, o mundo das celebridades. No imaginário popular, estar sob a ótica das câmeras confere poder e influência sobre os que estão do outro lado da tela em vigilância. Essa é uma cena validada no imaginário das pessoas, portanto plausível de ser trabalhada na publicidade. Tendo em vista o conhecimento popular sobre o sistema de vigilância empregado nos programas de reality show, os consumidores identificaram-se imediatamente com o discurso da marca e 30 pessoas aderiram à participação, ávidos por experimentar a sensação de viver a experiência de receber todas as regalias dignas de um astro-rei. Todos os elementos linguísticos e visuais empregados no enunciado do convite foram construídos pensando num enunciatário que já reconhece essa linguagem e, portanto, disposto a viver a experiência.

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A Skol comunicou a ação aos seus consumidores, premiando-os a viver uma experiência real num lugar atrativo e com todas as mordomias de uma celebridade. Ela se preocupou em deixar explícita a mensagem de que se tratava de reis e rainhas vivendo a experiência. Frases como: “tá a fim de ser o rei de Vegas?”, “acompanhe as aventuras dos reis de vegas...”, “os reis de Vegas nunca mais serão os mesmos”, confirmam esse discurso. Observe o trecho da publicação no YouTube do dia 20/7/2015. Depois de fazerem o check in e conhecerem o incrível Hotel Bellagio, nossos Reis e Rainhas de Vegas partiram para um jantar com vista TOP no Stratosphere, um prédio com 350 metros de altura! Teve ainda a presença da Carol e do Bruno Gissoni como anfitriões dessa curtição em grande estilo!

A cenografia que materializa o discurso da marca é pautada pelo ethos de realeza. Uma realeza vulgarizada, claro, mas dentro do perfil que o gênero reality show incorpora. A recepção pelos anfitriões famosos como Mike Tyson, Paola Oliveira e o DJ Steve Aoki abrindo as portas do ilustre hotel Bellagio em Las Vegas e recebendo os protagonistas da história com todos os movimentos e gestos de quem recebe de fato reis e rainhas. Os consumidores são convidados a entrar no mundo da celebridade e a misturar-se com os famosos alçando-se à mesma posição deles. A marca legitima o seu discurso coroando os participantes com tiaras, para que não restem dúvidas de que é essa posição e não outra que a marca lhe confere. Essa mistura de celebridades com anônimos veio para validar o discurso de humanização da marca que, dessa forma, mostra que não há mais separação entre astros e anônimos, todos são iguais, todos têm poder.

Figura 6 – Ethos da realeza Obviamente os participantes reconheceram que nesse discurso há um contrato de comunicação de conhecimento mútuo, em que, para participar desse tipo de ação, se faz

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necessário que os participantes abram mão do direito de imagem em todas as publicidades da marca. Assim como ocorre com os protagonistas dos programas reality show. Dessa forma, concluímos que os princípios do gênero reality show estendidos às publicidades obtiveram êxito também nas mídias sociais, pois a narrativa continha elementos discursivos comuns aos seus participantes. O resultado foi a adesão e participação de consumidores nas narrativas dos vídeos e também fora deles.

4.4- Homenagem a pessoas anônimas

Sabendo-se da importância que o sujeito anônimo ganhou nos últimos tempos, não é de se admirar o crescimento de narrativas que homenageiam a sua pessoa. Nota-se que essa estratégia discursiva é bastante apreciada pelos enunciatários, pois permite a pessoas iguais a ele a oportunidade de serem homenageadas publicamente. Para efeito de análise, escolhemos a campanha “Sinfonia da vida”, da Johnson’s baby, que mesmo não sendo a publicidade mais visualizada, foi a que mais obteve engajamento dos consumidores, com um total de quase 38 mil compartilhamentos e mais de 8 mil comentários. Observou-se na estratégia em que a marca homenageia pessoas que a sua utilização está mais associada com datas comemorativas ou eventos específicos, como os preparativos que antecedem o nascimento de um bebê e a produção do vídeo no mês em que se comemora o dia das mães.

4.4.1- Sinfonia da Vida – Johnson’s Baby

A publicidade Sinfonia da Vida65, da Johnson’s baby, buscou trabalhar com a cenografia da supervalorização do indivíduo, nesse caso ainda dentro da barriga da mãe. A façanha começou com a escuta dos sons do coração de três bebês e as medidas dos fetos em exames de ultrassonografia, que foram transformadas em notas musicais, a partir de fórmulas do matemático Paulo Bedaque, resultando em lindas e emocionantes melodias. As mães, que não sabiam de nada, foram surpreendidas pela execução das músicas por uma orquestra sinfônica, formada por 30 músicos e um coral com 10 cantores.

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https://www.youtube.com/watch?v=skxucGgIN4s

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O vídeo que sintetiza toda a experiência vivida pela mãe é carregado de muita emoção. Enquanto os músicos tocam a linda melodia, a mãe chora emocionada ao presenciar algo jamais imaginado por ela acontecendo ali, na sua frente. A fala da mãe que se destaca no vídeo é “eu não tenho realmente palavras para explicar o que foi abrir as cortinas e ver que tinha uma orquestra tocando o meu filho”. No final, ela ainda muito emocionada, quase sem conseguir proferir palavras consegue dizer “É o que vou levar pra sempre comigo, é o que eu quero muito compartilhar com ele essa experiência, que ele saiba como foi”. Entende-se que essa linda homenagem não foi feita somente à mãe do feto ainda em desenvolvimento, mas a todas as outras mães, por tratar-se de um vídeo produzido para o dia das mães. A protagonista dessa publicidade, Pâmela Pucci, é uma consumidora da marca e foi selecionada para viver a experiência verídica. No discurso, o seu ethos de mãe à espera de um bebê é concedido para a marca e a sua experiência de vida, ou melhor, os batimentos do coração de seu feto são empregados para tocar não somente no seu coração, mas no de todas as outras mães que tiveram contato com a publicidade nas mídias sociais. Toda a ambientação presente no momento de fala foi composta com elementos que levam o enunciatário a interpretar aquela ação como uma homenagem a alguém de suma importância, uma celebridade que ainda nem nasceu, mas que já tem muito prestígio para a marca. O fato de a mãe estar sozinha no ambiente de um anfiteatro, as cortinas abrirem e ter uma orquestra tocando “o seu filho” como a mãe diz, confere à fiadora também uma posição de destaque. Aqui o seu papel é de suma importância para o ethos do enunciatário, é o seu caráter de mãe, suas emoções e o seu depoimento que vão gerar a identificação do enunciatário com o discurso da marca. Ser “alguém como elas” que se dirige a elas já provoca a identificação imediata com o ethos do enunciador. Somados a isso, há também os elementos que compõem a cena de enunciação como o tom de voz, a aparência física do enunciatário, a naturalidade e o efeito-surpresa com que acontece o desenrolar da narrativa. Tudo precisa parecer real para que não restem dúvidas de que é um dos seus que se dirige a ele. O depoimento da mãe ao dizer “eu não tenho realmente palavras para explicar o que foi abrir as cortinas e ver que tinha uma orquestra tocando o meu filho” denota essa naturalidade necessária para que o enunciador transmita a autenticidade do sentimento gerado pela experiência. Levar para sempre com ela essa homenagem realizada pela Johnson’s baby e sentir o desejo de compartilhar com o seu filho e com as demais pessoas do seu convívio é o objetivo principal da marca, gerar consumidores evangelistas, fãs da marca, a ponto de divulgá-la voluntariamente para os seus amigos, gerando valor social a longo prazo.

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Conclui-se que o discurso de humanização dessa narrativa conseguiu efetivar a aproximação desejada do enunciatário com a marca, que, ao ter contato com a homenagem a alguém como ele, incorporou os mesmos sentimentos e emoções presentes no ethos discursivo. A experiência marcou para sempre a vida da mãe do bebê e certamente a vida das demais mães que se perceberam projetadas naquela história.

Figura 7 – Storyline Johnson’s Baby. Vídeo Sinfonia da Vida

4.5 – Histórias da vida real

A utilização de histórias de vida como estratégia de aproximação com os públicos das marcas tem sido campeã de audiência nas mídias sociais. As pessoas envolvem-se profundamente quando o assunto é a história da vida do outro. Verifica-se que, de todas as estratégias levantadas nesta pesquisa, histórias de vida são as que mais receberam engajamento do consumidor, com 225 mil compartilhamentos e 44 mil comentários. Há muito tempo as pessoas não viam as suas histórias reais sendo contadas, mas as pessoas gostam de ouvir histórias. A popularização das novelas tomou lugar das histórias verdadeiras das pessoas. O significado autêntico foi perdendo a sua importância enquanto a história de vida vazia e simulada pela televisão foi ganhando forças. Baudrillard (1991, p. 8), ao falar sobre a simulação, ele a coloca como “a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. Mesmo o fato de as pessoas saberem que se trata de histórias fictícias, a novela sempre foi campeã de audiência entre as demais programações,

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pois reproduz, mesmo que de forma simulada, as mazelas, as aflições e os dramas da vida das pessoas. Embora os embates a ser enfrentados sejam sempre os mesmos em todas as novelas que são passadas, mesmo assim, pessoas param tudo o que estão fazendo para assistir à história simulada do outro. Quando o real já não é o que era, a nostalgia assume todo o seu sentido. Sobrevalorização dos mitos de origem e dos signos de realidade. Sobrevalorização de verdade, de objetividade e de autenticidade de segundo plano. Escalada do verdadeiro, do vivido, ressurreição do figurativo onde o objeto e a substância desapareceram (BAUDRILLARD, 1991, p. 14).

Histórias de vida sempre despertaram interesse nos indivíduos, por viverem em interações sociais e quase sempre em prol do outro. Tudo o que diz respeito a alguém também diz respeito a outro. Portanto, ao deparar-se com a história de alguém como ele, o sujeito identifica-se. Baudrillard (1991, p. 9), também afirma que “simular é fingir ter o que não se tem”, mas, nesse caso, as pessoas têm sim suas próprias histórias; portanto, não seria necessário o fingimento, se o ser humano não entendesse que ter sua vida simulada lhe confere lugar de prestígio na sociedade. No imaginário coletivo, há um discurso que foi trabalhado pela mídia durante muitos anos de que somente alguém muito importante pode ter a sua vida sendo vigiada por câmeras. Isso foi cultivado desde que surgiu a televisão e somente os artistas e celebridades faziam parte desse ambiente admirado e cobiçado pelas pessoas. Quando uma marca decide reproduzir a vida de pessoas anônimas, elegendo-os a esse mundo imaginário e inatingível das celebridades, ela concede ao sujeito simples uma posição de poder, uma realeza que guia, um exemplo a ser seguido. Em consequência, o sujeito entra num estado de eterna gratidão com aquela que o elevou ao pódio da fama. Nessa categoria, elegeram-se dois vídeos, para análise, que se destacaram pelo número de consumidores engajados no seu compartilhamento e comentários. O primeiro caso é a campanha “o presente mais valioso do mundo”, da Johnson & Johnson, que obteve um total de quase 52 mil compartilhamentos e 10 mil comentários. E o segundo, com a campanha “pai por Gustavo Kuerten”, do Banco Itaú, que obteve o maior número de curtidas (289.309) e compartilhamentos (59.246) dessa categoria.

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4.5.1 – O presente mais valioso do mundo - Johnson & Johnson

O presente mais valioso do mundo 66 apresentou um discurso muito bem sucedido diante dos públicos da marca Johnson & Johnson. Em mês de natal, dezembro de 2014, a marca trabalhou o tema “presente” de forma bastante criativa. Três pessoas anônimas foram convidadas para dar seus depoimentos de qual foi o presente que elas receberam que teve maior valor. Em paralelo, convidou-se também um profissional de penhor para avaliar os valores de cada um desses objetos. Enquanto as pessoas vão dando seus depoimentos, contando a história de cada um daqueles objetos, o penhor vai avaliando o quanto determinado objeto vale no mercado. O valor, logo se vê, não está no presente em si, mas na história que há por trás de cada um deles. De repente, as pessoas que deram os presentes entram na sala de gravação e surpreendem os protagonistas da história com a sua presença. O momento do reencontro entre essas pessoas é marcado com muita emoção e carinho. A cenografia do “presente mais valioso” apresenta quatro personagens: Roberto, o penhor e os três protagonistas das histórias: Cecília Aun, Mirian Araújo e Alexandre Augusto. Eles aparecem na narrativa como os fiadores da marca, pessoas anônimas contando histórias do seu cotidiano e que carregam um grande peso para a comunicação da marca com os seus consumidores. A escolha pelo fiador Roberto que trabalha como Penhor há trinta anos confere o caráter do ethos necessário para convencer os enunciatários de que se trata de alguém com autoridade para avaliar os objetos em questão. Os demais personagens entram como enunciadores da marca, emprestando o seu caráter de pessoas anônimas contando as suas histórias verídicas. No decorrer do discurso, a linguagem empregada e os elementos visuais utilizados no vídeo como a fotografia, cobertor, pulseira etc. validam o discurso realista.

Figura 8 – a foto como um elemento pessoal que valida a veracidade da história 66

https://www.youtube.com/watch?v=RNH7BoukZnQ

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Ao introduzir os fiadores da história, a produção preocupou-se em destacar na forma de legenda o nome dos enunciadores conferindo-lhes uma identidade. Na fala dos enunciadores, preservaram-se elementos válidos na linguagem informal, exemplo: “tipo assim”, “né”, “estourando” etc. Preservaram-se as características do gênero de discurso publicitário nas mídias sociais em que os participantes utilizam essa mesma linguagem coloquial. Por fim, nas imagens do reencontro entre a pessoa que deu com a pessoa que recebeu o presente também é preservado o efeito da surpresa e a emoção vivida pelos participantes, validando assim o discurso da marca como verdadeiro. Na utilização de um discurso como esse, a marca humaniza a sua relação com o consumidor com a mensagem de que valoriza suas histórias pessoais, tornando-as públicas, colocando-as em lugar de destaque, de uma celebridade. São histórias lindas e emocionantes que levam o enunciatário da mensagem à identificação instantânea com o ethos discursivo e a um forte engajamento do consumidor com a marca e a publicidade gratuita pelas mídias sociais.

Figura 9 – Storyline Johnson & Johnson. O presente mais valioso do mundo

4.5.2 – Pai por Gustavo Kuerten – Banco Itaú

A campanha “pai por Gustavo Kuerten”67, do Banco Itaú, foi lançada no mês de agosto, data em que se comemora o dia dos pais. Embora nesse vídeo a marca traga a imagem de uma pessoa famosa, Gustavo Kuerten aparece aqui contando a sua história de vida pessoal,

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https://www.youtube.com/watch?v=kh0ZHl-z8cw

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como uma pessoa igual a qualquer outra. Isso não quer dizer que a imagem de uma celebridade não venha conferir prestígio e audiência para a publicidade; muito pelo contrário, conforme apontado na pesquisa, esse vídeo foi o que mais obteve compartilhamentos dentro dessa estratégia. Mas o destaque no discurso está em movimentar a celebridade do espaço inatingível pela massa e mostrar o ethos pessoal do famoso, que ele é tão gente quanto qualquer outro indivíduo. Isso é percebido já no início do vídeo na fala do próprio Gustavo Kuerten, que entra em cena dando um depoimento como numa conversa casual e diz, como se buscasse obter a resposta ali, naquele instante: “o que será que meu pai enxerga em mim de tão fantástico?”. O famoso surge nesse discurso, então, como um fiador, com o ethos de alguém persistente e que batalhou para chegar aonde chegou. A batalha de Gustavo, segundo o discurso da marca, foi a de conquistar o amor do pai. Depois da pergunta que intriga Gustavo, aparece a frase de autoria de Robert Frost “Você nada precisa fazer para ter o amor de mãe. Mas tem de merecer o amor do pai”. Então, Gustavo Kuerten inicia a sua história contando como conquistou o amor de seu pai e de todos os demais pais que surgiram na sua vida. As imagens intercalam-se no decorrer do discurso entre vídeos caseiros e fotografias antigas mostrando o retrato da infância feliz ao lado do pai e também imagens atuais com o depoimento dele, da mãe e do irmão mais velho, que também aparecem confirmando o depoimento. Esses elementos presentes na cenografia servem como munição para promover a humanização do discurso. Tudo precisa parecer real, as imagens, a fala do enunciador, a emoção ao se recordar do pai vivo, o engolir seco, o choro etc. A partir da metade do vídeo, o protagonista revela tantas outras pessoas que foram muito importantes para o seu crescimento e formação de caráter, pessoas que foram como um pai para ele.

Figura 10 – Fotografia da infância do famoso ao lado do pai e irmão

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A eficácia desse discurso dá-se pelo fato de a fala ser de um famoso contando as dificuldades e desafios que teve que enfrentar para chegar ao lugar de merecido destaque. O enunciatário identificou-se com o discurso, pois também passa por dificuldades na sua vida cotidiana para alcançar alguma coisa. O imaginário coletivo é de que nada vem de forma gratuita, a conquista é obtida com muito sacrifício. Nesse caso, o famoso não aparece na publicidade ofertando algum produto ou serviço, seu papel ali é simplesmente contar sua história de vida. O resultado lucrativo da marca vem quando um maior número de pessoas estiver compartilhando os seus conteúdos e falando bem nas mídias sociais e fora dela. O que é patente nesse vídeo é que o destaque está para a história e não para a marca, ela aqui se apresenta apenas como a patrocinadora da história, a sua legenda permanece de forma bem discreta ao lado direito do vídeo obedecendo à linguagem que o gênero mídias sociais impõe. Conforme sublinhamos anteriormente, nessa ambiência os usuários não aceitam mensagens publicitárias invasivas; portanto, a marca procura apresentar-se não como interessada unicamente em vender seus produtos, mas como idealizadora de uma causa maior e, com isso, os consumidores possam aderir a seus discursos e a interagir com a marca postando os seus comentários e compartilhando o conteúdo pela sua rede de amigos. No final da narrativa, a marca valida o discurso com a mensagem “esta é uma homenagem aos pais que temos e aos que ganhamos ao longo da vida. Amor de pai #isso muda o mundo” e finaliza com a assinatura da marca Itaú. O vídeo “pai por Gustavo Kuerten” teve mais de 10 milhões de visualizações no Facebook e YouTube, e quase 60 mil compartilhamentos, gerando publicidade gratuita para a marca. Conclui-se que histórias de vida sempre serão um bom assunto a ser abordado tanto na televisão quanto nas mídias sociais. O que importa nessa nova linguagem é que se transmitam a espontaneidade e a aparência de ser puramente verdadeiras.

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Figura 11 – Storyline Itaú. Vídeo Pai por Gustavo Kuerten

4.6 - Cocriação na publicidade

Ter o consumidor participando na construção da narrativa é uma nova tendência da publicidade, que até pouco tempo atrás privilegiava a presença de pessoas famosas dando seu testemunhal em relação ao produto ou serviço da marca, ou de algum personagem escolhido pelas agências de publicidade que representasse bem o ethos característico da marca. Com a supervalorização do consumidor, o foco deslocou-se para o próprio consumidor, que agora é a estrela da vez. De acordo com observações anteriores, as pessoas estão cada vez mais descrentes das propostas institucionais, e a marca precisa de um fiador que empreste a sua credibilidade para que fale por ela. O modelo de publicidade massiva já não encanta mais o consumidor como antes. “Tão logo que uma mensagem é reconhecida como uma publicidade, o consumidor saberá que ela vem de um emissor que pagou para essa mensagem informar ou persuadir o receptor sobre certas ideias ou mercadorias” (SANTAELLA; NÖTH, 2010, p. 13). Essa ideia gera uma desconfiança no receptor da mensagem, uma vez que este sabe que muitas publicidades são apelativas e com intenção única de vender algum produto ou serviço. Como as pessoas confiam mais na publicidade boca a boca, ou seja, feita por alguém como elas, as marcas estão mais focadas na geração de consumidores evangelistas, aqueles que trabalharão

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voluntariamente em favor dela, não porque são pagos para isso, mas porque tiveram alguma experiência marcante que os levaram a sentir o desejo de compartilhar com as outras pessoas. Dessa forma, a publicidade pode valer-se de estratégias discursivas que aproximem o consumidor da marca, que proporcionem experiências reais e que marquem a sua vida a ponto de torná-lo fã da marca. Uma das estratégias é a cocriação na publicidade, que convida os enunciatários da mensagem a interagir com a marca colaborando com conteúdos que ajudem a completar a produção da peça publicitária. “O conteúdo que é inacabado, ou não imediatamente inteligível, estimula a inteligência individual e coletiva de seus públicos. Esses textos ou eventos geralmente solicitam às pessoas que contribuam com algo ou as incentivam a olhar duas vezes para eles” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 234). A cocriação na publicidade é uma forma criativa de promover a colaboração dos consumidores na produção do vídeo publicitário. A marca solicita algum elemento da sua vida pessoal, como foto, vídeos ou mesmo participação com as suas histórias ou comentários. O processo de seleção é típico de um concurso: primeiro o consumidor é convidado à participação; depois da recepção do material, o conteúdo passa por um julgamento e os que estiverem mais adequados ao discurso da marca são inseridos como parte complementar do vídeo; por último, o clipe oficial é exibido nas mídias sociais contemplando a presença dos vencedores. Nesta pesquisa, foi selecionada a publicidade “#amo como você ama” 68, da marca Confort Amaciantes, por ser a campanha em que os consumidores mais se engajaram na sua propagação, com um total de quase 85 mil compartilhamentos e quase 10 mil comentários.

4.6.1 – #amocomovocêama da Confort Amaciantes

O discurso da campanha #amocomovocêama, da Confort Amaciantes, obteve êxito diante dos consumidores da marca, pois os articularam num processo de cocriação da publicidade com suas histórias de vida, fotos e vídeos levando-os ao engajamento e propagação de conteúdos pelas mídias sociais. Segundo Maingueneau (2012, p.58), persuadir

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Vídeo 1: https://www.youtube.com/watch?v=IfUQVHi0WOk

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“consiste em fazer passar em seu discurso o ethos característico do auditório, para dar-lhe a impressão de que é um de seus que se dirige a ele”. A marca empregou nesse caso a cenografia de filhos que amam e compreendem as suas mães do jeito que elas são. O primeiro vídeo da marca foi produzido com atores reais selecionados pela marca, composto por vários tipos de filhos dando seus depoimentos de que, mesmo sendo diferentes do que as suas mães sonharam para eles, elas continuaram os amando; por isso, eles retribuem seu amor também amando as suas mães como elas são. Nesse primeiro vídeo, a marca trabalhou com a ideia de que as mães convivem com a pressão interna de não saber se estão exercendo o seu papel da melhor forma. No final do vídeo, é lançado um convite aos demais filhos a contarem as suas histórias. “se você ama o jeito que sua mãe ama, conta pra ela”, e disponibilizado um link para a página onde eles poderiam contar as suas histórias: “Conte a sua história: amocomovocêama.com.br”. Um mês depois da campanha, a marca retornou às mídias sociais com outro vídeo, mas, dessa vez, contando o sucesso que tiveram com tantas histórias surpreendentes que receberam. O segundo vídeo intitulado “existe jeito certo ou errado de ser mãe? #amocomovocêama”69 traz a resposta sobre a inquietação das mães em saber se estão ou não educando corretamente os seus filhos. O vídeo inicia-se com cenas de diversas fotos e histórias de pessoas que participaram da campanha contando e enviando a sua contribuição pra que a marca pudesse compor o vídeo final. Toda a ambientação do vídeo é comum aos usuários da Internet, pois é composta por uma tela de um computador aberta numa rede social e pelo deslizar do mouse publicando fotos para a campanha. As imagens que vão surgindo no desenvolver da história são de fotos de pessoas reais e vídeos caseiros, textos sendo digitados com as muitas histórias recebidas, e emojis para indicar o estado de espírito das pessoas. Em paralelo a isso, a Confort narra a sua experiência em ter recebido tantas histórias emocionantes que precisava contar para as suas consumidoras. “Foi emocionante! Nos arrepiamos e choramos juntos com cada depoimento. E tudo isso, serviu pra confirmar que cada mãe tem o seu jeitinho próprio de amar. E que todas, sem exceção, estão certas.” Essa fala da marca revela uma tentativa de humanizar as relações, buscando aproximação com o consumidor. Emocionar-se, arrepiar e chorar, só acontece com quem é humano e que se sensibiliza com o outro. E, se chorar ainda for junto, denota o posicionamento da marca em estar próxima dos seus públicos.

69

Vídeo 2: https://www.youtube.com/watch?v=vpw8OH7zXh4

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Todo o discurso da marca também trabalhou a supervalorização do anônimo, convidando-o a entrar no espaço da fama exibindo suas imagens e histórias na esfera pública. Houve identificação do enunciatário com a mensagem e, portanto, o discurso foi bem sucedido.

Figura 12 – Storyline Comfort. Primeiro vídeo #amocomovocêama

Figura 13 – Storyline Comfort. Segundo vídeo #amocomovocêama

4.7 – Convite à participação (mobilização social)

Mobilizações sociais sempre existiram, pessoas sempre se movimentam para causa social quando percebem que alguma coisa não está funcionando na sociedade. É o caso de

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entidades beneficentes que se mobilizam em prol de ajudar os menos favorecidos, pessoas que unem as suas forças para lutar contra alguma injustiça social, ou, até mesmo, pessoas que se reúnem para fazer uma arrecadação de dinheiro ou bens materiais para algum amigo que esteja passando por alguma necessidade. Isso acontece porque o ser humano vive em prol do outro, essa é uma característica intrínseca do ser humano. É mostra de humanidade sensibilizar-se quando se depara com o semelhante passando por alguma dificuldade. Com a chegada das tecnologias, a mobilização social ganhou forças, e pessoas passaram a usá-las também para obter o que desejam umas das outras. As pessoas sempre dependeram umas das outras e do apoio mútuo que recebem. As pessoas também sempre se rebelaram contra o poder institucionalizado, promovendo movimentos sociais como sindicatos e revoluções políticas. Mas o equilíbrio delicado entre as economias de escala proporcionadas pelas instituições e a rebelião de seus membros mudou graças ao surgimento e disseminação das tecnologias sociais (LI; BERNOFF, 2012, p.11).

A mobilização sempre partiu da população nos momentos em que as pessoas viam os seus direitos massacrados pelas instituições ou mesmo quando percebiam que alguma classe social estava sendo ignorada. As tecnologias de informação e comunicação, portanto, vieram para somar forças com essa característica intrínseca do ser humano. Pessoas passaram a recorrer às ferramentas digitais como meios de obtenção do que precisam umas das outras. Charlene Li e Josh Bernoff, definem esse movimento como Groundswell, que é “uma tendência social na qual as pessoas usam a tecnologia para obter o que desejam umas das outras, e não com instituições tradicionais como as corporações” (LI; BERNOFF, 2012, p.10). Isso de fato vem acontecendo desde que a Internet chegou na vida das pessoas, e a emancipação do consumidor vem justamente dessa força conquistada na ambiência da plataformas digitais. Tudo o que se precisa está lá, de uma forma ou de outra, lá as pessoas constroem juntas conteúdos para benefício mútuo. As marcas, porém, encontraram uma forma de financiar a mobilização social, como percebemos nessa estratégia de aproximação. A publicidade que trabalha com essa estratégia discursiva promove a mobilização das pessoas em prol de alguma causa social que, antes, ficava reduzida à população e às instituições de caridade. Para essa estratégia discursiva, analisou-se a ação realizada em conjunto pela CocaCola, Bradesco e Nissan, como patrocinadores oficiais da Olimpíada 2016 no Rio de Janeiro.

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4.7.2 – Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 – Coca-Cola, Bradesco e Nissan

O comitê organizador da Olimpíada Rio 2016, juntamente com os patrocinadores oficiais, Bradesco, Coca-Cola e Nissan, promoveram uma mobilização nacional para selecionar 12 mil brasileiros, que serão os protagonistas do revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016. A ação das três marcas levou muitas pessoas ao engajamento. Foi um total de 35 milhões de visualizações, 623 mil curtidas, 93 mil compartilhamentos e quase 17 mil comentários. A ideia precursora desse manifesto é a de que esses brasileiros indicados pela população fossem os condutores da chama Olímpica para percorrer 20.000 quilômetros de estradas e ruas brasileiras e mais 10.000 em milhas aéreas, no ano de 2016. As três marcas trabalharam com a humanidade das pessoas, convocando os que fazem a diferença na vida de outros para engajar-se na ação. As campanhas começaram a ser publicadas nas mídias sociais em julho/2015 e o prazo para indicações foi até outubro/2015. Essas pessoas que fazem a diferença como ser humano no mundo é que levarão a Tocha Olímpica pelo país. Nota-se que essa análise não buscou ser conclusiva, visto que até a data do término dela, as Olimpíadas de 2016 ainda não haviam começado. O objetivo foi o de mostrar a ação conjunta das três marcas em prol de uma mobilização nacional. A Coca-Cola convidou os candidatos a indicar um “movimento que espalhe a felicidade”, a Nissan buscou encontrar “histórias de calor humano de brasileiros que se atreveram a fazer algo fora do comum”, e o Bradesco pediu indicações de pessoas que “transformam a vida das pessoas em cada região”. No levantamento de dados para esta pesquisa, uma frase dita por Leonardo Caetano70, diretor de cerimônias do Rio 2016 e responsável pela organização do revezamento, marcou o discurso global, era esta: “Sabemos que o melhor do Brasil são as pessoas. Por isso, queremos ouvir as histórias de pessoas de verdade, que fazem a diferença em cada canto do país”. Mais a frente ele completa: “diferente do que muita gente pensa, conduzir a tocha Olímpica não é algo exclusivo para celebridades e atletas. Todo mundo vai poder participar, indicar uma pessoa ou ser um condutor. Basta mostrar quem faz a diferença na vida de outras pessoas”. 70

RIO 2016. http://www.rio2016.com/noticias/brasileiros-serao-protagonistas-do-revezamento-da-tochaolimpica-rio-2016

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O depoimento de Leonardo Caetano está alinhado ao discurso contemporâneo de humanização das relações que objetiva a aproximação das pessoas com as marcas. “Ouvir as pessoas” nunca esteve nos planos das organizações até pouco tempo atrás, como já foi observado aqui. O discurso reforça esse reposicionamento das instituições em busca da harmonia nas relações quando ele diz “histórias de pessoas de verdade”. Como vimos anteriormente, a mídia trabalhou muito tempo a simulação das histórias por meio das novelas e das produções de filmes. Contar histórias da vida real foi perdendo a sua importância, mas, com a chegada das mídias sociais, as histórias simples e esquecida das pessoas voltaram a ser assunto de grande interesse, primeiro para os usuários de Internet nos blogs, redes sociais e sites de conteúdo e, posteriormente, para as marcas que viram nesse fato uma oportunidade de aproximação com os seus públicos, ou seja, reproduzir as suas histórias cotidianas nas publicidades. O fato de pessoas anônimas serem escolhidas como protagonistas para levarem a Tocha Olímpica, também vem a reforçar o discurso de humanização. Quando Leonardo Caetano diz que essa atividade “não é algo exclusivo para celebridades e atletas”, na verdade, ele não está diminuindo o prestígio dos famosos, mas sim elevando as pessoas anônimas ao mesmo patamar. Nessa ação, o Bradesco assumiu o discurso convidando pessoas que fossem atuantes e que fizessem a diferença nas regiões do país. O primeiro vídeo da série convida as pessoas a se mobilizar e a indicar alguém que poderá levar a Tocha Olímpica. No decorrer do vídeo, pessoas vão surgindo e indicando aqueles que consideram ser importantes para a sua cidade. Enquanto isso aparece a pessoa indicada e abaixo uma legenda constando o nome da pessoa e o local. Esses elementos são utilizados como parte da cena da enunciação, de forma que transpareça se tratar de pessoas anônimas e não de atores. Nesse vídeo convite, o Bradesco71 dá o exemplo de como as pessoas devem fazer para indicar alguém utilizando o ethos discursivo de pessoas anônimas as quais assumem as falas da indicação dos que consideram importantes para participar da ação. Alguém diz: “eu indico a Flávia, ela é auxiliar administrativo e também bombeira voluntária aqui na minha região, ela ajuda os outros nas horas vagas”; outro diz “eu indiquei o Leandro, ele é faixa preta de judô e ensina crianças aqui do bairro a lutar. É de gente apaixonada pelo esporte assim que o Brasil precisa né?”, outra diz “olha eu escolho a Rosa, todos os dias ela visita um asilo 71

https://www.youtube.com/watch?v=8bT4aI71olE

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aqui na minha rua pra conversar e fazer companhia para os idosos. Isso é um exemplo de amizade e respeito”. Algumas histórias que as marcas receberam foram transformadas em vídeos publicitários e disponibilizadas nas mídias sociais, como é o caso da história da Dona Rosinha72, moradora da cidade de São Vicente-SP. A história simples ganhou destaque, o sujeito que fazia diferença entre os poucos membros da sua comunidade hoje tem sua história produzida e disponível a todos, como um exemplo a ser seguido.

Figura 14 – Storyline Bradesco. Vídeo Tocha Olímpica

A Coca-Cola73 teve uma abordagem um pouco diferente do Bradesco, seu vídeo trabalhou com o famoso Urso, protagonista clássico da marca que interage com um atleta numa badalada praia carioca causando bastante confusão. No final, a marca convida as pessoas a participar da ação enviando vídeos de situações esportivas que consideram ser ouro “#issoéouro. A produção do vídeo seguiu os moldes da publicidade tradicional, não se utilizando de pessoas anônimas na narrativa e somente no final é que a marca convida o consumidor a interagir enviando os seus vídeos.

72

Exemplo de histórias obtidas através da ação: https://www.facebook.com/Bradesco/videos/vb.17097 1049602363/1060371520662307/?type=2;theater 73 https://www.youtube.com/watch?v=jez505xt1Zs

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Figura 15 – Storyline Coca-Cola. Vídeo você pode ser ouro Por último, a Nissan74 trabalhou com a ação #quemseatreve, que também seguiu os padrões da publicidade tradicional, mostrando imagens de situações que poderiam ser encontradas na rota que a Tocha Olímpica vai percorrer. O vídeo apresenta-se convidando os consumidores a participar da ação mediante inscrição no site da marca. A Nissan coloca-se como a caçadora de histórias fascinantes que poderão ser encontradas na rota da Tocha, histórias de pessoas que ousam e mudam este país, e conclui: “uma delas pode ser a sua”.

Figura 16 – Storyline Nissan. Vídeo quem se atreve

74

https://www.youtube.com/watch?v=rmyamzcqvrk

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Pode-se perceber, nos casos do Bradesco e da Nissan, que as marcas estavam atrás de histórias verídicas para serem produzidas e publicadas nas mídias sociais. Observamos alguns casos de vídeos com histórias reais publicadas pelas marcas, como a da Dona Rosinha, divulgada pelo Bradesco, e a da Luena75, divulgada pela Nissan, que é uma mulher que se atreveu a enfrentar preconceitos: primeiro virou pescadora, depois usou tecnologia para inovar a pesca na região da Bahia. Torna-se visível que a mobilização social promovida pelas marcas é bem diferente da que a população está acostumada a praticar. As pessoas ajudam as outras num clima de solidariedade, sem almejar benefícios materiais, enquanto as marcas trabalham em prol dos próprios interesses. O discurso que permeia ações como essa não é algo novo na história das organizações, estas sempre se valeram de discursos de responsabilidade social para promover a sua humanização na sociedade, quando, na verdade, suas intenções nunca foram de fato a responsabilidade social, pois anos dessa prática evidenciam isso. Pode-se vislumbrar, portanto, a transferência de um discurso que já foi exaustivamente praticado pelas organizações na sociedade, antes resumido a seus balanços sociais e à comunidade local, e que agora são levados para a ambiência digital. As marcas aproveitam-se da necessidade que as pessoas têm de exibir suas belas ações para a sociedade e ampliam isso para a ambiência digital, com uma produção cinematográfica, promovendo assim o indivíduo à categoria de celebridade, aquele que é um exemplo a ser seguido.

4.8 – Entrevistas com pessoas anônimas

Entrevistas com pessoas anônimas têm ganhado força na publicidade contemporânea. Marcas buscam nessa estratégia discursiva aproximar-se ainda mais dos consumidores, tornando-os tão importantes a ponto de serem entrevistados. Suas histórias, seu estilo de vida, o que pensam, o que falam, tudo está sob o foco das câmeras para que nada seja desperdiçado sobre a menina dos olhos da marca, a sua excelência, o astro consumidor. Nessa categoria, destaca-se o caso da marca Carefree Absorventes, com a campanha “desabafa Carefree”76, que convidou garotas anônimas para uma série de bate-papo publicada 75

https://www.facebook.com/nissanbrasil/videos/vb.108188425881553/1020037941363259/?type=2;theater https://www.youtube.com/watch?v=DYbQAxMvwKU https://www.youtube.com/watch?v=TdQCA5INpCM 76

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semanalmente nas mídias sociais em formato webséries. Sob a mediação da atriz e apresentadora Mel Fronckowiak, os assuntos discutidos entre elas incluem as inseguranças do universo feminino: como os padrões de beleza cobrados das mulheres, relacionamentos tradicionais, amizade colorida, autoestima feminina, aparências nas redes sociais, pressão dos pais e da sociedade, gentileza versus machismo, entre outros. Em cada episódio é retratado um tema específico, e as meninas conversam abertamente sobre o assunto em questão. A linguagem das garotas é bem informal, carregadas de gírias, típica de quem está familiarizado com vídeos de Vlogs ou YouTube. O discurso da marca incorpora o ethos das garotas que são descoladas e não se preocupam em quebrar padrões impostos pela sociedade. O enunciatário da mensagem, nesse caso, são as garotas, que emprestam a sua imagem como fiadoras para a marca, que atua apenas como uma mediadora do bate-papo. No final, a marca toma a palavra e entra em ação, mostrando-se interessada em “ouvir” as inseguranças das suas consumidoras com a frase: “conta pra gente o que você achou nos comentários. Falar sobre as nossas inseguranças deixa a gente mais confiante. Vamos falar mais?”. Nota-se que a marca se posiciona como íntima das suas consumidoras quando se inclui na situação “nossas inseguranças” deixa a “gente” mais confiante. Esse posicionamento reforça o discurso de humanização da marca e a aproximação com suas consumidoras em não colocar ponto final na história, mas, pelo contrário, lança o apelo “Vamos falar mais?”. Esta é uma característica que deve estar presente nas publicidades participativas das mídias sociais, elas não podem ter fim, mas o seu término precisa funcionar como um gatilho promotor das conversas em torno do assunto apontado pela marca até se esgotar todas as suas possibilidades. As estratégias de aproximação precisam prever essa continuidade nos conteúdos, até o seu esgotamento. “Vamos falar mais” é uma oportunidade para gerar engajamento nos consumidores e assim continuem contando suas histórias e compartilhando o conteúdo pelas mídias sociais, gerando a publicidade gratuita esperada pela marca.

https://www.youtube.com/watch?v=H68j8hsMPeo https://www.youtube.com/watch?v=UmlMopQUJDQ https://www.youtube.com/watch?v=BAPdjqWmRqk https://www.youtube.com/watch?v=lJ4vI-7kML8 https://www.youtube.com/watch?v=cIGAuCRQJo4 https://www.youtube.com/watch?v=FELp-Q8LdMY https://www.youtube.com/watch?v=5wNcpj2KenQ https://www.youtube.com/watch?v=Tp49b41oJBU https://www.youtube.com/watch?v=1B8tfoL2WpM

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A estratégia que busca entrevistar pessoas anônimas possui o mesmo objetivo das demais apontadas até agora, em que o sujeito anônimo é elevado à categoria de suma importância, digno de ser reverenciado e entrevistado. O que esse sujeito tem de bom? O que passa em sua cabeça? O que ele gosta de fazer? Quais são seus anseios? Como se comunicar com ele? Perguntas tais como essas são feitas quando se trata de pessoas inatingíveis, como a celebridade, por exemplo. Essa inquietação vai ao encontro do que foi apontado no capítulo II, em que tanto se questiona sobre quem é o consumidor da contemporaneidade, o que ele faz, como pensa, como se movimenta na ambiência digital etc. Esse interesse repentino em dar tanta importância ao sujeito anônimo não é puro e simples porque o indivíduo merece estar nessa posição de poder, mas porque há um interesse por parte das organizações numa tentativa desesperada de manter o maior número de pessoas possíveis aliadas à marca. Conforme analisado também no capítulo III, as organizações nunca se preocuparam em conhecer de fato as reais necessidades dos seus consumidores, seus objetivos sempre foram puramente comerciais, mas devido à perda do controle midiático, hoje qualquer pessoa insatisfeita pode prejudicar a imagem institucional de uma marca com publicações de desafeto nas mídias sociais. Basta o assunto ter repercussão entre pessoas também ofendidas com a marca, para que ele se transforme em uma crise organizacional. Por isso, o melhor a fazer é cortejar o consumidor, dar-lhe o devido prestígio e atenção de que precisam para que, satisfeitos com a marca, venham a gerar comentários favoráveis a ela nas mídias sociais.

Figura 17 – Storyline Carefree. Vídeo desabafa amigas

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4.9 – Famosos da Internet

Com a chegada das mídias sociais, muitas pessoas que até pouco tempo atrás eram consideradas anônimas foram ganhando prestígio entre os próprios usuários da Internet. Publicações de conteúdos em blogs, Vlogs ou YouTube que, inicialmente funcionavam apenas como entretenimento, hoje é fonte de recursos para muitas pessoas que conseguiram se destacar no ambiente digital. O famoso da Internet nada mais é do que uma pessoa anônima que decidiu compartilhar suas experiências em vídeos e caiu na graça dos usuários da Internet e consequentemente está sob o foco de muitas marcas que procuram identificar os mais influentes para ofertar patrocínios. Quanto maior for a quantidade de seguidores que uma pessoa tiver, maior será o seu poder de influência. Veja-se a inúmera quantidade de blogs existentes na Internet, sobre todo tipo de assunto e para todos os tipos de públicos. Por isso, muitas marcas perceberam nos blogueiros uma oportunidade para alavancar os seus negócios e divulgar os seus produtos. Além das tradicionais parcerias com blogueiros por meio de patrocínio, as marcas agora resolveram adotá-los também nas produções publicitárias. O blogueiro entra na narrativa como celebridade, alguém de prestígio e credibilidade entre os demais usuários da Internet. O ethos característico de uma pessoa comum que ganhou prestígio entre os demais lhe confere autoridade para falar como um fiador da marca. Foram percebidos alguns casos, nesta pesquisa, como o uso da Helena Lunardelli, dona do blog dojeitoh.com.br, e Nati Vozza, do glam4you.com, contratadas pela C&A 77, para participar da publicidade da marca. O formato do vídeo segue a mesma linha das resenhas feitas por elas em seus Vlogs, a linguagem coloquial típica dos usuários das mídias sociais é preservada; porém, a marca deixa claro que se trata de um vídeo publicitário ao assinar a campanha. A cenografia também deixa pista de que se trata de um vídeo publicitário, pois se inicia com a assinatura da marca, e, logo que a blogueira começa sua fala, aparece uma legenda com a sua identificação. A blogueira nesse caso é a fiadora da marca, a pessoa que empresta o seu ethos de pessoa comum que alcançou a posição de celebridade no mundo digital para conferir credibilidade à comunicação da marca. Todo discurso é feito pela blogueira e apenas a assinatura da marca valida o discurso. 77

https://www.youtube.com/watch?v=nFTQ8bvxgmw e https://www.youtube.com/watch?v=qIHN8wSME3I

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Figura 18 – Storyline C&A. Vídeo blogueira Helena Lunardelli

Figura 19 – Storyline C&A. Vídeo blogueira Nati Vozza

O outro caso de destaque é o “Mc Café”78, do MC Donalds, um vídeo bem descontraído, produzido em agência, feito com as famosas trigêmeas, donas do canal Trigêmeas Caram no YouTube. A comunicação do vídeo é bem simples, as meninas apenas cantam uma música brincando com os copos “cup song”, e a marca assina o vídeo no início e no final encerra com a frase “e aí, tem a manha?”. Verifica-se que a linguagem do ambiente digital é respeitada em todas as estratégias pesquisadas. “Ter a manha” é uma gíria popular e muito utilizada entre os usuários de Internet. Usar a mesma linguagem que seus públicos 78

https://www.youtube.com/watch?v=Z7Ujk8PFpWw

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também é uma forma da marca se aproximar do consumidor. Conforme observou-se anteriormente, essa abordagem discorre sobre um contrato de comunicação presente no processo discursivo. A escolha das palavras, as gírias, a ambientação etc. são de conhecimento mútuo, estão presentes no código linguageiro das pessoas, permitindo assim a identificação do enunciatário com o enunciado. O Mc Café utiliza-se do ethos de pessoas anônimas que alcançaram a popularidade na Internet, como as trigêmeas, incorporado na mensagem, comunicando um discurso descolado de acordo com o público da marca. O prestígio das famosas da Internet é aproveitado no discurso para promover assim a identificação dos enunciatários com a mensagem. Nesse caso, também há a supervalorização do indivíduo quando a marca decide que um famoso da Internet seja o seu fiador, e não ela.

Figura 20 – Storyline Mc Café. Vídeo trigêmeas Caram

4.10 – Linguagem da conexão

Embora nessa estratégia discursiva a publicidade se aproveita da imagem de pessoas famosas como o caso dos apresentadores Angélica e Luciano Huck, a forma que ela encontrou para se aproximar dos consumidores foi por meio da linguagem da conexão. Algumas marcas ainda não integraram o conceito de utilizar o anônimo em suas publicidades, como a Perdigão, por exemplo. Ela preferiu manter o ethos do famoso em seu discurso, mas, nesse caso, a abordagem é diferenciada porque ela o moveu do mundo inatingível das celebridades e

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o inseriu no contexto dos usuários das mídias sociais, com a mesma linguagem aplicada na ambiência digital. Ou seja, a marca busca a aproximação direta com o consumidor por meio da linguagem da conexão, ao passo que, ao ter contato com o código linguageiro presente na fala dos enunciadores, o consumidor se identifica. Na ambiência das mídias sociais, as pessoas permitem-se utilizar de uma linguagem mais informal, como abreviaturas, sinais indicativos do estado de espírito das pessoas como os emojis, gírias e palavras não convencionais. Além disso, muitas brincadeiras surgem e ficam sendo compartilhadas até o seu esgotamento. É o caso do Dubsmash, um aplicativo gratuito que permite criar vídeos curtos e divertidos, com dublagens de vozes famosas e compartilhar com os amigos. A perdigão aproveitou o momento em que a brincadeira estava no auge pelas mídias sociais e criou uma série de vídeos 79 com os apresentadores famosos falando sobre os produtos em forma de dublagem. A marca criou um ambiente informal e comum para seus públicos que se identificaram com o discurso. Embora a Perdigão tenha se apropriado do ethos do famoso em cena, a marca buscou humanizar a celebridade trazendo-os para o mundo dos usuários das mídias sociais e falando a mesma língua que eles. O fato de os protagonistas utilizarem a mesma brincadeira dos usuários de Internet colocou-os num patamar de igualdade diante dos enunciatários da mensagem. Torna-se transparente, nesse discurso da Perdigão, que há um interesse da marca em aproximar-se dos seus públicos, e a utilização de elementos comuns aos usuários das mídias sociais é também uma forma de se aproximar do mundo dos enunciatários. Usando o mesmo linguajar, a marca posiciona-se como alguém igual a eles. A escolha por personalidades como Luciano Huck e Angélica também vão ao encontro dessa estratégia de aproximação, pois são pessoas de bastante prestígio popular e que já estão familiarizadas com o discurso da linguagem simples e informal aplicado nos seus programas de televisão. A boa imagem desses personagens perante a sociedade também confere autoridade aos fiadores para adentrar no mundo de seus fãs e falar a mesma língua que eles.

79

https://www.youtube.com/watch?v=SD-sqVx0S4Y ; https://www.youtube.com/watch?v=Z1E_SOwTMYA e https://www.youtube.com/watch?v=l7leMGGoawg

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Figura 21 – Storyline Perdigão. Vídeo Dubsmash

4.11 – Ação com aplicativo de celular

Para se diferenciar na ambiência das mídias sociais, é preciso muita criatividade, pois a novidade dos conteúdos se esgota muito rapidamente. É preciso estar sempre inovando e criando novas oportunidades de relacionamento com os usuários. Nesta pesquisa, levantamos algumas marcas que, para diferenciar-se, criaram canais ou aplicativos para celulares, de forma que seus consumidores puderam ter um contato ainda mais próximo com a marca. Percebe-se que essa é uma estratégia embrionária e que ainda precisa ser bastante aperfeiçoada pelas marcas, mas é uma tendência para um futuro próximo, visto que a projeção é de crescimento no número de dispositivos móveis conectados à Internet. A marca Chevrolet lançou no mês de agosto/2015 a campanha “consumidores reais, opiniões verdadeiras”80. A Chevrolet inovou a publicidade ao criar um canal de comunicação direto entre pessoas interessadas na compra de veículos da sua marca com consumidores reais, pessoas que já possuem o veículo. Foram criadas várias contas no aplicativo WhatsApp com o objetivo de colocar os consumidores em contato direto com os donos dos automóveis. 80

https://www.youtube.com/watch?v=PZnMy7XcF3U; https://www.youtube.com/watch?v=S90XaVDPxbU; https://www.youtube.com/watch?v=QGsl6kjxARs ; https://www.youtube.com/watch?v=aZyaIp93zho ; https://www.youtube.com/watch?v=YbdSs8A9Ae4 ;https://www.youtube.com/watch?v=tqEZJCNYYhw https://www.youtube.com/watch?v=FHF7YnTmUaA ; https://www.youtube.com/watch?v=TkcU4qc9zCE https://www.youtube.com/watch?v=2ff_QkLEXbA ; https://www.youtube.com/watch?v=zr8DGmXF6g0 https://www.youtube.com/watch?v=S3TpT8yt6vs ; https://www.youtube.com/watch?v=mYmHNN2dW-s

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O filme foi feito no formato webséries e exibido semanalmente nas mídias sociais. Os protagonistas das narrativas eram os próprios proprietários dos veículos. Todo o cenário foi pensado em transmitir uma imagem mais próxima da realidade, e para isso, a gravação dos vídeos foi ambientada de acordo com os lugares que os donos dos carros frequentam, moram, trabalham etc. Embora saibamos que o fato de uma história ser filmada não é mais real, pois é uma simulação do real, paira uma necessidade nos discursos das marcas de que tudo precisa parecer o mais real possível. Por isso, a marca preocupou-se com todos os elementos presentes nas cenas de enunciação que contribuiriam para que a produção simulada parecesse verdadeira. O primeiro vídeo da série traz um resumo de todos os participantes e, ao iniciar a história, aparece uma legenda “pessoas reais, opiniões verdadeiras”. Observa-se que o próprio título da campanha induz o consumidor a acreditar que se trata de fato de um vídeo feito com pessoas reais e que as suas opiniões são fruto da experiência vivida por cada um deles e não de roteiros publicitários produzidos com o intuito de vender o produto. No vídeo, cada participante apresenta-se falando o seu nome, a sua profissão e qual o modelo do carro que possui. Depois da apresentação dos protagonistas da série, a marca inicia o discurso, ressaltando os benefícios dos carros, e convida os consumidores a irem até o site da marca para conhecer o WhatsApp de outros consumidores que já têm um carro Chevrolet. O vídeo é finalizado com os protagonistas convidando os consumidores a entrar em contato com eles. “Se você ainda tem alguma dúvida, me manda um WhatsApp. Eu sou cliente Chevrolet de verdade”. Na legenda, aparece o nome da pessoa e o número de seu celular. O fato de ser “cliente de verdade” confere credibilidade ao discurso, pois é alguém igual ao enunciatário que se dirige a ele, por isso, a necessidade da marca em reafirmar tanto nas cenas da enunciação quanto no texto falado de que se trata de algo real. Constata-se nessa estratégia que a marca se utilizou de um aplicativo pessoal, o Whatsapp, para aproximar os possíveis futuros compradores com os já consumidores dos seus produtos. A marca utilizou o ethos dos protagonistas da vida real como fiadores, ou seja, aqueles que têm autoridade para falar pela marca aprovando os seus produtos após ter vivido uma experiência com eles. Ela induz, dessa forma, os possíveis compradores a não ter dúvidas de que essa é a melhor compra a ser feita e não outra.

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Figura 22 – Storyline Chevrolet. Vídeo pessoas reais opiniões verdadeiras

4.12 – Concurso cultural

O concurso cultural também é uma estratégia de aproximação com os consumidores no ambiente das mídias sociais, pois os incentiva a interagir com a marca para obter a recompensa proposta. A publicidade realizada pelo Banco Itaú 81, patrocinador oficial do Rock in Rio 2015, seguiu essa linha cultural e incentivou os correntistas do banco a cadastrar-se no site da marca e concorrer a ingressos para o maior festival de música do mundo acompanhados por cinco amigos. Embora a marca não tenha escolhido nenhuma pessoa anônima no vídeo, a estratégia da marca visava à aproximação com os públicos, por meio da recompensa dos ingressos ao show. Além disso, a ação estendeu-se também para a ambiência das ruas, foram instalados caixas eletrônicos na orla de uma praia carioca, que na verdade eram karaokês, para incentivar os pedestres a cantar a música tema da publicidade. Após os participantes cantarem a música, a marca emitia ingressos para o evento. O que se percebe nesse tipo de estratégia é que, embora o objetivo fosse de aproximação com os consumidores, os dados mostraram que não houve muito engajamento por parte do consumidor para o compartilhamento do vídeo e a publicidade gratuita. A publicidade recebeu um total de mais de 2 milhões de visualizações, um número bastante 81

https://www.youtube.com/watch?v=23JMMl6fhNQ

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considerável nas mídias sociais e apenas 790 compartilhamentos. É preciso reiterar aqui que a publicidade das mídias sociais precisa apresentar material que provoque o consumidor a desejar interagir com o conteúdo, enviando elementos pessoais para ajudar na produção do vídeo publicitário ou respondendo às perguntas que são feitas no final do vídeo, enfim, a publicidade precisa despertar no enunciatário a necessidade de dar continuidade ao diálogo iniciado pela marca. O vídeo em questão apresentou-se de forma unidirecional, seguindo os mesmos padrões da publicidade das mídias de massa, não incentivando em nenhum momento a continuidade do diálogo, peça fundamental para a interação entre os interlocutores da ambiência digital. Além do mais, o concurso cultural restringia-se somente a correntistas do Itaú, o que impedia outros usuários de participar do concurso. O discurso da marca não apresentou um material adequado à apropriação do usuário das mídias sociais que buscam por conteúdos para extrair algum benefício próprio. De acordo os autores Jenkins; Green e Ford (2014, p. 234), os conteúdos para as mídias sociais precisam ser propagáveis e citáveis, “ao fornecer formas fáceis para que o público possa extrair trechos desse material e compartilhar esses trechos com os outros; e apropriável ao fornecer as funções tecnológicas que tornam o conteúdo de fácil manuseio e compartilhável”. Ou seja, embora a publicidade tenha obtido um alto índice de visualização, o discurso da marca não atingiu a eficácia desejada com o público das mídias sociais que é levá-los à interação e ao consequente compartilhamento do conteúdo. O concurso é uma boa estratégia de aproximação na Internet, mas é necessário que o seu discurso esteja alinhado ao perfil do público das mídias sociais, que exige uma comunicação dialógica e interativa, para que possam engajar-se à sua comunicação. Caso contrário, será mais uma publicidade que terá apenas visualização e pouca interação. Ou seja, uma publicidade que não atingirá o objetivo inerente às mídias sociais que é o de engajar o maior número de pessoas possíveis à propagação dos conteúdos pela sua rede de amigos, gerando, assim, valor social a longo prazo para a marca.

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Figura 23 – Storyline Itaú. Vídeo concurso Rock in Rio 2015

4.13 – Ação gerada num local público e trazida para as mídias sociais

Criar conteúdos que sejam compartilháveis deve ser prioridade na construção dos discursos da marca, quanto mais pessoas estiverem falando bem dela, melhor será. Apresentamos aqui diversas estratégias de marcas que estão conseguindo integrar a linguagem dialógica das mídias sociais em suas publicidades e obtiveram êxito na busca por aproximarse de seus públicos. Essa última estratégia analisada possui um perfil diferente das demais, porque, na verdade, ela acontece fora do ambiente digital, no ambiente off-line e só depois é levada para o ambiente on-line. A estratégia da marca é de criar alguma situação real com seus públicos num local de grande movimentação e depois os resultados são sintetizados num vídeo publicitário e publicado nas mídias sociais. Essa estratégia é apropriada para gerar publicidade gratuita entre os usuários da Internet que se apropriam do conteúdo e o compartilham nos seus dispositivos móveis. Neste caso, analisamos a ação realizada pelo Café Pelé com o tema “epidemia de bocejos”82. Numa estação de Metrô de São Paulo foi colocado um painel sensorial e dentro havia a imagem de um homem que fazia bocejos toda vez que alguém se aproximava do painel. Conclusão, a marca promoveu uma epidemia de bocejos dentro da estação de metrô 82

https://www.youtube.com/watch?v=J07zrL5QqB4

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mexendo com o humor das pessoas que se divertiam diante da situação. Após mexer com o estado de espírito das pessoas, a marca entra em cena trazendo a solução para a situação. Surge uma promotora que traz porções de cafezinhos e os serve às pessoas. O vídeo traz imagens reais da ação e da descontração no momento do cafezinho. Com isso, a marca conseguiu proporcionar uma experiência real e inesperada aos consumidores. O fato de a marca movimentar-se até a estação de Metrô para servir os seus públicos a coloca numa posição de proximidade com eles. Essa estratégia não deixa de ser igual a das demais que buscam a supervalorização do indivíduo em seus discursos. Nesse caso, a marca demonstra a valorização quando ela se desloca do mundo inatingível de poder e se materializa na experiência pessoal junto ao consumidor. Experiências como essas dificilmente serão apagadas da memória dos consumidores, pois não foram histórias simplesmente contadas por meio de vídeos publicitários, trata-se de situações reais vividas de forma espontânea, num momento inesperado, o que torna a experiência ainda mais intensa. Portanto, não importa se a estratégia de aproximação acontece no ambiente digital ou fora dele, a marca precisa estar disposta a criar conteúdos cada vez mais criativos e que contemplem a participação dos seus consumidores na sua concepção. Percebendo-se nele, os consumidores ficam mais suscetíveis a absorvê-los e a se tornarem os evangelistas de marketing que as organizações tanto ambicionam na contemporaneidade.

Figura 24 – Storyline Café Pelé. Vídeo epidemia dos bocejos

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4.14 – Principais resultados das análises Ao analisar as 11 estratégias de aproximação acima, observa-se que há algumas concordâncias nos discursos das marcas, que é oportuno relacionar: 

Em todas as publicidades há uma mensagem explícita de supervalorização do indivíduo elevando-o ao mundo inatingível das celebridades. Na tentativa desesperada em promover a paz com o consumidor das mídias sociais, as marcas não ocultam a intenção da supervalorização presente nos seus discursos. Em alguns casos, essa clareza é confirmada com elementos linguísticos ou visuais de que essa é de fato a intenção da marca, de promover o consumidor a um lugar de honra;



O ethos prevalente nas publicidades é do indivíduo comum, o simples, que concede o seu caráter de alguém que tem autoridade para falar com os seus semelhantes. O fato de as marcas utilizarem o anônimo em seus discursos promove uma identificação imediata dos enunciatários com o enunciador da mensagem, pois a história em questão é de alguém igual a ele.



O famoso, quando usado no discurso de aproximação, é deslocado para a ambiência do indivíduo comum, sujeitando-se aos mesmos hábitos, às mesmas experiências de vida, à mesma linguagem etc. A presença do famoso nas mídias sociais certamente favorece a intensificação da audiência, mas a proximidade que ele tem com o usuário das mídias sociais quando entra em seu espaço privado, torna-o tão humano quanto os enunciatários. Essa aproximação nunca permitida antes faz com que o consumidor se sinta valorizado pela marca, a ponto de ela promover um encontro entre o seu mundo e o mundo inatingível das celebridades.



As estratégias apresentam cenografias de histórias verídicas. Embora saibamos que a produção publicitária exija um roteiro e que há uma intenção comercial por detrás da história patrocinada pela marca, ou seja, que se trata de uma simulação da realidade, os discursos precisam transparecer como verdadeiros. Por isso são preservados os elementos originais que fazem parte da história narrada como: o cenário, os objetos, fotografias, vídeos, as gírias e linguagem coloquial, o nome das pessoas etc.

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Percebe-se maior engajamento dos consumidores nas publicidades em vídeo das mídias sociais que não finalizam a narrativa, mas deixam a abertura para uma continuidade no diálogo. A publicidade entra, nesse caso, como uma ativadora para incitar os debates ou mesmo as conversas já em andamento. As marcas que receberam maiores comentários foram as que mantiveram essa característica dialógica com chamadas do tipo “conte pra gente”, “acesse o nosso site e envie sua história” etc.



As marcas buscaram humanizar as relações com os consumidores inserindo-os nas suas narrativas publicitárias, concedendo-lhes um lugar de prestígio entre os demais. O fato de ela estar disponível para ouvir as histórias dos seus consumidores e reproduzilas com toda a produção digna de uma estrela, soa como uma atitude de submissão da marca. Ela descendo de sua supremacia e concedendo o lugar de honra ao consumidor.



Em todas as publicidades analisadas, percebeu-se o emprego de uma linguagem informal e, em muitos casos, o uso de gírias. Os discursos preocuparam-se em manter o código linguageiro dos públicos das mídias sociais; essa característica presente na língua é o que Patrick Charaudeau denominou de contrato de comunicação presente no processo comunicacional.

Todas essas questões levam o consumidor a acreditar na humanização da marca, pois ela promove discursos de uma ambiência tão humana quanto a realidade vivida pelas pessoas. É por meio da apropriação das histórias de vida do outro e da sua exposição na esfera pública que a marca se posiciona como humana e próxima do consumidor. A preocupação em querer saber o que ele pensa sobre o assunto em questão e a incitação ao diálogo promove uma atmosfera amistosa entre os interlocutores. Conforme analisado nos capítulos anteriores, vê-se que esses são apenas discursos, é mais uma tentativa de manter-se sobre o controle da grande massa. Devido à perda de controle midiático que as marcas tinham como certa sobre os seus consumidores e a aparente liberdade que o indivíduo tem em se manifestar publicamente mediado pelas mídias sociais, o consumidor ganhou posição de poder, pois a sua atuação pode interferir positiva ou negativamente nas estratégias de marketing das organizações. Sendo assim, as marcas ainda detentoras do poder capital, mergulham numa tentativa de aproximar-se dos consumidores financiando a sua necessidade de exibir-se publicamente.

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De acordo com o relatado no capítulo II, as pessoas confiam mais na opinião de alguém como elas do que nos discursos das instituições. Dessa forma, a marca utiliza-se do ethos do indivíduo anônimo, como um fiador, aquele que tem autoridade para falar por ela. Em contrapartida, a marca coloca-o num lugar de destaque elegendo o anônimo, até então, à celebridade entre os seus semelhantes. Assim, o enunciador passa a ser alguém tão humano quanto os enunciatários, as histórias são tão reais quanto as que ele vive no seu habitat. Com isso, a marca consegue de fato aproximar-se dos consumidores e dialogar com eles, pois há identificação entre ambos. Embora o discurso que se apregoa é o de que o consumidor é um indivíduo emancipado, anômalo e livre, o que se depreendeu nessas análises é que, ao aceitar colaborar com uma publicidade participativa, o consumidor abre mão de sua sonhada liberdade em troca de experimentar a sensação de ser celebridade, mesmo que seja por pouco tempo. Assim, continua sendo presa fácil para as marcas que visam apenas ao seu poder de influência sobre os seus semelhantes e resultados lucrativos para seus produtos.

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CONCLUSÕES

A história da comunicação vem passando por mudanças significativas nos últimos tempos. Com a expansão das tecnologias de informação e comunicação e a chegada da plataforma interativa Web 2.0, há menos de duas décadas, a comunicação de massa (televisão, rádio, revistas e jornais), conhecida até então como o principal meio para levar informações para as pessoas, foi impactada com uma avalanche de outras novas mídias, as mídias sociais, causando um processo de desmassificação nos meios de comunicação. As mídias sociais, que são plataformas digitais interativas, e que permitem a participação e a publicação de conteúdos por usuários da Internet conquistaram rapidamente a preferência de milhares de pessoas que passaram a usá-las como a primeira opção em fonte de informação. O discurso que permeou o surgimento das mídias sociais foi impactante o bastante para fazer as pessoas acreditarem que os problemas da falta de comunicação e informação acabariam com a nova cultura comunicacional e que isso proporcionaria a tão sonhada liberdade às pessoas, que, a partir de então, poderiam expor suas ideias numa esfera pública sem intermediários e com o custo zero. A onipresença das mídias sociais e as facilidades proporcionadas pelos recursos que ela traz para a humanidade fez com que as pessoas se entusiasmassem com a sua utilização e passassem a dar menos importância para o uso das mídias tradicionais como a televisão e o rádio, que, a partir de então, começaram a servir como uma cena de fundo já que a atenção dos telespectadores está mesmo é voltada para os seus computadores e dispositivos móveis de celulares. Isso porque as mídias sociais possuem uma linguagem dialógica, podendo o usuário interagir com outras coisas ao mesmo tempo e obter a informação que precisa em questão de segundos na ambiência digital. Fato que não acontece com as mídias de massa tradicionais, que possuem uma linguagem unidirecional, não dispondo de recursos que levem de fato o telespectador à interação com o meio. Certamente, a chegada de novas tecnologias causam mudanças impactantes no ambiente em que ela se instala. Dessa forma, as mídias sociais também trouxeram consequências positivas e negativas, e que merecem ser destacadas.

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Como consequência positiva, as mídias sociais permitiram que efetivamente qualquer pessoa com acesso às tecnologias digitais possa ser um agente emissor de conteúdos. Nessa ambiência, o consumidor deixou de lado o título de um ser passivo para tornar-se um prossumidor, ou seja, um consumidor e produtor de conteúdos. E isso não era possível na cultura de massa, em que somente o meio era o emissor da mensagem. Ademais, a liberdade que o sujeito tem de se movimentar pela ambiência digital e publicar as suas opiniões, copiar e recriar conteúdos, curtir e compartilhar, desenvolver vídeos e publicar em sites, foi algo celebrado por todos os usuários das mídias sociais. A superabundância de informação disponível a todos os usuários de Internet também é um benefício louvável que as novas mídias proporcionaram às pessoas. Porém, todas essas vantagens também têm as suas complexidades a ser consideradas. Por exemplo: o excesso de informação circulando pela Internet é tal que as pessoas sentem dificuldades para lidar com isso, e, por consequência, descartam a maioria do que vê. Ocorre que a capacidade cognitiva do ser humano não acompanhou a velocidade com que as tecnologias se expandiram, ou seja, o cérebro humano continua tendo a mesma capacidade, enquanto o volume de informação disponível na Internet é ilimitado. Além disso, as pessoas estão conectadas a muitas coisas ao mesmo tempo (dispositivos de celulares, computadores, aplicativos, televisão, rádio etc.) e fazendo as suas atividades conjuntamente (trabalhando, dirigindo, conversando etc). Todo esse excesso de conexões têm levado as pessoas a uma crise de atenção e à consequente falta de comunicação. A crise de atenção é um desafio a ser enfrentado pela publicidade das marcas que dependem da atenção dos seus públicos de interesse para haver uma comunicação eficaz dos produtos. Essa tem sido uma das principais causas que têm levado organizações a investir em publicidade nas mídias sociais. Com a atenção de seus públicos voltada para as mídias sociais, as marcas que se mantiveram resistentes por um bom tempo em não aderir às novas mídias não encontraram outra saída a não ser fazer as pazes com os seus públicos e investir em publicidades que promovam a aproximação com eles. Além das complexidades descritas acima, as promessas de que a Internet democratizaria a comunicação ainda não foram cumpridas. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia realizada pelo Ministério da Comunicação do Governo Federal, no ano de 2014, pouco mais da metade (53%) da população brasileira ainda não tem acesso à Internet, em consequência da falta de infraestrutura das cidades e de outros fatores sociais. Mas, as

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empresas de tecnologia estão apostando no crescimento do número de usuários devido a um aumento projetado nas vendas de dispositivos móveis (celulares), por terem um custo mais acessível à população e também a facilidade da Internet móvel. É certo que se imergiu numa nova cultura comunicacional, a cultura de participação mediada pelas tecnologias digitais. E essa nova ambiência trouxe mudanças impactantes na forma com que o indivíduo se movimenta na sociedade. A cultura de participação das mídias sociais pressupõe a colaboração ativa dos seus membros, ou melhor, dos seus participantes. Isso significa que, nessa nova ambiência, o sujeito ganhou importância e passou a ter a possibilidade de influenciar e ser influenciado pelos conteúdos que são compartilhados. Nesse espaço anômalo, as pessoas encontram-se livres para publicar conteúdos considerados relevantes para seu grupo de interesse e também consumir informações de outros participantes constantemente. Alguns participantes tornam-se verdadeiros influenciadores dentro do espaço digital e, em muitos casos, são consagrados como famosos entre os demais. Isso porque suas publicações acabam caindo na graça dos usuários das mídias sociais. Essa popularidade gerada pelos próprios usuários da Internet tem levado muitos blogueiros e criadores de vídeos do Youtube a serem contratados por marcas para divulgar os seus produtos nas mídias sociais. Além disso, a prática do evangelista de marketing ganhou forças com a possibilidade de longo alcance proporcionada pelas mídias sociais. Qualquer pessoa pode falar bem ou mal de determinado produto ou marca para a sua rede de amigos e, com isso, influenciá-los positivo ou negativamente. Indicar um produto a alguém é uma prática popular que sempre existiu, mas com a Internet essa atividade foi expandida para um número muito maior de pessoas. A influência pode acontecer numa conversa informal entre pessoas ou também no compartilhamento de conteúdos que o sujeito considerar importante. O compartilhamento de conteúdos é entendido como o engajamento do consumidor na mensagem recebida. Isso significa que ele aprova aquele conteúdo (no caso de uma mensagem positiva) ou reprova (no caso de teor negativo) e, por isso, deseja reparti-lo com os amigos, para que um maior número de pessoas conheça a sua opinião a respeito do assunto em questão. Com o nível de confiança das instituições em queda a cada ano consecutivo, as pessoas estão acreditando mais em alguém como elas do que nos discursos organizacionais.

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Por conta disso, a opinião de um familiar ou de um amigo tem um poder de influência maior sobre a decisão de compra de alguém do que as publicidades convencionais. Essa nova forma do sujeito influenciar o mundo à sua volta, causou mudanças também na publicidade praticada até então nos meios de comunicação de massa. A publicidade que tinha uma linguagem unidirecional se ressignificou para se adaptar à comunicação dialógica imposta pelo novo meio. Nas mídias sociais, os conteúdos precisam ser flexíveis o bastante para que o consumidor possa interagir com eles, participando de sua elaboração ou recriação, contribuindo com informações sobre o assunto ou compartilhando com os seus amigos. Para isso, a publicidade desse meio precisa seguir essa mesma linguagem dialógica. Os usuários das mídias sociais rejeitam publicidades invasivas e que tenham como único objetivo a venda de produtos. As pessoas estão nas mídias sociais buscando por histórias que de alguma forma as conectem com o outro. Assim, as publicidades precisam atentar-se aos elementos que compõem essa nova ambiência, a linguagem de seus públicos, e buscar histórias que sejam interessantes para eles, ou seja, conteúdos que sirvam como munição para as suas conversas já em andamento ou para conversas que se iniciem a partir da publicidade. Dessa forma, surgiu a publicidade participativa para atender às exigências que o meio digital impõe, os seus conteúdos não se esgotam unicamente no vídeo apresentado, mas iniciam-se a partir dele, criando uma relação de troca com os usuários das mídias sociais. Segundo se apurou nesta pesquisa, as organizações que, durante muito tempo ocuparam uma posição de poder na sociedade, não se importando com a opinião individual dos seus consumidores, mas visando unicamente à lucratividade dos seus produtos, estão enfrentando uma crise de credibilidade. De acordo com o estudo Barômetro da Confiança apresentado pelo Instituto Edelman em 2015, no mundo os representantes organizacionais e governamentais continuam sendo fontes de menor credibilidade, e a confiança de pessoas comuns ultrapassa o prestígio de especialistas acadêmicos e representantes de ONGs para 84% dos entrevistados. Ou seja, as pessoas confiam mais na opinião de alguém igual a elas do que nos discursos advindos de organizações. Nota-se então que as organizações enfrentam pelo menos dois grandes desafios:

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reverter a imagem negativa que foi sendo construída no imaginário coletivo, desde a revolução industrial até os dias atuais, buscando a humanização das relações;



encontrar uma forma de atrair a atenção dos públicos descrentes e com a sua atenção voltada para qualquer outra coisa, menos para as publicidades.

O que se entendeu nesta pesquisa é que algumas marcas já se mobilizam na tentativa de contornar esses obstáculos, emitindo discursos de humanização por meio da publicidade, como estratégia de aproximação com os seus públicos das mídias sociais. É transferindo o poder que sempre esteve em suas mãos para o consumidor que as marcas se fazem passar por humanas. Assim, a marca utiliza a autoridade do próprio sujeito comum para falar por ela com os seus semelhantes. Conclui-se que os discursos de humanização das marcas é um processo de troca de poderes: o sujeito comum concede para a marca o seu alto nível de confiança sobre os seus semelhantes e ela, em contrapartida, confere-lhe um lugar de prestígio, elevando-o ao mundo das celebridades. Existe um estereótipo que paira sobre o imaginário coletivo de que estar na mídia sob a vigilância das câmeras representa um lugar de prestígio, de celebridade. Isso, porque a mídia de massa trabalhou exaustivamente esse imaginário ao longo da sua existência. Mas, estar sob a vigilância das câmeras é uma prática que se originou no modelo Panóptico, que foi concebido no século XVIII, para controlar e disciplinar a sociedade. Com a expansão da mídia de massa, a televisão incorporou esse modelo de vigilância para o gênero reality show, em que a vida de pessoas anônimas é observada em tempo real pelos telespectadores, no ecrã da televisão. A constituição do modelo Panóptico pressupunha um vigiando muitos e a participação dos indivíduos era imposta pelo sistema de controle com disciplinas severas. A popularização do modelo expandiu-se para diversas instituições de controle da sociedade como governo, sistema de ensino, exército, indústria etc. Mais tarde, a televisão também incorporou o modelo para o gênero reality show. Nessa nova modalidade, o sistema ocorre de forma contrária à sua origem, a vigilância prevê muitos vigiando poucos e a participação dos indivíduos acontece voluntariamente. No modelo Sinóptico, estar sob a vigilância das câmeras representa uma posição de prestígio para o indivíduo. Por isso, a prática do gênero reality show tem sido tão utilizada em programas televisivos nos últimos tempos, pois permite ao sujeito anônimo expor a sua vida pessoal numa esfera pública e, em contrapartida, a televisão obtém um alto índice de audiência.

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Na tentativa de aproximação com consumidores, as marcas buscam por histórias que conectem pessoas, histórias que levem os indivíduos a interagir com os seus comentários e compartilhamentos. Há um discurso pairando sobre as mídias em geral de que tudo precisa parecer real, pois é o verdadeiro que desperta interesse na audiência. Assim, algumas publicidades participativas incorporaram também a prática do gênero reality show na sua produção. As mídias sociais é um lugar perfeito para a incorporação do modelo de vigilância, nele as pessoas vigiam e são vigiadas constantemente. Todos os seus passos são controlados pelos olhares ávidos dos demais indivíduos que buscam por histórias reais que os conectem com o outro. Além disso, embora a ambiência digital pareça ser um espaço livre e sem normas como muitos afirmam ser, o sistema de vigilância está mais presente do que em qualquer outro lugar. Para participar de qualquer mídia social, o usuário precisa disponibilizar os seus dados pessoais como moeda de troca e permitir que eles estejam abertos para o seu provedor. Dessa forma, o controle sobre os seus passos são seguidos pelo provedor da plataforma e toda a sua movimentação é monitorada e os dados são comercializados para as marcas, ávidas por lucratividade. A liberdade, portanto, presente nas mídias sociais, está mais relacionada ao aspecto interacional em si do que na falta de controle como muitos julgam não ter. Há um controle implícito na sua utilização que só permite a participação do usuário mediante a concessão da sua privacidade e dos seus dados pessoais. Ao aceitar as normas impostas pelos provedores das plataformas, é permitido ao usuário movimentar-se livremente nessa ambiência. As organizações também monitoram tudo o que é dito sobre elas nas mídias sociais e muitas manifestam-se instantaneamente ao surgir algum comentário crítico sobre os seus produtos. A falta de controle, nesse caso, dá-se porque as marcas não podem impedir a manifestação dos usuários porque esse é um direito adquirido pelos participantes da ambiência digital. Por conta disso, o que as marcas têm a fazer é vigiar o que os seus consumidores falam a respeito dela e criar estratégias para neutralizar repercussões negativas e uma consequente crise organizacional. Aproximar-se dos consumidores na nova cultura comunicacional é o melhor a fazer. Sendo assim, não basta estar nas mídias sociais, é preciso readequar a cultura organizacional para uma postura dialógica com os seus públicos de interesse e isso inclui um planejamento

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adequado que exija o conhecimento tanto da linguagem interacional imposta pelas novas mídias quanto o entendimento do perfil do consumidor contemporâneo. Entender esse consumidor da atualidade não é uma tarefa simples, e muito menos encontra-se nos manuais de marketing, cada marca precisa conhecer o que é importante para os seus consumidores e a resposta está nas próprias páginas das mídias sociais. Diferente dos consumidores de outrora, o consumidor atual tem os recursos que o ajudam a manifestar as suas opiniões a respeito de tudo, e isso inclui também as marcas, os seus produtos e sua conduta. A marca que deseja conhecer em profundidade o que pensam os seus consumidores tem nas suas mãos também as respostas, basta observar o que eles publicam sobre ela, as suas manifestações, os seus comentários etc. Além disso, é preciso criar relacionamento com os públicos e isso quer dizer estar disposta a dialogar com eles constantemente. O que as organizações precisam levar em consideração também, é que o problema não está nas tecnologias, o problema está no relacionamento que elas sempre evitaram ter com os seus consumidores. Observa-se que as organizações da contemporaneidade passam por uma fase experimental de tentativas de conciliação com os seus públicos. É perceptível que elas já aceitaram o fato de que essa é uma realidade sem volta e que não há outra coisa a fazer, senão buscar uma forma de aproximação com os consumidores. A publicidade participativa também não deixa de ser uma tentativa de controle da marca sobre os seus consumidores. Fazer parte ou ter a sua colaboração na publicidade torna o consumidor cúmplice da marca, neutralizando assim os possíveis comentários indesejados que possam surgir. Nesta pesquisa, constataram-se 11 estratégias de aproximação que as marcas têm empregado, na publicidade em vídeo, nas mídias sociais. Cada uma das estratégias analisadas possui as suas particularidades na abordagem discursiva, porém todas elas exprimem discursos de humanização para aproximar o consumidor da marca. A humanização empregada nos discursos ocorre quando a marca se desloca da sua supremacia para ceder esse lugar ao consumidor. A mensagem implícita nos discursos da publicidade participativa é “eu sou tão humana quanto você”.

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Nos discursos de humanização das relações com os consumidores, as marcas preservam algumas características presentes em todas as estratégias de aproximação que são: 

A marca precisa parecer tão humana quanto os indivíduos;



É necessário que haja a participação do sujeito anônimo na publicidade, seja como o protagonista da história, seja com foto, vídeos ou outro elemento pessoal;



As histórias e as experiências precisam parecer reais, mesmo que exista um roteiro preestabelecido pela produção publicitária. Portanto, a ambientação, a fala coloquial dos protagonistas, as gírias, os objetos pessoais etc. precisam ser preservados para transmitir o aspecto original da história;



As histórias não devem-se encerrar no vídeo, mas servir como uma munição para alavancar debates ou conversas nas mídias sociais. Elas precisam estimular o enunciatário a desejar interagir com a marca. Frases como “conte pra gente” são muito empregadas para finalizar um vídeo, dando abertura para o início de um diálogo a partir da publicidade.

Além disso, um discurso comum em todas elas é o da supervalorização do ser humano. A marca prepara experiências gentis para que os seus consumidores possam desfrutar de alguns momentos de ser celebridade. Essa aproximação com o consumidor dificilmente será esquecida por eles, pois experimentaram verdadeiramente uma ação proporcionada pela marca. Por outro lado, os demais usuários identificam-se com a mensagem, pois o protagonista da história é alguém igual a eles. As estratégias de aproximação conseguem efetivamente aproximar consumidores e marcas promovendo o diálogo e interação, e principalmente o engajamento dos públicos para o compartilhamento dos seus conteúdos pelas mídias sociais. Porém, sabendo-se que essas estratégias ainda estão em fase principiante, é importante acompanhar essas ações a longo prazo, a fim de apurar os efeitos do engajamento e compartilhamento dos consumidores para o valor da marca.

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