Universo Sieger Design. Entre função, cor e poesia

June 4, 2017 | Autor: Emília Ferreira | Categoria: Design
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Universo Sieger Design, Entre função, cor e poesia1 No início dos anos 80, um arquitecto de Münster começou a ser noticiado, na imprensa alemã, como o “Sr. Limpo” ou “Rei das banheiras”. Vinte anos depois, apesar de conservar o interesse pelas casas-de-banho, provavelmente serão poucos os que ainda o tratam assim. Porque agora o rei impera, no seu castelo, sobre um pequeno mas seguro território de propostas de desenho funcional e criativo que, há muito, chegou a todas as outras divisões da casa. Falamos, é claro, de Dieter Sieger e da sua empresa, a Sieger Design. Emília Ferreira Casas e barcos Antes de se dedicar ao design, Dieter Sieger deixou o nome impresso nas páginas da arquitectura. Arquitecto de formação, desenhou e construiu casas que ele próprio comercializou. Uns anos depois de esse negócio já estar seguro, provavelmente quando o desafio já não bastava ao seu temperamento arrojado e criativo, optou por uma via mais difícil. E começou a desenhar e construir barcos. Veleiros e iates a motor. Foram quase vinte anos nestas actividades (cerca de década e meia com as casas; um par de anos com os barcos), os primeiros vinte do seu casamento com Fransje Blom, do qual nasceram os seus dois filhos, Christian e Michael. Vinte anos e, de acordo com os dados disponíveis, mais de 700 casas (o número dispensa adjectivação) e alguns barcos. Destas experiências tirou Dieter Sieger ensinamentos vários, apurados ao longo do tempo. Por um lado, projectar e construir as casas já o haviam levado a pensar as necessidades de repensar o espaço, sobretudo ao nível das casasde-banho. Há até quem afirme que as suas inovadoras banheiras deram aos seus barcos uma feição especial, como também o facto de ter desenhado barcos, com todas as suas necessidades específicas (desde a inexistência de quinas vivas, por exemplo, até ao aproveitamento máximo do espaço), o terão 1

Texto publicado na revista MID, Lisboa, Número de Dezembro 2002.

feito ultrapassar sucessivas barreiras, levando-o ao depuramento funcional hoje reconhecido. Paixão pela Itália Depuramento, funcionalidade e criatividade. Entre os limites e fronteiras impostos pela necessidade de “catalogação” do design, de acordo com a nacionalidade, há quem reconheça uma criatividade de inspiração italiana, nos projectos de Dieter Sieger. E, por continuidade, na Sieger Design. Com efeito, eterno apaixonado de Itália, por onde sempre viajou para ver pintura, arquitectura e atentar na simples vivência urbana, o patriarca da família soube transmitir essa cultura à descendência, aportando-lhes heranças criativas tão importantes como as lições de Ettore Sottsass ou Andreas Branzi. As sementes vingaram. Mas voltemos à cronologia. Em 1982, Dieter Sieger — sem deixar os barcos — voltou-se para o design industrial. Era o início da sua terceira opção profissional. Numa vocação já provada, a sua empresa dedicou-se inicialmente aos equipamentos de banho. Banheiras, chuveiros, lavatórios, torneiras, misturadoras, mobiliário. Os seus projectos, sempre de linhas depuradas, atenção à cor e às ultimas novidades tecnológicas, fizeram da Sieger Design uma referência, pela revolução operada no mundo do banho. Apesar de actualmente a empresa se dedicar a muitos outros projectos que ultrapassam este universo, ele mantém-se fulcral na sua actividade. E, em cada par de anos, nova linha de banho é proposta nas feiras da especialidade. Nada deixado ao acaso O sucesso de uma empresa que pensa tudo até ao último pormenor e não abandona nenhum aspecto da linha de produção, desde a concepção à venda, passando pela embalagem, é também devido a uma característica do fundador que já se notava ao tempo do seu trabalho de arquitecto. Não lhe bastava

desenhar e construir. Ele próprio vendia o que fazia. E já nesses tempos se fazia acompanhar da família. À medida que a actividade mudou e evoluiu, e também desde que os filhos passaram a trabalhar na empresa, tudo se ia desenvolvendo naturalmente… em casa. Por isso mesmo, e porque do empregado único passaram, com o correr dos anos, a três dezenas de empregados, o binómio casa/local de trabalho teve de encontrar moldura adequada às necessidades. Desde 1988 instalada no Schloss Harkotten (um palácio barroco cujos 2000 m2 de área têm 90% de utilização em escritórios, indicando já urgências de expansão), a Sieger Design, com o seu neo-barroco conceito de cultura, como se define, aí trata de tudo, desde a busca pela ideia inicial até ao lançamento dos produtos, com eventos envolventes que, mais do que festas, são momentos de encontro dos designers, promoção dos produtos, pretexto para conferências e debate de ideias. O conceito de família alarga-se e torna-se mais fecundo nesse contexto de intercâmbio de cultural que engloba designers de todo o mundo em estreito diálogo com as ideias e estratégias empresariais e criativas da Sieger Design. Agora, com Christian (o filho mais velho, comunicador nato e grande amante de música) e Michael (o mais visual, desde sempre apaixonado pelo design), a aventura continua. E fá-lo apostando seriamente no design industrial a larga escala. Estes três homens de sensibilidade e faro para o negócio fizeram a empresa expandir-se na década de 90, passando também a trabalhar em novas áreas e a aumentar as séries já existentes. Empresa em expansão A expansão significa que a equipa inclui não apenas os designers Dieter e Michael, como ainda designers gráficos, um departamento de construção de modelos (recentemente aumentado), o mais actual e eficaz equipamento informático, e até um braço de consultoria, a Sieger Design Consulting, dirigida por Christian, formado em gestão.

Com estes instrumentos, pode-se apostar na manutenção das parcerias de sempre, como com a Duravit e a Dornbracht, e ainda entrar em zonas até então não tocadas. É o caso das porcelanas. A série “Cult” (1994) demonstrou que a capacidade criativa da Sieger Design ia muito além das casas-de-banho. Também com a Ritzenhoff foi estabelecida uma colaboração de sucesso. Modus operandi Como se pode perceber, a Sieger não pára e pensa num mercado de bolsas médias, altas e até baixas, como é o caso da sua produção, para a WMF, de materiais de cantina. É, portanto, uma empresa decidida a chegar ao mundo. Semelhante ambição tem um modus operandi. Após detalhada entrevista ao cliente, analisam-se as exigências da tarefa e os seus objectivos. Após a pesquisa de mercado, com contextualização do projecto encomendado, investigam-se as tecnologias e materiais passíveis de utilização. Funcionalidade cumprida, já que o cliente deve perceber de imediato o funcionamento do objecto, pensa-se a forma. E se um objecto ganhou, historicamente, uma forma específica, há que avaliar porquê. De certa maneira, tais contextos enformam o arquétipo a partir do qual se trabalha para inovar. A criação de séries introduz a variação sobre um tema (vejam-se novamente os copos de leite da Ritzenhoff, por exemplo) e a tudo isto se juntam ainda os aspectos artísticos: a elegância, o espírito e a emoção conferidos a um objecto que, além do mais, deve sempre aspirar à sobriedade. Com semelhantes premissas em mente, e divididas as tarefas, a equipa lança-se ao trabalho. O resultado? Até agora, mais de 500 novos projectos já desenhados pela Sieger Design, desde o princípio da sua história. Uma aposta com nome de polvo Antes de terminar, e porque o banho se mantém interesse universal, relembremos mais uma revolução operada pela Sieger Design, em parceria com

a Dornbracht. Corria o ano de 1997. Pensando nas pessoas da classe média com as suas casas com casas-de-banho standart, ou seja, normalmente a branco ou cinza, sem problemas de equipamento base, mas com carências de atmosfera, pensou-se numa proposta de levar alguma cor à vida dessas pessoas, com o mínimo de gastos, de trabalho, poeiras e incómodos. Após cuidadosas análises, a proposta Octupus (1997) trouxe ao mercado nova vida para paredes, tectos e chãos sem cor, renovando sem grandes custos. Também aqui a noção de série foi introduzida, sendo possível encontrar — entre elementos decorativos para azulejos, tapetes, torneiras, cortinas e um sem fim de pequenos adereços mágicos, repletos de cor e formas fantasiosas, inspiradas na água — a assinatura de vários nomes famosos do design. Com semelhantes ferramentas, você pode recriar a sua própria casa-de-banho, ao seu gosto, sem ter de mudar de casa por causa de obras, e com um orçamento bastante mais apetecível, bastando-lhe, por exemplo, experimentar a colagem de pastilhas coloridas, existentes numa enorme variedade de padrões. Atenta ao mundo, não se fechando em casa, mas trabalhando sempre em equipa e em família, sabendo usufruir das inovações tecnológicas e científicas, antecipando sempre as movimentações do mercado e com sensibilidade e gosto apurado, a Sieger Design passou do século XX para o XXI dando mostras de vitalidade e força. Já teve até exposição no Museu da Cidade de Münster, em 1994, marcando uma merecida consagração estética e histórica. Eis uma empresa familiar com a ambição profissional de se afirmar internacionalmente como sinónimo de criatividade e qualidade. Idealizando e concretizando um design que alia funcionalidade e utilidade à sensibilidade e à emoção. Num território indefinível em termos de nacionalidade, já que une a típica funcionalidade e boa tecnologia alemãs à famosa criação de sonhos italiana. O que resulta num design que não se pode catalogar com fronteira. Mas também não interessa. No Schloss Harkotten, é Sieger a bandeira que ondeia.

O leite, princípio absoluto Quando em parceria, a Sieger vê primeiro o que o par em questão consegue fazer. Com a Ritzenhoff, a resposta imediata foi fácil: copos. E copos que podiam ser ilustrados. Para não inviabilizar economicamente o projecto, o objecto base devia ser o mais simples possível. A mais valia seria, então, a ilustração. Estava lançada a ideia. Seguiu-se a pesquisa de mercado. Sendo embora uma necessidade comum, pretendia-se fazer desse simples copo algo de extremamente sedutor. Porém, a sedução tem um preço e ninguém paga muito por um copo banal. Contudo, se a ilustração for assinada, o objecto suporte ganha uma especificidade artística que já não custa pagar, sobretudo se se quiser oferecer uma prenda útil, original e culturalmente apelativa. A partir daqui, foi o ovo de Colombo. Criado o mote inicial — o leite, bebida universal — e o logotipo identificador do produto, universalizando-o ainda mais ao recorrer a um simples fundo azul sobre o qual se inscrevem em letras lácteas a palavra leite em várias línguas, designers convidados receberam as condições (uma espécie de guião que lhes dá as indicações do quê, as linhas e até a paleta de seis cores) para criar uma ilustração para o copo. Não deviam, portanto, criar um copo (esse já estava pré-determinado), mas apenas — e isso era afinal o mais importante! — a sua decoração, bem como a respectiva embalagem, num jogo tão prático e envolvente que termina por até dispensar embrulho. Semelhante aposta tem tanto de génio publicitário, ao sair da loja com uma caixa Ritzenhoff claramente visível, como de interesse ecológico, já que se dispensa, nesse gesto, o uso de mais papel. Dentro da caixa, existe ainda outra surpresa: como extra, a empresa fornece um pequeno livro ilustrado (e excelentemente impresso), onde se divulgam todos os copos da linha e os seus respectivos autores. Fica lançada a semente para o desejo de os coleccionar. Ainda na loja, o vendedor não precisa de se preocupar em chamar a atenção para o produto. O inconfundível logotipo indica desde logo o local onde

se encontram as peças procuradas. Abertas as caixas, os copos revelam-se, no seu interior, em expositor próprio, sem necessidade de outros apoios. Mas se o vendedor quiser mostrar toda a colecção, a Sieger também pensou nisso: e a colecção Leite, Milk, Milch e por aí adiante, da Ritzenhoff tem expositor próprio, já antecipando e tomando a seu cargo o próprio vitrinismo. Semelhante filosofia — ou, como já foi chamada, semelhante “estratégia para o sucesso” — seguiu idêntico rumo com a linha infantil da colecção dos copos de leite (o logotipo, por exemplo, manteve a aparência, sendo apenas alterado o lettering para um aspecto mais artesanal, mais infantil). Para os decorar, e fazer o desejado enquadramento cultural e lúdico, foram chamados ilustradores de livros infantis. Em termos do que representou o sucesso desta ideia global, convém apenas lembrar que a generalizada e decorrente leitemania deu até lugar à existência de um Milk Club, com direito a newsletter e tudo. Embora sem clube, a mesma filosofia base, comprovado o avassalador sucesso, foi depois adoptada para todas as outras colecções pensadas e criadas para a Ritzenhoff, como os copos de cerveja, champanhe, vinho, água, chávenas de chá (veja-se a imperdível colecção “It’s tea time”), ou de café, e até cinzeiros, para dar apenas alguns exemplos.

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