Usabilidade e fatores de confiança na procura e compra de livros em livrarias on-line

June 15, 2017 | Autor: Adriano Renzi | Categoria: Usability and user experience, Books, E-Commerce, Think-aloud protocol
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Descrição do Produto

Textos Selecionados de Design 3

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro Reitor Professor Doutor Ricardo Vieiralves de Castro Vice-Reitor Professor Doutor Paulo Roberto Volpato Dias

SR2 Sub-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa Sub-Reitora Professora Doutora Mônica da Costa Pereira Lavalle Heilbron

CTC Centro de Tecnologia e Ciências Diretora Professora Doutora Maria Georgina Muniz Washington

ESDI Escola Superior de Desenho Industrial Diretor Professor Rodolfo Reis e Silva Capeto Vice-Diretor Professor Mestre Luiz Antonio de Saboya

PPDESDI Programa de Pós-graduação em Design Coordenador Professor Doutor Guilherme Silva da Cunha Lima Coordenadora Adjunta Professora Doutora Ligia Maria Sampaio de Medeiros

Guilherme Cunha Lima (Org.)

textos selecionados de design Rio de Janeiro PPDESDI UERJ 2013

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Todos os direitos reservados aos autores individualmente. Ficha catalográfica Lima, Guilherme Cunha Textos Selecionados de Design 3/ Guilherme Cunha Lima, Organizador/ Rio de Janeiro: PPDESDI UERJ, 2008. 240p.; 148s210mm; il. 1. Design 2. Brasil 3. Crítica 4. História 1. Título ISBN 978-85-99992-04-3

Projeto Gráfico Guilherme Cunha Lima Editoração Eletrônica Gisela Pinheiro Monteiro Coordenação Almir Mirabeau

Universidade do Estado do Rio de Janeiro PPDESDI Programa de Pós-graduação em Design Rua Evaristo da Veiga, 95 Lapa 20031-040 Rio de Janeiro, RJ Brasil Tel 55 21 2332 6910 e Tel Fax 55 21 2332 6909 [email protected]

Apresentação

Nesta nova publicação da série textos selecionados de design, agora no seu terceiro número, apresentamos mais uma vez textos produzidos por nossos mestres e seus orientadores, dentro das linhas de pesquisas existentes em nosso Programa de Pósgraduação em Design da ESDI. Este livro que ora lançamos, é uma coletânea de textos, que tem a finalidade de promover um intercambio entre os programas existentes no país, no sentido de divulgar o teor das pesquisas realizadas. Convictos que estamos desta tarefa, sentimos com o nosso dever cumprido.

Guilherme Cunha Lima Coordenador PPDESDI

Sumário página 9

Usabilidade e fatores de confiança na procura e compra de livros em livrarias on-line Sydney Freitas, DSc Adriano Bernardo Renzi, MSc

página 41

On-air look Futura: Em busca de uma identidade nacional Guilherme Cunha Lima, PhD Axel Sande, MSc

página 72

Branding: passado, presente e futuro da construção das identidades através da marca Filipe Chagas, MSc

página 98

O design como criador de existências

página 114

A Tipografia Houaiss

página 126

Espaço de venda: um elemento de comunicação, um produto de design.

Lucy Niemeyer, DSc Raquel Ponte, MSc

Guilherme Cunha Lima, PhD Bruno Schneider, MSc

Lucy Niemeyer, DSc Stella Hermida, MSc página 152

Luis Latt e Cia Ltda. Um estudo de caso sobre sistemas de pré-impressão na indústria gráfica brasileira durante a década de 1930. Guilherme Cunha Lima, PhD Almir Mirabeau, MSc

página 187

A tipologia da Cristaleria Cá d’Oro.

página 217

Dinâmicas de construção da imagem impressa para a simulação do original.

Guilherme Cunha Lima, PhD Edna Cunha Lima, DSc Gil Haguenauer, MSc

Washington Dias Lessa, DSc Helena de Barros, MSc

Usabilidade e fatores de confiança na procura e compra de livros em livrarias on-line Sydney Freitas, DSc Adriano Bernardo Renzi, MSc

1 Usabilidade e confiabilidade A presença de diversos sites de venda que oferecem produtos e serviços similares e a integração da internet no dia-a-dia das pessoas vem alterando cada vez mais as expectativas do usuário consumidor. Uma boa performance e uma usabilidade adequada, que atendam a essas expectativas, mostram-se como diferencial importante no processo decisório de procura e compra de produtos em ambientes on-line. Considerando-se que uma insatisfação durante o processo de busca de produtos podem levar o consumidor a abandonar o site com apenas um clique do mouse para provavelmente não voltar mais (Nielsen, 2000). A loja on-line, diferente da loja física, não impõe o constrangimento social de se abandonar um produto no meio do processo de compra (Miranda, 2005). Os pesquisadores Banati, Bedi e Grover (2006) relacionam usabilidade centrado no usuário com confiabilidade ao site. Apontam sua relacão como auto-estimulatória, exemplificando: 1 a boa reputação de um site de vendas pode atrair usuários a visitar o website pela primeira vez. Se a experiência mostrarse muito satisfatória e com navegação de boa usabilidade, o usuário irá retornar (mesmo que não tenha comprado na

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primeira vez) e estreitará sua relação com o site, derivando em aumento de confiança na loja on-line; 2 por outro lado, a navegação exploratória de um usuário pode levá-lo à mesma loja on-line pela primeira vez. Se o site mostrar-se com usabilidade amigável trazendo boa experiência em sua visita, o usuário satisfeito irá retornar outras vezes e alimentará a boa reputação da loja on-line. Os autores apontam através de gráfico (figura 1) que a aplicação de boa usabilidade leva à aumento de confiança no site e por sua vez, a boa reputação de um site leva à implementação de boa usabilidade.

Figura 1: Relação entre usabilidade e confiança proposto Banati, Bedi e Grover (2006).

Apresentam ainda outro gráfico em forma de triângulo especificando a construção de confiança e boa reputação de lojas on-line através da usabilidade, onde o primeiro passo para construção da confiança de sites tem base na usabilidade e funcionalidade (com erros controlados) para atingir efetividade e eficiência das tarefas do usuário. O degrau seguinte para a construção da confiança relaciona-se com o aprendizado e [10]

memória cognitivos pela aparência e arquitetura do site. O terceiro e último degrau apontado pelos autores galga-se na satisfação emocional com os resultados da compra (que abrangem até o recebimento e uso do produto comprado – figura 2).

Figura 2: Triângulo de construção de confiabilidade de Banati, Bedi e Grover (2006).

Lumsden e Mackay (2006, p. 473) com base em suas pesquisas sobre comportamento humano, indicam que atitudes e decisões de pessoas são afetadas e determinadas por sinais cognitivos captados do ambiente físico a sua volta, que derivam em uma base de confiabilidade, ou não, em determinada situação. Segundo os autores, os humanos analisam o ambiente e a natureza de sua própria vulnerabilidade para determinar a amicidade ou hostilidade de outros. Considerando não ser possível interagir fisicamente com lojas on-line para uma instintiva análise defensiva de confiança no ambiente, designers tem o trabalho de criar um ambiente favorável para o desenvolvimento desta confiabilidade no usuário. Com base em estudos antecedentes de Yang (2005), Akhter (2004) e Jarvenpaa (1999), os autores identificaram alguns “gatilhos de confiabilidade” (trust triggers) que auxiliam no desenvolvimento da confiança do consumidor com a loja on-line (figura 3). Os pesquisadores separam os gatilhos de confiabilidade [11]

em dois grupos de acordo com o tempo de efeito. Os gatilhos imediatos são os que geram efeito assim que o internauta visualiza a loja on-line, enquanto que os gatilhos de interação necessitam de um tempo de interação do usuário com o site para que tenha efeito sobre a formação de confiabilidade.

Figura 3: Gatilhos de confiabilidade imediatos e de tempo de interação, por Lumsden e Mackay (2006).

Usuários ponderam os benefícios e riscos associados à compra on-line antes de efetuá-la de fato (Chau, Hu, Lee e Hau, 2006, p. 175). Preocupações rodeiam os consumidores quanto à segurança e privacidade de seus dados disponibilizados, possibilidade de cobrança indevida por custos adicionais não [12]

revelados pelo site e ainda, atitude oportunista por parte da loja vendedora com dados revelados na efetuação do pagamento. Quando o consumidor acredita que a loja tem mais a perder do que ele próprio, com alguma atitude desonesta, está mais apto a confiar no site (ibdem). De acordo com pesquisa efetuada pelos autores (ibdem 2006, p. 178), onde usuários pesquisados deveriam procurar e comprar celulares através de um site protótipo, foi constatado que a medida que as pessoas avançavam nas fases de procura, análise, comparação e compra do celular, o número de desistências aumentava. Chegou em seu ápice na fase de compra, com 81% de desistências. A tabela da figura 4 mostra a porcentagem ascendente da desistência dos consumidores na pesquisa.

Figura 4: Estágios de procura e compra e respectivas desistências em pesquisa de Chau, Hu, Lee e Hau (2006).

Como indicado na pesquisa, a fase de compra mostrou-se com significativo efeito na confiabilidade do consumidor. Os autores sugerem utilização de certificados digitais de segurança com visualização fácil e direta, garantias de reembolso explícitas, garantia de qualidade do serviço, tecnologia de segurança, selos de segurança e privacidade reconhecidos internacionalmente. Tamini, Sebastianelli e Rajan (2006, p. 38), expõem resultados de pesquisa efetuada com consumidores norte amerticanos, com [13]

aplicação de valores de 1 a 5 (com 5 sendo muito importante e 1 sendo muito pouco importante). Estes valores foram atribuidos representativamente ao grau de importância de fatores a serem utilizados na exposição de produtos em lojas on-line (figura 5). Todos os fatores se mostraram acima do valor mediano 3, sendo cálculo correto do preço total da compra considerado o mais importante com 4.74 pontos, seguido de habilidade de adicionar e remover produtos do carrinho da compras virtual (4.63 pontos) e disposição separada de todos os preços inclusos na compra (4.58 pontos).

Figura 5: Fatores de qualidade na etapa de compra on-line, exposto por Tamini, Sebastianelli e Rajan (2006, p. 38).

Com base nas teorias antecedentes e respectivos resultados, buscou-se aprofundar o conhecimento sobre os fatores, ou gatilhos, que podem desencadear confiança ou desconfiança de internautas com experiência em compra on-line e especialistas em estudos e assuntos de nicho específico de conhecimento. O médoto Thinkaloud Protocol mostra-se como uma ferramenta que possibilite [14]

aprofundar ações dos usuários. As tarefas propostas e participantes escolhidos tiveram base em resultados decorrentes de pesquisas anteriores: Renzi, Santos e Freitas (2008) e Renzi e Freitas (2010). 2 Aplicação do método Think-aloud Protocol Objetivando observar usuários durante navegação, procura de produtos e passos de efetuação de compra foi utilizado a técnica Think-aloud Protocol com seis usuários. A técnica consiste em observá-los realizando tarefas e ações específicas, dentro de um ambiente específico. Estas ações são descritas pelos participantes em voz alta em tempo real. São observadas por um moderador, que grava ações tomadas pelo participante. O registro das ações pode ser efetuado através de anotações escritas, filmagem ou gravador de voz. Escolheu-se a utilização de registro escrito e gravador de voz digital para criar um ambiente de observação mais descontraído aumentando as possibilidades de aprofundamento das informações fornecidas pelo participante. O gravador digital de voz serviu como apoio à observação e documentação e as gravações foram transcritas para análise de detalhes colhidos e comparação com informações documentadas. As sessões gravadas duraram entre 30 minutos e 1 hora. Escolheu-se ambiente simulatório de modo a oferecer maior conforto aos participantes de acordo com suas disponibilidades de tempo a fim de manter a aplicação da sessão o mais próximo possível da realidade de cada respondente. Os browsers utilizados foram de acordo com a preferência e familiaridade de cada participante a fim de se evitar distorções nas percepções do usuário quanto a facilidades e dificuldades de usabilidade durante navegação. Seguiu-se direcionamentos e indicações de Villanueva (2004, p. 62) para identificar como o usuário utiliza uma interface ou ferramenta onde cada opção escolhida, botão clicado, leitura de [15]

informação, gráfico vislumbrado etc. é verbalizado, bem como, o que o participante estiver pensando durante o processo. Preparouse o desenvolvimento da técnica com base em direcionamento de Genise (apud Villanueva, 2004, p. 62): 1 organiza-se um pequeno número de usuários (por volta de 4); 2 o pesquisador encontra-se com os usuários; 3 o pesquisador provê um protótipo de interface para o usuários aplicarem uma lista de tarefas pré-definidas; 4 pesquisador instrui os usuários de verbalizar seus pensamentos enquanto fizer suas ações no sistema para finalizar as tarefas; 5 o pesquisador notifica quaisquer mudanças que devam ser consideradas quando for efetuada revisão do design da ferramenta. Sempre que observado relutância dos participantes em verbalizar pensamentos ou ações, buscou-se instigá-los com perguntas gerais e pontuais à ação decorrente. O direcionamento instigador tem base em experimento de Xiao (2000, p. 177-184) para testar a usabilidade da interface da biblioteca on-line da Texa A & M University. De acordo com o pesquisador, a medida que cada usuário avançava, aplicaram-se perguntas gerais como “o que você acha deste programa?”, “você entendeu o processo?”, “Você tem dúvidas sobre o tour?”, “Você tem sugestões?”. A avaliação ajudou a identificar problemas que pudessem atrapalhar usuários dos mais variados graus de habilidade com o sistema virtual, bem como obter idéias construtivas para aprimoramento da ferramenta.

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2.1 População O perfil dos respondentes para o teste visou representar o público leitor mais atuante e experiente em compras on-line com faixa etária entre 30 a 40 anos. Buscaram-se participantes preferencialmente com mestrado ou doutorado completo, participantes com especialização profissional também foram convidadas a participar da metodologia. Os respondentes totalizaram seis pessoas, sendo uma com doutorado, duas com mestrado (doutorando) e 3 especialistas profissionais abrangendo as áreas de belas artes, direito, antropologia, marketing, publicidade e usabilidade. As duas tarefas executadas pelos participantes forma: (1) procurar 1 livro relacionado ao próprio nicho de conhecimento profissioanal; (2) procurar um segundo livro a partir de do primeiro livro encontrado, preferencialmente utilizando links de recomendação e correlacão das livrarias on-line. Os respondentes deviam indicar o título e/ou autor do livro em questão antes de iniciar a busca. Restringiu-se o livro escolhido a títulos que cada especialista não tivesse comprado ainda, mas que fosse um livro que houvesse interesse de compra em curto/médio prazo. No entanto, poderiam escolher-se livros com obtenção prévia de informações relevantes quanto ao visual da capa, assunto abordado e indicações de terceiros. Aplicaram-se perguntas gerais abertas com direcionamento informal para auxíliar os respondentes a não se desviarem da verbalização das ações, como sugerido por Xiao (2000). Os livros procurados foram: r 3FTQPOEFOUF3FMBÉ×FTEFHËOFSPFEJWFSTJEBEFDVMUVSBM das Américas, de Heloisa Buarque de Holanda. r 3FTQPOEFOUF"DJEBEFDPOUSBBFTDPMB DPMFUBOFBEF artigos) – Segregação urbana e desigualdades educacionais

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na América Latina, de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Ruben Kaztman. Editora Letra Capital. r 3FTQPOEFOUF Flow, de Mihaly Csikszentmihalyi; A sabedoria das multidões: por que muitos são mais inteligentes que alguns e como a inteligência coletiva pode transformar os negócios, a economia, a sociedade e as nações, de James Surowiecki. r 3FTQPOEFOUFGreen graphic design, de Brian Dougherty; Na toca dos leões, de Fernando Moraes. r 3FTQPOEFOUF$VSTPEFQSPDFTTPQFOBM EF&VHFOJP1BDFMMJ de Oliveira. Editora Lume Juris. r Respondente 6: Halo effect, de Phil Rosenzweig; Cultura da Convergência, de Henry Jenkins. 2.2 As livrarias on-line Considerando que os livros são os produtos mais vendidos pela internet e os resultados coletados a partir de questionário on-line (Renzi, Santos e Freitas 2008), analisaram-se especificamente livrarias on-line para identificar alguns gatilhos de confiabilidade e desconfiança durante procura e compra de livros. As três livrarias on-line com respectiva ramificação física do negócio selecionadas foram: Livraria Travessa, Livraria Siciliano e Livraria Nobel. As três lojas escolhidas apresentam características complementares e relevantes para a pesquisa. A livraria Travessa é um negócio local (Rio de Janeiro), a livraria Siciliano é de âmbito nacional e a livraria Nobel é de âmbito internacional. Apesar de Siciliano e Nobel serem vinculadas às editoras, os selos da Siciliano não carregam seu nome (Caramelo, ARJ Jovem), diferente da Nobel (editora Nobel). Ao contrário das outras duas, a Nobel é uma livraria franqueada. As características similares das três escolhas basearam-se em disponibilidade de variedade [18]

de assuntos, possibilidade de pagamento por cartão de crédito e entrega de livro em âmbito nacional. Algumas livrarias similares foram descartadas da pesquisa, como por exemplo a livraria Saraiva. Apesar da similaridade entre Siciliano e Saraiva, esta última foi descartada por oferecer produtos de varejo muito variados e por atualmente ambas serem do mesmo grupo comercial. Considerando os recursos disponíveis e a necessidade de presença física nas livrarias físicas para outras etapas da pesquisa descartou-se também a livraria Cultura (similar em diversos aspectos com a Travessa) cujas lojas não incluem o Rio de Janeiro. 3 Resultados do Think-aloud Protocol Verificou-se diversos fatores de desistência e desconfiança relacionados a usabilidade deficiente e falta de informação adequada. As relutâncias e desistências anunciadas pelos usuários durante o teste apareceram em todas as etapas utilizadas para busca e compra de livros. As etapas de análise do produto e compra tiveram o maior índice de fatores indicados para desistência, reafirmando estudos de Chau, Hu, Lee e Hau (2006). Como não houve nenhuma restrição quanto a origem da publicação, quatro dos seis participantes iniciaram busca por livros importados que normalmente buscariam na Amazon. com. Verificou-se, no entanto, que nenhum dos livros importados escolhidos para busca foi encontrado em nenhum das três livrarias. Acrescenta-se às tentativas frustradas de se encontrar livros importados, alguns resultados bastante equivocados do procedimento de busca, como por exemplo, a busca do livro Flow (um livro relaciondado a usabilidade, de Mihaly Csikszentmihalyi) pelo especialista em usabilidade. O resultado da busca apresentou 127 publicações relacionadas à flores e [19]

floricultura (sistema reconheceu a palavra flow como parte da palavra flower). Segundo o respondente, “ter esse tipo de resultado é desestimulante. Eu pararia a procura por aqui mesmo”. Após constatação de resultados negativos para livros importados, os respondentes seguiram com a tarefa em busca de publicações nacionais. Todos os livros nacionais específicos de áreas atuantes dos respondentes foram encontrados pela ferramenta de busca em pelo menos uma das três livrarias. O site com menor sucesso de busca foi da livraria Nobel, com apenas um resultado correto: “Na toca dos leões”. Apesar do resultado positivo na procura por títulos nacionais dentro de áreas de estudo específico, todos os livros se apresentaram fora de estoque durante a aplicação do método, com exceção do livro “Cultura da convergência”. A informação de livros fora do estoque mostrou-se desestimulante para os usuários, que apontaram não ter interesse em fazer a encomenda dos livros. Todos os usuários mostraram-se mais inclinados a visitar outra livraria on-line concorrente para nova busca, confirmando frase de Nielsen (2000) onde “se o usuário não acha, não compra”. A sessão de análise dos sites sempre se iniciou pela homepage para simular as etapas de navegação em ambiente real. Apesar dos participantes alentarem para o incômodo da quantidade de informação “piscante” na homepage das três livrarias online, esse não se mostrou como fator de desistência da busca. No entanto, a quantidade de produtos dispostos em forma visual de anúncios desproveu a possibilidade dos usuários se interessarem pelos lançamentos exibidos. Os respondentes demonstraram ignorar os anúncios laterais e superiores, criando-se uma atenção seletiva automática, termo associado por Barber e Legge (apud Miranda 2005) aos fatores de [20]

vigilância, nível de ativação, disposição ou prontidão e análisepor-síntese. Estudos de Nielsen em seu artigo de 2007 “Fancy Formatting, Fancy Words = Looks Like a Promotion = Ignored” (formatação e palavras piscantes = parece uma promoção = ignorado), mostrou que usuários falham em encontrar informações em consequência de layout estar reproduzido em letras piscantes, parecidas com promoção e posicionada em local de pouca atenção. Algumas declarações enfatizam esse problema: r i/PFOUBOUP BTMBUFSBJTFTUÈPNVJUPQPMVÎEBT4FSJBNFMIPS se tivesse informação em apenas um lado. Parece tudo muito cheio de propaganda. Um pouco cheio demais.” r i0banner é tão grande que empurra os livros para baixo. Não gosto disso.” r i0banner atrapalha a visualização. É indiferente, apesar da propaganda Harry Potter ser repetida na sessão rotativa.” Todos os participantes mostraram-se inclinados a iniciar busca por livros e sair o mais rapidamente da tela inicial. Todos iniciaram procura pelos títulos pré-determinados utilizando a ferramenta de busca. A maioria dos usuários mostrou-se encontrar e utilizar a ferramenta de busca intuitivamente e naturalmente considerando suas experiências prévias com compra on-line de livros. Porém, verificou-se que apesar de experiências anteriores na utilização da ferramenta, alguns participantes demoraram para encontrá-la e demonstraram vasculhar com o cursor repetidas vezes a área superior (navegação global) da homepage na procura pela ferramenta. Apesar da experiência na utilização da ferramenta com dominância, alguns demonstraram frustração com indicação de erros nos resultados. Em alguns livros, como o “Relações de gênero e diversidade cultural das Américas” de Heloisa Buarque [21]

de Holanda, apresentou resultado negativo quando procurado na Travessa, mas trouxe retorno positivo pela busca avançada. Verificou-se que a busca simples da Travessa limita-se a procura apenas por título de livros e título de DVDs, não reconhecendo por vezes a utilização de nomes de escritores e artistas. Nenhum respondente notou a existência do link “busca refinada” ao lado da busca simples. E sem a percepção da possibilidade de procura refinada, é necessário o usuário errar uma primeira tentativa para só então ter acesso a busca refinada. Os participantes que obtiveram resultado negativo na primeira busca apontaram desistência de compra se não estivessem participando do teste. Todos os resultados positivos obtidos na busca do primeiro livro foram confirmados serem corretos pela visualização da imagem da capa. Todos os respondentes já tinham informação e indicação prévia (por grupos de referência) sobre os livros específicos que indicaram para busca. No entanto, apesar dos livros nacionais terem sido encontrados (majoritariamente na livraria Travessa), todos se apresentaram fora do estoque e sem previsão concreta de entrega. Com exceção do livro Cultura da convergência, de Henry Jenkins. O site da livraria Nobel foi o menos analisado neste aspecto considerando que trouxe apenas um resultado positivo em todas as procuras, dificultando a sequência de análises. Este único resultado positivo da Nobel (Na toca dos leões) não apresentou sinopse ou indicação de sua existência em estoque. Somente entrando na sessão de carrinho de comprar e iniciando processo de compra do referido livro obtêm-se a informação (escondida) de que se trata de uma compra somente sob encomenda, possivelmente por sua não alocação em estoque. A presença de imagem da capa nos resultados mostrou-se de grande valia pelos participantes para confirmação positiva [22]

dos livros. A possibilidade de ampliação das imagens foi bem recebida, mas expôs-se que as ampliações deveriam ser maiores em alguns livros para melhor visualização. Indicou-se frustração durante uma das procuras no site da Siciliano, onde o resultado apresentado da busca não expunha foto da capa. Em consequência, o respondente indicou ter dúvidas quanto ao livro ser correto e possivelmente não faria a compra. Os usuários indicaram satisfação na disposição e design da apresentação dos resultados dos livros encontrados. No entanto, nem todos clicaram intuitivamente na imagem da capa dos livros para obter maiores informações sobre o título. De acordo com um dos participantes, seguindo intuitivamente a convenção cultural estabelecida pela Amazon de ao clicar na capa dos livros tem-se acesso a folheá-los digitalmente, não se clicou intuitivamente nos livros resultantes da busca dos sites utilizados no teste. Vale acrescentar que no site da livraria Siciliano, em algumas tentativas de busca os resultados apresentam-se sob forma de subcategorias, trazendo confusão para os internautas. Durante procura do título “Na toca dos leões” expuseram-se duas categorias sem qualquer relação com o assunto publicidade do livro (segundo a respondente): (1) linguística; (2) literatura nacional. A participante declarou que desistiria da procura neste ponto por interpretar que o site como ineficiente na busca. Quando instigada a continuar a sequência de procura do título verificaramse resultados que aumentaram desconfiança da usuária. Ao clica-se na categoria “literatura nacional”, o único resultado apresentado foi o “kit” (pacote) de venda de dois livros: O mago + Na toca dos Leões. Dois livros de assuntos muito diferentes, sendo o ponto único em comum serem ambos biografias escritas pelo mesmo escritor. Na apresentação do kit de compra não foi possibilitado tentar-se comprar os livros separadamente. Por [23]

outro lado, quando se adentra na categoria “liguística” obtémse a opção de compra unitária do livro Na Toca dos Leões. Em consequência dos resultados e procedimentos, indicados confusos pela respondente, expressou-se falta de confiabilidade no site para efetuar compra. Na página de informações sobre os livros selecionados, alguns respondentes indicaram que a sinopse se mostrava “fraca”. Os usuários acrescentaram durante Think-aloud Protocol que se estes não fossem livros indicados previamente por grupos de referência, não arriscariam comprá-los. Declarações gravadas durante o procedimento exemplificam a frustração dos respondentes: r i"TJOPQTFOÈPEJ[OBEBu r i4JOPQTFÊTVàDJFOUFQPSRVFDPOIFÉPCFNPMJWSP4FOÈP conhecesse, teria duvidas por se tratar de uma coletânea de livros com diversos autores e artigos. Neste aspecto a informação de sinopse é pouca. Seria bom ter acesso ao sumário.” r i"TJOPQTFEFTUBQÃHJOBFTUBNVJUPNBMFTDSJUB/ÈPJOEJDB quem são os entrevistados, informação muito importante no caso deste livro. A sinopse esta mais focada no autor do que no assunto.” r i"TJOPQTFOÈPBDSFTDFOUPVNVJUPOÈP0NBJTSFMFWBOUF (ano de publicação) já estava exposto nas características do livro. As sinopses são sempre horríveis.” Todos os participantes indicaram frustração quanto a localização da sinopse e respectivas características dos livros estarem situadas abaixo da parte superior da página, necessitando utilizar o scroll down para acessá-la. Em um primeiro momento, alguns participantes não tinham certeza da existência da sinopse, [24]

por esta estar “escondida” ao final da página informativa. Vale acrescentar que ter acesso a sinopse foi considerado o critério mais importante ao se procurar livros em livrarias on-line, como resultado observado anteriormente na aplicação de Matriz de Prioridade (Renzi e Freitas 2010). Os participantes acharam interessante ter acesso a dados e características do livro: “quando se procura livros para exposição. As medidas precisam bater com a altura das prateleiras”. Algumas observações relevantes relativas a design da página e posicionamento da sinopse foram selecionadas para exemplificar as opiniões dos usuários: r i&TUÃNBMQPTJDJPOBEB"DIPFTUSBOIPUBNCÊNQSFDJTBS clicar no link ‘dados do produto’ (Siciliano) para ter acesso a essa informação. Deveria estar disponibilizado diretamente, sem precisar ter de clicar no link.” r i+ÃEFWFSJBBQBSFDFSBTJOPQTFOPQSJNFJSPDPOUBUPDPNP livro ao invés de precisar clicá-lo intuitivamente para maiores detalhes. Não há indicação de saiba mais...” Verificou-se grande frustração por todos os participantes quanto às informações de prazo de entrega e preço de frete. Perceberam-se informações por vezes contraditórias: na página informativa apresentavam-se prazos de postagem (e não de entrega) padrão, enquanto na página de etapa de compra mostravam-se prazos diferentes. Todos os usuários expressaram frustração, e por vezes irritação, com o desencontro de informações nos sites. r i&MFTOÈPEJ[FNPQSB[PEFFOUSFHB4PNFOUFPQSB[PEF postagem. Dá a impressão que não quererem se comprometer.” r i0RVFOÈPFTUÃEJ[FOEPÊTFUFNVNDVTUPFYUSBQPSFTUB entrega, que é uma informação importante.”

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Observou-se que os dados de entrega se apresentavam mais confusos no site da Travessa, que apesar de dispor informações em diferentes processos de busca e compra e ainda em diversos pontos de uma mesma página, as informações mostram-se repetitivas e por vezes contraditórias. “Não esta coerente com o que ele (Travessa) disse antes. Isso me irrita. O que me importa saber o prazo de postagem? Eu preciso mesmo é saber o prazo de entrega. Isto é uma forma de passar a responsabilidade para os correios”. A dúvida quanto a dados de postagem e entrega se intensificou com a contradição da exposição de prazos quando nem sempre o livro escolhido se apresentava em estoque. Em livros fora de estoque era indicado que a efetuação da compra deveria ser somente sob encomenda. Para os usuários ficou a dúvida da veracidade dos prazos apresentados, acrescendo a perda de credibilidade no site para se comprar. Verificou-se ainda a disponibilização explícita de informações de entrega somente em âmbito municipal (apesar das entregas serem para todo o território nacional) resultando em informação incompleta para outras regiões. No site da Livraria Siciliano apresenta-se, automaticamente à entrada no procedimento de compra, o prazo de envio para grande São Paulo. A opção “consulte seu CEP”mostrou-se difícil de acessar o prazo de entrega para endereço fora de São Paulo. É preciso entrar em outra página para confirmar endereço e salvar a informação para ter a data de entrega atualizada. Uma respondente se mostrou sem paciência: “porque eu vou querer saber de frete e entrega para São Paulo? Eu não moro em São Paulo!”. Outro fator considerado negativo por uma participante foi o disclamer “os produtos sob encomenda podem ter seus preços alterados”. Segundo a respondente, perceber esta informação

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disponibilizada de forma pequena e escondida aumentou sua desconfiança com o site. As informações de preço de frete e prazo de postagem mostraram-se mais confusas quando apresentavam erro sem qualquer prevenção ou indicação de como corrigí-lo, como indicado por respondente: “Isso é muito frustrante. Cada vez que aparece que você fez alguma coisa errada você vai se sentindo mais burra.” A falta de correção automática de erros de CEP mostrou-se negativamente para participante e os repetidos apontamentos de erros apontavam para uma possível desistência de compra. Percebeu-se que nenhum dos sites apresenta visivelmente política de devolução e troca de livros, parecendo obrigatório contatar as lojas físicas para auxílio. No site da livraria Siciliano é possível encontrar algo a respeito, mas é necessário entrar no link “Ajuda” (que intuitivamente indicaria atendimento ao cliente ou formas de contatar funcionários para auxílio), onde se apresentam diversos iténs como um FAQ (frequently asked questions). Um desses itens apresentados, o de número 8, é sobre política de troca e devolução da empresa. Apesar da existência, o item é redundante e superficial. Não indica procedimentos: “Nosso objetivo é oferecer para nossos clientes sempre os melhores produtos, garantindo a qualidade dos itens comercializados pela siciliano.com.br. Para que você se sinta completamente satisfeito com nossos serviços, contamos com uma Política de Troca e Devolução.”

Nenhum participante conseguiu desvendar esse caminho para chegar a informação de devolução e troca. O site da livraria Travessa mostra-se igualmente difícil para se acessar essa informação: é necessário entrar no link [27]

“Atendimento”, onde também aparecem itens explicativos como uma lista. Deve-se acrescentar que não foi observado qualquer informação sobre devolução e desistência no site da Nobel. Seguindo resultados observados por Tamini, Sebastianelli e Rajan (2006, p. 37) onde consumidores atribuem como mais importante a apresentação do preço junto ao produto, as três livrarias mostraram-se de acordo com expectativas dos e-consumidores (consumidores que compram on-line). No entanto, outros itens indicados com importância próxima ao item preço mostraram-se confusos nos sites de livrarias pesquisados: (1) descrição do produto mostrou-se abaixo das expectativas dos participantes pela necessidade de “scroll down” para visualizar informações importantetes sobre os livros; (2) indicação visível de produto fora de estoque nem sempre mostrou-se simples ou coerente com prazos de entrega. As informações sobre os autores dos livros mostraram-se restritos a apenas exibir outras publicações recentes de mesma autoria através de links nos nomes dos escritores. Nenhum dos sites pesquisados apresentou informações específicas sobre os autores. Considerando que parte dos livros procurados durante aplicação do Think-aloud Protocol estão relacionados com nichos específicos de pesquisadores, ter informações sobre os autores e seu enquadramento no âmbito internacional torna-se muito importante, segundo os próprios respondentes: “seria muito importante ter informações ou um resumo sobre a vida do autor, considerando que neste caso o autor é o responsavel pelas pesquisas de mídia do MIT (Massachussets Institute of Tecnology)”... “se uma pessoa está navegando e esbarra no livro, descobrir que o autor é o chefe de mídia no MIT certamente será um grande ponto positivo para decidir comprar o livro”.

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Quando perguntados sobre que outras informações do livro gostariam de ter acesso, todos os participantes indicaram a necessidade de manusear o livro digitalmente. Especialmente para ter acesso a informações de índice, considerando que alguns dos livros procurados eram coletâneas de artigos de diversos autores. Além do sumário do livro, declarou-se grande importância a ter acesso também a informações do primeiro capítulo. No caso de livros com imagens, como livros infantis, todos indicaram interesse em ter acesso à imagens internas. r i1SBNJN PÎOEJDFBKVEBNVJUP0VUSPEJBFVFTUBWB comprando livros para adotar como professora... lá fora (compra internacional). Aí eu não queria comprar 10 livros para analisar. Então eu fui fazendo uma seleção pelos índices para ver qual conteúdo tinha alí dentro. O livro tem haver com o que eu quero?” r i4FOUJGBMUBEFUFSBDFTTPBPTVNÃSJPQBSBTBCFSRVBJT autores e artigos participam do livro. Folhear digitalmente seria interessante para disponibilizar esse tipo de informação.” r i-JWSPJOGBOUJM QPSFYFNQMPQSPDVSPVNMJWSPQBSBNJOIB filha (2 anos) e não sei como é dentro.” Dentro do âmbito das livrarias on-line observadas nesta metodologia, apenas a Travessa oferece a possibilidade de manusear livros digitalmente. Trata-se de um aplicativo do google. No entanto, apenas o participante especialista em usabilidade teve a oportunidade de testar a ferramenta. O link para a simulação de folhear localiza-se em local de difícil percepção e nem todos os livros estão disponíveis para esta possibilidade. Houve dificuldades para encontrar a ferramenta e apesar de considerar interessante a existência do manusear digitalmente na livraria on-line, observou-se incomodo com o design da [29]

ferramenta e suas limitações. Além de não simular a passagem de página horizontalmente como seria com um livro físico (a passagem de páginas é feita verticalmente como uma lista), o layout apresentado possui o formato horizontal impossibilitando visualizar por completo uma página inteira do livro vislumbrado. Para se ter acesso a parte inferior de cada página é necessário usar o scroll down. O mesmo procedimento é feito para se mudar de página: “Seria melhor se pudesse virar as páginas como num livro. Ter que usar o scroll down para ver o resto da página é chato. É preciso ver a altura da página para se ter uma melhor sensação do livro.” No mesmo livro (Sabedoria da multidões) é possível olhar quais os capítulos do índice e acessá-los diretamente através de links. O participante considerou esta possibilidade muito positiva. Todos os participantes se mostraram interessados na possibilidade de ter acesso a reviews. Considerado-se que os livros procurados eram provenientes de recomendações de grupos de referência, o reviews para as procuras efetuadas na aplicação do Think-aloud Protocol não traria diferença na decisão de compra. Um dos respondentes acrescentou que seria muito interessante ter a disponibilização de reviews positivos e negativos em proporcionalidade. 3.1 Resultados na busca do segundo livro de mesmo assunto A segunda tarefa da metodologia baseou-se na possibilidade de se esbarrar em outros livros relacionados com a primeira busca objetiva a partir da utilização de sistemas de recomendação automática (Murthi e Sakar 2003, p. 1344 e Senecal e Nantel 2003, p. 162-165) com base em dados coletados de visitas prévias [30]

dos internautas ao site e correlaçano com escolhas similares de outros usuários com aplicação de Marketing one-to-one (Peppers e Roger 1997, p. 63). Segundo os autores, a possibilidade do leitor “esbarrar” em um segundo livro de interesse pode duplicar intenções de compra. Os resultados observados nos três sites mostraram-se abrangentes e de direcionamentos diferentes. De um modo geral os respondentes expressaram insatisfação e frustração dentro de suas expectativas. Em alguns casos, o segundo livro trouxe dúvidas quanto a primeira escolha e desistência da compra. O site da livraria Travessa não apresenta recomendação automática e baseia suas possibilidades de “esbarrar” em outros livros pelo autor, tradutor ou ilustrador dos livros primeiramente encontrados. No entanto, em pesquisa anterior utilizando o método Matriz de Prioridade (Renzi e Freitas, 2010) foi observado que leitores se mostraram muito interessados em ter informações relevantes sobre os autores. Os respondentes precisaram clicar no nome do autor para tentar descobrir que outras obras havia correlacionadas à mesma autoria. Considerando que as buscas foram focadas em livros específicos (e em sua maioria fora de estoque), nem sempre havia outras obras do mesmo autor pra mostrar. Isso se mostrou confuso para alguns usuários: “Deu a entender que no site todo só havia dois livros da autora: o de ‘Gênero e Diversidade Cultural’ e este novo livro ‘Cultura em Trânsito’. E eu só cliquei no nome da autora porque você me perguntou se eu ia pesquisar mais sobre esta área de conhecimento. Eu mesma já não teria clicado, porque como abaixo só veio uma opção de livro, eu ia achar que no site só haveria estas duas opções de livros”... e acrescenta:

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“O sistema de recomendação da Travessa foi um problema nesse caso especifico, pois como eu procurava livros da autora e só me apresentou mais um, eu pressupus que só existiam dois, então eu deixei de ficar pesquisando sobre outros livros. Não necessariamente este livro me interessava, mas outros livros da autora me interessariam e não foi exatamente o que apareceu na sugestão.” Notou-se que na diagramação da página de informações dos livros, a livraria Travessa apresenta na parte direita uma sessão de mais vendidos. Cinco dos seis respondentes ignoraram inicialmente a existência da sessão e confirmaram que os livros apresentados não tinham relação alguma com o primeiro livro procurado durante a aplicação do Think-aloud Protocol. Apenas uma participante indicou que um (Educação Básica no Brasil) dos quatro livros da sessão “mais vendidos” tinha correlação com o primeiro livro que ela procurou. Os outros três, apesar de pertencerem a mesma categoria educação de “A cidade contra a escola – Segregação urbana e desigualdades educacionais na América Latina”não se mostraram condizentes com as expectativas da usuária. Resultados trouxeram títulos equivocados, como por exemplo, “Nana nenê – como resolver o problema de insônia de seu filho”. Como os usuários ignoravam a existência da sessão “mais vendidos”, a maioria buscou outros meios de encontrar livros correlatos às suas respectivas primeiras escolhas. Uma ação comum observada durante o teste de usabilidade foi a tentativa de pelo menos metade dos usuários clicar, sem sucesso, no breadcrumbs (situado no topo da página) com intenção de procurar um segundo livro por assunto similar. Mas como o breadcrumbs do site da Travessa não são links, não obtiveram nenhum resultado [32]

positivo. A mesma intenção levou os respondentes a experimentar clicar em “segmento” dos livros, exposto em vermelho na página de resultados dos respectivos títulos. A exposição da palavra em cor vermelha induziu os respondentes a pensar que se tratava de um link. Tentou-se também iniciar nova procura por livros através de navegação local por categorias de assuntos (situado à esquerda), mas os resultados trouxeram títulos de lançamento não condizentes com a primeira busca e em quantidade exagerada de resultados, desanimando os usuários a vasculharem as páginas e páginas de opções. O comentário de um dos participantes ilustra bem a situação: – “os links do autor não condizem com o primeiro livro. Vou te falar que perdi um pouco a certeza de estar comprando o (primeiro) livro correto”. O site da livraria Siciliano apresenta, dentro da página de informações dos livros, “produtos relacionados”, “produtos do mesmo artista” e “produtos de mesma área”. Apesar da abordagem positiva, os resultados não se mostraram condizentes com os primeiros livros buscados e muito aquém das expectativas dos usuários. Observou-se que a categorização dos livros se mostra na maioria das vezes equivocada trazendo resultados frustrantes, e até cômicos, para os participantes. Cita-se como exemplo o livro “Sabedoria das multidões” trazer indicações como a “Arte da Guerra” e “O monge e o executivo”, ambos os resultados foram considerados pelo usuário como não condizentes com sua primeira busca. O livro na “Toca dos leões”, sobre os fundadores da W/Brasil trouxe indicações consideradas desassociadas. As indicações apresentadas mostramse relacionadas ao segmento comunicação e biografias resultando em correlações como “O corpo fala comunicaçao não-verbal”. A participante declarou como – “nada a ver! Não tenho nenhum interesse de comprar um segundo livro com essas indicações”. [33]

Mesmo quando direcionados pelo autor, ainda assim o sistema apresentou falhas por conta de livros escolhidos pertencerem a nichos específicos não apresentando nenhuma outra publicação do mesmo autor ou apresentando livros de mesma autoria, mas de temas extremamente díspares. O resultado mais curioso foi proveniente do erro de inserção do nome da tradutora junto ao escritor de Cultura da Convergência, de Henry Jenkins, pelo site: ao clicar-se em “produtos do mesmo artista”, resultados mostraram apenas outras obras da tradutora (pois não haviam outros livros de mesmo autor), como o “Almanaque Jornada nas Estrelas”que atendem a um público completamente diferente. Em meio a sua risada a participante complementa: – “Não tem nada a ver com o livro!”. Todos os participantes demonstraram frustração com as correlações e não se sentiram seguros para comprar um livro indicado. Algumas situações trouxeram incerteza da primeira escolha, mostrando-se um fator relevante para confiança de compra nos sites. O site da livraria Nobel mostrou-se o mais difícil de averiguar o sistema de recomendações, dado que quase todos os livros de nicho pesquisados não foram encontrados no site. O único livro encontrado foi “Na Toca dos Leões”. A partir da primeira busca, a opção “clique aqui para ver outros produtos deste assunto”é dificilmente notado pelos usuários por ter um aparência muito similar com o link próximo acima “clique aqui para saber qual o prazo de entrega para sua cidade”. Além da similaridade, as opções clicáveis não seguem as convenções culturais de links e são confundidos frequentemente por texto estático. Nota-se que verificações relativas a esta sessão durante o Think-aloud Protocol confirmam dúvidas apresentadas durante aplicação da Matriz de Prioridade (Renzi e Freitas 2010), com usuários não encontrando intuitivamente as indicações. Os livros apontados pelo site seguem [34]

categorização de livros, mas apresenta-se com uma associação de segmento e assuntos mais simplista, resultando em indicações muito díspares da primeira busca e com grande número de resultados, desanimando os usuários a procurarem além da primeira página de sugestões de títulos. Os títulos correlacionados com “Na toca dos leões” mostraram-se incoerentes com o assunto. Vale citar como indicações desassociadas os livros “Cem líderes espirituais que mudaram o mundo”, “48 variações sobre Bach” e “A 600 graus Celsius”. A usuária complementa: “Os livros não tem nada a ver. Eu não clicaria em nenhum destes”. Apesar dos sites observados abordarem indicação de livros a partir de uma primeira escolha com direcionamentos diferentes, verificou-se que o ponto comum é a insatisfação do usuário e impossibilidade de “esbarrar” em outros livros a partir de uma primeira busca objetiva. O problema é agravado pelo fato das indicações inconsistentes das três livrarias gerarem dúvidas quanto a veracidade da primeira busca objetiva, trazendo resultados negativos para confiabilidade do usuário no site. 4 Dicussão e conclusão Observou-se que os usuários, participantes do Think-aloud Protocol, demonstraram propensão a desistência de compra durante as tentativas de execução das tarefas propostas. Fatores relacionados a planejamento equivocado da usabilidade e falta de informação objetiva nas três livrarias on-line mostram-se principais agentes de incertezas quanto a compra. Respondentes explicitaram continuar a executar as tarefas propostas por se tratar de uma simulação, mas que em situação real de procura e compra de livros não finalizariam as etapas e desistiriam da compra nos sites resultando em 100% de desistências.

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Entre os fatores indicados como gatilhos de desconfiança e incerteza que resultariam em desistência citam-se: (1) resultados de busca errados ou em forma de listas de categorias, (2) falta de imagem de capa, (3) associação errada de autoria, (4) disposição confusa sobre frete e valores nas etapas de compra, (5) correlação equivocada de livros que levam incerteza de primeira escolha, (6) informação de sinopse longa e sem conteúdo relevante, (7) dificuldade de se encontrar relação de autores envolvidos em publicação, (8) dificuldade de se encontrar livro através de autoria, (9) resultado de livro com possibilidade restrita para compra em conjunto (Na toca dos leões + O mago). Notaram-se também fatores que geraram incerteza nos participantes e aumentaram desconfiança nos sites, mas que não necessariamente interromperiam a compra. No entanto, o acúmulo de incidência poderia gerar desistência. Dentre os gatilhos de desconfiança mencionados citam-se: (1) informações importantes dispostas em letras miúdas na etapa de compra, (2) muitas páginas de resultado de livros sem ligação com o livro procurado, em tentativa de prevenção de erro de digitação, (3) erro de CEP sem indicação precisa, (4) utilização do termo “prazo de postagem” ao invés de “prazo de entrega” de livros, (5) aplicação equivocada de selo de desconto e selo de frete grátis, (6) falta de sinopse em primeiro contato visual com o livro. Os problemas de usabilidade e diagramação observados na homepage não influiram diretamente em desistências ou desconfiança. Mostraram-se a princípio ignorados pela utilização prioritária da ferramenta de busca. Quando pedidos para comentar sobre o primeiro impacto visual do site, todos os respondentes mostraram incomodados com o atropelamento cognitivo de informações.

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Assim, como exposto em pesquisa anterior de Banati, Bedi e Grover (2006), a aplicação da técnica Think-aloud Protocol aponta a correlação entre usabilidade de um sistema e confiabilidade dos usuários, onde problemas de usabilidade podem acionar gatilhos de desconfiança que tragam a desistência de compra pelos usuários e busca dos produtos em lojas concorrentes. Mesmo sendo os livros itens relativamente de menor preço e não apresentarem o perigo de mal funcionamento ou defeito, os respondentes mostraram-se inclinados a não arriscar de comprar um livro errado ou que apresentasse alguma possibilidade de erro no processo. Em contrapartida uma experiência de navegação objetiva e satisfatória que não traga dúvidas nas informações dispostas podem auxiliar na construção da confiança no sistema e incrementar as possibilidades de compra. A técnica Think-aloud Protocol mostra-se como ferramenta eficaz para apontamento e aprofundamento de problemas de usabilidade. Acrescentase a indicação de seleção qualitativa e correta de participantes do método para que não haja distorções na observação ou expectativas diferentes do usuário direto do sistema. Referências ABRAS, Chadia; MALONEY-KRRICHMAR, Diane; PREECE, Jenny. User Centered Design. W Encyclopedia of HumanComputer Interaction. Thusnd Oaks: Sage Publications, 2004. AKHTER, F. Trust in Electronic Commerce: Social, Personal, and Technical Perspective, In Proceedings of the International Conference of the Information Resources Management Association: Innovations Through Information Technology, New Orleans, USA, May 23 – 26, 2004, 1415 - 1419.

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On-air look Futura: Em busca de uma identidade nacional Guilherme Cunha Lima, PhD Axel Sande, MSc

O foco deste capítulo é o processo de criação de projetos de identidade corporativa na área do motion graphics e suas relações com o campo de estudo do design gráfico. A escolha do projeto de identidade corporativa desenvolvido para o Canal Futura é explicável tanto por suas características singulares quanto pela relevância da emissora na formação da nossa identidade nacional. Tentaremos identificar os obstáculos para a inserção de projetos gráficos “em movimento” na história do design gráfico brasileiro. Atualmente, as possibilidades geradas pelo sinal digital aliadas aos avanços tecnológicos fazem com que precisemos reinventar as relações com os meios eletrônicos de comunicação em larga escala. Já podemos planejar a assistência de um programa televisivo e determinar uma série de funções não lineares moldadas a interesses pessoais. Funções interativas permitem uma verdadeira radicalização no conceito de “compressão tempo-espaço” e profissionais de comunicação estão tentando prever como os canais de TV poderão se comunicar com seus espectadores diante de tamanha liberdade. A processo de convergência das mídias parece irreversível e nos assombra na mesma medida em que nos estimula a buscar novos caminhos de interação. Contudo, diante do cenário que se apresenta há espaço para a atuação dos designers gráficos? Acreditamos que a análise dos processos de identificação do Canal Futura nos auxilia na aproximação das [41]

atividades contemporâneas voltadas à aquisição de informações em sistemas, analógicos ou digitais, de comunicação. O Canal Futura - suas relações e influências Em 2007, quando o Canal Futura completou 10 anos de exibição, seu projeto de identidade corporativa era praticamente o mesmo do seu lançamento. O caso é uma exceção aos parâmetros televisivos nacionais, tanto em relação às TVs abertas quanto para canais por assinatura, nos quais muitas emissoras desenvolvem uma política de reapresentação periódica de suas identidades visuais. A manutenção não se deve à falta de recursos materiais ou humanos, uma vez que a emissora é financiada por 12 grupos privados brasileiros de grande porte, dentre eles, a Rede Globo. Por ter sido concebido e implementado pela Fundação Roberto Marinho, o projeto pôde contar com a estrutura da Globosat, empresa responsável pela produção e exibição de canais por assinatura e integrada às Organizações Globo. O principal argumento para a criação do Canal Futura era a possibilidade de transformá-lo no espaço de propagação dos três principais objetivos de atuação da Fundação Roberto Marinho: a preservação do patrimônio histórico brasileiro; a criação de uma consciência ecológica nacional; e a democratização de conteúdos educativos de qualidade para toda a população do país. Tais objetivos, administrados em conjunto, deveriam contribuir para a construção de um conceito de brasilidade mais abrangente e multicultural, evitando idealizações e estereótipos previamente impostos pelos discursos dominantes. O Canal Futura deveria refletir a imagem de um Brasil resultante dos embates entre os mais diversos fenômenos culturais e as várias identidades étnicas encontradas em solo nacional. Todavia, como qualquer outro canal televisivo, sua identidade corporativa deveria sobreviver à competitividade [42]

do mercado, ao mesmo tempo que se relacionasse com as mais diferentes linguagens visuais, advindas da busca pelos discursos menos dominantes. Como seria possível evitar conflitos ou incongruências no relacionamento entre uma enorme diversidade de linguagens? Como projetar uma identidade corporativa televisiva consistente que simultaneamente atendesse à filosofia institucional de valorização da diferença? Como prever uma linguagem audiovisual que fomentasse a convivência dialógica e produtiva? Um projeto social da iniciativa privada e do interesse público No dia 22 de setembro de 1997, às 19h, o Canal Futura iniciou suas transmissões. Era a concretização de mais um projeto da Fundação Roberto Marinho em parceria com organizações da iniciativa privada. A Fundação beneficiava-se da liberação de espaço em canais de televisão, rádios, revistas e jornais vinculados às Organizações Globo. Isso impulsionava o seu poder de implementação de projetos como o Telecurso 2º Grau (para alunos do ensino médio) que havia viabilizado, de forma pioneira, um sistema educativo de grande magnitude através da rede comercial de televisão. Tal projeto gerou imediata notoriedade às ações no campo da teleducação. Em 1981, o Projeto Telecurso passou a atuar também com conteúdos dirigidos ao ensino fundamental e em 1998, no ano seguinte ao lançamento do Canal Futura, a Fundação já havia desenvolvido uma estrutura capaz de mobilizar mais de 13 milhões de alunos em 12.600 escolas públicas brasileiras, além de encontrar-se conveniada a todas as secretarias de educação do Brasil. Ainda durante a fase de pesquisas para a escolha do nome desse novo canal televisivo, foi constatada uma certa resistência à ideia de vinculá-lo a conceitos diretamente relacionados à [43]

educação. Termos como “sala de aula”, “professor”, “quadronegro” e “escola” eram vinculados a modelos antiquados ou negativos, impostos por autoridades governantes. A partir dessa percepção, a Fundação havia assumido cautela em relação ao posicionamento do projeto. Acreditava-se que o telespectador brasileiro vivia uma “relação de amor e ódio” com a educação nacional e tenderia a se afastar de programas com conteúdo explicitamente educativo. O Canal Futura teria então mais um objetivo, o de reverter esse condicionamento e fazer coincidir audiência com conteúdo relevante. Como em outros projetos da Fundação Roberto Marinho, o Canal Futura deveria ser viabilizado na forma de parceria com a iniciativa privada. As parcerias para o financiamento da emissora contam com 12 grupos privados brasileiros de grande porte através de um sistema de gestão de mantenedores, o que possibilita a criação de uma estrutura privada, todavia não comercial. Dentro do modelo de gestão escolhido, as empresas que o viabilizam financeiramente assumem um lugar no Conselho Consultivo do Canal Futura e auxiliam nas diretrizes do conteúdo da programação e na avaliação dos resultados dos projetos desenvolvidos. Suas marcas institucionais são incluídas nas peças gráficas veiculadas no ar assim como no material gráfico produzido e nas peças promocionais em diferentes mídias. As ações sociais dos mantenedores recebem cobertura nos telejornais do canal e passa a ser permitida a utilização da marca do Futura em seus produtos e campanhas de comunicação institucional. Os mantenedores também têm o direito de veiculação dos seus acervos voltados a temas educacionais dentro da grade regular da emissora. Dentro desse modelo de gestão, as empresas mantenedoras assumem o compromisso de uma doação anual que seja suficiente para a manutenção estrutural do canal. O setor privado sustenta o [44]

projeto sem a necessidade da venda ou veiculação direta de espaços comerciais. GloboSat e a reconstituição histórica da televisão por assinatura no Brasil Em 1997, as únicas duas instalações físicas da Fundação voltadas à comunicação visual eram o Centro de Pós-produção (CPP), onde se produziam as chamadas dos programas Globo Ciência, Globo Ecologia e Telecurso 2º Grau, e o Setor de Programação Visual, responsável pela concepção e execução de peças gráficas impressas. A estrutura envolvia um número reduzido de profissionais especializados. A transmissão do sinal do Canal Futura estava a cargo da Globosat, parceira indispensável para a concretização do projeto, tanto em relação a equipamentos quanto a recursos humanos.

Figura 1: Marcas dos canais Globosat.

Na época, a Globosat atuava na elaboração de conteúdo e na distribuição de seus quatro canais nacionais em funcionamento: Multishow, Top Sports (que, no ano seguinte, passaria a chamarse SporTV), GNT e Telecine (Figura 1), mais tarde transformado em uma joint-venture com quatro distribuidores de filmes de Hollywood: Universal Pictures, Paramount, 20th Century Fox e Metro-Goldwyn-Mayer. Na década de 1990, os canais por assinatura ainda eram recentes no mercado brasileiro e historicamente muito diferentes da estrutura norte-americana,

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iniciada na década de 1940. A transmissão a cabo deixara gradativamente de ser considerada apenas uma solução de acesso a comunidades distantes para tornar-se uma frente de negócios bastante lucrativa e direcionada a milhões de possíveis consumidores, principalmente, em grandes centros urbanos brasileiros. Os novos canais por assinatura deveriam oferecer conteúdos dirigidos a um determinado público-alvo e explicitando a temática a ser veiculada. Essa diferença em relação às TVs abertas determinaria a busca pela abordagem mais adequada que partia de uma questão: Como convencer o público brasileiro a pagar pelo acesso a alguns canais, enquanto os principais canais nacionais estavam disponíveis para a maioria da população, gratuitamente? A resposta parecia estar na transformação dos canais por assinatura em algo completamente diferente dos canais já existentes no mercado brasileiro, tanto no conteúdo quanto em sua aparência. Se a referência principal de identidade corporativa para a TV aberta no Brasil, era (e ainda é) a Rede Globo, pode-se encontrar, por oposição, alguns parâmetros que determinariam a eficiência da linguagem escolhida para os canais por assinatura nacionais. O Canal Futura foi forjado dentro deste ambiente e deveria encontrar sua própria identidade no universo da mídia. O projeto de identidade Futura Para podermos dar continuação a esse capítulo, devemos apresentar alguns termos recorrentes no repertório semântico dos profissionais atuantes no meio televisivo. Senhora e senhores, uma pausa para o nosso pequeno glossário! Broadcast design: Broadcast já representou especificamente o processo de radiodifusão – isto é, a propagação de ondas [46]

moduladas através do espaço –, utilizado para a transmissão do sinal das TVs abertas e rádios. Atualmente as transmissões para grandes números de receptores podem ocorrer por meio de dispositivos distintos, como satélite, cabos, fibras ópticas e linhas telefônicas, por isso o termo broadcast passou a ser utilizado de maneira mais genérica e literal, se referindo a “transmissão em larga escala”. Broadcast design seria, então, a atividade do design voltado ao projeto de peças eletrônicas de comunicação em larga escala. Flip book: Coleção de imagens organizadas sequencialmente, em geral no formato de um livreto para ser folheado dando a impressão de movimento e criando uma sequência animada sem a ajuda de uma máquina. Motion graphics: Engloba as peças de comunicação que utilizam a sugestão de movimento a partir do fenômeno ótico da persistência da visão. Uso de tecnologia de produção de cinema, vídeo ou animação para gerar gráficos. As produções de motion graphics costumam ser veiculadas em mídias eletrônicas e combinadas ao uso de áudio; porém, a criação de um flip book pode ser considerada parte da atividade que, traduzida ao pé da letra, quer dizer “gráficos em movimento”. On-air look: Denominação de um tipo específico de projeto de motion graphics. Sua função é determinar a linguagem audiovisual de um canal televisivo e aplicá-la às mais variadas peças de motion graphics. Seria então, o melhor termo para designar o projeto de identidade corporativa de um canal televisivo. Persistência da visão: Fenômeno ligado ao olho humano, que retém uma imagem por frações de segundo após seu desaparecimento. Com isso, nosso cérebro é levado a perceber uma rápida sucessão de imagens estáticas como uma imagem [47]

contínua. Esse breve período durante o qual cada imagem persiste sobre a retina permite que imagens consecutivas sobreponham-se, criando a sensação de continuidade. Com base neste fenômeno, a técnica da animação pôde ser concebida. Take: Tomada. Inicia-se quando se liga a câmera e dura até que ela seja desligada. Videografismo: O uso do termo é frequente no meio televisivo brasileiro. Parece ser uma versão para motion graphics, o que tornaria seu emprego indicado para textos em português. Tanto videografismo quanto motion graphics referem-se a projetos gráficos para produtos audiovisuais, mas o termo restringe os projetos à produção em vídeo, o que limitaria a sua aplicabilidade. Os principais dicionários da lingua portuguesa não reconhecem o termo videografismo, da mesma forma que omitem o termo cinegrafismo. Este último é empregado como sinônimo de cinegrafia ou cinematografia. Se partirmos do mesmo raciocínio, aparentemente lógico, e considerarmos videografismo sinônimo de videografia, colocaríamos todo o processo de concepção e execução da mensagem transmitida alheia à atividade do videografismo. Interpretação suficiente para derrubar a adequação do termo às necessidades taxonômicas dessa pesquisa. Wipe (transição): É um efeito de mudança gradual de uma imagem para outra, com margem distinta que forma uma figura. Uma margem simples, uma figura geométrica ou o ato de virar uma página são todos exemplos de transições.

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On-air look Em 1997, a agência de design Gédéon foi convidada a projetar a identidade corporativa do Canal Futura. Hans Donner, responsável pela linguagem gráfica da Rede Gobo, o designer novaiorquino Martin Hara e a empresa brasileira Estudio Noz também chegaram a ser contactados para o desenvolvimento do projeto mas as negociação não avançaram. Havia uma pré-disposição para a escolha da empresa francesa que havia projetado, dois anos antes, o on-air look do Canal Telecine (Na época existia apenas um canal que exibia vários gêneros de filmes). Muitos dos profissionais responsáveis pela implantação do Canal Futura haviam sido recrutados entre os executivos da Globosat. Era necessário escolher o nome do novo canal antes de ser concebido seu projeto de identidade visual corporativa. Alguém do alto escalão das Organizações Globo teria proposto “TV Zé” e argumentava que qualquer nome funcionaria contanto que a divulgação fosse feita através da Rede Globo. A palavra “Futura” foi sugerida pelo jornalista Fritz Utzeri em uma das muitas reuniões sobre o tema e onde inúmeras opções foram analisadas. Depois de previamente selecionado “TV Futura” houve negociações para a obtenção de seu direito de uso, pois uma agência de publicidade paulista detinha o registro do nome, e conflitava com o campo de atividade do canal a ser implantado. Depois de concluído o processo de registro nominal, deu-se início à preparação do projeto francês. Representantes da Gédéon vieram ao Brasil para apresentar a primeira proposta. As opções de marca já haviam sido apresentadas e variavam apenas nas combinações de cor. O logotipo círcular continha em sua área interior central a palavra Futura alinhada à direita. O PANTONE 354C tornou-se a cor institucional do canal podendo ser usada com a tipografia vazada em fundo branco ou preto (Figura 2). [49]

Figura 2: Proposta de marca Futura.

A primeira versão do on-air foi considerada inadequada. Era radical demais para a estética brasileira e continha elementos gráficos em preto sobre fundos branco que pareciam remerte-se a um grafismo urbano ou a produções de experimentalismos cinéticos (Figura 3). Era visualmente impactante porém, divergia em muito do discurso gráfico produzido nas campanhas institucionais da Fundação Roberto Marinho. Uma segunda proposta foi desenvolvida e logo aprovada, sendo colorida e mais dirigida a um discurso de “brasilidade” do que a opção anterior.

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Figura 3: Peça de motion graphics Canal Futura (1ª versão).

Nos mesmos termos acordados no projeto Telecine dois anos antes, a Gédéon deveria concluir o on-air look Futura com equipamentos e mão de obra nacionais. Para isso, foram trazidos para o Brasil três coordenadores, que deveriam finalizar a produção do projeto junto aos profissionais brasileiros. Na época, a tecnologia voltada ao motion graphics era muito inferior à atual, e as estruturas aptas à finalização de projetos desse porte eram bastante reduzidas. Em 1997 eram necessárias, em média, duas semanas para produzir-se 40 segundos animados no 3D Studio, [51]

versão 3.11. Esse era o único software disponível para modelagem e manipulação de gráficos tridimencionais e oferecia apenas dois canais simultâneos para composição, um para o áudio e outro para o vídeo. Os melhores equipamentos disponíveis estavam nas instalações da RBS TV, parceira da Rede Globo no estado do Rio Grande do Sul, e para onde dirigiram-se franceses e brasileiros a fim de finalizar o projeto. Um timing reflexivo A trilha sonora do projeto ficou por conta do maestro Zezinho Mutarelli e seria produzida em São Paulo. O projeto apresentava várias semelhanças com o on-air look Telecine (Figura 4), com a valorização de composições visuais simples e arejadas.

Figura 4: Projeto Gédéon para Canal Telecine.

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Por se tratar de um canal voltado à educação, investiu-se na legibilidade dos elementos na tela. Em sua maioria, as palavras eram escritas em minúsculas na cor preta sobre fundo branco. Tanto as imagens quanto a trilha sonora deveriam seguir um ritmo mais lento e reflexivo. O objetivo era fazer com que o espectador reconhecesse o canal através da diferença na velocidade do movimento e do áudio. A grade de programação ainda estava sendo definida, assim como a estratégia de apresentação que deveria ser adotada para um canal privado de teleducação. Tudo era muito novo. Por isso mesmo, a identidade visual concebida pela Gédéon precisaria prever várias modificações, de forma a abarcar possíveis redirecionamentos. A vinheta de assinatura do Canal Futura apresentava a marca (Figura 5), não como uma esfera, mas como uma pastilha achatada que virava sobre o próprio eixo, ora formando a figura de um círculo, ora uma elipse vertical, totalmente verde. Algumas imagens foram selecionadas pela Fundação Roberto Marinho para representar o conceito de brasilidade. Elementos como o berimbau e imagens do folclore brasileiro seriam inseridos ao projeto de lançamento. Estava abolida qualquer imagem que se remetesse diretamente à educação, como caderno, lápis ou quadro-negro. Os valores da escola tradicional seriam questionados, assim como suas representações simbólicas. A valorização do conhecimento viria através da apresentação de imagens interessantes, isto é, que valessem a pena ser conhecidas. Ursos polares e flores silvestres seriam veiculados junto a centros urbanos e corridas automobilísticas. O on-air look da nova emissora tentaria deixar clara a ideia de tolerância. O Canal Futura deveria transformar-se em um espaço de convivência pacífica.

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Figura 5: Vinheta de assinatura Canal Futura.

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Normalmente as peças de um on-air look podem ser divididas entre promocionais e institucionais. As primeiras são referentes à divulgação da grade de programação, como por exemplo: chamadas “a seguir”, “daqui a pouco”, “ainda hoje”, enquanto a segunda diz respeito a ações de autopromoção corporativa, como teasers, vinhetas institucionais e marcas d’água (ID Bug). Sua coerência narrativa deve permitir que o telespectador identifique o momento específico do intervalo dentro da grade de programação e assimile os conceitos que definem o posicionamento do canal. Ainda em relação às peças promocionais, encontramos aquelas dirigidas a cada programa em particular, como aberturas e encerramentos. Elas envolvem a programação, seguindo a lógica do packaging para produtos, separando-os em unidades reconhecíveis e consumíveis (Costa, 2005). Uma qualidade em relação ao termo “on-air look” é direcionar nossa compreensão para o fato de que a imagem mais importante para um canal televisivo é aquela recebida por seu espectador diante de uma tela. É a parte do projeto que “vai ao ar” e engloba necessariamente o uso de áudio e imagens em movimento. As peças institucionais impressas tendem a ser percebidas como subordinadas ao on-air look. Implantação e administração Assim que o projeto foi finalizado na RBS TV, duas fitas Beta foram entregues, uma para ser arquivada e outra para o uso da emissora. A fita master permitia que as peças gráficas fossem colocadas no ar, depois de feitas as alterações necessárias. No caso de peças informativas, referentes à divulgação da grade de programação (chamadas “a seguir”, “daqui a pouco”, “ainda hoje” etc.) fazia-se uma cópia da fita master e inseria-se os caracteres diretamente na ilha de edição. Como os recursos de manipulação [55]

eram bastante limitados e os controladores das máquinas, muitas vezes, não compreendiam as especificidades do projeto de design, pequenas mudanças começaram a ocorrer na aplicação das fontes. Trocava-se bold por itálico, alteravam os corpos e composições preestabelecidas. O risco de descaracterização do projeto de identidade fez com que os coordenadores do Canal Futura colocassem sob a responsabilidade de um pequeno grupo de designers a administração, adaptação e desenvolvimento das peças do on-air look. A antiga ilha gráfica, onde esses profissionais trabalhavam, foi transformada em um núcleo de videografismo. O núcleo contava com dois computadores IBM 486 e produzia as alterações no CorelDraw 6, utilizando-se dos recursos de máscaras e camadas (layers alpha). O programa vetorial Illustrator ainda não havia sido lançado em versão compatível com os sistemas operacionais Windows e mantinha-se inacessível para computadores IBM. Na ilha de edição eram feitos os encaixes determinados. Posteriormente, o núcleo de videografismo assumiu, além da supervisão e desenvolvimento do projeto de identidade, a produção de aberturas de programas e a construção de peças piloto. A emissora ainda estava sendo estruturada e os designers passaram a projetar as identidades visuais dos novos programas. Basicamente, tais projetos consistiam de uma abertura, um encerramento e algumas cartelas para o miolo dos episódios.

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Figura 6 – Peças institucionais Canal Futura (station id’s).

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A fita master original A fita master continha aproximadamente 35 minutos de gravação e iniciava-se com um kit para a produção de peças institucionais (station id’s). As peças institucionais partiam de uma composição geométrica formada por círculos, colocados lado a lado, sobre a tela branca. Nos primeiros exemplos apresentados, de 10”, sete círculos formam uma faixa central. Essa tarja ocupava toda a largura e 20% da altura visíveis. Em cada círculo era inserido um take diferente. A combinação das sete imagens gerava uma composição multicolorida e praticamente abstrata. Halos na cor preta (em out line) eram sobrepostos aos círculos. Cada halo tinha sua escala ampliada e desfocava-se gradativamente, dando a impressão de mover-se na direção frontal até sair do campo visual do espectador (Figura 6). O take inserido no círculo central, o 4º numa fila de 7, era reutilizado numa escala maior e suficiente para ocupar toda a tela (640 x 480 pixels). A passagem dava-se em corte seco no 4º segundo, contudo, a movimentação dos halos funcionava como um mecanismo de transição da narrativa, reforçada pela permanência do vídeo até retornar em corte à composição anterior, formada pelos 7 círculos. Essa segunda composição era descortinada da esquerda para a direita. Esse wipe final era seguido pela assinatura animada do canal. Dez exemplos de peças institucionais foram apresentados, seguidos de duas máscaras-guia que ofereciam uma infinidade de opções diferentes para composições com círculos. Uma outra fase do projeto de identidade trazia o título original “Futura on air promo system” e apresentava as peças promocionais de motion graphics. Era um segundo kit voltado à produção de chamadas para um ou mais programas. A master oferecia três exemplos de chamada. No primeiro, as imagens escuras exigiam a aplicação de textos na cor branca, a segunda chamada era o caso inverso, com aplicação de texto na cor preta, [58]

seguida de um exemplo de chamada para múltiplos programas. Nessas peças, um gabarito também determinava quais fontes tipográficas, corpos e entrelinhas deveriam ser usados nas informações referentes aos dias da semana, meses do ano, títulos dos programas e textos complementares, como “ainda hoje”, “a seguir”, “hoje à noite”, “segunda a sexta”, “amanhã”, “amanhã à noite” e “estreia”. O projeto havia sido pensado para que todas as peças de motion graphics funcionassem como interfaces entre as mais diversas mudanças no repertório visual do canal. A alternância dos vídeos, dentro das máscaras geométricas, preparam o espectador para o próximo corte, resultado da saída da peça gráfica e da entrada de algo diferente e fora do controle dos designers responsáveis pela concepção do on-air look. A parte impressa do projeto de identidade A Gédéon também desenvolveu um guia para o uso de peças gráficas impressas, chamado de “Graphic manual”. Nele estavam apresentados a família tipográfica Helvetica neue extended, projetos gráficos para papel de carta, envelopes, cartões de visita e possíveis brindes como canetas com o logotipo da emissora. Maior identificação do break A necessidade de identificar melhor os horários do intervalo aliada ao surgimento de novos programas gráficos, que permitiam maior intervenção nas peças, intensificaram a produção de motion graphics. Como já explicado anteriormente, o modelo de gestão, com as empresas mantenedoras, sustentava o projeto Futura sem a necessidade da veiculação direta de espaços comerciais. Isso acarretava um efeito negativo que era o excesso de homogeinidade na linguagem audiovisual da emissora. Algumas pesquisas feitas [59]

com espectadores do Canal Futura indicavam a dificuldade de perceber a diferença entre os conteúdos institucional e a grade de programação. A solução encontrada era o investimento nas identidades visuais de seus programas. A identidade corporativa do Canal Futura deveria contrastar o suficiente para ser percebida, e isso era um convite a experimentações. A maior qualidade dos dois projetos desenvolvidos pela agência Gédéon (para os canais Telecine e Futura) era a capacidade de valorizar as linguagens mais diversas no momento em que estas eram introduzidas. Podemos citar como exemplos as vinhetas para a divulgação de episódios dos programas Mundo.doc (Figura 7), Globo Ecologia (Figura 8) e Teca na TV (Figura 9). A cada intervalo, durante e entre programas, o objetivo seria a divulgação de sua grade de programação e da mensagem institucional da emissora. Neste momento o canal funcionaria como um veículo dirigido aos assuntos abordados pela programação, o que permitiria aos espectadores apreender informações ligadas ao tema e à data de cada episódio, assim como valorizar o local onde tais episódios viriam a ser apresentados. Fora dos intervalos o canal seria transformado no espaço onde, de fato, tais programas são expostos. Para o projeto de identidade concebido para o Canal Futura, cada programa precisaria construir uma identidade visual própria e criar um vínculo direto com seus espectadores. As peças promocionais do on-air look seriam projetadas para adaptar-se ao repertório gráfico do programa a ser divulgado, e posteriormente exibido, se beneficiando da variedade de linguagens veiculadas. As transições entre a linguagem visual do Canal Futura e a dos diferentes programas se dão em corte seco auxiliadas por composições de aros circulares em movimento e fundo branco. Muitas soluções poderiam ser encontradas para atingir o mesmo objetivo porém, [60]

Figura 7: Vinheta de passagem Mundo.doc.

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Figura 8 – Vinheta de passagem Globo Ecologia.

pode-se afirmar que a simplicidade da receita aqui apresentada mostra-se eficaz, impactante e atemporal. Nos casos dos episódios Tubarão – deus ou demônio? do programa Mundo.doc e Bacia do piracicaba do programa Globo Ecologia, o grafismo institucional de interseção é integrado à linguagem gráfica dos programas, mesmo estes sendo absolutamente distintos.

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Figura 9: Vinheta de passagem Teca na TV.

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Figura 10 – Redesenho do on-air look Futura.

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Mudanças O on-air look original, com seus círculos e repetições de vídeos, permaneceu inalterado por mais de uma década contudo, há menos de um ano, um projeto de redesenho da identidade corporativa começou a ser veiculado. A adaptação do projeto está sendo feita pelo departamento de videografismo da emissora. O maior argumento para a mudança foi o impedimento de uso da marca fora dos fundos chapados branco ou preto. O logotipo também foi levemente modificado, e a família tipográfica Helvetica (Figura 10), considerada conservadora demais para os padrões atuais, foi substituída pela FF Clan. A proposta de redesenho ainda está em fase de avaliação e abre mão do uso do fundo branco nas transições entre diferentes linguagens. Conclusão O on-air look desenvolvido para o Canal Futura representaria um projeto em sintonia com questões relevantes para o mercado do design de comunicação contemporâneo. Verificamos sua relevância, em primeiro lugar, pelos fatos relacionados à sua implantação. O projeto do novo canal era a concretização de um espaço de convergência e aprofundamento das ações da Fundação Roberto Marinho em prol de um Brasil mais moderno e auto consciente. Desde o final da década de 1980, o termo “brasilianização” passara a ser utilizado por autores europeus e norte-americanos para designar sociedades marcadas por processos extremos de heterogeneização (Cocco, 2009, p. 27). O movimento de globalização pós-fordista teria gerado uma nova relação entre o Brasil e as potências centrais, passando-nos gradativamente da representação de “país do futuro” para “o futuro do mundo globalizado”. Brasilianização apontava para o crescimento de questões ligadas à fragmentação social e perda [65]

de direitos em centros urbanos onde a favelização coexistia no mesmo espaço com condomínios de classes sociais privilegiadas. A posição de que o futuro do mundo globalizado evoluiria para uma estrutura próxima a encontrada nas metrópoles brasileiras parecia atrelar-nos à um sistema bastante combatido. Se o futuro de todos era a desigualdade encontrada no Brasil dos anos 1990, o futuro brasileiro não poderia ser diferente, assumindo para nós brasileiros a impossibilidade de transcender tal destino. O projeto de um canal chamado “Futura” surgiria para tentar reverter tais impasses. A nova emissora seria financeiramente viabilizada através de um grupo de mantenedores formado por empresas do setor privado. Tal estrutura liberou o Canal Futura da necessidade de veiculação comercial e permitiu assumir um viés mais experimental. Durante os 10 primeiros anos, o Canal Futura transformou-se em um agente articulador de comunicação fundamentado pela convivência dialógica e valorização da diversidade narrativa. Seu projeto de identidade corporativa foi desenvolvido para adaptar-se à abrangência do repertório gráfico da grade de programação. A dificuldade de ilustrar a ideia mais ampla de “conhecimento”, evitando o uso de elementos relacionados aos métodos tradicionais de ensino, como lápis, caderno ou quadronegro, talvez tenha contribuído para a escolha de um sistema dialógico de identidade corporativa. Compreender os desafios impostos a um projeto de design pode ser tão imprescindível para sua avaliação quanto o questionamento dos resultados obtidos. “O design precisa ser reconhecido como uma atividade presente na nossa história, [...] como um elemento formador da nossa cultura, como interface entre as necessidades de uso e a tecnologia”. (Lima, 2005) A partir de um projeto de design, pode-se compreender e até revisitar acontecimentos passados, [66]

da mesma maneira que introduz a reflexão sobre necessidades futuras. A criação da identidade corporativa do Canal Futura, projetado em 1997, nos parece bastante representativa. A “hipersemantização” das imagens das empresas, apontada em 1988 por Norberto Chaves como um fenômeno crescente, tornouse a meta norteadora dos projetos de concepção e administração de identidades corporativas nas últimas duas décadas. O consumismo passara a ser apresentado como a forma tardia do capitalismo (Barber, 2007, p. 288) transformado no passaporte para uma infinidade de “mundos possíveis”, cada vez mais distantes do conceito objetivo de utilidade. Como analisadas no primeiro capítulo, as identidades contemporâneas, individuais e coletivas, viveriam intensa subjetivação e multiplicariam as possibilidades de construção da cultura material global. Nunca tanta informação esteve disponível em tantos meios aptos para propagá-la. Enquanto as discussões em torno dos valores pós-modernos e hipermodernos são igualmente questionáveis, pode-se garantir que a contemporaneidade foi transformada por uma revolução digital. Vivemos na Era da Informação. O adensamento do campo informacional passou a exigir a formulação de parâmetros para a análise de identidades corporativas dirigidas especificamente a meios de comunicação. Enquanto as imagens de pessoas e produtos são forjadas sob uma estrutura maleável e inconstante, o efeito contrário parece poder determinar a eficiência de empresas veiculadoras de grandes quantidades de conteúdo. Isto indicaria uma reinterpretação dos conceitos de objetividade nas estratégias de projetos de identidade corporativa. Os argumentos formulados neste capítulo têm o objetivo de contribuir com um processo que deveria determinar à agência Gédéon, assim como ao Canal Futura, um papel de destaque na construção histórica do design brasileiro. Contudo, para que isso [67]

ocorra, devemos intensificar a inserção histórica de projetos de motion graphics compreendendo suas particularidades e intensa efemeridade. Efêmeros digitais Para o campo de estudo do design gráfico são considerados “efêmeros” os impressos de curta validade, como embalagens, cartazes e folheteria em geral. O valor deste tipo de impresso desapareceria de forma abrupta, passando de vital a inútil de um momento para o outro. Na dissertação Cinco décadas de litografia no Recife, Edna Cunha Linha aprofunda-se no tema. Para ela, efêmeros seriam os itens manufaturados com uma finalidade temporal específica, normalmente usados e jogados fora. Contudo, a pesquisa baseou-se em peças de coleção, e esse dado nos parece revelador. Muitos impressos considerados efêmeros foram, e são, cuidadosamente guardados e conservados. Maurice Rickards teria explicado sua motivação para reconstituir a história de determinados impressos, ditos efêmeros, com base no crescente mercado de coleções, leilões e exposições deste tipo de peças gráficas. As coleções estariam sendo alavancadas pelo reconhecimento dos valores associados a produções de efêmeros aliado à alta qualidade e quantidade de impressos preservados. Um bilhete de bonde, ou a entrada para uma apresentação teatral, pode ser mantido intacto por décadas, se tomadas algumas poucas precauções. No caso das produções audiovisuais a situação é distinta. Se comparada à preservação de peças gráficas impressas, a complexa estrutura de manuseio e documentação de projetos gráficos “em movimento” exige uma maior demanda de recursos. Já fala-se em “arqueologia de obras cinematográficas”, dada a dificuldade de manter-se produções relevantes ou de resgatá[68]

las da ação corrosiva do tempo. A dificuldade se dá tanto em relação às técnicas tradicionais de filmagem, baseadas no processo fotográfico com o uso de sais de prata, quanto virtuais e armazenadas em discos rígidos, DVDs e fitas digitais. Referências BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009. 473 p. BLOCK, Bruce A. The Visual Story: Seeing the Structure of Film, TV and New Media. Burlington: Focal Press, 2001. 262 p. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982. 361 p. CAMPOS, Jorge Lúcio; LIMA, Guilherme Cunha; SANDE, Axel. O design de identidade corporativa televisiva. In: BOCC - Biblioteca on-line de ciências da comunicação. ISSN: 16463137, 2008. CASTELLS, Manuel. The information age: economy, society and culture. London: Blackwell Pub, 1999. CHAVES, Norberto. La imagen corporativa. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. COCCO, Guiseppe. Mundobraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009. COSTA, Joan. Identidad televisiva en 4D. Grupo Editorial Design, 2005. __________. Imagen global: evolucion del diseño de identidade. Barcelona: Ceac, 1995. 262 p. ESCOREL, Ana Luiza. O efeito multiplicador do design. 2.ed. São Paulo: Ed. Senac, 2000. FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. 20 anos que valeram a pena (Catálogo comemorativo). Rio de Janeiro: GMT Editores, 1998. [69]

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Vídeos no Vimeo IDENTIDADE Canal Futura. (1997/2010). Disponível em: http:// www.vimeo.com/user4247298/videos/. Acesso em: 23 mar. 2011. Sobre os autores Guilherme Cunha Lima, PhD Professor Adjunto da Esdi/Uerj [email protected] Axel Sande, MSc Esdi/Uerj, 2010. [email protected]

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Branding: passado, presente e futuro da construção das identidades através da marca Filipe Chagas, MSc

Já conhecemos a estonteante velocidade das mudanças em nosso mundo, que nos oferta uma multiplicidade de inovações. Algumas coisas que pertencem ao nosso cotidiano acabam rapidamente parecendo obsoletas, enquanto outras atingem seu auge em momentos específicos. Estudiosos de design institucional, por exemplo, acreditam que a prática do branding já existia na Antiguidade, ou seja, bem antes de “estar na moda”. Dessa forma, podemos dizer que toda pesquisa sobre um assunto qualquer será incompleta – se não, impossível – se não levar em conta seu contexto. Falando, então, em marcas que designam e caracterizam empresas e produtos, devemos colocá-las em seu próprio contexto de mercado. De acordo com os estudos do designer espanhol especialista em comunicação social Joan Costa, é possível traçar uma linha cronológica de raciocínio que vai desde a pecuária no Antigo Egito aos dias de hoje, apresentando quatro momentos claros de transformação mundial que nos fornecem subsídios para um entendimento convergente de como as marcas e as teorias clássicas de identidade institucional passaram a ser vistas como o branding. “De objetal a subjetal, a marca é o que faz ser o sujeito contemporâneo”. Com essa frase do pesquisador e professor italiano Andrea Semprini (2006, p. 12), começamos a ver que a construção das identidades é responsável por um cruzamento entre o design e o branding. Ambos necessitam ser analisados em [72]

um contexto ampliado por conceitos históricos e sociológicos, extrapolando os limites do quadro econômico/comercial. É preciso deixar claro que em nenhum momento buscase encontrar uma definição única para o branding. Deve-se ter em mente que viver em uma sociedade mergulhada em possibilidades exige uma análise paciente e contínua da realidade e do modo como os indivíduos estão nela inseridos. Qualquer tentativa de criar uma política que possa solidificar as identidades sociais transitórias e incertas do momento em que vivemos levaria o pensamento crítico a um fim sem solução. Portanto, ser determinista dentro do design, considerando sua interdisciplinaridade e seu paralelismo às tendências socioculturais, significaria abandonar a constante evolução humana e gerar um resultado datado e obsoleto. O objetivo é desenvolver uma análise da identidade através da constituição das marcas e das identidades institucionais, para entender o branding e reposicionar o design na contemporaneidade. Primeiro momento: o nascimento da marca Um estudo etimológico da palavra branding pode nos dar uma ideia exata de seu significado: branding vem da palavra de origem inglesa brand (“marca”). É o gerúndio do verbo to brand, que significa “marcar”, utilizado para denominar o ato de marcação em animais, pedra ou barro. E a história da marca está ligada diretamente a estes fatos. Na Antiguidade, as marcas se caracterizavam por seu modo de inscrição, fosse por incisão ou por escritura (assinatura). Os monogramas, por exemplo, eram construções que uniam a escrita ao signo gráfico. Ainda distantes do espírito mercantil, eram signos marcadores de identidade pessoal. As funções de marcar, selar e assinar se reuniram às noções de identidade, autenticidade [73]

e garantia, e se consolidaram no mundo comercial com a prática da marcação. O tipo de marca que estamos examinando começa a aparecer três mil anos a.C., no Egito Antigo, onde foram encontrados rebanhos marcados a ferro para indicar o pertencimento dos animais a um determinado dono. Em templos e outras construções egípcias e gregas também foram encontradas simples marcas indicativas para posicionar e encaixar pedras umas com as outras. Estas marcas de tipo técnico não tinham a intenção de comunicar a identidade do autor. No entanto, cada oficina tinha seu repertório próprio de símbolos e figuras.

Figura 1: Ilustração de pintura hieroglífica datada de 1900 a.C. encontrada na tumba de um faraó egípcio, que mostra um homem usando uma corda para puxar um boi marcado à ferro. Fonte: MOLLERUP, 1999, p. 27.

Com a atividade comercial consolidada foi preciso algo que facilitasse a identificação de origem das mercadorias e o responsável por sua circulação, uma vez que o produto era anônimo e genérico (vinho, azeite, temperos etc.) e o número de [74]

roubos e falsificações era enorme. Essa responsabilidade ficou para a embalagem: as ânforas. Descobrimentos arqueológicos romanos evidenciaram mais de seis mil marcas de oleiros e mercadores de ânforas do século VI a.C., que indicavam a localidade, o nome do oleiro ou do mercador por meio de signos alfabéticos e figuras. Além disso, por si mesmas, as ânforas já declaravam sua procedência, fosse por seu formato ou por sua cor. A combinação destes elementos constituía uma prova de reconhecimento da qualidade dos produtos, associada às marcas correspondentes e aos seus países de origem, formando uma das bases de valor das futuras marcas.

Figuras 2 e 3: Ilustração dos formatos variados de ânforas (Fonte: COSTA, 2004, p. 45) e ânforas de cores diferentes encontradas nas escavações da cidade de Delos, na Grécia (Fonte: Arquivo pessoal).

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Segundo momento: surge a marca medieval com o corporativismo e a heráldica Uma série de transformações contextuais complexas afetou a ordem sócio-política e econômica na Europa feudal. E dois elementos importantes acabaram por alterar o panorama das marcas na Idade Média, influenciando tanto suas funções de mercado quanto as de identificação: as corporações artesanais e a heráldica. O surgimento de agremiações e sociedades de artesãos criou o conceito de corporativismo, graças ao novo e rígido direito de propriedade individual e à proibição da concorrência. De acordo com esse novo regime, a marca da corporação era imprescindível e obrigatória, destinada a garantir certas qualidades de fabricação nos procedimentos utilizados e afirmar a conformidade do produto com a exigência regulamentar. Assim, a marca dos artesãos que integravam a corporação deveria aparecer como uma assinatura e também um selo de garantia em caso de reclamação da peça. Dessa forma, era possível encontrar até quatro marcas diferentes em um único produto, por exemplo, uma tela: do tecelão, do tintureiro, das autoridades de controle de fabricação e do pintor. As peças que eram destinadas a exportação ainda levavam a marca de reconhecimento do mercador. A heráldica constituiu uma nova figuração identitária no mundo militar, que alcançou o âmbito civil e mercantil, e se disseminou na época das Cruzadas. Como as armaduras deixavam os combatentes irreconhecíveis e, portanto, impossíveis de se diferenciar aliados de inimigos, todos os cavaleiros que partiram para a Terra Santa adotaram a mesma vestimenta. Agruparam-se sob uma mesma bandeira por razões linguísticas e culturais, mas também por razões psicológicas (solidariedade, sentido da missão, união de forças etc.). O brasão – no caso das [76]

Cruzadas, somente uma cruz vermelha – se concentrava no escudo e no peitoral da armadura, as maiores superfícies planas do armamento, que assumiu, assim, o papel de portadores das marcas de reconhecimento. Combinavam-se ainda outros instrumentos para a comunicação e a identificação em um sistema estruturado de códigos, como cores1, toque de chamada, formato do escudo, estandartes, bandeiras, penachos dos elmos etc. Tornaram-se “armas” indispensáveis nas batalhas campais, simbolizando a origem dos guerreiros, demarcando espaços conquistados, dando sentido de unidade aos exércitos. Esse repertório foi estendido à nobreza e ao clero como sinais de reconhecimento independentes das batalhas, uma assinatura. Em seguida, os escudos decorativos começaram a ser utilizados e refinados pelas corporações como marcas em seus produtos. Sendo a maioria da população da época analfabeta, a heráldica inseriu uma função sociocultural às marcas como identidade e hierarquia, paralela às funções de assinatura e propriedade. Portanto, é possível dizer que o código heráldico foi além das marcas de reconhecimento, pois expressava propriedade e Figuras 4 e 5: Ilustrações que apresentam o

origem, assinalava posses, fazia

conjunto heráldico utilizado nas Cruzadas

reconhecer produtos e serviços,

Fonte: Internet.

e funcionava hierarquicamente,

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como as marcas de nosso tempo. Além disso, possui até hoje uma estrutura significante que articula a identificação. É, talvez, o embrião dos sistemas de identidade institucional. E o caráter de “arma de guerra” também se mantém, transferindo-se dos campos abertos para os mercados globalizados, competitivos, interdisciplinares, totalmente conectados e de indivíduos sociais descentralizados. Terceiro momento: liberdade à marca comercial A relação entre o sistema feudal e as corporações sempre foi tensa, uma vez que o poder já não vinha mais somente da terra, mas também dos materiais transformados em bens regulamentados de uso e de troca. No século XVII, agitações populares estouraram por toda a Europa e foi proclamada a liberdade do comércio e da indústria: emergia o liberalismo econômico. Com a livre concorrência, as corporações foram se desmantelando, junto com suas marcas obrigatórias, e os artesãos começaram a procurar seu novo lugar na sociedade. As marcas se tornaram uma garantia da procedência do produto, um ativo que permitia atrair e conservar a clientela. O dono da marca era seu único responsável e poderia fazer uso dela de qualquer maneira, sob a única condição de não ser fraudulenta. E, assim, a marca perdurou durante a Revolução Industrial. Com a produção aprimorada, fatores inerentes aos modismos e ao interesse individual por mercadorias e serviços foram considerados condições intimamente ligadas às variáveis de mercado e à atribuição de valores aos produtos. Foi necessário mudar as técnicas de vendas – da imagem final dos produtos ao ambiente das lojas e da aparência ao comportamento dos vendedores – e criar padrões que ordenavam o que vestir, usar e possuir. As vontades, necessidades, desejos e interesses do [78]

indivíduo tornaram-se centrais tanto nos discursos da economia moderna quanto nos da lei moderna. Fabricantes do ramo alimentício e de uso cotidiano foram os primeiros a se beneficiar das mudanças. Vimos que, na Antiguidade, esses produtos eram vendidos a granel em ânforas. Mas, no início do século XIX, esses fabricantes apresentaram aos consumidores produtos já embalados, com peso comprovado, em condições higiênicas e com suas marcas estampadas como garantia. Reduziu-se o poder do mercador intermediário e deuse maior relevância à distribuição. Nascia, assim, a concepção de marca autônoma que adicionou à função de identificação, uma função promocional, persuasiva, vendedora. A Procter & Gamble foi uma das primeiras a capitalizar esse novo uso da marca. Por um capricho do destino William Procter e James Gamble uniram seus pequenos negócios de velas e sabonetes e fundaram a Procter & Gamble em 1837, nos Estados Unidos. Quando passaram a enviar mercadorias por transporte fluvial, as alfândegas portuárias carimbavam suas caixas com uma estrela. A empresa logo notou que seus clientes reconheciam a estrela nas caixas que continham suas mercadorias. Depois que as estrelas foram refinadas e acrescidas de um fino rosto lunar, a marca se tornou um símbolo de qualidade, e os comerciantes só aceitavam as “caixas estreladas”.

Figura 6: Evolução da marca da Procter & Gamble: do desenho “estrelado” ao logotipo atual. Fonte: MOLLERUP, 1999, p. 88.

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E nesta efervescência de marcas, apareceu uma iniciativa insólita no mundo industrial. Em 1907, na Alemanha, a gigantesca empresa AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft) se adiantava na integração dos elementos para sua identificação. Incorporou à sua equipe dois profissionais até então absolutamente distantes da estrutura empresarial: o arquiteto e artista gráfico alemão Peter Behrens2 e o sociólogo austríaco Otto Neurath. Ambos se encarregaram de conceber uma identidade para a empresa que alcançaria tanto a produção e a comunicação quanto as relações internas e externas, comerciais e institucionais. Behrens e Neurath criaram uma imagem unitária, uma expressão coerente, um plano completo: estava-se forjando uma sólida cultura de empresa. Era a empresa adquirindo uma nova forma de expressão que poderia ser impressa – literalmente – na arquitetura de sua sede e em seus produtos e serviços. Logo em seguida, em 1919, veio a inauguração da Bauhaus com toda sua ideologia reativa ante a falta de racionalidade e sentido funcional do sistema industrial. Com uma vocação integradora dos movimentos artísticos e depuradora da produção, a força inovadora da escola se estendeu às artes, à fotografia, ao artesanato, ao design e à arquitetura, que se adaptaram aos princípios de uma nova expressão ligada à indústria. Exigia-se funcionalidade, geometria, contraste, boa forma e pregnância para o que era essencial. Outros imperativos de eficácia vinham impostos pela necessidade de consolidação em mercados cada vez mais competitivos. Impressa em qualquer tamanho, uma marca deveria sempre vencer a concorrência de forma contundente no menor espaço de tempo. O progresso técnico ainda coincidiu com a explosão do marketing. Costa (2004, p. 78) acredita que “o desenvolvimento

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e a potência da marca não aconteceria até o momento que fosse possível sua promoção” e, com isso, dá à publicidade um papel importante. As marcas não precisavam da publicidade apenas para difundi-las, mas também se apoiavam na criação de necessidade para estimular seu consumo. A força da publicidade e da propaganda se transformou na condição necessária para a movimentação rápida da engrenagem capitalista e a manutenção de seu modo de produção. O marketing tomou decisivamente o papel de argumentar, informar, motivar e persuadir, e as marcas ganharam notoriedade e aumentaram seu valor de mercado. A marca de automóveis Dodge, por exemplo, foi vendida em 1924 por 74 milhões de dólares. Mas isso também trouxe reveses para a sociedade: a saturação das marcas e das possibilidades de identidade. A todo momento estamos sujeitos a propagandas cada vez mais invasivas e coercivas. Uma estatística no Canadá garante que seus cidadãos “experimentam” mais de dezesseis mil marcas em um dia comum. Se considerarmos oito horas normais de sono, os canadenses são bombardeados por aproximadamente mil impressões de marcas por hora! A partir da década de 40, os conceitos de “identidade institucional” e “imagem de marca”, lançados por Behrens com a AEG, ganharam força no cenário mundial a ponto de serem criados escritórios especializados no assunto. Walter Landor, por exemplo, abriu a Landor Associates (1941) reconhecendo que o bom design podia gerar valor econômico ao estabelecer uma comunicação visual efetiva. Ele acreditava que os criadores tinham o poder de falar ao coração do povo e que marcas podiam ser construídas através de sua imagem percebida. Até hoje a Landor investe em pesquisa, design e modelos de consultoria olhando as marcas como bons negócios. [81]

Na década de 50, emergiu uma vibrante cultura adolescente que desejava um visual próprio que os distinguissem das gerações relacionadas com as guerras mundiais, e, portanto, exigiam uma nova linguagem para roupas, comportamento, música etc. Os fabricantes reconheceram o poder de compra desses novos consumidores, ávidos por mudanças e variedades ao invés de permanência e uniformidade. Surge assim a chamada “obsolescência planejada”: na falta de uma inovação real no produto, retocava-se a embalagem, atualizava-se a marca ou se inventava um novo ingrediente exclusivo que nunca se explicava em quê consistia, para intensificar o consumo. Perpetuava-se, então, a novidade pela novidade. As vendas aumentaram, porém, o desperdício tornou-se uma questão a ser investigada (até hoje). Quarto momento: na era do intangível Na segunda metade do século XX era possível enxergar uma transição do quantitativo para o qualitativo, de uma economia de extração de valor para uma economia de criação de valor. Entendiase que o melhor resultado financeiro vinha através de estratégias que se baseavam no pleno conhecimento da cultura, da identidade e do propósito institucional, expressas na consistência de suas crenças e sua filosofia nas ações do dia-a-dia. Foi na expressão da marca que a empresa encontrou o que podia sintetizar os fatores capazes de criação de valor, oferecendo um suporte para uma série de outras manifestações simbólicas construídas pelos indivíduos que se relacionam com a marca. De acordo com a World Intellectual Property Organization (WIPO), esses fatores são convencionalmente chamados de ativos intangíveis3. A marca – que começou sendo um sinal de reconhecimento (Antiguidade), depois foi um discurso (Idade Média) e um

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sistema (economia industrial) – tinha agora de expressar as mais originais e complexas estruturas empresariais. Sabemos do papel preponderante e imprescindível do design na construção das marcas, mas ficou evidente que toda a classe de disciplinas, técnicas e suportes da comunicação estavam implicadas na vida social delas. Ela saiu da exclusividade do design e passou ser também um assunto das ciências sociais. Aprofundar-se na marca passou a ser penetrar no imaginário social, na psicologia cotidiana, no mundo pessoal das aspirações e das emoções. Percebe-se que, dessa forma, o indivíduo já não é mais somente receptor-passivocomprador-consumidor: é também emissor-ativo-interpréte-ator. Num contexto competitivo onde se disputa a preferência do consumidor, a marca passa a se referir, então, à imagem que o público possa ter dela. São nesses casos que a marca se transforma em uma geradora de padrões de comportamento e conhecimentos que impregna do cliente ao funcionário, do acionista ao fornecedor, num ciclo de produção e consumo permanente que gera valor e sustentabilidade, utilizando ferramentas adaptáveis e sensíveis às mudanças particulares da sociedade. O consultor em planejamento estratégico e professor de semiologia Norberto Chaves (2005, p. 12-14) indica a ocorrência de um reposicionamento do valor do produto (objeto) para o produtor (sujeito), tendo o valor agregado da mercadoria recaindo sobre atributos da entidade responsável pelo produto, suscetíveis de funcionar como canais de comunicação. Assim, esse deslocamento redireciona o conteúdo da comunicação para a identidade do emissor. É a subjetivação da comunicação e o início da inegável formação de uma sociedade dos intangíveis.4 Com isso, a definição etimológica do branding começa a ganhar força de mercado: o ato de marcar a ferro os gados transformou-se em marcar a vida dos indivíduos. [83]

Desenvolve-se o Branding De maneira crescente, a globalização que se deu a partir da década de 80 alterou o panorama mundial. Num mundo de fronteiras em dissolução e de continuidades em ruptura, ela contestou os contornos estabelecidos pelas velhas certezas e hierarquias da identidade nacional. As tradições foram fundamentalmente desafiadas pelo imperativo de se forjar uma nova autointerpretação baseada nas responsabilidades culturais. Quanto mais a vida social se tornava mediada pelo mercado global de estilos, viagens internacionais, imagens da mídia e sistemas de comunicação interligados, mais as identidades se tornavam desvinculadas de tempos, de lugares, de histórias e de tradições específicos. Com o fim da Guerra Fria, a consolidação da União Europeia e, principalmente, a abertura da Internet ao grande público, o mundo se conectou e favoreceu a transmissão intelectual de uma forma global. Houve maior difusão, armazenamento e processamento de informação o que, consequentemente, mexeu com as capacidades produtivas e comunicacionais da sociedade. A anulação tecnológica das distâncias polarizou a condição humana com uma produção fragmentada de códigos culturais numa multiplicidade efêmera de estilos em escala global. Novas formas de representação e expressão se tornaram possíveis, não só como um fenômeno individual, mas também como um fenômeno de massa. A invocação dos nomes de marcas para dar status deixou de ser uma forma de criar ilusão de realidade: tornou-se identidade, ou seja, a própria realidade. O anonimato visual tornou-se fatal, pois o consumidor deixou de confiar no produto anônimo ou no serviço despersonalizado. Os emissores sociais – seja um indivíduo ou uma empresa – agora tinham que se fazer ler, [84]

entender, diferenciar, participar, em meios absolutamente distintos aos conhecidos previamente. A qualidade e a performance dos produtos passaram a ser condições sine qua non de competição, e não mais representavam uma vantagem competitiva. Era necessária uma mudança qualitativa nos modelos de comunicação convencionais e, principalmente, nos processos de identificação. Na sociedade dos intangíveis, o design está profundamente calcado no desejo humano de que as coisas tenham significado, importância. Para constituir e desenvolver sua própria identidade dentro do cenário plural e fragmentado – um possível quinto momento da marca descrito magistralmente pelo teórico cultural jamaicano Stuart Hall e pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman –, foi preciso que o indivíduo escolhesse um conjunto de valores que correspondessem às suas opiniões e desejos em uma linguagem internacional. Composta por um número variável de elementos diversos que interagem entre si, as marcas receberam essa função de estruturar as identidades: elas se tornaram líquidas. Para Bauman (2001, pp. 7-9), a qualidade fluída dos líquidos mostra que eles sofrem constante mudança de forma quando submetidos a uma tensão. Portanto, os líquidos não fixam um espaço ou se prendem ao tempo, são definidos por momentos móveis, inconstantes, leves. Essa ideia coloca a modernidade como sendo líquida desde sua concepção, uma vez que é preciso mudar e se moldar para alcançar suas próprias ambições. Esse momento líquido da modernidade questiona os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente e as ações de coletividade humana. Para os fluxos da globalização e o comércio serem livres por novos meios, a territorialidade precisa ser liquefeita, fronteiras devem ser apagadas. Qualquer rede densa e enraizada de laços sociais tornase um obstáculo. [85]

O olhar endógeno clássico da identidade institucional teve que mudar seu foco para uma identidade cultural exógena adaptando-se ao mundo ao seu redor. De mecânica, rígida e hierárquica, a estrutura de gestão tornou-se mais flexível e orgânica, determinada pela demanda do mercado onde atua e fundamentada pela visão estratégica. A responsabilidade social passou de simples filantropia para a cultura da instituição. Tudo para permitir que influenciasse e se adaptasse rapidamente às mudanças de mercado. Para uma instituição, a marca deve sintetizar seus valores essenciais – seja dela própria, de um produto ou serviço – que chegam a um indivíduo ou a um grupo de pessoas na forma de uma identidade. Com a comunicação transformada em um mecanismo progressivo de criação de entidades imaginárias no coletivo social, pode apelar para quantos recursos de identificação e de valorização estiverem à disposição: da manifestação visual de sua essência (logotipo, símbolo, cores, etc.) a personificação de uma característica desejada, assim como comportamento ético, o ambiente e a percepção do consumidor. Todas as atividades institucionais se tornam canais de imagem, ou seja, de identidade. É preciso compreender, então, que a sociedade se tornou mais interdependente, pressupondo a interatividade das pessoas e a fragmentação de suas identidades. O McDonald’s, por exemplo, pela primeira vez em sua história, lançou uma marca diferente de seus famosos arcos dourados, voltada exclusivamente para um produto e público específicos, mostrando adaptação ao mundo líquido.

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Figuras 7 e 8: Embalagens e fachada da nova investida do McDonald’s no Japão (2008). Disponível em http://inventorspot.com/articles/mcdonalds_japan_goes_nobrand_with_quarter_pounder_ shops_19505.

A designer e professora Lucy Niemeyer (2006, pp. 99 e 109-10) coloca que, para atingir o sucesso, as instituições buscam agora exprimir a heterogeneidade humana e exercitar a identidade individual articulada à cultura material, utilizando o design para reinserir os valores humanos e a sensibilidade humana no mundo material, fazendo nossas interações com ele menos impessoais e estritamente funcionais. Nunes e Haigh (2003, p. 74) acreditam que isso é a evolução pelo design, sendo o branding um estágio atual mais maduro de cultura da marca e um resultado de sua consolidação como uma área de conhecimento. O branding parece realmente se apresentar dessa forma como um processo ético de construção de significados que permite ao designer a reflexão sobre o impacto de seu trabalho no mundo e gera uma reformulação constante, progressiva e positiva de seu próprio significado. O que vem por aí? Design se torna identidade, identidade se torna branding, branding se torna vivência (Peter Knapp) Os grandes pensadores dizem que a melhor forma de predizer o futuro é criando-o. Enquanto as marcas estão aqui para ficar, pode ser difícil definir para onde elas se dirigem uma vez que as [87]

variáveis de construção das identidades humanas são inúmeras e imprevisíveis. As conclusões tiradas por Bauman em seus livros não são muito otimistas. Ele acredita que “a abundância dos compromissos oferecidos, mas principalmente a fragilidade de cada um deles, não inspira confiança em investimentos de longo prazo no nível das relações pessoais ou íntimas”. Cria-se uma sociedade insegura, cheia de medos e incertezas, ambos alimentados por maquinações sócias, culturais e econômicas. O psicanalista e filósofo francês Félix Guattari segue a mesma linha quando diz que a relação da subjetividade com sua exterioridade está comprometida em uma espécie de movimento geral de implosão: O planeta Terra vive um período de intensas transformações técnico-científicas, em contrapartida das quais engendram fenômenos de desequilíbrios ecológicos que, se não forem remediados, no limite, ameaçam a vida em superfície. Paralelamente a tais perturbações, os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mídia, a vida conjugal e familiar se encontra frequentemente “ossificada” por uma espécie de padronização dos comportamentos, as relações de vizinhança estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão... (GUATTARI, 2007, p. 7)

Para Guattari o sujeito não é mais evidente como proclama Descartes: não basta pensar para ser, já que inúmeras outras maneiras de existir se instauram fora da consciência. Então, ele aposta na ecosofia, uma articulação ético-política entre três registros ecológicos fundamentais: o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana. Para ele, não haverá verdadeira resposta à crise sem que aconteça uma autêntica [88]

revolução política, social e cultural, reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais, ou seja, atingindo não só as forças tangíveis, mas também aos domínios da sensibilidade, da inteligência e do desejo. Isso seria, no fim das contas, a reinvenção da existência humana em novos contextos históricos. O filósofo ainda acha que o processo tende a começar pelo econômico, pois “o capitalismo pós-industrial está descentrando seus focos de poder das estruturas de produção de bens e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, a publicidade etc.” Esse deslocamento do capitalismo fará com que as relações humanas sejam reconstruídas em todos os níveis, ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social, econômica e cultural do planeta e se infiltrando no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos da vida cotidiana e da ética pessoal. O indivíduo será levado a reinventar sua relação com o corpo, com o inconsciente e com o tempo. Será preciso encontrar alternativas para a uniformização midiática, o conformismo das modas e as manipulações da opinião pela publicidade. E o lado ambiental da articulação de Guattari assume que uma empresa responsável deve gerenciar suas atividades de maneira a identificar os impactos sobre o meio ambiente, buscando minimizar aqueles que são negativos e amplificar os positivos. O designer canadense Robert L. Peters acredita que o designer tem papel vital na era atual, pois é capaz de “criar sucesso econômico, moldar comunidades e formar culturas”. Para ele, informação, ideias e comunicação são a moeda no mundo virtual de hoje. [...] Fica claro, que o designer tem o poder, considerando sua responsabilidade sobre como as coisas serão consumidas, como as pessoas serão retratadas, como as mídias serão [89]

distribuídas e, ultimamente, qual forma o futuro terá. (PETERS, 2005, p. 11. Tradução pessoal)

Peters parece acompanhar as palavras do historiador Rafael Cardoso, que coloca o design como “principal desenvolvedor dos objetos que constituem a paisagem artificial do mundo moderno e possui importante influência semiótica no que diz respeito à transmissão da informação e à ordenação dos meios de comunicação”. Entende-se, assim, a necessidade de reposicionar o design nesse novo “mundo líquido”. O design, reduzido à sua essência, pode ser definido como a tendência humana a modelar e transformar o ambiente circundante de maneiras que não encontram precedente na natureza, para atender nossas necessidades e dar sentido às nossas vidas. (HESKETT, 2002 apud PINK, 2005, p. 63)

O branding terá cada vez mais que se preocupar com a autenticidade e a veracidade das identidades e com a crescente expectativa que as empresas se comprometam e sejam responsáveis com a sociedade, uma vez que os efeitos da globalização continuarão dominando. Seu posicionamento deverá ser ainda mais flexível e polifacético: de individual a coletivo, de singular a associado. A crença de Nunes e Haigh na evolução do branding pelo design se comprova. As tecnologias de informação e comunicação tendem a evoluir de maneira ilimitada, pois ainda não existe um questionamento ético desse progresso – que pode se tornar invasivo, misantropo e esquizofrênico. As possibilidades virtuais permitem que o indivíduo crie uma ilusão de intimidade e um simulacro de comunidade que, em alguns casos, substitui de forma irremediável a constituição sólida da identidade pessoal. Essas tecnologias

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também aumentam a desterritorialização do indivíduo e a interatividade exigida. Empresas já são criadas diretamente no mundo virtual com sistemas que fazem com que cada indivíduo navegue por ela escolhendo o melhor caminho sem necessitar da ajuda de uma pessoa, um funcionário ou qualquer conexão com o mundo real. Mas muitos estudiosos não acreditam que essa virtualidade eliminará a presença humana por completo. Chamadas eletrônicas com sistemas automáticos e formulários virtuais podem não satisfazer todas as necessidades e sente-se a necessidade de falar com alguém que possa entender seu caso particular. Antes mirando em grandes segmentos da população, as empresas já estão alterando sua percepção do indivíduo, respondendo com uma proposta mais individual, de gostos e atitudes. O auge desse novo mercado individual está na customização, que é a personalização de um produto por uma escolha do indivíduo. Muitas vezes o que é lançado não condiz com a real necessidade da comunidade a que foi dirigido. Sendo assim, ou o produto cai no anonimato e no esquecimento, até seu desaparecimento total, ou ele sofre uma customização, ou seja, adapta-se de acordo com o desejo ou necessidade. Fabricantes, então, podem recriar o produto com a customização inclusa. Mas hoje, além desse movimento, algumas empresas já investem no próprio ato de customizar como diferencial de mercado, pois ele aposta na necessidade de singularização do indivíduo. Temos como exemplos a enorme quantidade de restaurantes self-service ou que oferecem opções para alterar pratos; as montadoras de automóveis que oferecem diversas opções para modificar o carro antes de comprá-lo; ou, então, a empresa Converse All-Star de calçados que lançou uma versão branca de seus famosos tênis que vem junto com canetas coloridas para que o usuário possa fazer com que seu All-Star seja diferente de qualquer outro que exista. [91]

Isso exige também a melhoria dos produtos e na especificidade de serviços extras. É possível encontrar lojas de roupas com bistrôs, supermercados com correios e grandes estabelecimentos comerciais com creches. Tanto Melissa Davis (2006, p. 136) quanto Daniel Pink (2005, pp. 167-185) crêem que esse é Figura 9: Tênis All-Star Converse para customização. Foto de divulgação.

um movimento de busca do lúdico, do divertido, do lazer. É uma forma de melhorar a experiência comercial

e causar uma boa impressão, seja para seu público externo ou interno. A marca encontra aqui uma nova abertura: se é confiável, pode introduzir novas linhas de produtos em segmentos fora de sua oferta principal ou até mesmo intocados, como setores de caridade, clubes de futebol e países. Apesar dessas novidades, sabe-se que a tutela da marca havia se tornado sinônimo de uniformidade – reforçada por rígidas orientações de design com uso extenuante da marca. A reprodução consistente de uma marca pode entediar um consumidor hoje em dia. Estamos menos encantados com uma empresa que espera que atuemos como cartazes ambulantes, propagando sua marca para todos os cantos. Davis (2006, p. 219) indica que a simplificação e a sutileza são o caminho futuro das marcas, após a saturação explícita e o consumismo que Naomi Klein crítica tanto em seu livro Sem Logo. Todo o branding desenvolvido pela Apple é expressão mais contemporânea desse processo. O branding deve se voltar para as relações internas. Funcionários são vistos como os mais importantes embaixadores que o produto ou o serviço pode ter. Eles garantem a interação humana com o núcleo de seu público, o consumidor, assim [92]

como os investidores, os analistas e os fornecedores. Davis ainda coloca que o boca-a-boca e a recomendação pessoal de produtos e marcas serão as novas táticas de abordagem ao invés de forçar um consumo por meio da reiteração constante. As marcas deverão ser mais acessíveis para acompanhar o papel mais ativo que o sujeito vem desempenhando. O valor intangível de uma marca já é medido por seu compromisso com o público, enquanto os valores humanos e identidades entram em cena. Podemos ver que as pessoas se envolvem mais quando podem intervir na criação de uma marca, mesmo que essas marcas sejam passageiras. Este compromisso coloca os indivíduos como atores na decisão sobre a direção das marcas e até das empresas, que precisam responder imediatamente de acordo com os resultados. Esses são alguns dos caminhos de maior investimento no indivíduo que já aparecem para modificar o design no cenário líquido. As marcas precisam atravessar uma crescente variedade de plataformas para atingir públicos específicos ou, algumas vezes, múltiplos. Precisam ser capazes de carregar uma nova oferta de negócios e captar improváveis parceiros com um branding forte e flexível. Mas Bauman (1999, p. 86) diz que “não há linha de chegada óbvia para essa corrida atrás de novos desejos, muito menos de sua satisfação”. Então, serão dois os grandes desafios do design: em primeiro, consolidar-se como área de metaconhecimento de características interdisciplinares intrínsecas, forjando novos paradigmas ético-estéticos referentes à subjetividade; e em segundo, construir novas identidades de marca considerando o veloz surgimento de novos suportes midiáticos globalizados, sem diluí-las ou impor barreiras para sua fluidez e ainda conseguir diferenciá-las de identidades com valores semelhantes.

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Notas

A aparição da cor nos escudos foi uma das contribuições mais relevantes da heráldica para a história da marca, uma vez que o ato de marcação não possuía qualquer interferência cromática. 2 Considerado por muitos o primeiro “designer institucional” da História. 3 Os ativos intangíveis também podem ser visto como capital intelectual, tecnologia, patentes, invenções, músicas, trademarks, copyrights, lealdade de clientes, entre várias outras formas. 4 Nunes e Haigh utilizam a expressão “sociedade do conhecimento”. Preferi chamar de “sociedade dos intangíveis” para incluir outros fatores, como o consumo e as características institucionais. (NUNES & HAIGH, 2003) 5 Em 1968, Nakanishi já colocava o design como estratégia de sua empresa Paos, investindo nos campos da teoria, da gestão e da metodologia do design. Com o conceito Good design is good business, fundou em 2000 a World Good Design, onde o design é o denominador comum de todas as áreas. 1

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O design como criador de existências Lucy Niemeyer, DSc Raquel Ponte, MSc

Peirce e Fenomenologia O filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), filho de um matemático, formou-se em Química, mas se dedicou a vários outros campos científicos durante sua vida: Astronomia, Física, Biologia etc. (SANTAELLA, 2005, p.30). Legou uma obra extensa, embora nunca tenha terminado ou editado um livro. Seus escritos se compõem apenas de ensaios publicados em periódicos e de manuscritos, que se encontram na Universidade de Harvard, parte deles publicada em coletâneas e parte – a maior, cumpre frisarmos –, não tendo sido sequer transcrita. Mais conhecido por seus estudos em Semiótica, também chamada por ele de Lógica, e em Pragmatismo, depois rebatizada por ele de Pragmaticismo, desenvolveu uma arquitetura filosófica complexa, que compreende Fenomenologia, Metafísica, Estética, Ética, Cosmologia, entre outros campos de estudo. Sempre em diálogo com outros filósofos, não se limitou a criticar as respostas dadas por seus antecessores, das quais discordava, mas também apresentou soluções que a ele pareciam melhor representar o universo em que vivemos. Em sua divisão das ciências, Peirce estabeleceu a Fenomenologia como a primeira subdivisão da Filosofia:

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1 Matemática 2 Filosofia 2.1 Fenomenologia 2.2 Ciências normativas 2.2.1 Estética 2.2.2 Ética 2.2.3 Semiótica ou Lógica 2.3 Metafísica 3 Ciências especiais Segundo o pensamento peirceano, há uma ordem decrescente de abstração nessa divisão. Quanto mais abstrata a ciência, como a Matemática, por exemplo, maior sua capacidade em servir de base para as menos abstratas. Desta forma, podemos perceber que a Fenomenologia fundamenta a Metafísica e as Ciências Normativas, nas quais se incluem a Estética, a Ética e a Semiótica – subdivisão que mantém esta mesma lógica, sendo a Estética esteio para as demais. Mas apesar de estabelecer a Fenomenologia como uma divisão da Filosofia, suas categorias perpassam toda sua obra, por serem modos de ser dos fenômenos observados. Peirce buscou, durante muitos anos, categorias universais que explicassem a multiplicidade dos fenômenos experienciáveis, não se contentando com as respostas a que tinham chegado os demais filósofos anteriores e ele, como, por exemplo, Aristóteles, Kant e Hegel. Portanto a Fenomenologia, ou Faneroscopia – termo cunhado por Peirce para se distinguir das demais fenomenologias desenvolvidas –, “se propõe afetuar um inventário das características do faneron [...]” (IBRI, 1996, p.4), que pode ser entendido como tudo aquilo que está presente a uma mente, seja concreto ou abstrato (um sonho, uma ideia etc.). Peirce concluiu [99]

que toda a variedade dos fenômenos se reduzia a três categorias gerais: Primeiridade (Firstness), Secundidade (Secondness) e Terceiridade (Thirdness). Peirce define experiência como resultado cognitivo da vida, pautando-a assim como o fator corretivo de seu pensamento filosófico. Desta forma, qualquer pessoa pode praticar a pesquisa fenomenológica, bastando desenvolver três faculdades: ver (contemplar o que está diante dos olhos sem qualquer interpretação), atentar para (discriminar) e generalizar. A Secundidade é uma das mais evidentes categorias na experiência quotidiana. Como diz Peirce, estamos continuamente colidindo com os fatos duros (CP, 1.324), pois estamos sempre nos confrontando com a Realidade, que foge ao nosso controle, independe da nossa vontade. Essa relação de dualidade, a contraposição de duas coisas, uma agente e uma reagente, compreende a noção de Secundidade. Essa experiência não mediatizada consiste, portanto, na ideia do outro, da alteridade, da negação, do não-ego, daquilo que se interpõe ao sujeito. Assim, Peirce afasta-se do cartesianismo, pois o ego se dá pela oposição ao não-ego, não se originando de uma dúvida formulada. Além destes conceitos, também está implícita na ideia de Segundo a individualidade – a singularidade – visto que a experiência de ação e reação é sempre única, não reprodutível. De forma concisa, podemos compreender a Segunda Categoria como uma relação lógica de contraposição de um Segundo em relação a um Primeiro. Do ponto de vista metafísico, que visa entender o que há por trás dos fenômenos para que as coisas apareçam tais como são, a Existência é o modo de ser da Secundidade no mundo, que serve como uma hipótese explicativa para o nosso próprio caráter de individuais, hipótese essa baseada na experiência direta, como Peirce sempre fundamenta sua filosofia. A Existência caracterizase, assim, pelo seu caráter dual, de oposição ao outro. Daí pode-se [100]

concluir que os objetos da imaginação não existem, neste sentido do termo. A Primeiridade exclui a experiência de alteridade. O Primeiro é “aquilo que é sem referência a qualquer outra coisa” (PEIRCE, 2008, p.24): uma qualidade de sentimento, liberta do fluxo de tempo, uma talidade (suchness). Por estar fora da experiência temporal, distingue-se do factual, sendo apenas um estado de consciência, uma possibilidade. Para estar em tal estado de presentidade, requer-se a faculdade de ver, que pode ser compreendida como contemplação ou um olhar poético. Porém esse sentimento se perde se a mente busca compreender a talidade, pois analisar é comparar (Secundidade) e generalizar (Terceiridade). A Categoria de Primeiridade não pode ser entendida apenas como experiência interior, uma vez que a Fenomenologia considera faneron tudo aquilo que se apresenta à mente, real ou não. A variedade e a multiplicidade da natureza aparecem sob o aspecto do Primeiro, como manifestação da liberdade. A espontaneidade gera criação na natureza, produzindo, de acordo com o ponto de vista evolucionista de Peirce, a diversidade das coisas. A Primeiridade constitui uma miríade de possibilidades passíveis de serem realizadas. Já a Terceiridade configura-se como a categoria da generalidade e da mediação, em que um Primeiro em relação a um Segundo gera um Terceiro. Não se compreende, na filosofia de Peirce, generalidade em oposição a diversidade, uma vez que esta última está embutida na ideia da primeira, já que toda Terceiridade pressupõe Secundidade, que, por sua vez, se funda na Primeiridade. “Parece haver na mente uma tendência à generalização que busca subsumir ao conceito um número maior de fenômenos, tornando-o, por isso, mais geral” (IBRI, 1996, [101]

p.14). A mediação consiste em uma síntese, que aponta para o futuro, tendo assim um sentido de aprendizagem cognitiva. O elemento cognitivo desse processo será uma representação, que Peirce associa diretamente ao conceito de Terceiridade. Visto que o impulso efetivamente criador está na categoria de Primeiridade, com sua diversidade, espontaneidade e liberdade na geração de singularidades em sua multiplicidade, “[...] a generalidade da Terceiridade é representação de particulares e mediará a ação futura [...]” (IBRI, 1996, p.15). Peirce e Sinequismo A Terceiridade configura-se como condição para a possibilidade do pensamento, pois a mediação necessita de uma generalidade real. Para acontecer, o pensamento precisa do inteligível, “[...] um objeto que, experienciado, se põe como sujeito do pensamento na construção de seu próprio conceito” (IBRI, 1996, p.56), que por isso deve ter natureza eidética. Conclui-se, assim, que compreender o objeto como real e da natureza do pensamento é entendê-lo como geral (representa o individual), alter (destitui a representação do poder de estatuir o objeto) e eidético (possibilita sua inteligibilidade). Diferentemente da Existência, que possui apenas um modo de ser da Secundidade, a Realidade, além do caráter de alteridade de insistência contra a consciência, abrange a Terceiridade, pois tal insistência a coloca num fluxo de tempo e sua apreensão apresenta uma regularidade, que requer uma mediação por um intelecto a fim de reconhecer as relações entre as ocorrências, generalizando-as. Logo, o filósofo estende a qualidade eidética para a exterioridade, não se limitando aos objetos interiores à consciência, de forma que ela seja uma condição para a mediação. Peirce escreve, a natureza só nos parece inteligível na medida [102]

em que nos parece racional, ou seja, na medida em que seus processos são similares a processos de pensamento (CP, 3.422). Diferentemente de um pensamento que demarca uma clara separação entre sujeito e objeto, Peirce compreende o interno e o externo como adjacências. Sendo assim, a terceira categoria, quando contemplada pelo lado externo, é denominada Lei. Porém, se olhada tanto interna quanto externamente, chama-se pensamento. Desta forma, a Realidade tem natureza intelectual. O filósofo refuta a independência entre leis físicas e psíquicas, defendendo que a matéria deriva da mente, sendo assim mente esgotada. O argumento central do Idealismo Objetivo peirceano é a concepção do universo material como uma forma de mente, uma vez que ele é provido de hábitos de conduta em forma de leis naturais. Tanto leis físicas quanto psíquicas constituem regras gerais de conduta de individuais, com a diferença que as primeiras são hábitos cristalizados, enquanto as segundas apenas tornam um sentimento específico mais propenso a surgir. Rompendo com a dualidade mente/matéria, Peirce apresenta um conceito-chave em sua metafísica: o de continuidade, apresentado em sua doutrina do Sinequismo (do grego synechés, contínuo). Desta forma, há uma continuidade entre mente e matéria, assim como há entre lado interior e exterior. Para o filósofo, continuidade não é uma pluralidade de individuais (Secundidade), mas uma generalidade, um modo de ser de um todo, representando assim a Terceiridade, pois as ideias de aprendizagem, crescimento, inteligência e generalidade, todas elas subsumidas à terceira categoria, pressupõem um continuum. O individual, o elemento discreto, perde sua identidade na generalidade, tornando-se impossível identificar sua finitude no continuum, já que ele é uma descontinuidade, imbuída da

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Secundidade. Logo, a generalidade de um continuum é totalmente indefinida com relação a qualquer individual. Porém, para Peirce, a noção de continuidade não se limita apenas à categoria de Terceiridade, sendo também aplicável à Primeiridade no conceito de possibilidade. A possibilidade ainda não concretizada, não realizada na existência, tem um sentido de indefinição, uma vez que é impossível distinguir unidades individuais sem identidade, sendo “o possível necessariamente geral [...]” (PEIRCE apud IBRI, 1996, p.66). Assim, tanto Primeiridade quanto Terceiridade trazem uma ideia de generalidade, relacionando-os à concepção de continuidade, diferentemente da Secundidade, que, por seu caráter singular, se refere ao descontínuo da existência. Podemos perceber que a primeira e a terceira categorias devem ser inferidas por meio da segunda. É na existência que percebemos a Primeiridade e a Terceiridade, uma vez ser impossível individualizar possibilidades ainda não realizadas e apontar o geral. Só se pode definir aquilo que é determinado, singular. Assim a relação entre o continuum de Primeiridade – possibilidade – e de Terceiridade – necessidade – se realiza na factualidade da Secundidade – existência. “[...] O se fazer real requer, necessariamente, o se exteriorizar para um teatro de reações, que é a própria condição de possibilidade da evolução. [...] Do sonho à realidade há [...] a passagem pelo cinzel da Existência” (IBRI, 1996, p.111). Design como Criação O Design, como campo criativo, trabalha com a exteriorização intencional de ideias. A primeira categoria fenomenológica transparece na miríade de possibilidades de realização de um projeto. Qualidades podem ser arranjadas em uma sintaxe própria [104]

da Primeiridade (SANTAELLA, 2005). Como nos diz Peirce, toda a evolução evolui do vago para o definido (CP, 6.191), e é necessária uma definição a fim de fazer emergir uma existência. Uma potencialidade não realizada, portanto, torna-se inútil. Uma ideia de design, que não se materializa em um produto, não existe, pois não passa do nível de Primeiridade para o de Secundidade, como uma condição para uma realização inteligente. Porém “a existência envolve escolha [...]” (IBRI, 1996, p.84), e toda uma série de possibilidades aventadas na primeira etapa da criação deve ser descartada para dar espaço à possilibilidade escolhida que irá se concretizar. O caráter de liberdade e espontaneidade do processo criativo, pautado no sentimento, remete à inferência abdutiva que Peirce postulou. A Abdução, diferentemente da Indução e da Dedução, é o único argumento realmente responsável pela inovação. Porém, diferentemente da Arte, que utiliza o método abdutivo e não necessita de uma validação, o Design busca resultados, isto é, objetiva comunicar da maneira mais eficiente sua mensagem, atender à necessidade do cliente e satisfazê-lo por meio de seus produtos existentes. Por isso, além da Primeiridade, compõe o processo criativo a categoria da Terceiridade, pois a pura possibilidade, como potencialidade, [...] pode se fazer ato no futuro, mas não intenciona, necessariamente, o ato presente para um futuro, como, de outro modo, o faz a potencialidade da lei.” (IBRI, 1996, p.77). A razão, afeita à terceira categoria, medeia nossa relação com os fatos duros, buscando sua generalidade por meio da sua redundância, a fim de melhor nos conformar a eles. Essa mediação se traduz na previsão de eventos futuros, de forma que possamos melhor nos preparar para a realidade. O Design busca transmitir um argumento a um destinatário que irá consumir [105]

o produto. Porém, por se tratar de um processo que pressupõe grande reprodutibilidade – produção em larga escala na maior parte das vezes – o Design deseja atingir não apenas um indivíduo singular, mas um grupo que compartilhe semelhanças: o públicoalvo. Definir um público-alvo, nada mais é que generalizar, determinando uma regra geral, da qual podemos deduzir as respostas individuais de cada consumidor. Como se deseja eficiência na peça criada, mostra-se necessário compreender o caráter geral do público – seus desejos, suas necessidades, seus códigos, seus repertórios –, mesmo sabendo que nem todos os elementos do grupo podem reagir da mesma forma. Mas em um processo indutivo, será possível prever uma provável resposta esperada, que só poderá ser comprovada na experiência, por testes ou pela utilização do produto pronto. Além disso, a Terceiridade também faz-se presente nos conceitos que servem de base para a criação da peça de Design, considerando que Peirce associa a generalidade de um significado à terceira categoria. Depois de criado o produto, podem-se inferir, por meio de sua existência, as possibilidades de qualidades e sentimentos escolhidos e realizados, subsumidos à primeira categoria, e a generalidade dos conceitos transmitidos bem como do público ao qual se destina, uma vez que os objetos de Design são planejados a fim de serem realizados numa “[...] conjunção de uma terciaridade (sic) com uma primaridade (sic) para produzir uma secundaridade [...] que [...] representam o esquema peirceano de criação” (WALTHER-BENSE, 2000, p.91). Pela ótica do Sinequismo, podemos compreender tal determinação de uma peça de design como o lado exterior de uma ideia ou pensamento, visto que sujeito e objeto não constituem elementos estanques na filosofia peirceana. O que existe é um continuum entre interioridade e exterioridade. [106]

Para o Pragmatismo, a ação é um estágio do pensamento. Mas a fim de não incorrermos em um erro interpretativo quanto a essa metodologia proposta por Peirce, compreendendo o significado do conceito como relativo a uma pluralidade de atos, reduzindo-o, assim, à Secundidade, vale citar um trecho do filósofo: “[...] não quero dizer que atos, que são mais estritamente-singulares que qualquer coisa, poderiam constituir o propósito ou a própria adequada interpretação de qualquer símbolo” (PEIRCE apud IBRI, 1996, p.97). Peirce, na verdade, associa a generalidade de um significado à Terceiridade, refutando a ideia de ação como fim do homem e defendendo que é a ação que necessita de um fim – fim este, similar a ideias gerais. Compreender a ação como fim, desconsiderando o pensamento veiculado por ela, seria afirmar que não existe um propósito racional – hipótese inconcebível. Logo podemos compreender a ação como mero aspecto exterior das ideias – o fim de um pensamento é uma ação cujo fim é um pensamento. Desta ideia decorrem duas implicações: que os conceitos têm propósito e que seus significados consistem em suas concebíveis consequências práticas sobre a conduta (CP, 8.322). Assim, há algo de intelectual na conduta intencionada, que se exprime na racionalidade do pensamento em relação a um futuro possível. Esse ser in futuro reafirma a Terceiridade relativa à concepção do significado, já presente em sua generalidade. Tal ideia de continuidade que transparece nas relações de mente e matéria, de ação e pensamento, de interioridade e exterioridade, que se fundamentam no Sinequismo e no Idealismo Objetivo peirceano, deixa evidente o traço evolucionista do filósofo. A determinação da peça de design na Existência pelas imbricações entre Primeiridade e Terceiridade no processo criativo põe em movimento a continuidade, gerando crescimento e complexificação. Esta materialização do pensamento em produto [107]

de design é a externalização de um signo interno para o mundo da existência, considerando que todo pensamento é signo na concepção de Peirce. Desta forma, pode-se compreender o Design como um processo semiótico. Design como Semiose A Semiótica, ainda que circunscrita à terceira subdivisão das Ciências Normativas – pautada na Estética, primeira subdivisão, e na Ética, a segunda – perpassa toda a filosofia peirceana, visto que a inteligibilidade do universo depende de sua generalidade ser mediada. Aquilo que medeia a relação entre o objeto real e uma mente interpretadora é um signo e dá-se a esse processo o nome de semiose. Esta mente, como abordado anteriormente, não se restringe à humana, já que o Idealismo Objetivo postula que tudo é mente, até mesmo a matéria, que deriva dela. São três os elementos constituintes do signo: representâmen, ou signo em si, objeto e interpretante. O representâmen é o primeiro correlato da relação triádica do ponto de vista lógico, pois medeia a relação de representação, sendo por meio dele que o intérprete tem contato com o signo. Assim, o representâmen pode ser entendido como o aspecto perceptivo do signo, como a forma pela qual o signo se apresenta. No caso do produto de design, criamos um sistema sígnico, que é o próprio produto individual na existência. Esse sistema compõese de diferentes signos, que podem ser apenas visuais – caso de desenvolvimento de símbolos de uma identidade corporativa – ou uma mistura de signos (visuais, verbais, sonoros, olfativos, táteis e até gustativos), o que normalmente se mostra mais comum em nosso quotidiano, caracterizando o Design como uma linguagem híbrida (SANTAELLA, 2005). Projetos de motion design se baseiam nas matrizes sonora, visual e verbal, por exemplo, enquanto [108]

design de objetos tridimensionais buscam signos táteis que permitam uma melhor relação usuário-produto. Mas a tendência atual, sempre que possível, é a de integrar cada vez mais diferentes signos que estimulem todos os sentidos do destinatário em um mesmo projeto (LINDSTROM, 2007). Esse primeiro correlato é determinado por um segundo, seu objeto, que se apresenta a ele numa relação de Secundidade. Como nos diz Peirce, o signo representa algo, não em todos os sentidos, mas em referência a um certo tipo de ideia (CP, 2.228). Assim, o signo só pode representar parcialmente seu objeto, de outra forma ele seria o próprio objeto e não sua representação. Importante frisar que esse segundo correlato não corresponde apenas a um objeto material existente do universo físico, mas pode ser imaterial, do universo do pensamento, tal qual uma ideia, um sonho etc. Na criação de um novo projeto de design, tem-se um objeto conceitual, geralmente os elementos de marca (branding) do produto a ser projetado. Essa conexão com tal objeto abstrato mostra-se fundamental, pois garante a coerência do produto com a marca. No caso de diferentes aplicações de uma mesma identidade corporativa, é a ancoragem nesse objeto conceitual que permite que cada produto separadamente represente da melhor forma seus conceitos. Isso também ocorre quando se trabalha em novos produtos para extensão da linha de alguma marca. Em ambos os casos, mostra-se importante criar cada peça a fim de que, individualmente, melhor possa representar os conceitos que se deseja transmitir. Mas como toda representação é sempre parcial, torna-se fundamental, em situações em que há uma série de peças vinculadas à mesma marca, que elas, no conjunto, reafirmem e fortaleçam os conceitos, reforçando os pontos fortes de cada individual para ampliar a visão do objeto. [109]

O terceiro elemento, o interpretante, são os efeitos que o signo desperta na mente interpretadora. Visto que as peças de design criadas passarão por uma interpretação por parte do destinatário, mostra-se necessário conhecer o público a que elas se destinam com o objetivo de conhecer seus códigos e particularidades – sua regra geral, como explicado anteriormente. No ato de interpretação, atuam “filtros fisiológicos (acuidade de percepção), filtros culturais (ambiente, experiência individual) e emocionais (atenção, motivação)” (NIEMEYER, 2007, p.27). Isto fica evidente na teoria da percepção triádica peirceana (SANTAELLA, 1998), em que o percepto – algo externo, comumente chamado de estímulo – se interioriza em um percipuum, gerando um juízo perceptivo: “São os esquemas conceituais que trazem consigo os elementos interpretativos gerais que permitem a identificação e o reconhecimento do percepto” (SANTAELLA, 2005). Pode-se também complementar, baseando-se na teoria da comunicação, que o repertório, entendido aqui como “uma espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivíduo” (COELHO NETTO, 2007, p.123), relacionado ao já citado filtro cultural, também influencia na interpretação. Tendo em vista os três elementos componentes do signo, o designer deve, na criação, preocupar-se em estabelecer três âmbitos para a determinação da peça: como o signo designa – relação com representâmen –, o que designa – relação com objeto –, e com que fim designa – relação com interpretante (WALTHERBENSE, 2000, p.80). Definidos os três elementos da tríade sígnica, vale acrescentar que, para Peirce, cada um desses elementos constitui um signo. Assim o objeto – um signo – determina um signo, que determina, por sua vez, um interpretante – também signo. Esta seria a semiose genuína, claramente relacionada com a categoria de [110]

Terceiridade, que impulsiona o crescimento e a continuidade, pois se um interpretante é um signo, ele passa a determinar um novo interpretante (igual ou mais desenvolvido) e assim sucessivamente. Da mesma forma, um objeto é um signo que tem outro objeto determinando-o, numa regressão infinita. Este processo contínuo denomina-se semiose ilimitada. O processo semiótico, no entender de Peirce, depende, portanto, de uma mente interpretadora, sendo o elemento interpretante imprescindível para a realização do signo. Para ele, a tríade constitui o signo como um representâmen de que algum interpretante é a cognição de uma mente (CP, 2.242). Por isso, a semiótica peirceana é diretamente vinculada com as ciências cognitivas, pois, na semiose ilimitada, todo signo-pensamento é traduzido ou interpretado por um subsequente (CP, 5.284). Assim, podemos entender o processo de design como uma semiose ilimitada. Seus sistemas sígnicos – as peças geradas – representam conceitos – interpretantes frutos do pensamento no mundo interno, que por sua vez podem ser efeitos de outros pensamentos ou açõ,,kes, em um continuum em regressão infinita. Tal materialização das possibilidades de pensamento em existências reais, por sua vez, gerará novos interpretantes – pensamentos e ações – em malha contínua ad infinito. Conclusão Este artigo buscou analisar o Design sob a ótica do pensamento filosófico peirceano, compreendendo seu processo como semiose ilimitada, em que há um continuum entre pensamento e realização na existência. Trabalhando as possibilidades e qualidades da Primeiridade, não perdendo de vista a generalidade necessária da Terceiridade, a peça criada materializa-se no teatro da existência da Secundidade. A peça de design pode ser compreendida, [111]

portanto, como uma realização externa de um pensamento interno: signo ou sistema sígnico que gerará novos signos interpretantes – signos-pensamentos estes que poderão gerar novas ações, por sua vez, em um processo contínuo evolutivo, que proporcionará um enriquecimento e uma crescente complexificação da cultura material. Como criador intencional de existências na realidade, o Design acarreta consequências práticas para o universo experienciável. Por isso, enquanto semiose, pautando-nos na divisão das ciências de Charles Sanders Peirce, o Design deve almejar o admirável estético, sem perder de vista os fundamentos éticos quando de seu processo de criação. Referências COELHO NETTO, J. Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noêtos. São Paulo: Perspectiva: Hólon, 1992. LINDSTROM, Martin. Brand Sense. Porto Alegre: Bookman, 2007. NIEMEYER, Lucy. Elementos de Semiótica Aplicados ao Design. 2. ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2007. PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2008. PEIRCE, Charles S. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Electronic edition. Virginia: Past Masters, 1994. In http://library.nlx.com/. SANTAELLA, Lúcia. A Percepção: uma Teoria Semiótica. 2. ed. São Paulo: Experimento, 1998. SANTAELLA, Lucia. Teoria Geral dos Signos: Como as Linguagens Significam as Coisas. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

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SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem do Pensamento: Sonora, Visual, Verbal. 1 ed. São Paulo: Iluminuras, 2005. WALTHER-BENSE, Elisabeth. A Teoria Geral dos Signos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. Sobre as autoras Lucy Niemeyer, DSc PProfessor Adjunto da Esdi/Uerj [email protected] Raquel Ponte, MSc Esdi/Uerj, 2009. [email protected]

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A Tipografia Houaiss Guilherme Cunha Lima, PhD Bruno Schneider, MSc

1 Introdução A Tipografia Houaiss foi encomendada para utilização exclusiva no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O dicionário foi lançado em 2001 – apoiado por uma equipe de mais de 150 especialistas (lexicógrafos, redatores, etimólogos, professores, datadores, revisores) – resultado de um trabalho iniciado em 1986 por Antônio Houaiss, seu criador. Antônio Houaiss (1915-1999) foi tradutor, crítico, escritor, lexicógrafo, diplomata, membro da Academia de Ciência de Lisboa, presidente da Academia Brasileira de Letras e Ministro da Cultura no Brasil. Houaiss também trabalhou como organizador das enciclopédias Delta-Larousse e a Mirador Internacional no Brasil e foi autor de dois dicionários bilíngues inglês-português. Apesar da sua morte em 1999, o trabalho de desenvolvimento do Dicionário Houaiss foi concluído por sua equipe, hoje reunida no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, no Rio de Janeiro. A publicação foi reconhecida pelo governo português como obra de referência da língua e contou com apoio de órgãos oficiais do governo português para uma edição local, apesar de ser um dicionário concebido e elaborado por um filólogo brasileiro. Em relação ao conteúdo, o dicionário trouxe algumas novidades. Uma delas foi o registro da origem das palavras, através da data em que cada palavra começou a ser usada na

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língua e a fonte dessa datação. Também houve a preocupação de tornar a obra uma referência da língua portuguesa falada em todo o mundo. Foram incluídas palavras do português utilizado nos Açores, Ilha da Madeira, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Macau e Timor Leste. A atenção com o projeto gráfico e o acabamento do dicionário também marcaram o lançamento da obra. Victor Burton, autor de uma série de projetos no ramo editorial, realizou o projeto gráfico do Houaiss, com a assistência de Angelo Allevato Bottino. A criação da Tipografia Houaiss foi do designer gráfico Rodolfo Capeto. O dicionário foi impresso na cidade de Bolonha, Itália, no ano de 2001. 2 A importância da tipografia nos dicionários Micro tipografia e macro tipografia A tipografia trouxe grande contribuição para a consulta eficaz em dicionários. Quando se fala em tipografia para dicionários, é importante tratá-la em dois níveis: a macro tipografia e a micro tipografia. A primeira contribui para facilitar a tarefa do leitor de “navegação” pelo dicionário. A segunda está relacionada à diferenciação dos elementos estruturais do conteúdo. Os grupos de duas ou três letras normalmente localizadas no alto das páginas para marcar a sequência alfabética são um exemplo de macro tipografia. Já a micro tipografia organiza o conteúdo dentro de um verbete, diferenciando exemplos de uso, acepções, subacepções etc. Ao longo dos tempos, o uso de tipografia nos dicionários caminhou para uma maior diferenciação entre os elementos estruturais. Se, por um lado, as tradições da boa tipografia apontavam para a busca de uma uniformidade na textura formada pela composição de uma página impressa, nos dicionários a [115]

complexidade e natureza do conteúdo tornaram inevitável o uso de diferentes pesos e tipos de letras na mesma página. Um pouco de História As bases da tipografia para dicionários foram estabelecidas pelo impressor francês Robert Estienne (1498–1559) (LUNA, 2004). Nas composições realizadas por Estienne, já se observa recursos de micro e macro tipografia para auxiliar o leitor na leitura dos dicionários. A disposição do texto em diferentes blocos (parágrafos) e mudanças no tamanho de letra eram formas de auxiliar a “navegação” por páginas e verbetes. Mudanças no tipo de letra eram os mecanismos para diferenciar os elementos estruturais de um mesmo parágrafo. Num segundo momento, as mudanças trazidas pelo desenvolvimento da lexicografia no século XVIII impuseram uma maior sofisticação dos recursos tipográficos para aplicação em dicionários. Ao invés de uma simples lista com as diferentes acepções de uma palavra, os dicionários começaram a ser publicados com exemplos de uso das palavras. Esta mudança, simples à primeira vista, reflete uma maior preocupação com o leitor. O formato geral das publicações começa a mudar de uma “pilha” de definições por palavra para um parágrafo mais rico e com mais camadas de leitura no interior de cada verbete. O inglês Samuel Johnson (1709-1784) é quem melhor representa as mudanças desse período, no seu trabalho A Dictionary of the English Language (LUNA, 2004). Num terceiro estágio, a complexidade das páginas requereu o domínio no uso de diferentes fontes tipográficas na mesma publicação e parágrafos distintos para os diversos significados de um verbete. No século XIX, esse domínio foi atingido no trabalho do lexicógrafo escocês James Murray (1837-1915) para o Oxford [116]

English Dictionary (OED) (LUNA, 2004). O design desse dicionário apoiou-se na variedade de tipos utilizada, ao contrário das limitações no uso de diferentes tipos à época de Johnson. Finalmente, é importante ressaltar que os recursos da macrotipografia no arranjo espacial dos elementos no dicionário revelaram-se na história a maneira mais eficiente para atingir a boa leitura. No entanto, as limitações de espaço disponível nas páginas por razões de custo ou necessidade de publicações compactas e portáteis restringiram a utilização desses recursos e coube à micro tipografia a tarefa de diferenciar os elementos estruturais do conteúdo. 3 A tipografia Houaiss O início do trabalho A encomenda de um desenho de letra exclusivo para o Dicionário Houaiss foi uma iniciativa de Victor Burton, autor do projeto gráfico. A tipografia Houaiss foi desenhada pelo designer Rodolfo Capeto (ESDI), num período de dois anos de trabalho não contínuo. A partir de um contato com Mauro de Salles Villar – membro da Academia Brasileira de Filologia e responsável maior pelo Houaiss – e Burton, foi preparada e posteriormente aceita uma proposta de trabalho de Rodolfo Capeto. Inicialmente, foram encomendados um desenho de letra com serifa nas versões normal, itálico, bold e bold itálico e uma versão sem serifa na versão black. Posteriormente, verificou-se a necessidade de uma versão black itálico para completar a família tipográfica. O trabalho foi realizado em etapas e as reuniões para discussão e aprovação dos resultados eram normalmente entre Rodolfo, Mauro Villar e Burton. [117]

Requisitos para uma tipografia de dicionário Os dicionários são livros com características muito específicas pois são publicações de consulta, ao contrário dos livros para uma leitura contínua. Além disto, deve-se considerar a grande quantidade de texto numa mesma página nos dicionários, o que levou aos seguintes requisitos de projeto no desenho da tipografia Houaiss: r /FDFTTJEBEFEFVNCPNSFOEJNFOUPWFSUJDBMFIPSJ[POUBM  ou seja, a necessidade de acomodar o maior número possível de caracteres numa mesma linha e o maior número possível de linhas de texto numa página (inicialmente o Houaiss seria publicado em dois volumes; no entanto, a maior aceitação comercial do formato de um só volume reforçou ainda mais a preocupação com o bom rendimento da tipografia). r $BSBDUFSFTCFNSFDPOIFDÎWFJTOVNBDPOTVMUBBPEJDJPOÃSJP  palavras que o consultante desconhece podem estar sendo lidas pela primeira vez, ao contrário da “varredura” rápida feita na leitura contínua de textos com termos já conhecidos. r #PBMFJUVSBFNDPSQPEFMFUSBCBTUBOUFSFEV[JEP QUOP caso do Houaiss). De que forma os requisitos para o desenho de letra foram atendidos Para dar conta destas necessidades, o design da tipografia Houaiss incorporou as seguintes características:

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r i0MIPTuHSBOEFTQBSBPCPBEFàOJÉÈPFSFDPOIFDJNFOUP dos caracteres e, consequentemente, grande altura-x para boa legibilidade.

1 Olhos.

r 4FSJGBTDVSUBTQBSBCPBMFHJCJMJEBEFEFDBEBMFUSBF interferência mais discreta na “massa” de texto de cada página.

2 Serifas.

r -FUSBTOFNFYDFTTJWBNFOUFlight ou bold.

3 Letras.

r "TDFOEFOUFTFEFTDFOEFOUFTDVSUPTQBSBCPNSFOEJNFOUP vertical.

4 Ascendentes e descendentes

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Também é interessante comentar que não foi possível desenhar ligaturas para a Houaiss (duas ou mais letras agrupadas no mesmo caractere), pois o processo de produção desse dicionário utilizou um software de editoração eletrônica que não permitia esse recurso. Os dicionários são montados pela integração de um software de editoração com um banco de dados que contém os verbetes. Num primeiro momento, as páginas são montadas automaticamente pelo programa de editoração a partir da base de dados dos verbetes. Na sequência, o resultado é revisado para avaliar se os padrões tipográficos e a diagramação das páginas atingiram o resultado esperado. Esta forma de produção é muito específica e as ferramentas utilizadas não acompanham o desenvolvimento do restante da indústria de software, o que explica a impossibilidade de uso das ligaturas.

5 Impossibilidade do uso das ligaturas.

Outros atributos da tipografia Houaiss Para a variação de pesos da família tipográfica, o autor Rodolfo Capeto optou por aumentar a espessura dos traços sem modificar a largura das serifas na base de cada letra. Na progressão da versão normal à black, pode-se verificar que a espessura dos traços da letra cresce sobre a serifa.

6 Variação de pesos da família.

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Para o desenho final da versão black, removeu-se totalmente o que restava da serifa. O resultado foi uma variante black sem serifa utilizada posteriormente para a abertura dos verbetes. Respondendo uma pergunta sobre classificação para a família tipográfica Houaiss, o autor posicionou o trabalho na tradição das Romanas Antigas (Old Style), porém com uma marcada economia formal. Esta simplificação da forma pode ser relacionada aos requisitos para uma boa leitura em corpos de letra reduzidos nos dicionários e também está associada a uma tendência de geometrização dos fins da década passada. 4 Aplicação da tipografia Houaiss Principais aplicações: r "WFSTÈPblack normal sem serifa 1 foi utilizada para a abertura de cada verbete; a utilização de versões com e sem serifa e a variação de pesos é uma tendência nos dicionários, pois a lexicografia evoluiu para muitas camadas de informação relacionadas a cada verbete e para uma necessidade de diferenciar todas essas informações. r "WFSTÈPOPSNBMDPNTFSJGBÊVUJMJ[BEBOBTBDFQÉ×FTEP verbete. r "OPSNBMJUÃMJDBDPNTFSJGBGPJFTDPMIJEBQBSBGSBTFTDPN exemplos de uso de um verbete; marca a mudança do discurso das definições para o de aplicações em casos concretos. r "bold com serifa 4 foi aplicada nas locuções e nos numerais que distinguem as acepções.

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7 Principais aplicações da tipografia Houaiss.

5 Outros projetos semelhantes No exterior O exemplo mais marcante de tipografia para dicionários atualmente é a Lexicon – desenhada em 1992 por Bram de Does. Esta tipografia foi projetada para uso em tamanhos bastante reduzidos e/ou impressão laser ou de baixa resolução. A Lexicon está dividida em dois grupos principais: Lexicon No.1 e Lexicon No.2. A Lexicon No.1 tem ascendentes e descendentes curtos; a Lexicon No.2 tem ascendentes e descendentes “normais”. Os dois grupos utilizam a mesma largura nos caracteres, o que possibilita a troca de fontes sem o deslocamento do texto. Outra característica desta fonte é a grande variedade de pesos de letra. Cada grupo principal tem doze variantes disponíveis (seis em itálico).

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