Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade de fundo de pasto do semiárido baiano

June 21, 2017 | Autor: Gabriel Troilo | Categoria: Campesinato, Território, Relações de Parentesco
Share Embed


Descrição do Produto

Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade de fundo de pasto do semiárido baiano USO COMÚN DE LA TIERRA, FORMAS DE SOCIABILIDAD RURAL Y ESTRATEGIAS DE RESISTENCIA EN UNA COMUNIDAD TRADICIONAL DE FONDO DE PASTOS DEL SEMIÁRIDO BAIANO Gabriel Troilo Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” [email protected]

Nashieli Cecilia Rangel Loera Universidade Estadual de Campinas [email protected]

Maria Nalva de Araújo Universidade do Estado da Bahia [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho é promover um debate sobre a problemática da reprodução do campesinato no contexto atual a partir de reflexões produzidas com base em um estudo de caso em uma Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto do semiárido baiano. Para tanto foi feita uma investigação de abordagem qualitativa por meio de entrevistas com agricultores da comunidade de Muquém, município de Monte Santo, Bahia. Os resultados da pesquisa contribuíram para se compreender o modo como o uso comum da terra, as relações de parentesco, as formas de sociabilidade rural e demais estratégias de resistência nas comunidades sertanejas se conjugam para perpetuar o modo de vida historicamente desenvolvido nas áreas rurais do sertão baiano. Palavras-chave: Campesinato ; Relações de parentesco ; Território Resumen: El objetivo de este trabajo es el de promover un debate sobre el tema de la reproducción del campesinado en el contexto actual mediante reflexiones producidas a partir de un estudio de caso en una Comunidad Tradicional de Fondo de Pastos de la región semiárida de Bahía. Para ello se realizó un estudio cualitativo a través de entrevistas con los agricultores de la comunidad de Muquém, ciudad de Monte Santo, Bahía. Los resultados de la investigación han contribuido para comprender cómo el uso común de la tierra, las relaciones de parentesco, las formas de sociabilidad rural y otras estrategias de resistencia en las comunidades sertanejas se unen para perpetuar el modo de vida desarrollado históricamente en las zonas rurales del sertão de Bahía. ISSN. Online: 1980-4555 DVD-ROM: 1980-4563

Palabras clave: Campesinado ; Relaciones de parentesco ; Territorio

Introdução Este trabalho foi elaborado por meio das atividades desenvolvidas na disciplina “Territórios do Cotidiano”, do curso de Mestrado em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe, onde, através de uma reflexão centrada na temática do campesinato e suas formas de reprodução na atualidade, foi possível estabelecer um diálogo entre o debate teórico promovido por diferentes autores e alguns aspectos da realidade de sujeitos que vivem no campo na atualidade. A construção deste trabalho envolveu os debates feitos em sala de aula, estudo de bibliografia indicada pela docente e, posteriormente, uma investigação etnográfica feita em uma comunidade camponesa. O objetivo do presente trabalho, portanto, foi trazer à tona a problemática da reprodução do campesinato no contexto atual através de uma reflexão feita a partir de um estudo de caso com uma comunidade tradicional de fundo de pasto do semiárido baiano. Em questão foi trabalhado o modo como o uso comum da terra, as relações de parentesco, as formas de sociabilidade rural e demais estratégias de resistência nas comunidades se conjugam para perpetuar o modo de vida historicamente desenvolvido nas áreas rurais do sertão baiano. Para tanto foi promovido um estudo de caso na Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto de Muquém, município de Monte Santo (BA), onde, por meio de uma pesquisa de abordagem qualitativa, foram feitas entrevistas semiestruturadas com o objetivo de trazer à tona três reflexões principais: o modo como se formou a estrutura fundiária da comunidade, a forma como as relações de parentesco influem na organização da mesma e as estratégias de resistência que garantem a manutenção do modo de vida desenvolvido pelas famílias de agricultores. Além de tentar travar um diálogo que trouxesse a expressão da identidade e da maneira como os agricultores encaram seu modo de vida. Os resultados da pesquisa foram sistematizados, organizados por semelhança de narrativas e interpretados com base nas teorias dos principais pesquisadores que estudam as estratégias de reprodução do campesinato na atualidade.

A comunidade de Fundo de Pasto de Muquém Muquém é uma dentre as diversas Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto1 existentes na área rural do município de Monte Santo, Bahia, localizando-se

1  Comunidades tradicionais historicamente constituídas em terras devolutas no semiárido nordestino em que se conforma uma organização semicoletiva de ocupação e uso do território por famílias de agricultores sertanejos, havendo parcelas de terra individuais pertencentes à núcleos familiares e grandes parcelas de

2546

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

em uma região de serras e vales com caatingas preservadas entremeadas por roças de pequenos produtores. A região está inserida no Território de Identidade do Sisal, nordeste do semiárido baiano. Pela confluência das histórias orais de alguns moradores mais antigos, a área da comunidade era ocupada por comunidades indígenas em épocas passadas, sendo que o nome Muquém remonta histórias destes tempos. Outros já afirmam que há uma relação do nome da comunidade com atividades mais recentes, pelo fato de agricultores sertanejos que passaram a percorrer a região utilizarem a localidade para guardar, ou “muquiar”2, suas caças. A comunidade de Muquém se formou da mesma forma como muitas outras comunidades tradicionais do sertão nordestino, a partir da divisão de terras de grandes fazendas por herança familiar. Os grandes fazendeiros que antigamente eram os únicos que tinham o poder de lavrar os documentos de posse, se apropriavam de extensas parcelas de terras devolutas, registravam em seu nome e com o tempo passavam a dividi-las de maneira não formal entre os filhos. Estes, ao formarem novas famílias, dividiam novamente suas parcelas, e assim por diante, processo que com o tempo acabou originando pequenas parcelas de posse individual e extensões maiores de caatinga sem posseiro específico. A comunidade de Muquém e as comunidades vizinhas tiveram sua estrutura fundiária formada a partir destes processos de partilha. Atualmente a comunidade é formada por núcleos familiares de pequenos produtores organizados em lotes individuais onde pratica-se atividades de subsistência como agricultura de sequeiro e criação de pequenos animais, havendo também uma extensa área de uso comum utilizada para atividades pastoris pelo conjunto da comunidade. A região como um todo é formada por remanescentes de caatinga ainda preservada que, além da base para atividades agropastoris, ainda assim oferece uma diversidade produtos para subsistência a partir da prática do extrativismo. Frutos e sementes como o Umbu e o Licuri são utilizados na culinária tradicional das famílias e como complemento alimentar para criações, atualmente tem gerado renda a partir de seu beneficiamento. Mesmo assim, a principal fonte de renda dos agricultores é a caprinocultura e ovinocultura de corte, mas também há estações do ano que permitem o plantio de culturas como feijão, milho e mandioca. A base para a criação animal é a vegetação nativa onde, durante os períodos de escassez de chuvas, os animais encontram forragem natural garantida nas extensas áreas de caatinga das áreas de uso comum nas serras em volta da comunidade. Boa parte dos moradores da comunidade estão envolvidos com essa atividade, mas

terra de uso comum para pastoreio extensivo ao fundo das roças, por isso a designação “fundo” de pasto (ALCÂNTARA & GERMANI, 2009 ; ALMEIDA, 2009). 2  “Muquiar” é um termo nativo utilizado por sertanejos de diversas regiões do país, significando o ato de esconder algum objeto.

Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2547

há muitos que obtém sua renda através de outras atividades econômicas como o artesanato em barro e palha, o extrativismo vegetal, a prestação de serviços na própria comunidade ou mesmo atividades comerciais na localidade. Alguns agricultores também passam a trabalhar fora, na sede do município ou mesmo em cidades próximas, por necessidade ou por conta de uma formação diferenciada, mesmo que mantendo-se na comunidade e gerindo uma certa parcela do trabalho da roça. Há uma prática comum nos períodos de escassez gerados pela estiagem, principalmente entre os mais jovens: a migração temporária para grandes centros urbanos em busca de trabalho e renda. Muitos retornam depois de um período necessário para levantar algumas economias, que inclusive, são reinvestidas na roça, na produção, em animais, etc. Recentemente houve a organização da Associação Agropastoril dos Pequenos Produtores de Muquém e região, através do trabalho de mobilização social feito por parte das famílias da comunidade e entidades que atuam na região, como as pastorais sociais da Igreja Católica e a Escola Família Agrícola do Sertão. Processo este que tem sido imprescindível para as lutas de resistência da comunidade frente às ameaças de expropriação da terra e para conquistas necessárias ao desenvolvimento das famílias. Durante um determinado período a associação esteve integrada à Central das Associações de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia (CAFFP), entidade que trabalha na unificação política dos fundos de pasto e na defesa de suas reivindicações. Mas, pelo fato da atuação da CAFFP ser mais centrada em outra região do território e não haver um diálogo mais próximo e um retorno mais efetivo das ações da mesma para com a comunidade, a associação acabou decidindo por se desligar da central e se responsabilizar de maneira direta pela atuação política da comunidade.

Relações de parentesco, formas de sociabilidade rural e relação com a terra nos territórios sertanejos

A partir diálogo com os agricultores a respeito das relações de parentesco tanto na formação da comunidade quanto na dinâmica de organização do trabalho na mesma foi possível compreender importantes estratégias de resistência que são comuns à maioria dos fundos de pasto. De início todos os entrevistados revelaram que a partilha de terras só é feita na família, ou seja, as terras nunca são vendidas ou doadas para pessoas de fora da comunidade, a não ser que passem a fazer parte da família através de matrimônio. Assim toda a extensão de terras da comunidade é mantida sob um forte laço de parentesco que garante a integridade da mesma. Algo que está presente no imaginário de boa parte dos agricultores, expressa-se nas palavras de um dos entrevistados: [...] todo mundo que aqui vive se mantém bem forte e unido por conta da parentada, pois se num fosse assim essas terra tudo já havia de se perdido nas mão de estranhos

2548

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

né[...] A gente aqui só vive assim nessas terra ainda por conta disso, as veis dá umas briga, uns arranca-rabo entre até irmãos, mas nada que não seja de mais comum de acontecê em qualquer famia né?! Inda mais quando vai ficando grande como aqui nessa nossa comunidade. Apois que mesmo assim sempre há os entendimento e disso temo a garantida dessas terra tudo se mantê da nossa gente do Muquém (agricultor da Comunidade de Muquém, 2014).

Assim como afirma o agricultor entrevistado, é na “parentada” que a comunidade encontra sua principal forma de unidade, até para resolver conflitos de terra que ocasionalmente ocorrem, seja entre os próprios moradores, seja com fatores externos que, em muitos casos, incorrem em ameaças de expropriação das terras, por conta da ação de grandes fazendeiros ou mesmo de mineradoras. Já em relação à organização social e à produção é evidente o importante papel das relações familiares para o desenvolvimento da comunidade. Pelos relatos, principalmente dos mais velhos, o trabalho diário com a roça, o cuidado com os animais e demais necessidades que demandam os lotes individuais são geridos pela família, estando o homem sob a responsabilidade do rebanho, a mulher trabalhando em parte com os afazeres domésticos e em parte com as culturas anuais e os filhos com responsabilidades atribuídas pelos pais conforme a necessidade. Boa parte dos entrevistados afirmaram que a dinâmica produtiva de sua unidade familiar era organizada segundo as necessidades de subsistência da família, ou seja, conforme aumentava o número de filhos, maior seria a produção da roça, e maior seria o rebanho. Segundo um dos agricultores, “era fartura certa pra um pai que tinha à sua disposição um bom tanto de filhos, o trabalho rendia mais pois tinha mais gente pra pegar na enxada”, ou seja, a produção tornava-se cada vez maior conforme aumentava o número de integrantes da família. Este mesmo agricultor ao tempo que nos revelava estas condições fazia questão de nos mostrar as roças por ele desbravadas no tempo em que ainda tinha os filhos, e argumentava que durante um bom tempo ele viu seu rebanho crescer de maneira vigorosa e grandes plantios de feijão e milho darem safra pro ano todo. Ao tempo que os filhos tornaram-se adultos todos acabaram formando suas famílias, e a terra que antes era toda trabalhada pelo mesmo corpo familiar, passou a ser parcelada, até o ponto em que o patriarca manteve um lote bastante reduzido em relação à sua parcela original, segundo ele: [...] das lidas de antes que era eu e esse tanto de fio, essa roça tudo ai que ocê vê era uma só. Mas eles tudo foi chegano no momento de se casá e tê a sua própria família, e eu fui dando as partes que cada um merecia de herança da terra, pelo justo que nóis temo que tê com os fio todo. Seno que hoje tem cada qual a sua rocinha, e eu tenho cá também minha terrinha e crio uns bixo que mal dá pra eu e a mulher, mas a gente ganha agora a pensão do governo, e acaba que o sustento tá garantido sem tê a ajuda dos fio. E assim acontece todo mundo daqui, com todas as família daqui desde que eu me dou por gente (Agricultor da Comunidade de Muquém, 2014).

Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2549

De acordo com a afirmação do agricultor, esta dinâmica de organização do trabalho familiar ocorre da mesma maneira em toda a comunidade, sendo que a grande maioria dos entrevistados relataram a mesma condição, de maneira mais superficial, mas sempre enfatizando que a principal forma de sustento das famílias vinha, e ainda hoje em sua maioria vem do trabalho de seus membros na produção agropecuária. As relações de parentesco acabam revelando outros importantes aspectos da produção na comunidade: as formas de entreajuda com os mutirões periódicos e as relações que geram a principal característica dos fundos de pasto: o uso comum da terra. Duas formas de sociabilidade rural que evidenciamos na fala de todos os entrevistados, e tratada por alguns como um fator principal de existência da própria comunidade desde o princípio da mesma. Pela explicação dos mais velhos, desde sempre houve condições difíceis de produção nessas regiões, por conta da severidade climática, e todo sertanejo para garantir seu sustento precisava saber bem como manejar a caatinga e a terra para tirar delas a sua subsistência. Neste sentido o pastoreio extensivo de caprinos e ovinos sempre foi a principal estratégia de sobrevivência da comunidade, sendo que a garantia de alimento para o rebanho de todo agricultor estava nas extensas áreas de caatinga nas serras ao derredor da comunidade. Áreas de pastagem que se conformaram sem ter um dono específico, mas de uso de toda a comunidade, e que são a garantia de resistência da mesma nos períodos de seca. A caprinocultura de corte, segundo relatos de entrevistados mais jovens, é a base da economia das comunidades de fundo de pasto. As outras produções acabam ficando dependentes dos curtos períodos de chuva, mas também tem sua base firmada no trabalho coletivo, pois em determinadas épocas o trabalho de plantio, colheita e beneficiamento necessita ser feito em um curto período de tempo, o que só é possível com a ajuda da comunidade formando os mutirões, como as “farinhadas” e a “colheita e batida do feijão”. Mesmo em meio a estas relações, muitos agricultores mencionaram que os costumes de ajuda mútua na comunidade vêm se perdendo, conforme cada um vai tendo melhores condições de vida, aumentando sua renda e muitas vezes até modernizando sua produção. Há de se observar que a prática do trabalho contratado existe em boa parte das famílias na atualidade por conta desse processo. Dentre os entrevistados alguns agricultores que relataram a prática da utilização do trabalho assalariado periodicamente em sua produção. Algo que segundo eles não era frequente, por vezes há a contratação de peões para preparação da terra para o plantio, para a colheita, para um trabalho de manutenção das estruturas da roça ou mesmo para trabalhos que antes eram tradicionalmente garantidos pelos mutirões, mas que atualmente não há mais a garantida da entreajuda, havendo a necessidade de força de trabalho contratada. Muito do que vem se perdendo destas tradições acaba sendo por conta do aumento da população da comunidade e do

2550

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

distanciamento das famílias e das relações de parentesco, algo quem vem sendo trabalhado através da ação da associação comunitária pela mobilização das famílias, principalmente das mulheres, para desenvolver formas de trabalho e geração de renda de modo coletivo, além de organizar a comunidade para resolver os problemas comuns, geralmente ligados à água e à produção e comércio. Por fim trazemos dos resultados do diálogo com os agricultores alguns traços de uma autoidentificação e da forma como eles encaram o próprio modo de vida. Do grupo de entrevistados foi possível encontrar três formas principais de autoidentificação, a que apareceu com mais frequência foi o tratamento por “pequeno agricultor”, sendo que o agricultor se identificava assim trazendo uma justificativa no âmbito econômico, pelo fato de gerir pequenas produções, um rebanho reduzido e não trabalhar com grandes parcelas de terra. Nesta mesma perspectiva, da produção, surgiu no diálogo com alguns a expressão “agricultor familiar”. Neste caso foi constatada uma forma de identidade construída politicamente, pela defesa de uma categoria social, fato gerado pela formação mais avançada de alguns e pela participação em espaços geridos pela associação ou por outras entidades e movimentos que atuam na comunidade. Outra forma de autoidentificação foi encontrada em três expressões, que ao nosso ver remetem ao mesmo designo: “lavrador da terra, lavrador rural e plantador da terra”, expressa por uma pequena parcela dos agricultores ao se remeterem à seu oficio, se reconhecendo como um trabalhador rural, diferente do fazendeiro que contrata pessoas para fazer o trabalho da terra, e em algumas falas, como sujeito que vive no campo e nele desenvolve um modo de vida típico de quem domina a arte de trabalhar a terra. Dentro da perspectiva destes agricultores, a produção agropecuária para o pequeno produtor hoje é uma atividade muito difícil de se obter rentabilidade, em muito não garante a segurança de se ter o dinheiro na mão como um trabalho assalariado. Muitos deles expressaram as grandes dificuldades da lida com a roça e da necessidade de tirar dela a renda suficiente para sustento da família, relatando que antigamente não havia necessidade de pagar tantas contas e de comprar tantas coisas. A produção para a subsistência sempre foi garantida mesmo em meio à dificuldade, ter como manter a casa e as necessidades básicas da família, mesmo com as secas periódicas, não era tarefa tão impossível, segundo todos os entrevistados. Mas a dificuldade decorre da entrada do mercado em meio às relações produtivas e sociais da comunidade, e do consequente surgimento de necessidades que só a renda monetária poderia suprir, aparecendo, ao mesmo tempo, formas de exploração do pequeno produtor por meio da circulação de seus produtos. Nestas condições a vida foi se tornando cada vez mais difícil para o agricultor, até que em determinadas ocasiões de maior escassez muitos acabaram migrando para outras regiões para trabalhar em colheitas ou mesmo em cidades, e acumular renda necessária para manter a família na comunidade. Por vezes era necessário passar

Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2551

grandes períodos nesta atividade antes de voltar para o sertão, por vezes o trabalho assalariado tornava-se necessidade permanente. Algo que era visto por todos como uma prática nada conveniente: “que sertanejo ficava bem em largá sua terrinha, suas cabra e sua família aqui e ir ter que trabaiá em São Paulo? Era coisa que dava gosto a ninguém não, ia porque tinha que ir mesmo!” Tal situação vem se transformando de maneira bastante significativa no período atual por conta das políticas públicas de assistência e de desenvolvimento da agricultura familiar, vindas do governo. Todos os agricultores afirmaram que há melhores condições de se desenvolver e se manter na comunidade por conta da nova conjuntura, e que até uma boa parte dos parentes está voltando das grandes cidades e retomando a vida no campo. Algo que ficou bastante marcado nos diálogos, principalmente na fala dos mais velhos, é a afirmativa de que não tem salário nem ganho nenhum que substitua a tranquilidade de vida que o campo lhes proporciona, viver na comunidade, com a família e estar na própria terra parece representar um valor que dificilmente é substituído por riqueza alguma.

Dos Fundos de Pasto: contribuições para o debate da reprodução do campesinato na atualidade

Há uma dificuldade muito grande das ciências sociais e dos estudiosos da questão agrária em definir a condição atual do dos sujeitos que resistem no campo nos dias atuais. Dificuldade em captar sua posição na sociedade capitalista, uma sociedade que tem seu desenvolvimento dirigido centralmente pela relação entre capital x assalariamento de trabalho e suas respectivas classes sociais. Diferentes correntes de pensamento acabam travando uma disputa constante no campo teórico da sociologia rural, da antropologia e dos estudos da questão agrária, seja na tentativa de enquadrar o campesinato atual dentro de conceitos fechados, enquanto uma classe social à parte da classe trabalhadora urbana, seja na tentativa de colocar o campesinato na posição de resquício social das sociedades passadas e que, no movimento de avanço do capitalismo, ele estaria fadado à proletarização e, portanto, ao desaparecimento. Em meio a estes debates alguns pesquisadores tem avançado em outro sentido, em tentar compreender a complexidade que envolve a condição atual dos povos que vivem e se desenvolvem no campo. Partem de uma perspectiva de que a resistência histórica destes sujeitos ao avanço do capitalismo deve ser estudada a partir das condições materiais de desenvolvimento encontradas por eles e as estratégias de resistência construídas para constante recriação de seu modo de vida. Partindo de uma análise econômica, Bartra (2011) traz uma importante contribuição a respeito deste processo, identificando o campesinato como uma “classe esquiva” que persiste mesmo que tudo à sua volta o condene ao desaparecimento, sendo um sujeito social que por sua própria condição torna-se difícil de capturar pelos

2552

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

conceitos pré-estabelecidos. O autor acaba atribuindo esta característica ao fato do campesinato encontrar suas condições de existência em um suporte material que é múltiplo, diverso, e está em constante transformação. O camponês pode ter terra e até um módico capital, vende ou come o que planta, e pode contratar temporariamente peões, outras vezes é ele mesmo quem vende sua força de trabalho por um salário. O camponês é um pouco fazendeiro, um pouco burguês e um pouco proletário. É um fantasma multiforme definido por sua intricada complexidade (BARTRA, 2001, pag. 67).

Partindo desta análise, de que os sujeitos do campo ao se reproduzirem em uma multiplicidade de formas de vida não têm como serem enquadrados em uma categoria fechada como tentam muitos estudiosos, o filósofo mexicano encara o campesinato como um sujeito social em evidência, resistindo à todas as transformações que o capitalismo promove, em um processo constante de “socialização rural” na luta para sobreviver à todas as hostilidades que o mundo moderno gera para sua subsistência. Não podemos negar, portanto, que o campesinato contemporâneo, mesmo diante de tamanhas adversidades, se reproduz e se desenvolve por meio de formas o mais diversificadas e contraditórias possíveis. Mesmo centrando sua análise no modo de produção camponês, ainda assim o autor chega a reconhecer algumas características comuns à todas as sociedades camponesas, como a organização familiar, as formas de reciprocidade e a insistência histórica em se manter no campo. Desenvolvendo este debate encontramos a análise de Woortman (1990), que propõe um olhar sobre o campesinato não somente por uma perspectiva estritamente economicista ao afirmar que há um conjunto de características e qualidades que perpassam todas as formas sociais de resistência no campo. Trazendo a categoria de “campesinidade” para debater estas características comuns, o pesquisador tenta compreender os camponeses como sujeitos históricos em processo contínuo de transformação das condições materiais de subsistência, e, dialeticamente, sendo transformados por elas. A partir destas compreensões podemos visualizar a condição do campesinato no semiárido nordestino, e tentar compreender as relações desveladas no estudo de caso com a comunidade de Fundo de Pasto de Muquém. Em sua maioria, as comunidades tradicionais, os assentamentos e pequenos agricultores em geral lutam para manter seu modo de vida com autonomia sobre os próprios meios de produção e sobre o território de vida. Ou seja, lutam para permanecer em sua terra e manter uma produção agrícola autônoma que seja suficiente, total ou parcialmente, para suprir as próprias necessidades, sendo esta uma das principais formas de resistência. Mas ainda assim, é preciso reconhecer que a resistência destes sujeitos se conforma pela plasticidade de sua condição econômica, pois, em determinadas situações de crise e escassez, é comum que os camponeses do sertão migrem para outras regiões em busca de trabalho em lavouras do agronegócio ou mesmo para grandes centros Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2553

urbanos, obtendo renda suficiente para mandar para a família e poder retornar à sua roça quando as condições forem novamente favoráveis. Condição esta que já é reconhecida como uma das vias de desenvolvimento de formações camponesas em regiões hostis do mundo, e recentemente analisada por Seva Nogueira (2013) como uma forma de resistência ao processo de expropriação do campesinato. Para a autora o assalariamento do trabalho acaba se tornando uma alternativa fundamental para garantir a reprodução de camponeses em diferentes regiões do país. Wortmann (2009), ao estudar comunidades do nordeste brasileiro, chega à conclusão que as diferentes formas de migração constituem fator importante na reprodução da família camponesa, seja a do filho que está para constituir uma nova família e migra em busca de sua primeira renda própria, definida por migração pré-matrimonial; seja a do chefe da família que, diante de condições adversas, migra na procura de renda adicional, definida por migração circular; e além destas formas que são de caráter temporário há também as diferentes emigrações de caráter definitivo. De qualquer modo as duas autoras reconhecem que a migração não é somente uma das formas com que o camponês lida com as difíceis condições econômicas do campo em determinados períodos, mas é parte da própria dinâmica de reprodução do campesinato atual. Há também famílias camponesas que adentram a produção empresarial, tomando créditos e estruturando uma unidade produtiva pelo modelo agrícola dominante, estruturando um pequeno capital e utilizando o assalariamento de trabalho no empreendimento, ou seja, entrando no mercado capitalista de produção da terra. Por vezes estas três formas perfazem os modos de trabalho-renda de uma família ao longo de um período, o que Bartra (2011) chega a analisar como sendo um polimorfismo estrutural que é característico do camponês, pelo fato de ele ter “um suporte material múltiplo e diverso”, representado pela terra, os recursos naturais e os meios de produção próprios. Em vista desta variedade de condições, reconhecemos a necessidade de lançar um olhar mais atento sobre a complexidade que é o movimento de destruição e recriação do campesinato no capitalismo ao analisar os sertanejos dos fundos de pasto do nordeste. Não sendo adequado enquadrar este modo de vida dentro de uma forma político-econômica estrita, mas, em acordo com Ploeg (2009), reconhecemos a capacidade do camponês de rearranjar suas atividades econômicas para se adaptar constantemente às condições colocadas pelo movimento da realidade e com isso resistir às mais adversas crises econômicas e pressões sociais, mantendo seu modo de vida, a “condição camponesa” nas palavras do autor. As comunidades de fundo de pasto são assim designadas fundamentalmente por conta de um modo de desenvolvimento sócio territorial peculiar na sociedade rural brasileira: o uso comum da terra. Por mais que sejam ignorados, os sistemas de uso comum estão presentes em nossa estrutura agrária representando importantes estratégias de resistência de camponeses pobres frente às difíceis condições de vida e à

2554

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

constante ameaça de expropriação de seus territórios. Mas, por confrontarem-se com as disposições jurídicas que regulam o acesso à terra e legitimam somente a propriedade privada de posse individual, os sistemas de uso comum são praticamente irrelevantes para os órgãos oficiais de regularização fundiária e tratados por muitos pesquisadores como obsoletos e residuais, e até mesmo incongruentes com o desenvolvimento atual, por imobilizarem um conjunto de terras e impedirem que estejam dispostas para compra e venda no mercado. Entretanto muitos pesquisadores tem se debruçado sobre as diferentes formas de usufruto comum da terra e reconhecido sua complexidade e importância para a perpetuação dos territórios camponeses. Wagner de Almeida (2009) é uma das principais referências nesse estudo, principalmente por ter sistematizado de maneira criteriosa as categorias de uso comum da terra encontradas em diferentes partes do território brasileiro. Ao levar em conta a comunidade de fundo de pasto de Muquém, assim como a grande maioria dos fundos de pasto da região, é possível se reconhecer um processo de constituição do território que foi caracterizado por Wagner de Almeida (2009) como formação de sistemas de uso comum em regiões de colonização antiga. Dentre uma diversa tipologia apresentada pelo autor à respeito das formas de uso comum da terra as comunidades de fundo de pasto como a de Muquém se enquadram nas formações de “terras soltas ou abertas”, por se tratarem de vastas parcelas de terra não cercada, sem proprietário definido ou mesmo terras públicas, que passaram a ser utilizadas como pastagens comuns por grupos de sertanejos. O território do fundo de pasto é produzido e resiste como sistema de uso comum da terra até a atualidade por conta de relações comunitárias bem estabelecidas, onde, mediante a perpetuação de normas específicas instituídas pelos grupos familiares em que, não somente a terra, mas todos os recursos são tratados como bem comum à toda a comunidade, nunca estando dispostos à apropriação e ao controle individual: [...] por sua vez, diz respeito a um conjunto de recursos essenciais – aguadas, fontes e pastagens – que, a despeito de estarem sob domínio privado e serem áreas tituladas, se encontram dispostas a uma apropriação comum. [...] O acesso à terra não estaria condicionado ao título de propriedade e há casos em que mesmo as que aforam terras para cultivo mantêm reses nestes chamados pastos comuns. (ALMEIDA, 2009, p. 55)

Um fato interessante é que entre os sertanejos “terra solta” sempre foi a terminologia que representava os grandes espaços utilizados de maneira comum pela comunidade para pastoreio extensivo em diferentes regiões do semiárido nordestino. O conceito “fundo de pasto” surge não a partir da narrativa dos sertanejos, mas aos poucos foi sendo assimilado por estes sujeitos, e assumido como elemento de identidade, a partir da designação dada por técnicos de órgãos de regularização fundiária que, ao observarem a forma de organizar o espaço territorial por estas comunidades, forjaram esta terminologia e passaram a utilizá-la de maneira ampla para reconhecimento das mesmas (EHLE apud ALCÂNTARA & GERMANI, 2009). Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2555

Para Wagner de Almeida (2009) estas modalidades de apropriação de terras se desdobraram marginalmente ao sistema econômico dominante, ou seja, foram formas de territorialização que surgiram como produtos dos antagonismos e tensões geradas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo. De fato elas emergiram como estratégias de resistência de diversos segmentos de camponeses não por necessidades produtivas somente, mas principalmente como forma de resistência e autopreservação frente às difíceis condições de vida no campo geradas pelo latifúndio. Em fase de decadência das grandes explorações agrícolas e de seu poder repressor sobre a força de trabalho rural, a garantia do acesso livre à terra só foi possível mediante os modos de cooperação gestados por camponeses antes subjugados e ex-escravos nas próprias propriedades abandonadas por fazendeiros ou mesmo em terras devolutas em regiões mais remotas. É importante reconhecer que o processo de proletarização de toda a massa de trabalhadores historicamente presos ao latifúndio não se concretizou em totalidade nestes espaços a partir da Lei Aurea e da falência dos grandes sistemas de plantio, como insistem em afirmar algumas análises mais deterministas sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo. A bem da verdade, foi justamente por conta das redes de relações formadas entre estes grupos e o território que ocupavam ou passaram a ocupar um dos fatores cruciais para a formação de um campesinato moderno no nordeste brasileiro, confirmando a tese de Oliveira (2001) de que o capitalismo moderno não se expande para o campo de maneira homogênea e total, mas sim de modo heterogêneo, complexo e plural. Ou seja, o autor compreende a produção do território camponês a partir do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo que, no movimento da contradição, produz resistências da natureza que estamos analisando neste trabalho. Há um outro aspecto importante a se avaliar nos resultados da pesquisa: nas diversas relações estabelecidas na comunidade existe de fundo uma forma eficiente de garantir a integridade do território: a endogamia, o casamento preferencial e as demais regras de sucessão que objetivam a indivisibilidade do território impedem a apropriação individual das unidades regidas coletivamente, e, por consequência, impedem a disposição das terras como mercadoria e fator de produção livremente utilizado no mercado capitalista. A sociabilidade rural e a unidade organizativa geradas pelas relações de parentesco tem papel fundamental para a permanência das comunidades de fundo de pasto, visto que este acaba sendo o aspecto fundante da resistência diante das constantes ameaças de expropriação do território das mesmas. Em outro âmbito, as adversidades geradas pelo clima ou mesmo situações de excesso de trabalho em determinadas épocas também são fatores preponderantes na formação de relações de entreajuda entre as famílias, como relatado por Sabourin e Caron (2009) em estudo sobre a permanência camponesa através dos Fundos de Pasto do Vale do São Francisco. Torna-se claro que tanto o acesso à terra quanto a organização social para a produção e desenvolvimento da comunidade envolvem acima de tudo uma identidade política, formada por laços de solidariedade, que como afirma o autor:

2556

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

Por seus desígnios peculiares, o acesso à terra para o exercício das atividades produtivas dá-se não apenas por meio das tradicionais estruturas intermediárias da família, dos grupos de parentes, do povoado ou da aldeia, mas também por certo grau de coesão e solidariedade obtido em face de antagonistas e em situações de extrema adversidade, que reforçam politicamente as redes de relações sociais (ALMEIDA, 2009 p. 40).

Em seu estudo, Wagner de Almeida reconhece que estas formas de relação são comuns em diversos segmentos de camponeses, seja os sertanejos de fundos e fechos de pasto, seja os quilombolas, seja os faxinalenses, etc. E observa que os sistemas de usufruto comum da terra e dos recursos conjugados às relações de parentesco, além de fazerem parte das tradicionais estruturas de sociabilidade construídas de maneira complexa, estão presentes em situações em que o acesso e permanência na terra se dá por meio de condições precárias e envolvem constantes conflitos. Para melhor compreender estas relações trazemos o debate de Bulamah (2013) que, ao afirmar que a maior parte das manifestações que encontramos na história da luta camponesa nos é evidente a constituição da resistência em modos colaborativos /comunitários de organização, que tinham na família o centro desta constituição. Em seu interessante estudo sobre a construção das comunidades camponesas no Haiti, após a luta para libertarem-se do julgo das estruturas de poder que submetiam as populações rurais à um regime exploratório de trabalho na terra. As práticas sociais de reciprocidade gestadas pelos grupos domésticos das comunidades camponesas que passaram por este processo tinham no parentesco a forma central de acesso e gestão do território, organização do trabalho, da educação e das relações econômicas. Esta forma de organização coletiva para geração dos meios de produção da vida nas comunidades do Haiti não podem ser entendidas simplesmente como virtudes destas comunidades, mas como formas necessárias de resistência camponesa, como afirma o autor, e no mesmo sentido podemos trazer esta compreensão para as comunidades tradicionais de nosso país. Assim como as comunidades do Haiti, a comunidade de Fundo de Pasto de Muquém e suas tradicionais formas de sociabilidade nos serve de exemplo concreto para compreender como as formas de reciprocidade construídas tradicionalmente no meio familiar de toda a comunidade além de envolverem relações complexas de cada povo, ainda assim são formas necessárias de resistência gestadas diante da falta estrutura para a produção no campo, das dificuldades impostas pelo ambiente, e, principalmente das constantes ameaças de expropriação de seus territórios.

Considerações Finais O estudo de caso com a Comunidade de Fundo de Pasto de Muquém nos traz a oportunidade de, a partir das condições concretas de vida dos sujeitos do campo, compreender de forma mais profunda as condições de reprodução do

Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2557

campesinato sertanejo e poder lançar reflexões sobre a permanência camponesa em geral na atualidade. O semiárido nordestino, onde há ainda grandes concentrações de comunidades tradicionais de formação antiga e diferentes formas de reterritorialização recente, é um campo fértil para o desenvolvimento de modos de resistência no campo contra o avanço da agricultura moderna e de grandes empreendimentos de extrativismo mineral. O processo de expropriação da terra e dos recursos da natureza pelo capital que a cada dia avança sobre os territórios camponeses muitas vezes só é freado por conta das estratégias de resistência, como as que encontramos na pesquisa com comunidades de fundo de pasto, muitas vezes engendradas na organização e luta dos sujeitos do campo pela sua permanência com autonomia em seu ambiente de vida. Um aspecto que não está ao nosso alcance avaliar neste momento, mas que, pela reflexão feita por um dos sertanejos mais sábios, há indícios de que existe uma outra condição para a vida nas comunidades sertanejas nos dias atuais. Segundo ele está muito mais propício para o jovem, para o pai de família e os mais velhos se manterem na terra e conseguirem se desenvolver com dignidade, que as pessoas estão deixando de ir para a cidade, e muitos que para lá foram há muito tempo até tem voltado. Fenômeno este que pode ser resultante de uma junção de fatores, como as estratégias de resistência no campo que debatemos neste ensaio, as ações do poder público dando base para as famílias se manterem no campo, por conta também das difíceis condições de vida nas cidades para as pessoas de baixa renda assim como por conta de uma necessidade que segundo o sertanejo muita gente está começando a ter novamente: “é o povo todo se apercebendo que vivê a tranquilidade de cultivá a própria terra, trabalhá pela família e ajudá a comunidade, e não só ficá correndo atrás do dinheiro, é muito mais valoroso”.

Referências bibliográficas ALCÂNTARA, Denilson Moreira de; GERMANI, Guiomar. Fundo de Pasto: um conceito em movimento. Artigo apresentado no VIII Encontro Nacional da ANPEGE, 2009. ALMEIDA, A.W.B de. Terras de preto, terras de santo, terras de índio – uso comum e conflito. In: GODOI, Emília Pietrafesa de ; MENEZES, Marilda Aparecida de ; MARIN, Rosa Acevedo (orgs.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias. Vol. II. São Paulo: editora Unesp/UnB. 2009. Pp.39-66. BARTRA, Armando (Bartra Vergés). Os novos camponeses: leituras a partir do México profundo. Tradução: Maria Angélica Pandolfi. São Paulo: Cultura Acadêmica; Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural, 2011. BULAMAH, Charafedinne, Rodrigo. Parentesco, família e a construção da vizinhança . In: O cultivo dos comuns: Parentesco e práticas sociais em Milot, Haiti. Dissertação de mestrado em Antropologia Social, Unicamp, 2013. P. 26-56.

2558

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária. Revista Estudos Avançados. N. 43, 2001. P. 185-206. PLOEG, Jan Douwe van der. Sete teses sobre a agricultura camponesa. In: PETERSEN, Paulo (org.). Agricultura familiar camponesa na construção do futuro. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2009. SABOURIN, Eric ; CARON, Patrick. Camponeses e Fundos de Pasto no Nordeste da Bahia. In: GODOI, Emília Pietrafesa de ; MENEZES, Marilda Aparecida de ; MARIN, Rosa Acevedo (orgs.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias. Vol. II. São Paulo: editora Unesp/UnB. 2009. Pp.39-66. SEVÁ NOGUEIRA, Verena. Trabalho assalariado e campesinato. Uma etnografia com famílias camponesas. Revista Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 19, n. 39, p. 241-268, jan./jun. 2013. WOORTMANN, Klaas. Migração, família e campesinato. In: WELCH, Clifford Andrew et al. Camponeses Brasileiros: leituras e interpretações clássicas. v. 1. São Paulo: Editora Unesp; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009. WOORTMANN, Klaas. “Com parente não se neguceia”. O campesinato como ordem moral. Anuário Antropológico, Brasília (DF), n. 87, p. 11-73, 1990.

Eixo de Trabalho: Campesinato, Comunidades Tradicionais e Resistências Uso comum da terra, formas de sociabilidade rural e estratégias de resistência em uma comunidade... Gabriel Troilo | Nashieli Cecilia Rangel Loera | Maria Nalva de Araújo

2559

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.