USO DA CARTOGRAFIA SOCIAL COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DO TERRITÓRIO: uma experiência com educandos da Escola Família Agrícola do Sertão, Monte Santo (BA)

June 21, 2017 | Autor: Gabriel Troilo | Categoria: Cartografia Social, Território, EFA
Share Embed


Descrição do Produto

Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território: uma experiência com educandos da escola família agrícola do sertão, Monte Santo, Bahia EL USO DE LA CARTOGRAFÍA SOCIAL COMO HERRAMIENTA DE ANÁLISIS DEL TERRITORIO: UNA EXPERIENCIA COM ESTUDIANTES DE LA ESCUELA FAMILIA AGRICOLA DO SERTÃO, MONTE SANTO, BAHIA Nagila Souza Andrade Universidade Federal do Recôncavo da Bahia [email protected]

Crislayne dos Santos Brito Universidade Federal do Recôncavo da Bahia [email protected]

Gabriel Troilo Universidade Estadual Paulista “Julio Mesquita Filho” [email protected] Resumo: O objetivo do presente trabalho foi utilizar a cartografia social como ferramenta de análise do território em espaço educativo de uma escola do campo. Para tanto foi promovida uma oficina de mapeamento participativo com educandos da Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE), município de Monte Santo, Bahia. Os estudantes foram orientados à analisar os aspectos físicos, socioeconômicos e ambientais que envolvem a questão agrária de suas comunidades, espacializando tais características para construir os mapas. Os resultados da atividade foram uma maior compreensão espacial do local de vida por cada grupo de educandos e o reconhecimento dos conflitos e das demandas das comunidades, relacionandoos com o contexto do território. Este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa que integra o Programa Institucional de Bolsas para a iniciação à Docência (PIBID Diversidade/ UFRB/ CAPES) e corresponde aos resultados da intervenção realizada na EFASE, escola contemplada pelo programa. Palavras-chave: Cartografia social, Questão Agrária, Educação do Campo. Resumen: El objetivo de este estudio fue utilizar la cartografia social como herramienta de análisis del territorio en un espacio educativo de una escuela de lo campo. Para éste fue

ISSN. Online: 1980-4555 DVD-ROM: 1980-4563

ascendido taller de cartografía participativa con los estudiantes de la Escuela Familia Agricola de lo Sertão (EFASE), condado de Monte Santo, Bahia. Se pidió a los estudiantes a examinar los aspectos físicos, socioeconómicos y ambientales que implican la cuestión agraria de sus comunidades, espacializando tales características para construir los mapas. Los resultados de la actividad fue mayor comprensión espacial del lugar de vida para cada grupo de estudiantes y el reconocimiento de los conflictos y las demandas de las comunidades, relacionándolos con el contexto del territorio. Este trabajo se desarrolló a través de una investigación que integra el Programa de Becas Institucionales para la iniciación a la enseñanza (PIBID Diversidad / UFRB/ CAPES) y corresponde a los resultados de la intervención llevada a cabo en la EFASE, escuela contemplado por el programa. Palabras clave: Cartografía Social, Cuestión agraria, Educación rural

Introdução Este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa que integra o Programa Institucional de Bolsas para a Iniciação à Docência (PIBID Diversidade/ UFRB/ CAPES) e, corresponde aos resultados da intervenção realizada por estudantes bolsistas do Curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em Ciências Agrárias da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia na Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE), escola contemplada pelo programa. A EFASE é um centro de formação popular inserido em um território predominantemente rural, onde a maior parte dos municípios tem maior porcentagem de pessoas vivendo e trabalhando no campo a partir da pequena agricultura de subsistência. A escola recebe estudantes de dezenas de municípios que fazem parte do Território do Sisal, este abrange a região do semiárido da Bahia, a nordeste do Estado. Uma das características principais da questão agrária deste território são os constantes conflitos por terra, visto a presença de fazendeiros e empresas de mineração avançando sobre os territórios e de outro lado as comunidades sertanejas em condição de fragilidade por conta da falta de regularização fundiária. O município de Monte Santo se destaca, pela violência e impunidade das mortes de trabalhadores rurais engajados na luta pela permanência nos territórios. Diante deste contexto e do reconhecimento das necessidades de avanço das formas de organização e luta das comunidades sertanejas a EFASE promove um ambiente de educação contra hegemônica que valoriza as experiências do campo e traduz isso nas disciplinas, e, a partir dos instrumentos da pedagogia da alternância, promove um aprimoramento no aprendizado dos jovens por meio dos saberes populares, fazendo com que os educandos não se distanciem da realidade vivida. Cada espaço educativo é promovida uma múltipla interação dos saberes trazidos da comunidade com a reflexão e a busca de soluções para as dificuldades encontradas no campo. Foi pelo reconhecimento da importância dos métodos pedagógicos utilizados pela EFASE na formação da criticidade dos jovens do campo, e do âmbito de atuação

5268

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

da escola nas comunidades através das atividades dos próprios estudantes que visualizamos a necessidade de desenvolver a metodologia proposta pela cartografia social como uma ferramenta de análise do território. A proposta foi construída e apresentada para o corpo pedagógico da escola objetivando estimular os educandos a refletirem sobre as questões que envolvem os conflitos por terra em seus territórios de vida, e outras questões que abranjam a política, o espaço físico e a situação socioeconômica dos municípios onde vivem. Neste sentido o objetivo do presente trabalho foi realizar uma atividade de mapeamento participativo com os educandos da EFASE, no sentido de espacializar os aspectos da conjuntura política e socioeconômica dos municípios sob o olhar empírico e fundamentado da vivência cotidiana dos educandos, almejando assim o reconhecimento dos problemas e o fortalecimento das ações de mobilização promovidas pelos educandos em suas comunidades. Para tanto foi proposta uma prática de cartografia social através da oficina de construção dos mapas mentais1 em um dos espaços sócio pedagógicos da EFASE, envolvendo os educandos da última série do curso técnico em agropecuária integrado ao ensino médio.

A cartografia social como ferramenta de análise do território Geralmente os mapas são construídos por técnicos especializados, sendo que e a sociedade nunca tem oportunidade de interpretar espacialmente seus locais de vida e poder construir seus próprios mapas. O mapeamento participativo garante o reconhecimento das demandas dos diversos tipos de comunidades, apresentando o cotidiano das mesmas, garantindo assim o desenvolvimento de sua identidade. Os construtores dos mapas tem autonomia de conduzir a elaboração deles, por ser a representação da realidade do próprio cotidiano. Para Plessman (2013), a participação dos grupos mobilizados não se restringe a confecção dos mapas, pois a partir deste processo as demandas são fortalecidas e há o reconhecimento de direitos, o que pode direcionar estratégias de atuação coletiva. Os métodos de mapeamento participativo, segundo Acselrad (2010), possibilita o reconhecimento dos problemas e demandas do espaço de vida dos sujeitos, dando base para reinvindicações da comunidade acerca do município e dos seus recursos que podem ser elaborados e interpretados por um mesmo coletivo através das construções simbólicas geradas em função do processo de mapeamento. Nesse processo, as comunidades, de forma empírica e fundamentada na vivência cotidiana nos municípios, elaboram mapas e desenhos representando o meio físico

1  Mapas mentais são as representações espaciais do ambiente apreendidas pelos sujeitos pelo contato cotidiano tanto com a paisagem quanto com as relações desenvolvidas no mesmo

Eixo de Trabalho: Cartografias Sociais e as Geotecnologias nos Estudos Agrários. Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território Nagila Souza Andrade | Crislayne dos Santos Brito | Gabriel Troilo

5269

e social em que vivem. Paulston (1996) complementa afirmando que a cartografia social é “a arte e a ciência de mapear formas de ver” (PAULSTON, 1996, p.15). Assim, conforme Almeida (2009) e Souza (2009), entende-se por mapeamento social: [...] um conjunto de procedimentos de pesquisa que inclui o envolvimento dos pesquisadores com os agentes sociais, o qual se desdobra a partir de “relações de pesquisa” estabelecidas previamente, em trabalhos de campo de média ou longa duração. Os trabalhos que envolvem os mapeamentos sociais são marcados pela acuidade da descrição etnográfica e se favorecem da realização das oficinas de elaboração de mapas (ALMEIDA, 2009 ; SOUSA, 2009).

Para a realização de oficinas de mapeamento participativo há necessidade de uma prévia capacitação dos agentes sociais envolvidos ao que se agregam o acúmulo de conhecimentos científicos ancorados na literatura, o registro das observações de campo e a realização de entrevistas em profundidade por parte do pesquisador inserido no processo. Para que a construção dos mapas pela comunidade envolvida seja feita de maneira à se reconhecer uma diversidade maior de elementos da realidade, que envolvem a percepção do espaço físico mas também das relações estabelecidas nele. Pela construção dos croquis, a apreensão dos indicadores espaciais é feita a partir do detalhe, da descrição dos espaços vividos e da minúcia advinda da apreensão cotidiana. O mapa que se desenha é um resultado das práticas e não um ponto de partida, um mapa mudo ou um mapa base, geralmente em escala de grande com referenciais prefixados, em que as informações detalhadas dos croquis não aparecem e perdem o interesse. Estas experiências tem o êxito ancorado na confiança que se estabelece entre os agentes e o pesquisador, superando-se assim, “a desconfiança dos agentes em relação ao uso de tecnologias, aos que subsidiam os trabalhos e ao controle das informações”, pois o “que está em jogo na participação é da ordem da confiança” (ACSELRAD e COLI, 2008, p.37).

Território do Sisal: conflito e resistência no semiárido baiano O Território de Identidade do Sisal, situado no Sertão baiano, abrange 20 municípios e é considerado uma das maiores regiões do Estado da Bahia. Possui uma população rural maior que a urbana, detém duas importantes bacias hidrográficas e é reconhecido como possuidor de uma vasta cultura, de danças, comidas típicas e festas religiosas. A economia se baseia na agricultura familiar de subsistência, plantio de culturas anuais como feijão e milho, extrativismo de frutos da caatinga e, principalmente, a caprinocultura e ovinocultura de corte, como principal fonte de renda das comunidades rurais. Há também atividades de exploração mineral avançando sobre a região.

5270

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

O Território do Sisal tem sua principal característica sociocultural estruturada pela presença de comunidades tradicionais, sejam elas assentamentos, remanescentes de quilombolas, e comunidades fundos de pasto2. Esta última é mais presente no município de Monte Santo, apresentando um embate constante com o Estado, por se tratar de ocupações terras devolutas em sua maioria, e que são apropriadas pelos camponeses para poder suprir sua base de reprodução, tendo a terra e seus recursos naturais como meio de produção, representando um modo de vida no sertão, além da busca por uma identidade política como afirma Alcântara (2010) “a identidade de Fundo de Pasto como a de Fecho de Pasto é, também, uma identidade política, que possui o seu fundamento na história, mas que se firma no cotidiano da luta pela terra”. Diante dos desafios impostos pelo ambiente, a falta de estrutura para o desenvolvimento e das diferentes ameaças de expropriação de seus territórios as comunidades camponesas tem construído suas formas de resistência investindo esforços para o desenvolvimento de tecnologias de domínio popular que gerem autonomia do sertanejo frente à problemática da seca. Em sua maioria elas giram em torno das estratégias de armazenamento de água, alimentos, e recursos em geral durante os períodos chuvosos para garantir sustento nos momentos de escassez. Além da utilização apropriada dos mesmos para o aproveitamento das potencialidades da caatinga para a produção e reprodução dos meios de vida das comunidades (COQUEIRO, 2012). É neste sentido que Lima (2008) afirma que “não adianta tentar combater a seca, nem fugir dela. É preciso conviver com as condições do semiárido e saber como melhorar os meios de vida das pessoas que moram em comunidades rurais”(2008, p.10). A convivência com o semiárido é assim apresentada como um conjunto de estratégias de subsistência do povo sertanejo em seu ambiente de vida, não se desenvolvendo só na atualidade, pois é certo que toda comunidade humana que habitou este ambiente criou formas de se adaptar ao clima severo e às condições mais rígidas. Como afirma Schistek (2003) as tecnologias sociais de convivência como o semiárido reproduzem as próprias estratégias adaptativas dos animais e das plantas à inconstância de água no ambiente semiárido. Somente a partir de uma integração entre os saberes populares acumulados historicamente e as inovações técnicas geradas pelo conhecimento científico tem sido possível o avanço das estratégias que garantem o desenvolvimento das comunidades através de uma relação racional com o ambiente.

2  Comunidades tradicionais historicamente constituídas em terras devolutas no semiárido nordestino em que se conforma uma organização semicoletiva de ocupação e uso do território por famílias de agricultores sertanejos, havendo parcelas de terra individuais pertencentes à núcleos familiares e grandes parcelas de terra de uso comum para pastoreio extensivo ao fundo das roças, por isso a designação “fundo” de pasto (ALCÂNTARA & GERMANI, 2009).

Eixo de Trabalho: Cartografias Sociais e as Geotecnologias nos Estudos Agrários. Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território Nagila Souza Andrade | Crislayne dos Santos Brito | Gabriel Troilo

5271

As comunidades tradicionais de fundo de pasto e agricultores familiares que habitam o semiárido são um exemplo claro destas formas de relação. É através das práticas de convivência com o semiárido, como as atividades agropastoris e agroextrativistas, que os sertanejos sobrevivem e se desenvolvem junto à caatinga sem degradá-la, reconhecendo no ambiente natural a base não só de sustento próprio, mas de constituição da vida como um todo. A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, porém as são poucas políticas públicas que contribuam com o crescimento socioeconômico e a convivência com o semiárido, sendo apenas lembrado pelas empresas mineradoras que vem esburacar os solos e contaminar as águas, tornado um pesadelo para as comunidades rurais. No território pesquisado não é diferente pois tem a presença de empresas como a Yamana Gold e a Ferbasa, que chegam com um discurso de desenvolvimento econômico nos municípios, escondendo os problemas futuros como o desmatamento, desapropriação das terras dos camponeses e o aparecimento de várias doenças principalmente o câncer, causado pela contaminação das aguadas, e do ar.

Escola Família Agrícola do Sertão: educação do campo e resistência popular no semiárido baiano

Nas últimas décadas o povo do campo organizado em movimentos sociais, entidades e associações tem investido esforços para o desenvolvimento de métodos educativos de domínio popular que sejam mais apropriados para a formação dos sujeitos do campo e lhes dê base técnica e política para a transformação de suas realidades. Segundo Silva (2012) é com a luta pela educação do campo, voltada efetivamente para a realidade camponesa, que surgem as Escolas Família Agrícolas (EFAs) como uma proposta alternativa à busca da emancipação humana. Nesse sentido o nascimento da EFASE em Monte Santo, está intrinsecamente ligado a luta dos camponeses pela terra (considerando o alta concentração fundiária no município), água e educação contextualizada que até então eram negados aos povos do campo. Os sertanejos encontraram na EFASE uma possibilidade de educação emancipatória e de respeito às práticas camponesas, oferecendo uma educação capaz de dialogar com a realidade sócio histórica, política, cultural, climática e econômica do semiárido considerando os limites e as potencialidades do sertão (SILVA,2012). A metodologia utilizada é a pedagogia da alternância, que tem como base a relação escola - comunidade, o que possibilita uma dialogicidade entre a realidade vivida pelos educandos e a relação deles no meio em que vivem, propondo uma relação de práxis, em que o sujeito vivencia um problema na comunidade e estudará esse fenômeno na escola e apresentará um resultado/solução a comunidade. A EFASE foi construída como fruto de conflitos por terra em uma região marcada pela disputa histórica entre camponeses e fazendeiros. A escola foi é estruturada fisicamente em uma área doada por comunidades camponesas de

5272

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

fundo de pasto da Lagoa do Pimentel, que lutaram ao lado de outros sujeitos para permanência destas terras em seu poder para uso coletivo das famílias e para a existência da escola. Por isto, para buscar uma melhor compreensão da questão agrária na região de Monte Santo, faz-se necessário também discutir o conceito e o processo de organização dos agricultores na situação de fundo de pasto. Para Silva, “(...). em todo fundo de pasto existe uma relação dos produtores com a terra, a mãe terra é reconhecida e a caatinga é preservada, não têm cerca de arames, os animais pastam livremente de uma comunidade para a outra” (SILVA, 2009, p. 45). Além da contribuição para a existência da escola e da luta pela terra nesta região, os fundos de pasto se tornaram também“uma referência socioambiental de significativa importância para o sertão” (SILVA, 2009, p. 45) e para a própria EFASE, que ali se localiza fomentando práticas educativas contextualizadas e construindo aprendizados e conhecimentos, a partir das experiências vividas também no bioma caatinga. A educação do campo é de fundamental importância para os filhos dos pequenos agricultores como afirma Santos: Educar os jovens de comunidades rurais, filhos de pequenos agricultores, para a EFASE significa valorizar profundamente a realidade familiar e comunitária por eles vivenciada cotidianamente, sobretudo os aspectos fundamentais do trabalho agrícola familiar, internalizados através da herança cultural passada por gerações. Para tanto, é necessário reconhecer e legitimar todo o processo de educação familiar e social estabelecidos, respectivamente, na unidade doméstica de produção individual e nos espaços coletivos, percebendo-os objetivamente da maneira como são e funcionam, trazendo à tona as dinâmicas e os conflitos que lhe sejam inerentes (SANTOS, 2008, p. 86-87).

O trabalho como princípio educativo, como metodologia central da EFASE, permeia o espaço de ensino/aprendizagem, inclusive nas atividades de retorno e na lida com o trabalho prático dentro da escola. Para Silva, “a educação não pode se separar do processo produtivo da sociedade em geral, pois é a ação humana que produz riqueza que estabelece as relações sociais” (SILVA, 2010, p. 10). Para a autora, ter o trabalho como princípio educativo é fundamental para se promover uma educação realmente transformadora, reafirmando a necessidade de se compreender a realidade para poder transformá-la e que somente através do trabalho se pode superar a alienação. Tal posição é fomentada pela escola, já que a necessidade do aprender fazendo e vice versa é uma forma de compor o processo de aprendizagem e de dar outro sentido ao trabalho, especialmente quando se fala do trabalho camponês. É importante ressaltar que, tratar o trabalho como princípio educativo, é romper com a lógica capitalista, provocando, nos/as educandos/as a superação do olhar da educação voltada ao emprego/empregabilidade e/ou objeto de consumo. É neste contexto que levantamos a discussão sobre o potencial das práticas desenvolvidas pelos educandos da EFASE junto às comunidades durante o tempo

Eixo de Trabalho: Cartografias Sociais e as Geotecnologias nos Estudos Agrários. Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território Nagila Souza Andrade | Crislayne dos Santos Brito | Gabriel Troilo

5273

comunidade. A atividade de retorno (AR) é considerada o principal instrumento pedagógico constitutivo da Pedagogia da Alternância no estabelecimento de um vinculo entre a EFASE e as comunidades através da ação dos educandos. Segundo Andrade (2012) as atividades de retorno não se restringem apenas à repasse de conhecimentos desenvolvidos na escola, pois a AR: [...] necessariamente precisa da participação da comunidade, seja na definição dos temas que consideram mais importantes num dado momento, ou na realização das atividades que os educandos trazem como retorno à comunidade. Seja na inserção dos educandos na vida da comunidade. Não como uma mera necessidade de realizar as atividades de retorno, mais fundamentalmente como uma necessidade de compreender a realidade concreta de onde emanam as demandas e possibilidades que devem impulsionar a relação dos educandos na comunidade. A AR busca estreitar o vinculo entre escola-comunidade e mediado pela ação a ser desenvolvida na comunidade, estabelecer incidência entre teoria e prática de tal forma como compreendemos a práxis (ANDRADE, 2012).

Por esta metodologia os educandos têm a possibilidade de trazer as demandas de suas comunidades para o ambiente escolar, desenvolver conhecimentos que vão de encontro às mesmas, e voltarem à comunidade com propostas de atuação que dialoguem com os saberes tradicionais e avancem na construção de novas tecnologias. E dentre as demandas é evidente a carência por técnicas inovadoras que tornem a produção mais apropriada, que avance na eficiência da utilização e ciclagem de recursos e que aproveite o potencial do ambiente de maneira ampla. Os educandos da EFASE encontram no campo desafios de toda ordem, em sua maioria relacionados à adaptação das atividades agropastoris e agroextrativistas tradicionalmente realizadas na caatinga à um plano mais eficiente de trabalho e organização e à metodologias de armazenamento e utilização eficiente da água e recursos da mesma. Mas, acima de tudo, encontram também fortes demandas por mobilizar e organizar suas comunidades para lutar contra os processos de expropriação do território e dos recursos que constantemente as tem ameaçado. Tais demandas que vem sendo trabalhadas pela EFASE na formação da juventude, aparelhando-a técnica e politicamente para intervir na realidade das mesmas e enfrentar os desafios colocados para garantir a defesa dos territórios sertanejos.

A cartografia social para análise do território: uma experiência em espaço educativo da Escola Família Agrícola do Sertão Compreendendo a importância do uso da cartografia social na análise da problemática agrária e dos processos de resistência dos municípios do Território do Sisal, é que um grupo de estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Ciências Agrárias da Universidade Federal do

5274

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

Recôncavo da Bahia, em atividade de pesquisa em comunidades tradicionais pelo PIBID - Diversidade, realizaram uma experiência educativa de mapeamento participativo junto aos estudantes da Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE) com os educandos do último período escolar, a fim de observar sob o olhar empírico e fundamentado da vivência cotidiana dos sujeitos, as diversas situações de conflitos e resistências das famílias camponesas, almejando a partir desses resultados que os educandos marchassem no fortalecimento da mobilização entre as comunidades no desenvolvimento dos municípios, através das atividades de retorno. A intervenção com os educandos iniciou-se com a apresentação do objetivo da construção da cartografia social e as convenções cartográficas necessárias para a sua elaboração. Em seguida a turma foi dividida por município em que havia educandos presentes, estes foram: Monte Santo, Cansanção, Itiúba, Araci, Senhor do Bonfim, Santaluz e Valente. Cada grupo recebeu um cartaz para a elaboração do desenho, que deveria conter: limitação geográfica do município; hidrografia; exposição da sede e das comunidades do município (não necessariamente todas), assentamentos, acampamentos, fundo e fecho de pasto; exposição das principais atividades agropecuárias por região do município; exposição dos grandes projetos produtivos no município e indicação das escolas no campo que foram fechadas. Todos estes itens foram representados por símbolos e descritos na legenda. De acordo com o olhar dos educandos, cada sujeito espacializou os itens exigidos para a cartografia social, fazendo uma leitura crítica sobre as questões políticas, físicas e socioeconômicas de cada município. Essa leitura incidiu no apontamento dos grandes projetos produtivos existentes nos municípios, identificaram as escolas fechadas no campo, expuseram as comunidades tradicionais (fundo de pastos, assentamentos, quilombolas) e exibiram a concentração de terras improdutivas. De maneira mais concreta, foi observado grandes latifúndios na região dos municípios de Monte Santo, Santaluz, Cansanção, Senhor do Bonfim e Itiúba, que geram constantemente, conflitos agrários entre fazendeiros e agricultores sem terra, conflitos estes que resultam em assassinatos sempre das famílias camponesas e na continua impunidade entre a justiça e os atos cometidos pelos fazendeiros. As relações políticas permeiam transparentemente nestas questões. Foi exposto também um número significativo de comunidades tradicionais, principalmente em Monte Santo, que formam uma identidade única do modo de viver no sertão, resguardando sua cultura e produzindo junto com a caatinga, os alimentos necessários para a subsistência e geração de renda. Apontaram ainda que a quantidade de escolas no campo fechadas nos municípios é um número abusivo, relataram que isto gera um impacto direto nas crianças da zona rural que precisam deslocar-se das suas comunidades para as escolas nucleadas, crianças essas de 05 a 08 anos de idade que são transportadas em ônibus escolares, sendo este trajeto retratado por pouca segurança. Apresentaram também que o grande projeto produtivo da mineração no município de Santaluz gerida pela empresa Eixo de Trabalho: Cartografias Sociais e as Geotecnologias nos Estudos Agrários. Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território Nagila Souza Andrade | Crislayne dos Santos Brito | Gabriel Troilo

5275

canadense Yamana Gold, provoca planejada alienação nos agricultores familiares da região (Santaluz, Cansanção, Nordestina) que vendem sua mão de obra barata para a empresa, iludidos que a mineração é a única atividade empregatícia e por isso é tão defendida nestes municípios. Além da compra de terras dos trabalhadores a preços irrisórios e quando não há desalojamento das famílias das comunidades atingidas, as casas se racham em função dos tremores causados pelas explosões. Por último, a saúde dos funcionários da mineradora e dos moradores das comunidades que é conturbada por problemas respiratórios, auditivos e até mesmo cancerígenos. O mapeamento permitiu que os educandos visualizassem uma realidade que muitas vezes fica escamoteada no imaginário social dos sujeitos que enfrentam os desafios do campo. E isso faz com que eles apontem as inúmeras contradições existentes, como afirma uma das educandas, de 18 anos, do município de Monte Santo: “ah, então é por isso que na minha região, a maioria dos agricultores tem menos de 04 hectares de terra, ou quase não tem, são os latifúndios, estão mais próximos de onde eu moro”. É esse processo de problematização da realidade e tomada de consciência que permite que os educandos sejam agentes transformadores de opinião e possam fazer com que suas comunidades tenham condições de compreender as contradições, afim de discutir junto com as famílias os modos possíveis de intervenção na busca por seus direitos.

Conclusão A experiência de construção de mapas mentais a partir da oficina de cartografia social na Escola Família Agrícola do Sertão possibilitou que os educandos visualizassem aspectos políticos, físicos e socioeconômico dos municípios em que estão presentes. De acordo com o olhar dos educandos, cada sujeito conseguiu espacializar de modo criterioso os itens indicados na oficina para a construção do mapa das áreas do município em que vive, havendo uma ampla discussão entre os mesmos por meio do compartilhamento das leituras críticas sobre as questões socioeconômicas, políticas e ambientais de cada município. Fato este que nos leva a evidenciar que a metodologia foi bastante propositiva no sentido de criar as condições para que os jovens pudessem identificar os principais problemas que assolam a realidade em que cada um vive. Tal metodologia tem o potencial de instrumentalizar os educandos, agentes articuladores de lutas em suas comunidades, à intervir de maneira mais crítica sobre os problemas de seu contexto de vida, e, por meio das atividades de retorno, buscar mobilizar a comunidade à reconhecer e agir de maneira mais concreta sobre as situações identificadas. A atividade foi avaliada de maneira propositiva pelo corpo pedagógico da EFASE e pelos educandos que participaram da oficina, havendo o interesse dos mesmos em reproduzir a metodologia em suas comunidades.

5276

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

Referências Bibliográficas ACSERALD, Henri (org). Cartografia social e dinâmicas territoriais: marcos para o debate. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2010. ___________, Henri e COLI, Luis Régis. 2008. Disputas cartográficas e disputas territoriais. In: ACSELRAD, Henri. (org.). Cartografias sociais e território. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR. pp. 13-44.,2008 ALCÂNTARA, Denilson Moreira ; GERMANI, Guiomar.  As comunidades de fundo e fecho de pasto na bahia: luta na terra e suas espacializações. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 27, n. 1, jan/abr. 2010. ____________, Denilson Moreira de; GERMANI, Guiomar.  Fundo de Pasto: um conceito em movimento. Artigo apresentado no VIII Encontro Nacional da ANPEGE, 2009. ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de ; SOUZA, Roberto Martins de. Manaus: Edições da Universidade do Estado do Amazonas, 2009. ANDRADE, Gilmar dos Santos. Escola Família Agrícola do Sertão: Experiência da Relação Escola-Família/Comunidade. Trabalho publicado nos Anais do II Seminário de Educação do Campo do Recôncavo e Vale do Jiquiriçá, III Encontro de Educação do Campo de Amargosa, ISBN 978-85-61346-26-3, Educação e Desenvolvimento do Campo Brasileiro, 2012. COQUEIRO, José da Rocha. O semiárido brasileiro: lugar de vida do/a camponês/a. Revista Eletrônica Entrelaçando · Nº 6 · V. 1 · p.47-60 · Ano III · Set.-Dez. 2012. LIMA, M. de S. Desenvolvendo uma cultura de estoques e convivência com as condições de Semi-árido.Ouricuri-PE: Caatinga, 2008. 54 p. PAULSTON, R. G. (Comp.) Social Cartography: mapping ways of seeing social and educational change. New York. Garland, 1996. p. 15-24. PLESSMAN, Franklin. Unidade M03U01, Módulo M03: Introdução à Participação; in: ETTERN/ IPPUR/UFRJ, Guia Para Experiências de Mapeamento Comunitário, versão livremente adaptada para o português de CTA. 2010. Training Kit on Participatory Spatial Information Management and Communication. CTA, Países Baixos; Rio de Janeiro, 2013. SANTOS, Diana Anunciação. Da migração à permanência: o projeto pedagógico da Escola Família Agrícola do Sertão como fator de intervenção e transformação da lógica de reprodução da família camponesa nordestina (tese de mestrado). 2008.2. Disponível em: http://www.nuclearufba.org/dissertacoes.html. Acesso em: 12/01/2011. SCHISTEK, Haroldo. A convivência com o semiárido. São Paulo: Peirópolis, 2003. 56 p. SILVA, Alessandra Almeida. A relação trabalho/educação na Proposta Pedagógica do MST. Monografia de final de curso Pedagogia da Terra, Universidade do Estado da Bahia, Campus IX, Teixeira de Freitas - BA, 2010. SILVA, Crispim Nelson da (Org.). Escola Família Agrícola do Sertão e o trabalho de luta pela terra (Monitores e estudantes egressos da EFA do Sertão). Revista da Formação por Alternância, Reforma Agrária, Brasília: União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil, V.4, Nº. 8, jul. de 2009, p. 44 a 49.

Eixo de Trabalho: Cartografias Sociais e as Geotecnologias nos Estudos Agrários. Uso da cartografia social como ferramenta de análise do território Nagila Souza Andrade | Crislayne dos Santos Brito | Gabriel Troilo

5277

SILVA, Leila Santana.  Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE):  espaço de formação da classe trabalhadora e suas implicações na práxis educativa. Revista Entrelaçando, nº 6, v. 1, p.75-93, Ano III, 2012.

5278

VII Simpósio Internacional de Geografia Agrária VIII Simpósio Nacional de Geografia Agrária Jornada das Águas e Comunidades Tradicionais

ESTUDO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA RURAL NO MUNICÍPIO DE PONTA DE PEDRAS, PARÁ: uma proposta metodológica para avaliar a relação entre PROPRIEDADE E USO DA TERRA STUDY OF RURAL LAND STRUCTURE IN MUNICIPALITY OF ponta de pedras, PARA: A METHODOLOGICAL PROPOSAL FOR ASSESSING THE link BETWEEN PROPERTY AND LAND USE Nilton Carlos Rosa Universidade do Vale do Paraíba [email protected]

Sandra Maria Fonseca da Costa Universidade do Vale do Paraíba [email protected]

Resumo: A intensificação do processo de urbanização na Amazônia, verificado nas últimas décadas, causou muitas transformações sócio-espacial-ambientais. Entre estas mudanças está a emergência das cidades como importante elemento dentro do espaço regional. Predominantemente, estas cidades são pequenos aglomerados urbanos, com menos de vinte mil habitantes, que se emanciparam recentemente ou foram fundadas há muitos anos e carecem de atividades econômicas caracterizadas como urbanas. Essas cidades possuem fortes ligações com a área rural, área essa que conserva características da estrutura fundiária tradicional brasileira (latifúndios, concentrados nas mãos de famílias tradicionais), em contraposição a áreas onde há predominância das pequenas propriedades, com características familiares. Há forte ligação entre essas características fundiárias e o sistema de uso da terra. É nesse sentido que essa pesquisa se estrutura: tentar compreender que rural é esse, quais relações se estabelecem entre estrutura fundiária, famílias tradicionais e uso da terra. Propõese uma metodologia de mapeamento da localização das propriedades rurais, amparado nos Sistemas de Informações Geográficas (SIG). Palavras-chaves: Uso da terra, propriedade, estrutura fundiária, SIG Abstract: The intensification of the urbanization process in the Amazon, in recent decades, caused many socio-spatial-environmental changes. Among these changes, there is the emergence of cities as an important element in the regional space. Predominantly, these cities are small urban areas with less than twenty thousand inhabitants, which were emancipated recently or were founded many years ago and are deficient in economic activities characterized

ISSN. Online: 1980-4555 DVD-ROM: 1980-4563

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.