Usos do passado clássico nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) 1889-1930

May 31, 2017 | Autor: Mariana Fujikawa | Categoria: National Identity, Historia Antiga, Identidade Nacional, História do brasil república
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Usos do passado clássico nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) 1889-1930 Mariana Fujikawa1 (Universidade Federal do Paraná)

Resumo

A pesquisa utiliza as revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) publicadas na Primeira República. Nestas revistas, procuramos questionar o constante reaparecimento do passado clássico, principalmente nos discursos feitos pelo presidente do Instituto nas Sessões Magnas de Aniversário. Procura-se, nessa pesquisa, observar como os usos da antiguidade clássica mostram-se no Brasil. Ela objetiva, também, entender o papel do passado greco-romano na criação de uma identidade coletiva brasileira. Foi feita, primeiramente, uma busca nas edições dos anos de 1889 até 1930, para encontrar onde a antiguidade clássica aparecia. Posteriormente, pesquisou-se, de forma mais aprofundada, a revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e quem eram as pessoas que escreviam os discursos das Sessões Magnas de Aniversário. Foi feita uma leitura desses discursos comemorativos, e realizou-se a leitura das frases em latim. Essas frases pressupõem um conhecimento dos intelectuais do momento sobre a língua latina. Outro resultado foi a percepção de que o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro focava em biografias, histórias de grandes homens. A aparição dos personagens da antiguidade clássica muitas vezes era recorrente como um paralelo entre grandes homens do passado e grandes homens do presente. Dessa forma, a ideia da criação de paralelos era a de formar um passado coletivo da nação brasileira, para que os brasileiros com ele se identificassem e para que fosse construída uma identidade nacional.

Introdução 1

Atualmente sou bolsista do PET-História.

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Essa pesquisa, sobre os usos do passado no Brasil na Primeira República, surgiu pelo fato de que, como integrante do PET- História, tive de escolher um tema para desenvolver uma pesquisa individual. O interesse pelos usos do passado surgiu nas aulas de História Antiga I, pois ainda no primeiro semestre foi afirmado que, ao contrário do que era acreditado por mim, o campo de estudos da História Antiga não é afastado do presente. A partir dessa nova visão do que era e como se inseria a História Antiga, comecei a pesquisar e me inteirar de diversas bibliografias que tratavam dos usos do passado, notando que os usos do passado clássico no Brasil no século XIX não são largamente estudados. Avançando um pouco mais no trabalho, a revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro chamou a atenção, pois nela diversos intelectuais se expressavam, o que a torna um documento rico para uma compreensão da mentalidade da época. Ao lermos essas fontes, percebemos diversas aparições de personagens gregos e romanos, assim como de citações de autores romanos em latim. Devido à essas aparições e a partir do embasamento teórico de Martin Bernal sobre a presença da Antiguidade nos discursos de poder na modernidade (1987), comecei a questionar a relação entre a criação de uma concepção de nação republicana brasileira e os estudos clássicos. Esses conceitos de pátria e nação nem sempre existiram, surgindo somente no século XVIII. Seus efeitos influenciaram o percurso dos países e é nesse contexto que surge a ideia de identidades nacionais. Esse conceito, de acordo com Castells (2003), é uma construção cultural que é formada por diversos valores específicos e é marcado por códigos de autoidentificação. A partir dessas questões relacionadas à identidade, passei a indagar como os intelectuais do período republicano buscaram criar uma identidade nacional brasileira a partir de elementos da antiguidade clássica. Essa antiguidade clássica não era analisada pelos intelectuais do período do século XIX por todos os aspectos. Como afirma Barbara Little (2007), a questão do presente acaba isolando algumas memórias e apagando alguns aspectos do passado. Dessa forma, o passado é idealizado. E essa idealização cria uma memória que é determinada pelas necessidades vivenciadas pelos idealizadores em

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seu presente. O presente desses intelectuais era o período da Primeira República, e este, afirma Tavares (2012), foi marcado por diversos debates e discussões sobre o processo de modernização do país. Assim, os intelectuais buscavam criar noções de progresso e modernização do Brasil, criticando aspectos por eles considerados retrógrados e alguns se voltaram a uma antiguidade clássica idealizada para afirmar novas identidades. Isso tudo pode ser percebido no final do século XIX e no início do século XX. Porém, o estudo sobre os usos da antiguidade clássica no Brasil focam-se, em grande parte, a partir da criação das universidades (Silva, 2010). Logo, ressalta-se a importância da pesquisa, pois ela visa estudar os usos do passado clássico no Brasil em um momento em que ainda não havia universidades e que os intelectuais se comunicavam a partir da revista do IHGB. Além disso, o recorte mencionado se justifica, também, pelo fato de que os usos do passado clássico nas revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no período de 1889 até 1930, é uma abordagem ainda não realizada, indicando, assim, a originalidade da pesquisa. Nesse sentido, a presente reflexão está dividida em três partes: na primeira parte apresentarei o objetivo da pesquisa, assim como a fonte que utilizo e o recorte temporal. No segundo momento, farei uma análise das fontes, mostrando os resultados obtidos, até o momento, a partir delas. Por fim, serão apresentadas as considerações finais desse trabalho.

Objetivos

Nessa pesquisa, a partir das revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que foram publicadas durante o período da primeira república, analiso como o passado greco-romano foi utilizado pela revista e em que partes do periódico eram mais recorrentes. Nessa busca, percebi que as menções ao passado clássico apareciam de forma mais frequente nas Sessões Magnas de Aniversário, o que fez com que fosse escolhida essa parte da revista para a pesquisa. Com essas constantes aparições, procurei entender as razões dessa presença da antiguidade clássica.

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Em 1889, o Brasil deixa de ser uma monarquia. Isso gera uma nova percepção dos intelectuais sobre o que era o país. Então, a partir das Sessões Magnas de Aniversário, busquei compreender o papel do passado greco-romano na criação de uma identidade coletiva no Brasil nesse novo momento político. Para entender como isso ocorreu, a pesquisa busca analisar, também, quem eram os intelectuais do Instituto, pois eram eles quem discursavam mencionando os antigos, criando esse imaginário do país.

Resultados

A partir do exposto pela documentação, chamou minha atenção o esforço desses intelectuais em criar uma identidade coletiva, uma perspectiva de nação. Para construir essa memória coletiva brasileira, foram utilizados por eles diversos elementos exteriores e um elemento chave para esse processo foi o passado clássico. Muitos aspectos do período greco-romano estavam presentes, como a constante aparição de frases em latim, como pode ser percebido na revista número LVIII, na frase dita pelo presidente do IHGB, Sr. Conselheiro O. H. d’ Aquino e Castro, que, no discurso de aniversário da revista de 1895 disse: “Quando o empenho é nobre, firme a vontade e dignos os meios, o resultado ha de corresponder sem duvida ao almejado fim. Já elegantemente dizia o príncipe dos poetas latinos: Durate, et vosmet relus servate secundis.”

Essa frase em latim não possui tradução na revista. Além disso, não há a indicação do nome do autor da frase. Assim, pressupõe-se um conhecimento da população letrada sobre quem eram esses autores clássicos e sobre a língua latina. Outro aspecto do período greco-romano que pode ser percebido é a constante menção de diversos personagens da cultura clássica, como pode ser notado na frase dita na Sessão Magna de Aniversário de 1899, na revista número LXII, dita também pelo presidente: “É precisamente nesse intima reunião, das ideias e dos factos, que consiste a grande obra de consciencia e verdade, desde as mais

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remotas eras, Heródoto, o fundador, o Homero da história, Thucidides, Xenofonte, Tito Lívio [...] até hoje.

Esses autores da antiguidade clássica eram vistos como intelectuais. Essa era uma imagem que os pensadores do IHGB desejavam para a nação brasileira. Assim, percebe-se a importância do passado clássico como um dos elementos na construção da identidade republicana brasileira. Para a construção desta, a ideia de educação e instrução era muito importante nesse período, pois uma nação não poderia ser evoluída sem ser intelectualizada. Esses não buscavam criar uma identidade coletiva que incluísse somente da elite, e no imaginário coletivo deles, as classes populares também estão incluídas. Isso pode ser percebido pelo desejo dos intelectuais do período de melhorar o ensino para as classes populares. Um exemplo disso é a frase dita na Sessão Magna de Aniversário de 1899 pelo presidente: “Está na consciencia do paiz a nítida comprehensão das vantagens reaes e incalculaveis benefícios que resultam da boa organização e aperfeiçoamento do ensino facultado às classes populares”

Com esse desejo dos intelectuais de uma nação moderna, as menções sobre os gregos e romanos apareciam constantemente relacionados com discursos de progresso e evolução. Os intelectuais do momento não desejavam ser vistos pelo exterior como atrasados, e eles se viam como contribuintes no progresso do Brasil: “vê se que hoje proseguem os que sinceramente se interessam pelo progresso intelectual e moral de nossa pátria”, afirmou o presidente Aquino e Castro, em discurso proferido na Sessão Magna de Aniversário de 1899, na revista número LII. Além disso, nessa ideia de progresso, não havia lugar para a violência, a brutalidade. Essa visão do presente era também aplicada ao passado clássico. Os membros do instituto não consideravam a força física um aspecto positivo. Viam-na como relacionada à barbárie e afirmavam que o que devia ser priorizado era o intelecto. Dessa forma, os personagens da antiguidade que eram intelectuais eram considerados um exemplo, mas os que foram atrelados, pelos membros do IHGB, a atos cruéis, foram criticados. Isso pode ser percebido no discurso do presidente Aquino e Castro, em 1904, na revista LXVII, em que ele afirma: “A sabedoria, segundo Cícero, a razão perfeita, ou antes o conhecimento intelectual das coisas divinas e humanas, e toda subjectiva e pressupõe sciencia no que exercita para que dos

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conhecimentos e da experiência derivem os meios de obrar com precisão e acerto.”

Dessa forma, a sabedoria que Cícero define deve ser o modelo a ser seguido, enquanto a devassidão, a violência, é vista como algo negativo. É o que é afirmado na mesma Sessão Magna de Aniversário: “O afamado philosofo, que como lembra um profundo observador, por lamentavel desvio poderia ter-se abysmado immundopelagodas devassidoes dos Claudios e dos Neros.”

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Dessa forma, é reforçada a ideia a construção da identidade brasileira seria baseada em ideias de desenvolvimento, da razão, e não da violência, da brutalidade. Isso não implica, porém, que o progresso já teria sido concluído no Brasil. O que era perceptível é uma noção de progresso linear, em que o Brasil continuaria a evoluir, devido à inteligência, a razão e a ciência. Para mostrar o desenvolvimento da ciência, da evolução do Brasil, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro apresentava biografias, histórias de grandes homens, “heróis”. A aparição dos personagens da antiguidade clássica muitas vezes era recorrente como um paralelo entre grandes homens do passado e grandes homens do presente. Essa ideia pode ser percebida a partir da citação do presidente do IHGB, Sr. Conselheiro O. H. d’ Aquino e Castro, que, no discurso de aniversário de 1895, na revista número LVIII, afirmou: E as glórias com que refulgem na história, que caracterisam uma época, que immortalisam um nome, como o de Péricles, em Athenas, de Augusto, em Roma [...] honram a pátria que com tais filhos se engrandece.

Um exemplo de biografia que era exaltada pelo IHGB foi D. Pedro II. O Instituto possuía o imperador como protetor, e, com a proclamação da República, o Instituto passou a adotar um discurso de suposta neutralidade frente à política. Porém, com o tempo, o IHGB passa a apoiar a república, mas ainda assim não despreza o Império. O D. Pedro II, para o Instituto, não era visto como o imperador do Brasil, mas sim como um grande intelectual, como afirma Coelho (1981). Assim como o paralelo de biografias de grandes homens, diversos aspectos foram utilizados pelos intelectuais para a criação de uma identidade brasileira.

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Considerações finais A partir da leitura preliminar das revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, concluiu-se que, no pensamento intelectual brasileiro no final do século XIX e início do século XX havia uma apropriação de gregos e romanos para fins de legitimar o estatuto científico e a ideia de progresso e evolução. Isso é presente nas revistas do IHGB, em especial nas Sessões Magnas de Aniversário da revista. O período estudado, de 1889 até 1930, a Primeira República, não é, a princípio, aceita pelos intelectuais do Instituto, e percebe-se um saudosismo de D. Pedro II. Porém, essa figura, que era a protetora do Instituto, não era vista somente como imperador, sendo vista como intelectual. Isso permite que, ao mesmo tempo em o IHGB passa a ver a República como algo positivo, D. Pedro II não é visto como uma pessoa de um passado atrasado intelectualmente. Para que se quebre a ideia de um Brasil atrasado, os intelectuais se apropriam de diversos meios. Dentre eles, há os gregos e romanos. Esses personagens da antiguidade são vistos como pessoas importantes, gloriosas, e, a partir deles, há um paralelo com pessoas do presente, as quais o Instituto louva. Essas pessoas seriam símbolo de progresso, modernização, e a partir delas o Instituto busca formar um elemento de união entre os brasileiros, enfim, os autores dos discursos desse período lutam fortemente contra o atraso intelectual, econômico e político e os diversos símbolos dele. Assim, a partir de uma busca de progresso e evolução, os intelectuais do IHGB criaram uma ideia de uma nação, coesa, que teria de lutar contra esse atraso. A partir disso, nos discursos e nas Sessões Magnas de Aniversário o Instituto se posicionava e se colocava como um local iluminado, que, por mais um ano, contribuiu para a evolução e progresso do Brasil. Nesse contexto, a história não era vista como parcial e influenciada pelo presente. Pelo contrário, havia a busca por um estatuto de verdade absoluta. Isso era essencial para a legitimação do Instituto e da história por ele afirmada, assim como era essencial para a construção de uma identidade fixa da nação brasileira, não sendo múltipla, mas abrangendo todo um país, uma nação a partir de ideais únicos.

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A revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileira era escrita pela e destinada para a elite intelectual e financeira do período. As diversas frases latinas em que o autor não é citado indicam que a população letrada desse período possuía formação suficiente para entender as relações entre passado e presente propostas. A partir desses aspectos, e apesar de que há afirmações que o Brasil não possuiu uma formação de um imaginário coletivo, de um elemento unificador que englobava toda a nação (Carvalho, 1990), a elite do período mostrava conhecer e se identificar como nação a partir do uso da antiguidade clássica. E buscava também englobar esse ideal de nação para toda a população, afirmando, para esse aspecto, a importância da educação. Essa pesquisa começou a ser levada há pouco tempo, sendo iniciada no meio do ano de 2015. Ainda assim, uma das contribuições dessa pesquisa é a possibilidade de demonstrar que houve uma busca pela formação de identidade no Brasil republicano, sendo que essa identidade foi, em parte, construída a partir de ideais de progresso e do passado clássico. Outra contribuição é a possibilidade de se estudar os usos da antiguidade clássica no Brasil em um período não muito abordado, o fim do século XIX e início do XX, a partir do IHGB. O aspecto dos usos do passado nessa criação de identidade faz com que tenhamos, assim, outra possibilidade de estudar os intelectuais e a instituição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como uma nova visão do período da Primeira República e dos estudos clássicos no Brasil.

Referências Bibliográficas Fontes: Revistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, números LII, LVIII, LXII, LXVII. Bibliografia Moderna: BERNAL, Martin. Black Athena: The Afroasiatic Roots of Classical Civilization. New Brunswick: Rutgers University Press, 1987.

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CARVALHO, José. Murilo. A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil, São Paulo: Companhia Das Letras, 1990. CASTELLS, Manuel. A era da Informação: economia, sociedade e cultura – a sociedade em rede. 7 ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2003. COELHO, G. M. História e Ideologia: o IHGB e a República (1889-1991). Belém: Serviço de Impressão Universitária, 1981. LITTLE, Barbara. Historical Archaeology: Why the Past Matters. Walnut Creek: Left Coast Press, 2007. SILVA, Glaydson José. Os Avanços da História Antiga no Brasil. In: Carpanese, R. G. História e Conhecimento. Maringá: Eduem, 2010. p. 95-126. TAVARES, André Luiz Cruz. A Presença da História Antiga nos Compêndios Didáticos de História da Primeira República e a Construção Identitária Nacional. 154f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2012.

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