Utilização de Fontes Primárias - Lisboa em 1514: O relato de Jan Taccoen van Zillebeke.

June 14, 2017 | Autor: P. Ferreira | Categoria: Portuguese Discoveries and Expansion, Portugal, Lisbon (Portugal), Ensino da História
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ARTIGO

A emigração minhota para o Brasil

O peso da emigração para o Brasil na redução da população ativa no reino ganha ainda maior importância, se considerarmos que em meados do século XVIII dá-se um crescimento da população em Portugal. (Bretell, 1991) Ao que parece o crescimento natural no reino já não era suficiente para compensar a escassez de mão-de-obra provocada por estes fluxos. Só em 1740 se regressou ao número de habitantes do século anterior. (Russel-Wood, 1998) Apesar do foco deste ensaio ter sido os migrantes que provinham de zonas mais interiores de Entre-Douro-eMinho, o litoral e as profissões ligadas ao mar engrossaram também este fluxo, contudo em menor número. Pescadores, marinheiros e trabalhadores dos estaleiros também emigraram para o Brasil, sobretudo numa primeira fase, correspondente ao período anteriormente referido como corrida ao ouro. (Rowland, 1998a) A mão-de-obra que emigrou para o Brasil proveniente do Minho, em particular para as atividades ligadas ao comércio, era qualificada. Vários jovens formavam-se em diferentes centros da região, nomeadamente em polos de especialização artesanal, diferen ciando-se da população sem ofício e/ ou analfabeta. Essa decisão era na maior parte das vezes tomada pelo pai. Seguir para o Brasil era por vezes mais importante que outras formas de colocação profissional no reino. (Alves, 1994 apud Rowland, 1998a)

FONTES PRIMÁRIAS

Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke. Por Pedro Almeida Ferreira*

Feira de Caxias do Sul, século XIX. _______________________________________________________________________________

Com o decorrer do século XIX, à medida que o trabalhador imigrante passou a substituir o trabalho escravo e a não coexistir com ele, o perfil do emigrante foi-se alterando. Este fenómeno é ímpar no contexto português, demonstrando que alguns dos estereótipos construídos naquela época, no Brasil, sobre o emigrante português, em particular o minhoto, não correspondiam à realidade. Ser alfabetizado, num país que só alfabetizou a generalidade da sua população no decorrer do século XX, funcionava como fator de distinção e mobilidade social. Desconhece-se qual o impacto da emigração sobre as condições de trabalho, a evolução dos salários ou a tipologia de relações laborais. O que

se sabe é que o desemprego e a pobreza eram endémicas e que a produção agrícola da região não era suficiente para afastar a má nutrição e outros problemas de saúde. Tal como em todo o país, o mercado de trabalho só se irá alargar com alguma expressão na segunda metade do século XIX, com a modernização e desenvolvimento económico proporcionados pela Regeneração. Ainda assim, por um curto período, já que a crise filoxérica no Douro nas décadas de 1870 e 1880 irá restringir novamente os empregos disponíveis. A mobilidade, a diversidade e a irregularidade do trabalho assalariado constituem-se como três características que se vão estender até ao século XX. ///

* PIUDHist - Programa Interuniversitário de Doutoramento em História. Associado da APH Gravura na página 18: Porto de Santos. Bibliografia: Almeida, M. (2013), História dos índios no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da FGV. Brettell, C. (1991). Homens que partem, mulheres que esperam: consequências da emigração numa frequesia minhota. Lisboa: Publicações Dom Quixote. Cardoso, A. e S. Ferreira, (2014), «Relações Laborais em Portugal: 1800-1900». Em Relações laborais em Portugal e no mundo lusófono: história e demografia, M. Mattos (ed). Lisboa: Edições Colibri. Costa, F. (2010), Insubmissão: Aversão ao Serviço Militar no Portugal do Século XVIII. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. Fragoso, J. e M. Florentino (2001), O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia : Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pedreira, J. (1998), «Brasil, fronteira de Portugal. Negócio, emigração e mobilidade social (séculos XVII e XVIII)». Em Anais da Universidade de Évora, 47–72. 8-9. Évora: Universidade de Évora. Ramos, D. (1993), «From Minho to Minas: The Portuguese Roots of the Mineiro Family». The Hispanic American Historical Review 73 (4): 639–62. Rowland, R. (1998a), «Brasileiros do Minho: Emigração, Propriedade e Família». Em História da Expansão Portuguesa: do Brasil para África (18081930), Francisco Bethencourt e K. N Chaudhuri, 4:324–47. S.l.: Círculo de Leitores. ——— (1998b), «O problema da emigração: dinâmicas e modelos». Em História da Expansão Portuguesa: do Brasil para África (1808-1930), Francisco Bethencourt e K. N Chaudhuri, 4:304–23. S.l.: Círculo de Leitores. Russel-Wood, A.J.R. (1998), «A emigração: fluxos e destinos». Em História da Expansão Portuguesa: o Brasil na Balança do Império (1697-1808), Francisco Bethencourt e K. N Chaudhuri, 3:158–68. S.l.: Círculo de Leitores. Souza, G. (2012), Tratos e mofatras: o grupo mercantil do Recife colonial. Recife: Editora da UFPE. Turner, F. J. (1961), «The significance of the frontier in American History». Em Frontier and Section. Selected Essays., 37–62. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. 22

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A Expansão Ultramarina Portuguesa

Fonseca, Jorge da (coord.). (2015). Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa e Edições Húmus, Lisboa e Vila Nova de Famalicão, 130 p. Este livro, coordenado pelo investigador Jorge Fonseca, do Centro de História da Cultura, divulga uma descrição, praticamente desconhecida, da cidade de Lisboa ao tempo de D. Manuel I. Esse desconhecimento prende-se com o facto de esta descrição se limitar a um manuscrito, existente na Biblioteca Municipal de Douai, em França. Jan Taccoen foi um nobre flamengo, senhor de Zillebeke, que empreendeu em 1514 uma viagem a Jerusalém, com paragem em Lisboa durante 9 dias. A tradução do manuscrito original, de doze páginas, é antecedida por um enquadramento histórico de Eddy Stols, da Universidade de Lovaina, que retrata a cidade de Lisboa como um dos principais polos de atração de artesãos e artistas flamengos, como ponto de paragem de cruzadas e peregrinações, como cidade cosmopolita, sede da corte e repleta de cultura, de produtos estrangeiros e de muita riqueza. Sucede-lhe um texto do investigador Stjin Manhaeghe, especialista em códices quinhentistas, que nos contextualiza a vida, o trabalho e as viagens de Jan Taccoen, e outro de Jorge Fonseca, que se centra no crescimento da cidade durante o reinado de D. Manuel I, descodificando algumas das descrições de Jan Taccoen. Pelo seu detalhe, constitui-se como um excelente recurso para as aulas de História do 5.º, do 8.º e do 11.º anos de escolaridade. O que fizemos neste trabalho foi selecionar alguns excertos da tradução do manuscrito original, que nos pareceram apropriados para exploração em aula. Uma apreciação geral da cidade de

como outros, por o rei ter conquistado muitas ilhas e cidades aos Mouros, turcos e outros infiéis.” P.124 Lisboa, cidade escravocrata: “Vi chegar um navio carregado de especiarias e que, em baixo, no porão, vinha cheio de Negros mouros, homens, mulheres, com os filhos, jovens rapazes e raparigas, de todos os tipos, em número de trezentos. Trouxeram-nos completamente nus, sem nada a cobri-los, porque não têm nenhuma crença ou vergonha. Vendem-nos a que os quiser possuir, para serem escravos, servindo homens e mulheres toda a vida e revendendo-os sempre que o desejarem. Se uma escrava está grávida, a criança que traz no ventre pertence ao dono que a comprou e não ao pai que a engendrou.” P.124

Lisboa: “Falando da cidade de Lisboa, ela é grande, tanto como Bruges, mas não tem metade da beleza. No entanto, mora aí tanta gente que é de espantar. As casas são altas e de pedra, rebocadas em branco. São planas em cima e cobertas por uma espécie de telhas, que servem de goteiras. Em cada uma vivem três e quatro famílias, umas sobre as outras. A cidade é mal pavimentada. Há aí toda a espécie de ofícios e mercadorias.” P.124 Lisboa, cidade multicultural: “Existem tantos Judeus como Cristãos, que é de admirar, os quais têm um grande poder sobre o rei e a cidade. E parece-me que habitam a mesma tantos Mouros, brancos e negros,

Lisboa, cidade exótica: “Vi várias vezes três jovens elefantes nas ruas. Cada um tinha em cima o seu palafreneiro, dois machos e uma fêmea. (…) o seu carácter é pacífico e não fazem mal a ninguém. Eu vi-os levantar uma coisa do tamanho de um dinheiro e dá-la, por cima da cabeça, ao tratador ou a quem este mandava. Quando vão perante o rei, inclinam-se e fazem-lhe reverência.” P.125 Lisboa, cidade militar: “Em Lisboa não se fecham as portas das muralhas, não há fechaduras nem nada que as feche. (No entanto) há muitos países que lutam contra a Cristandade e o rei trava uma guerra permanente contra os (in)fiéis e conquista muitas das suas regiões. Quando lá estive tinham conquistado uma grande cidade e país »»» AMPHORA A Expansão Ultramarina Portuguesa

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FONTES PRIMÁRIAS

Lisboa em 1514. O relato de Jan Taccoen van Zillebeke.

chamado Azamor. A cidade estava cercada pelos Turcos. Soube que o rei enviou quatro navios com gente e canhões para fazer levantar o cerco. Este país está cheio de tropa e artilharia.” P.129 Lisboa, sede da corte: “O rei, ao jantar e à ceia, senta-se à mesa com as portas da sua sala abertas. Quem quiser pode vir vê-lo jantar e cear. Senta-se sozinho no meio da mesa. Depois de lavar as mãos, cinco padres dizem o Benedicite e dão graças. Há cinco criados que servem à mesa de trinchantes e tarefas semelhantes. Há oito ou dez pagens que estão de pé junto dele, de cada lado, e um de cada lado também, com uma vareta de uma vara de comprimen-

to, com uma bandeirola de seda na ponta, que lhe enxotam as moscas da mesa. (…) Há todo o tipo de pessoas à volta da mesa e nada fazem para as afastar. (…) Quando o rei quer uma refeição mais festiva, faz vir para a sala grandes aparadores cheios de ricas louças e manda vir raparigas para a frente da mesa, que dançam enquanto ele come. O rei é um homem pequeno e magro, de quarenta e cinco anos e a rainha de quarenta. É uma bela mulher, mas tem o nariz muito pequeno. Têm sete filhos.” P.129 Lisboa, centro da cristandade: “Vêem-se em Lisboa muitos animais e gente estranha, e outras coisas que trazem da Turquia, dos países conquistados pelo rei. Houve três per-

PROPOSTA PEDAGÓGICA

sonagens, homens vindos da longínqua terra de Calecute, que vieram a Lisboa para se fazerem Cristãos e serem baptizados. Eram pessoas importantes, segundo se dizia. Tinham nas faces muitas pedras, assim como no queixo, e na boca, sobre os lábios, dois dentes compridos de pedras preciosas.” P.130 Lisboa, dos usos e costume católicos: “Quando alguém se casa, os noivos vêm com os convidados diante da igreja e aí o cura desposa-os, sem mais despesas, e vão depois para casa tratar da sua vida, agradecendo aos que os tinham acompanhado. Não se fazem outros dispêndios com jantar, danças, enfeites ou roupas.” P.129 ///

Atividades sobre os descobrimentos Por Ana Lúcia Ribeiro*

Atividade 1 - Diário de Bordo

Público-alvo: alunos do 5º ano (trabalho coletivo).

- o nome da especiaria através do cheiro, sabor ou apenas observação. - a origem geográfica de cada uma delas. -um exemplo da sua utilização atual na gastronomia portuguesa. É vantajoso elaborar um sistema de pontos a atribuir às respostas corretas, atendendo à faixa etária a que se dirige esta atividade. Objetivos: Reconhecer a presença por tuguesa no mundo através de experiências sensoriais; reconhecer a influência dessa presença no quotidiano atual.

Materiais: retângulo de grandes dimensões em papel de cenário. Acabamento nas margens simulando pergaminho e/ou ilustrações. Atividade: No decorrer de 4 a 5 aulas, os alunos vão registando, em simultâneo com os conteúdos lecionados, os principais marcos cronológicos da expansão portuguesa. Estes registos são complementados com ilustrações sob a forma de desenho ou colagens (por exemplo das “lendas do mar tenebroso”, “luminuras”, instrumentos de navegação). Objetivos: Fornecer referências temporais objetivas e inferir a partir delas as dificuldades e obstáculos com que se deparavam as tripulações; perceber a importância das descrições dos cronistas para a historiografia atual. Atividade 2 – Jogo das especiarias

nicas de pesquisa sobre personagens históricas relevantes, por outro levar os alunos a compreender o valor interação dos “anónimos” da História com os primeiros. Atividade 4 - E se os Descobrimentos pudessem iniciar-se hoje? Público-alvo: alunos do 8º ano.

Atividade 3 - Narrativas Público-alvo: alunos do 8º ano. Atividade: Determinam-se um grupo de personagens históricas (reais e imaginárias). Por exemplo: Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, D. João II, um marinheiro, um padre, uma mulher. Em grupos de dois, os alunos criam uma narrativa onde se pretende a interação entre os personagens escolhidos. Sempre que possível deve recorrer-se a dramatizações onde se explore a argumentação. A apresentação não deve exceder 10 minutos à qual se seguirá uma discussão onde a turma deverá identificar os pontos positivos e falhas, por exemplo, os anacronismos.

Atividade - Introduzir o tema dos Descobrimentos na perspetiva da resolução da crise do século XIV. Solicitar aos alunos que imaginem qual seria a posição de personalidades atuais face a essa possibilidade: políticos, músicos, professores, etc. A distribuição de personagens deve fazer-se individualmente de modo a que cada aluno conheça apenas o personagem que lhe é entregue. No final, devem conseguir identificar a totalidade dos personagens e as suas motivações.

Lisboa, Século XVI. __________________________________________________________________________________________________________________________

Objetivos: Distinguir problemas estruturais e conjunturais abordando a Público-alvo: alunos do 5º ano. questão dos ciclos históricos. “Forçar” o raciocínio à luz dos interesses dos Materiais: frascos com especiarias diferentes grupos sociais, profissionais Atividade: Em grupo, os aluou políticos de forma a consciencianos são desafiados a identificar: Objetivos: Por um lado fomentar téclizar para o mosaico social atual. »»» _________________________________________________________________________________________________

* PIUDHist - Programa Interuniversitário de Doutoramento em História. Associado da APH.

* Professora no Colégio Quinta do Lago, São Domingos de Rana.

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