UTILIZAÇÃO DE LIXO MARINHO POR PEIXES RECIFAIS E CEFALÓPODES: RELATO DE ASSOCIAÇÕES

July 13, 2017 | Autor: Moacir Tinoco | Categoria: Peixes, Recifes de Coral, Cefalópodes, Resíduos Marinhos
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XIV Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar – XIV COLACMAR Balneário Camboriú (SC / Brasil), 30 de outubro a 04 de novembro de 2011

UTILIZAÇÃO DE LIXO MARINHO POR PEIXES RECIFAIS E CEFALÓPODES: RELATO DE ASSOCIAÇÕES Carvalho-Souza, G. F.1,2,4*; Medeiros, D. V.3; Tinôco, M. S.2; Sampaio, C. L. S.5 ¹ Programa de Pós-Graduação em Geociências, Universidade Federal da Bahia, Rua Barão de Geremoabo, S/N. Campus Universitário de Ondina, CEP: 40170-280, Bahia, Brasil. ² Centro de Ecologia e Conservação Animal – ECOA/ ICB/ UCSal; ³ Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Monitoramento Ambiental, Universidade Federal da Paraíba; 4 5 Comissão Cientifica da Global Garbage; Universidade Federal de Alagoas – Pólo Penedo; * E-mail: [email protected]

RESUMO A utilização de lixo marinho por organismos recifais é citada para algumas espécies de crustáceos. No presente estudo documentamos pela primeira vez a utilização de lixo marinho como refúgio por espécies de peixes recifais: Acanthurus bahianus, Astrapogon puncticulatus, Epinephelus adscensionis, Haemulon parra, Malacoctenus sp., Pareques acuminatus, Pseudopeneus maculatus, Rypticus bistrispinnus and Sparisoma frondosum e até com fins reprodutivos por uma espécie de cefalópode Octopus cf vulgaris no nordeste do Brasil. Esta associação pode ser justificada pela contaminação por resíduos sólidos e degradação dos habitats naturais. Palavras chave: interaction, Baía de Todos os Santos, estado da Bahia, poluição marinha, polvo.

INTRODUÇÃO O lixo marinho atualmente representa uma extensa e crescente ameaça aos ambientes costeiro e marinho (UNEP, 2005). Recentemente vem sendo reconhecido seus efeitos negativos, causando danos aos recursos vivos, à saúde pública, e obstáculos às atividades na zona costeira e marinha, aonde atualmente vem sendo investigada suas implicações nestes ambientes, inclusive por afetar uma gama de organismos em todo o mundo (LAIST, 1997; IVAR DO SUL e COSTA, 2007; MARQUES JR. et al., 2009). A utilização de lixo marinho por organismos recifais é citada para crustáceos (BARREIROS & LUIS Jr., 2008), como também pode-se relacionar esta interação com estruturas artificiais propostas como recifes que atuam como refúgio para a criação de peixes e crustáceos (SINIS et al., 2000). No presente trabalho documenta-se a utilização de lixo marinho como refúgio por espécies de peixes recifais e uma espécie de cefalópode em três costões rochosos na Baía de Todos os Santos, Bahia, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS A Baía de Todos os Santos (BTS) é o segundo maior acidente geográfico da costa do Brasil com uma área de 1223 km², resultante de uma longa cadeia de eventos geológicos, permitindo nesta formação em seu contorno e fisiografia, uma série de enseadas, ilhas, canais, sub-baias, penínsulas, recifes de corais, costões rochosos e praias (DOMINGUEZ & BITTENCOURT, 2009). As observações aconteceram entre os meses de Agosto a Outubro nos costoes rochosos (Farol da Barra, 13°00’32.05” S - 38°00’32.20” O, Porto da Barra, 13°00’13.85” S 38°32’01.19” O, and Yacht Club, 12°59’57.04” S - 38°31’52.92” O) localizados na entrada da Baía de Todos os Santos, nordeste do Brasil, sítio este onde se detém registros de contaminação por resíduos sólidos (CARVALHO-SOUZA e TINOCO, 2011) e assim possibilitando o contato destes materiais com a biota. Foram realizados 105 censos visuais utilizando dois métodos de amostragem em mergulho livre, o protocolo AGRRA (Atlantic Gulf Reef Rapid Assessment) adaptado e o RDC (Rover Diving Census). Os dados coletados em campo foram registrados em placas de PVC, as áreas de estudo georeferenciadas por um GPS Garmim™ eTrex e observadas suas características físicas, além de registros fotográficos utilizando uma câmera digital Sony™ Cybershot W-170. Para a determinação dos taxa, neste estudo, utilizou-se a literatura especializada (CARVALHO-FILHO, 1999; HUMMAN & DELOACH, 2003; SAMPAIO & NOTTINGHAM, 2008).

Associação Latino-Americana de Investigadores em Ciências do Mar - ALICMAR AOCEANO – Associação Brasileira de Oceanografia

XIV Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar – XIV COLACMAR Balneário Camboriú (SC / Brasil), 30 de outubro a 04 de novembro de 2011

RESULTADOS E DISCUSSÕES Foram reportados alguns casos de espécies de peixes recifais associadas aos resíduos sólidos bentônicos como plástico, metal, vidro, apetrecho de pesca, tecido e outros (eg. pneu). Astrapogon puncticulatus (Poey, 1867) espécie de hábitos noturnos foi encontrado em latas de metal, pote de vidro e fragmentos de tecido. Na mesma localidade, A. puncticulatus, foi capturado acidentalmente por mergulhadores locais, emaranhado a restos de tecidos, durante a coleta de lixo subaquático realizada no Clean up Day (2008). Rypticus bistrispinus (Mitchill, 1818) utilizou um pedaço de garrafa plástica que estruturalmente se tornou um abrigo. Em outro evento, dois indivíduos de R. bistrispinus foram observados abrigado em um tubo de PVC nos recifes rochosos na Barra (SAMPAIO comm. pess.). Encontravam-se em meio a um emaranhado de nylon, anzóis e estruturas de chumbo (apetrecho de pesca) três espécies de peixes recifais, Sparisoma frondosum (Agassiz, 1831), Malacoctenus sp. e Epinephelus adscensionis (Osbeck, 1765). Restos de apetrechos de pesca que são perdidos pelos pescadores por vários fatores, constituem um grande perigo para diversos organismos marinhos, podendo ser acidentalmente presos a estes objetos, causando um fenômeno denominado “ghost fishing” (KAISER et al. 1996; MATSUOKA et al. 2005). Jovens de Acanthurus bahianus Castelnau, 1855, Haemulon parra (Desmarest, 1823), Pareques acuminatus (Bloch & Schneider, 1801) e Pseudopeneus maculatus (Bloch, 1793) utilizaram um pneu de automóvel. Este tipo de resíduo é muito comum na parte arenosa próxima aos recifes da Barra, sendo inserido por coletores locais de organismos ornamentais, para atrair os juvenis de espécies de peixes recifais (Observação pessoal dos autores). A associação destas espécies a estes resíduos está relacionada ao refúgio para proteção contra possíveis predadores. Os efeitos dos pneus no ambiente marinho são muito discutidos na literatura, pois é reconhecida a construção de recifes artificiais a partir destes materiais em diversas localidades do mundo, como estruturas disponibilizadoras de substratos e cavidades para diversos organismos marinhos (SINIS et al., 2000; COLLINS et al., 2002). Outro registro foi efetuado com um indivíduo de Ophistonema oglinum (Lesueur, 1818) que encontrava-se com um pedaço de plástico formando um anel oriundo de copo plástico descartável envolto ao seu corpo e durante a observação percebemos que o individuo apresentava dificuldades de natação, o que denota uma vulnerabilidade a predação. Sazima et al. (2002) registrou colares plásticos envoltos ao corpo de juvenis de Rhizoprionodon lalandii (Müller & Henle, 1839), onde em um individuo este se encontrava na região bucal e branquial, dificultando as atividades alimentares e respiratórias do animal. A provável causa considerada para estes eventos seria pelo comportamento investigativo de tubarões em relação a objetos flutuantes. No caso do O. oglinum, seria devido ao seu hábito nectônico e a característica flutuante do plástico devido a sua baixa densidade. Também foi registrado no presente estudo a utilização de lixo marinho por um polvo de águas rasas Octopus cf vulgaris, um animal de comportamento complexo (Hanlon & Messenger, 1996), ciclo de vida relativamente curto, maturação sexual em menos de dois anos e reprodução frágil, com desova bentônica em uma única oportunidade (semelpariedade) (LEITE et al. 2008). O espécime reportado encontrava-se refugiado em um pote de vidro inclusive sendo observada sua desova no interior do resíduo. Outro evento de associação com cefalópodes foi reportado na localidade utilizando lata de metal (SAMPAIO, comm. Pess.). São evidenciados registros semelhantes deste comportamento nas pescarias do polvo com um apetrecho de pesca confeccionado com potes de polietileno (BRAGA et al., 2007). Otero et al. (2007) verificou que a devova do O. vulgaris in Galician waters, NE Atlantic, ocorreu entre o período de Setembro a Dezembro, semelhante ao do evento observado no presente estudo, constatando ainda um único pico nos meses de primavera.

CONCLUSÕES Atribui-se a esta possível condição que às espécies de acordo com seus comportamentos estariam cada vez mais, buscando alternativas para o seu ambiente em virtude do que pode se denotar uma evidente degradação dos habitats naturais, de forma que esta síndrome se torna uma ameaça às espécies, pois são prejudicados em termo de ciclagem de nutrientes e oxigenação em alguns momentos, e principalmente por perder esta “residência”, a qualquer momento e tornarem-se vulneráveis aos processos ambientais.

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A partir do exposto o presente trabalho diagnosticou uma associação negativa do lixo marinho e a biota recifal neste costão rochoso no nordeste do Brasil, apresentando seus efeitos deletérios com nove espécies de peixes recifais e um polvo de águas rasas, onde novos esforços a longo prazo se fazem necessários para compreender os processos desta síndrome e reais impactos no ecossistema marinho.

REFERÊNCIAS BARREIROS, J. P. & LUIS Jr. O. J. 2008. Use of plastic debris as shelter by an unidentified species of hermit crab from the Maldives. JMBA2 - Biodiversity Records. p. 2. BRAGA, M. S. C.; MARINHO, R. A.; BATISTA, B. B.; ROCHA, E. P. 2007. Histórico e descrição da pesca do polvo, Octopus cf vulgaris, com potes, no estado do Ceará. Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 40(2): 5 – 13. CARVALHO-FILHO, A. 1999. Peixes, Costa Brasileira. 3ª Edição. Editora Melro, São Paulo, 320pp. CARVALHO-SOUZA, G. F.; TINÔCO, M. S. 2011. Avaliação do Lixo Marinho em Costões Rochosos na Baía de Todos os Santos, Bahia, Brasil. Revista da Gestão Costeira Integrada. 11(1):135-143. COLLINS, K. J.; JENSEN, A. C.; MALLINSON, J. J.; ROENELLE, V.; SMITH, I. P. 2002. Environmental impact assessment of a scrap tyre artificial reef. – ICES Journal of Marine Science, 59: S243–S249. HANLON, R. T. & MESSENGER, J. B. Cephalopod behaviour. Cambridge University Press, 231 p., London, 1996. HUMANN, P., DELOACH, N. 2003. Reef Creatures identification: Florida, Caribbean, Bahamas. Jacksonville, New World Publications. IVAR DO SUL, J. A.; COSTA, M. F. 2007. Marine debris review for Latin America and the Wider Caribbean Region: From the 1970s until now, and where do we go from here? Marine Pollution Bulletin Volume 54, Issue 8, August Pages 1087-1104. KAISER, M. J., BULLIMORE, B., NEWMAN, P., LOCK, K. & GILBERT, S. 1996. Catches in ‘ghost fishing’ set nets, Marine Ecology Progress Series, 145:11-16. LAIST, D.W. 1987. Overview of the biological effects of lost and discarded plastic debris in the marine environment. Marine Pollution Bulletin, 18(6B):319-326. LEITE, T. S., Haimovici, M., Oliveira, J. E. L. 2008. Uma proposta de manejo para a pesca do polvo Octopus insularis LEITE & HAIMOVICI, 2008 (MOLLUSCA: CEPHALOPODA) no Arquipélago de Fernando de Noronha, Brasil. Arq. Ciên. Mar, Fortaleza, 41(1): 81 – 89. MARQUES JUNIOR, A. N., MORAES, R. B. C. & MAURAT, M. C. 2009. Poluição marinha. In: PEREIRA, R.C. & SOARES-GOMES, A. (orgs). Biologia Marinha. Rio de Janeiro: Interciência. MATSUOKA, T., NAKASHIMA, T., NAGASAWA, N. 2008. A review of ghost fishing: scientific approaches to evaluation and solutions. Fisheries Science. Volume 71, Issue 4, pages 691– 702, August. OTERO J., GONZÁLEZ Á. F., SIEIRO M. P., GUERRA Á. 2007. Reproductive cycle and energy allocation of Octopus vulgaris in Galician waters, NE Atlantic. Fisheries Research 85:122–129. SAMPAIO, C. L. S. & NOTTINGHAM, M. C. 2008. de Peixes Ornamentais Brasileiros. Vol. I. Brasília: Ibama, 205 p.

Guia para

Identificação

SINIS, A., CHINTIROGLOU, C. C., STERGIO, K. I. 2000. Preliminary results from the establishment of experimental artificial reefs in the N. Aegean Sea (Chalkidiski, Greece). Belgiam Journal of Zoology, v. 130, p. 143-147. UNEP - United Nations Environment Programme. 2005. Marine Litter. An Analytical Overview. 47p, UNEP/FAO. Nairobi, Kenya. http://www.unep.org/regionalseas/marinelitter/publications/docs/anl_oview.pdf.

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