Utopia, simulação e realidade. Arquitectura de museus de arte na era digital

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Descrição do Produto

Processos Digitais Ano XIII – março|abril 2013 €11,00 (continente) – €16,00 Espanha

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arqa106 ARQUITETURA E ARTE

mar|abr 2013 | €11,00

Processos Digitais

Zaha Hadid Cloud 9 Shigeru Ban + Kyeong-Sik Yoon/KACI Bearth & Deplazes + Gramazio & Kohler EMBT Snøhetta M. Ritchie + Aranda\Lasch MOS Alexandra Paio Brimet Silva Carla Leitão João M. Rocha Nancy Diniz José Pedro Sousa João M. Sequeira José Nuno Beirão José Pinto Duarte Américo Mateus

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ISSN: 1647- 077X

matérias

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Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores

ARQUITETURA E ARTE

Processos Digitais

R. Alfredo Guisado, 39 – 1500-030 LISBOA Telefone: 217 703 000 (geral) 217 783 504/05 (diretos) Fax: 217 742 030 [email protected]

Zaha Hadid Cloud 9 Shigeru Ban + Kyeong-Sik Yoon/KACI Bearth & Deplazes + Gramazio & Kohler EMBT Snøhetta M. Ritchie + Aranda\Lasch MOS Alexandra Paio Brimet Silva Carla leitão João M. Rocha Nancy Diniz José Pedro Sousa João M. Sequeira José Nuno Beirão José Pinto Duarte Américo Mateus

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ISSN: 1647- 077X

Diretor Geral Edmundo Tenreiro [email protected]

ZAHA HADID - ÓPERA DE GUANGZHOU

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Info - Boletim Informativo da Ordem dos Arquitetos de Angola (0A)

Indoors News Atualidades e agenda

Editorial Luís Santiago Baptista – Processo Digitais: Necessidade social e experimentação especulativa

Depoimento Alexandra Paio e Brimet Silva – Processos Digitais

Entrevistas Processos Digitais: Perspetivas Críticas Portuguesas, Carla Leitão, João Magalhães Rocha, Nancy Diniz, José Pedro Sousa, João Menezes de Sequeira, José Nuno Beirão, José Pinto Duarte, Américo Mateus

Projetos Biografias

A R T E

Redação Paula Melâneo (Coordenação) [email protected] Baptista-Bastos (Opinião), Bárbara Coutinho (Design), Carla Carbone (Design), David Santos (Artes), Gonçalo Furtado (Crítica), Margarida Ventosa (Geração Z) Mário Chaves (Livros), Nádia R. Bento (Tradução), Sandra Vieira Jürgens (Artes) Paginação e Imagem Raquel Caetano Bruno Marcelino (desenhos) Edição Digital Ricardo Cardoso

Zaha Hadid – Opera de Guangzhou Cloud 9 / Enric Ruiz-Geli – Edifício Media-TIC, Barcelona Shigeru Ban + Kyeong-Sik Yoon / KACI – Clube de Golf Haesley Nine Bridges, Gyenggi Bearth & Deplazes + Gramazio & Kohler – Adega Gantenbein, Fläsch EMBT – Pavilhão de Espanha, Exposição Mundial Xangai 2010 Snøhetta – Tverrfjellhytta, Pavilhão do Centro Norueguês de Renas Selvagens, Dovre M. Ritchie + Aranda\Lasch + D. Bosia – Instalação The Morning Line

Crítica Helena Barranha – Utopia, simulação e realidade: Arquitetura de museus de arte na era digital

Investigações Gonçalo Castro Henriques – Sistema responsivo TetraScript

Design Carla Carbone – Riccardo Bovo: O ato digital

Artes David Santos – António de Sousa: A luz do absurdo Sandra Vieira Jürgens – A Condição Digital

Itinerâncias Paula Melâneo – Soviet Modernism 1955-1991: Unknown Stories

Fotografia Fernando Guerra – FG+SG: Galaxy Soho, Pequim, China

Livros Mário Chaves

Comunicação e Marketing Maria Rodrigues (Diretora) [email protected] Carmen Figueiredo - [email protected] Publicidade – PORTUGAL Tel. +351 217 783 504 Fax +351 217 742 030 [email protected] ANGOLA Parceria Futurmagazine - NAMK, Lda. Rua Major Marcelino Dias, nº 7 - 1º andar-D Bairro do Maculusso, Distrito da Ingombota, Província de Luanda [email protected] Tel. +244 222 013 232 Publicidade – BRASIL Jorge S. Silva Tel. +55 48 3237 - 9201 Cel. +55 48 9967 - 4699 [email protected] Impressão Jorge Fernandes, Lda. Rua Quinta Conde de Mascarenhas, 9 2825-259 Charneca Caparica Distribuição Logista Portugal Área Ind. Passil, lt 1-A, Palhavã 2894-002 Alcochete Tiragem 10.000 Exemplares

Dossier

Periodicidade Bimestral

1 - MOS Architects 2 - A Living System

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E

www.revarqa.com – [email protected]

Diretor Luís Santiago Baptista [email protected]

Banho e acessórios

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Foto: Iwan Baan

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ÍNDICE

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Apoio:

ISSN: 1647- 077X ICS: 124055 Depósito Legal: 151722/00

CRÍTICA

arquitetura

Utopia, simulação e realidade Arquitetura de museus de arte na era digital1

HELENA BARRANHA|Professora IST

Historically architecture has always struggled with this dialectic of the real and the virtual, where the stability and actuality of architecture is tempered by the poetic and the ineffable nature of meaning and experience. Asymptote Architecture

Decorrido mais de meio século sobre esta antevisão dos museus virtuais, verifica-se que o acesso às coleções, à programação e aos espaços museológicos, através de suportes digitais online substitui, com frequência, o contacto direto com lugares e objetos mas, paralelamente, contribui para publicitar e fomentar a visita real. Neste cenário, para além das obras de arte, as imagens da arquitetura de museus tornam-se preponderantes, tanto pelo seu carácter identitário e diferenciador da instituição, como pelo facto de os atuais sistemas de representação arquitetónica permitirem simular, com eloquente realismo, a experiência da visita, criando no observador a ilusão de que esteve lá.

Foto: cortesia Ethel Baziotes

O debate em torno da democratização do acesso à cultura e da sua mediatização, que marcou todo o século XX, adquiriu novos contornos com a difusão das tecnologias de informação e comunicação, à escala global. Ao longo das últimas duas décadas, a globalização do acesso digital aos museus ampliou exponencialmente os respetivos públicos, introduzindo novos paradigmas estatísticos, dado que as visitas virtuais, através de múltiplos interfaces disponíveis na Internet, superam, cada vez mais, as visitas reais. Esta tendência, acentuada com a generalização das ligações de alta velocidade, com o desenvolvimento de novos sistemas de articulação e visualização de dados e com as novas dinâmicas participativas desencadeadas pelas redes sociais, no contexto da Web 2.0, abriu novas perspetivas sobre a problemática da mediatização cultural e sobre as fronteiras entre a obra original e a sua reprodução2. Algumas das questões suscitadas por este fenómeno foram antecipadas por autores de referência como Guy-Ernest Debord, Jean Baudrillard ou Walter Benjamin que, já em 1936, alertava para a eventual perda da “aura” da obra de arte decorrente da sua reprodução mecânica mas que, simultaneamente, assinalava o potencial histórico de emancipação de uma obra concebida para ser reproduzida3. Atento ao crescente protagonismo da imagem na sociedade contemporânea, André Malraux sublinhou também que, desde meados do século XIX, a história da arte tende a ser a história daquilo que é suscetível de ser fotografado4 e, no seu influente ensaio Le Musée Imaginaire (1947), explicou como um “museu sem paredes”, constituído por reproduções de obras de arte, poderia tornar-se um meio privilegiado para promover o encontro entre o património artístico e os imaginários individuais ou coletivos.

Abstract Gallery, Art of this Century, instalação vista de sul, c. 1943.

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Repensar o espaço expositivo: da narrativa à base de dados A par dos contributos teóricos, a conceptualização de museus virtuais foi decisivamente influenciada por um conjunto de propostas artísticas que, no início do século XX, revolucionaram o conceito de exposição. Alguns dos mais representativos artistas deste período questionaram a relação entre os processos criativos e expositivos, apropriando-se o espaço da galeria como parte da obra e conferindo ao fruidor um papel determinante, como sucedia no Gabinete de Arte Abstrata de El Lissitsky (1927-28), o que levaria Marcel Duchamp a declarar que “a arte é na realidade feita pelo público, nessa relação do objeto com o espaço, por meio da exposição, que lhe dá verdadeiro sentido plástico”5. Esta passagem de uma visão narrativa para um entendimento da exposição como um sistema espacial de elementos interatuantes revelou-se, então, tão inovadora como o conceito duchampiano de museu portátil, antecedente do museu virtual, expresso na série Boîte-en-valise (1935-41), que contribuiu para desmistificar a noção de “original” na arte contemporânea. Igualmente emblemáticas foram as montagens realizadas por Frederick Kiesler na galeria de Peggy Guggenheim Art of This Century, em Nova Iorque (1942), que rejeitavam os dispositivos museográficos tradicionais, propondo um espaço fluido em que os quadros eram libertados do plano da parede e o percurso expositivo contrariava a convencional linearidade, mediante o desdobramento de direções e de pontos de fuga. Anos antes, a pesquisa de sistemas expositivos alternativos levara Kiesler a elaborar um dos seus projetos mais visionários; inspirado na televisão, o Telemuseum (c. 1930) antecipou as possibilidades de difusão dos museus através das novas tecnologias: Just as operas are now transmitted over the air, so picture galleries will be. From Louvre to you, from Prado to you, from everywhere to you. You will enjoy the prerogative of selecting pictures that are compatible with your mood or that meet your demands of any special occasion. Through the dials of your Teleset you will share in the ownership of the world’s greatest art treasures.6 Estas diversas experiências da primeira metade do século XX superaram, assim, os dogmas da museografia oitocentista, recusando uma perspetiva linear ou uma organização narrativa dos conteúdos, para introduzir sistemas relacionais comparáveis à atual noção de hipertexto. Para Erkki Huhtamo, não é coincidência que uma das mais inovadoras descobertas informáticas – o primeiro modelo de hipertexto (Memex) desenvolvido por Vannevar Bush – seja contemporâneo destas pesquisas teóricas e artísticas e,

Mais do que propor experiências espaciais revolucionárias, replicaram-se no ciberespaço soluções formais e tipológicas do passado o que levou, recorrentemente, a cenografias baseadas em clichés ou pastiches arquitetónicos.

Google Art Project: Musée du Quai Branly, Paris.

Asymptote Architecture: Guggenheim Virtual Museum (1999-2002).

designadamente, do museu imaginário de André Malraux, convergindo para a formulação do conceito de museu virtual7. Com o aparecimento dos microcomputadores e das primeiras redes informáticas, a partir dos anos 80, a componente digital passa gradualmente a fazer parte do quotidiano dos museus. Contudo, apenas na década seguinte se opera uma verdadeira mudança de paradigma, não apenas a nível do inventário e gestão das coleções, mas também da comunicação institucional. O impacto das novas tecnologias digitais é tal que coloca em causa as referências simbólicas do passado e, nesse sentido, Lev Manovich defende que a base de dados corresponde à nova forma simbólica da cultura contemporânea, do mesmo modo que, segundo Erwin Panofsky, a perspetiva linear constituiu a forma simbólica da Idade Moderna8.

emergentes relacionadas com as novas tecnologias”10. No que respeita a museus virtuais pensados como imagem ou prolongamento de museus existentes constata-se que, frequentemente, os conteúdos disponibilizados nos respetivos websites pouco mais são do que uma compilação de digitalizações de fotografias e documentos existentes noutros suportes. Com efeito, muitas destas extensões institucionais têm uma apresentação bidimensional que, embora tire partido do hipertexto, acaba por estar bastante vinculada aos pressupostos das publicações impressas. Talvez por isso a generalidade dos museus on-line “não se apresente como uma alternativa aos museus reais, mas sobretudo como um meio para os promover, remetendo a experiência tridimensional para a visita real.”11 Todavia, nos últimos anos verificou-se uma significativa evolução neste domínio, tanto através da inclusão da imagem em movimento, como através de ferramentas interativas que pressupõem um maior envolvimento do utilizador, retomando-se assim o repto das vanguardas artísticas do início do século XX de integrar a participação do fruidor no próprio conceito da obra de arte e na sua exposição. Por outro lado, os

Museus virtuais: projetos alternativos vs. representação de instituições existentes L’actuel et le virtuel coexistent, et entrent dans en étroit circuit qui nos ramène constamment de l’un a l’autre. Ce n’est plus une singularisation, mais une individuatiation comme processus, l’actuel et son virtuel. Gilles Deleuze9 Genericamente, um museu virtual corresponde a uma entidade com uma vocação idêntica à de um museu real – conversar, documentar, expor e divulgar bens culturais – mas apenas acessível em formato eletrónico. Embora, na sua maioria, os museus que se encontram na Internet constituam representações de instituições com existência material, multiplicam-se os exemplos de museus programados especificamente para o ciberespaço, designadamente quando se trata de projetos experimentais no campo da realidade virtual ou da web art, como o MOWA - Museum of Web Art, o spamm.arte.tv ou o projeto Rhizome. Fundado em 1996, o Rhizome começou por ser uma lista de e-mail que estimulava a comunicação entre os primeiros artistas a trabalhar em torno da Internet, evoluindo no sentido de se afirmar internacionalmente como uma das mais dinâmicas e atualizadas plataformas no âmbito da “criação, apresentação, preservação e crítica de práticas artísticas

Um Museu de Design no Second Life (www.secondlife.com).

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Arquitetura de museus e realidade virtual: entre a simulação e a utopia With the development of immersive and augmented environments we have indeed reached a strange new plateau in the human condition, as we rapidly transit from analog to digital modalities. These are zones of pure simultaneity, absolute simulation, instability, and instant electronic transmission. All representations of the physical, if desired, can be removed – no vanishing point and no horizon. John Beckmann 16 Em 1999, a Fundação Guggenheim encomendou ao atelier Asymptote Architecture (Hani Rashid e Lise Anne Couture) um projeto com um programa absolutamente inédito: tratava-se de desenhar o primeiro museu virtual tutelado por uma das mais influentes instituições culturais a nível mundial, com o objetivo de criar um novo protótipo arquitetónico baseado na “fusão entre informação, comércio, arte e arquitetura”17. Concebido como uma estrutura em permanente mutação e interação com o utilizador, o Museu Guggenheim Virtual preconizava a convergência entre a difusão da arte contemporânea e o ensaio de novas tecnologias acessíveis online. Embora este projeto tenha tido um impacto considerável, tanto a nível teórico

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Foto: Helene Binet, cortesia WAF

recentes desenvolvimentos nas tecnologias da informação e comunicação possibilitam projetos de crescente complexidade e com uma escala sem precedentes. Com o alargamento do modelo de base de dados a sistemas distribuídos (web semântica, DBpedia), tornou-se viável interligar, numa plataforma comum, de livre acesso através da Internet, um número tendencialmente ilimitado de espaços, coleções e exposições. Este princípio esteve na origem de uma das propostas museográficas mais inovadoras do início do milénio: o Google Art Project. Lançado em 2011, com a participação de 17 museus, inclui hoje quase duas centenas de instituições de diferentes países e continentes, como o Rijksmuseum de Amesterdão, a National Gallery de Londres, o Museo Reina Sofía de Madrid ou o MoMA – Museum of Modern Art, de Nova Iorque, entre outros12. Para além de permitir explorar parte das coleções, através de imagens em alta resolução, que facilitam a observação detalhada de uma determinada obra, o Google Art Project disponibiliza também visitas virtuais a algumas salas e galerias dos museus representados. A integração de recursos interativos associados a percursos ou exposições virtuais tem vindo, de resto, a conquistar relevância, como se verifica, por exemplo, no sistema Matriz, plataforma digital que congrega as coleções dos museus e palácios tutelados pelo Estado português13. Noutros casos, como o projeto Museum With no Frontiers14, os acervos de instituições de diversos países árabes e europeus constituem o ponto de partida para a organização de exposições virtuais, centradas num tema ou período específico, como a mostra Discover Islamic Art, acessível desde 2009. Convém notar, porém, que muitas destas iniciativas se limitam a agrupar e divulgar na rede conteúdos antes publicados noutros suportes. No entanto, como observa Antonio Battro, o grande desafio que se coloca aos museus virtuais “não é apenas digitalizar tudo o que é relevante publicar na Web, mas sim produzir novos conteúdos, propor novas atividades, explorar novos cruzamentos entre as artes.”15

MAXXI - Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo, Roma (1998-2009), Zaha Hadid Arch.

como iconográfico, inscrevendo-se de imediato na história da arquitetura de museus, acabaria por não ter sequelas diretas. Com efeito, algumas linhas de pesquisa surgidas no final dos anos 90 seriam abandonadas pouco tempo depois (como sucedeu com o Guggenheim Virtual) ou derivariam para outro tipo de experiências. Paradoxalmente, o carácter visionário de alguns edifícios virtuais viria a ter maiores repercussões em projetos para museus reais do que no domínio da Internet, visto tenderia a prevalecer a simulação de contextos existentes, segundo uma lógica de realismo ou verosimilhança. Mais do que propor experiências espaciais revolucionárias, replicaram-se no ciberespaço soluções formais e tipológicas do passado o que levou, recorrentemente, a cenografias baseadas em clichés ou pastiches arquitetónicos. Mesmo em contextos onde seria expectável uma maior liberdade criativa, como no Second Life, a generalidade dos ambientes expositivos revelou-se pouco inovadora, evidenciando a sua ancoragem estética em modelos arquitetónicos do século XX, ou mesmo em modelos oitocentistas, como o museu-templo ou o museu-palácio. Não obstante, as tecnologias de informação e comunicação têm motivado profundas transformações nos processos de conceção arquitetónica, bem patentes em alguns projetos para museus. Como nota Vítor Carvalho Araújo, as “formas fluidas, contínuas e evolucionárias, geradas em sistemas eletrónicos de simulação virtual, estão a estimular a imaginação, a alterar o vocabulário das formas construídas e a questionar a noção de espaço arquitetónico como uma entidade estática e finita”18. Muitos projetos recentes revelam, assim, o universo biomórfico e evanescente das free-forms digitalmente modeladas, redefinindo o imaginário da arquitetura de museus. Um caso pioneiro foi, sem dúvida, o Museu Guggenheim de Bilbau, da autoria de Frank Gehry (1991-97), que abriu caminho para propostas conceptual e formalmente diversas, como os projetos de Zaha Hadid para o Contemporary Arts Centre, Cincinanati (20012004) e para o MAXXI - Museo Nazionale delle Arti del XXI Secolo, em Roma (1998-2009), ou projeto para o Sheikh Zayed National Museum em Abu Dhabi, apresentado pelo atelier Snøhetta, em 2007 (não construído). Contudo, esta mudança de paradigmas morfo-tipológicos não deve ser entendida como mera consequência da aplicação de novos media na

Foto: MIR / Snøhetta

Projeto do atelier Snøhetta para o Sheikh Zayed National Museum em Abu Dhabi, 2007.

arquitetura, mas sobretudo como parte de um processo cultural em que a curva, a inflexão e a conectividade surgem como alternativas formais à geometria linear e ortogonal de matriz classicista e moderna. Confirmando a ideia de que a base de dados constituiu o “epicentro do processo criativo na era digital”19 os novos edifícios de museus tendem a privilegiar a comunicação, a fluidez e a reversibilidade, em detrimento da hierarquia ou da narrativa, como bem evidenciam os projetos do Guggenheim Virtual ou do Museu de Perm, Rússia (2007), da autoria de Asymptote. Também a dualidade transparência/tecnologia, explorada desde o Crystal Palace de Joseph Paxton (1851) e reinterpretada pelo Movimento Moderno, adquire uma nova expressão nos museus contemporâneos. Na proposta para o ZKM – Centre for Art and Media Technology, em Karlsruhe, desenhado por Rem Koolhaas (1989-92) ou no projeto de Diller Scofidio + Renfro para o Eyebeam Museum of Art and Technology, em Nova Iorque, a fachada converte-se num enorme ecrã eletrónico, assumindo a tecnologia e a comunicação de conteúdos museológicos e programáticos como parte da intervenção urbana. Noutros casos, o conceito modernista de fachada transparente dá lugar à ideia de translucidez variável, materializada numa superfície sensitiva capaz de reagir à luz natural e às solicitações expositivas, como acontece em várias obras de Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, designadamente no projeto de ampliação do IVAM – Instituto Valenciano de Arte Moderna (2004). O facto de muitos destes projetos não terem sido construídos revela a sua natureza visionária, ao mesmo tempo que comprova a importância dos modelos conceptuais para a evolução da arquitetura de museus. Por outro lado, a constatação de que os projetos mais arrojados não se situam, regra-geral, no domínio puramente virtual dos cibermuseus, pode indiciar que a dimensão poética e utópica da criação arquitetónica depende, em certa medida, do estímulo de condicionalismos físicos como a escala, a localização ou a materialidade. Segundo Manuel Castells, “a comunicação e a cultura são globais e virtuais, mas ainda assim requerem marcadores espaciais”20. Não surpreende, portando, que a própria Internet esteja a evoluir no sentido de uma aproximação ao espaço físico; com a globalização da referenciação geográfica subjacente à Web Geoespacial assiste-se a uma diluição de fronteiras entre as cartografias reais e virtuais. Nesse sentido, não é apenas a gestão e a divulgação do património artístico e arquitetónico dos museus que se de altera na era digital; o imaginário e a experiência da visita são também modificados por uma nova

perceção do lugar, potenciada pela ubiquidade da Internet: “nowhere in particular but everywhere at once”21. Fecha-se, assim, o circuito descrito por Deleuze de permanente troca entre virtual e real. Desenha-se um círculo perfeito em que o museu virtual, o museu utópico e os museus construídos comunicam e se confundem. 

O presente texto é uma versão revista e adaptada do ensaio publicado pela autora em 2012, com título “Between the Screen and the Building: Museum Architecture in the Digital Age” in M. Ballarin & Madalena Dalla Mura (eds.), Museum and Design Disciplines, Proceedings of the conference series (2011). Doctoral school of the Universitá IUAV di Venezia/Fondazione di Venezia, pp.175-188. Disponível em: http://rice.iuav.it/386/. Considerando o tema deste ensaio optou-se, sempre que possível, por recorrer a versões online de textos e autores citados. 2 A este respeito ver: Juan Martín Prada, Prácticas artísticas e Internet en la época de las redes sociales. Madrid: Ediciones Akal, 2012, pp. 5-6. 3 Walter Benjamin, “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”, 1936. Disponível em: http://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/ge/benjamin.htm. 4 André Malraux, Le Musée Imaginaire. Paris: Gallimard, 1999 (1ª ed. 1947), p. 123. 5 Marcel Duchamp cit. por Juan Carlo Rico, Montaje de exposiciones: museos, arquitectura, arte. Sílex: Madrid, 1996, p. 12. 6 Frederick Kiesler (1930), cit. por Storrie Calun, The Delirious Museum: A Journey from the Louvre to Las Vegas. London: I.B. Tauris, 2006, p. 59. 7 Erkki Huhtamo, “On the Origins of the Virtual Museum” (2002) in Ross Parry (ed.), Museums in a Digital Age, Routledge, London, 2010, p. 123. 8 Lev Manovich, “Database as symbolic form” (1998) in Ross Parry, op. cit., p. 65. 9 In Dialogues. Paris: Flamarion, 1996, p. 179. 10 Rhizome: http://rhizome.org/ 11 Eleonora Cardellini, “The virtual Museum of Architecture” in Proceedings of the International Cultural Heritage Informatics Meeting 2001 (ICHIM 01). Politecnico di Milano, 2001, p. 468. Disponível em: http://www.archimuse.com/publishing/ichim01_vol2/cardellini.pdf. 12 Ver Google Art Project: http://www.googleartproject.com/ 13 Disponível através das plataformas on-line MatrizNet e MatrizPix, respetivamente: http://www. matriznet.imc-ip.pt/matriznet/home.aspx e http://www.matrizpix.imc-ip.pt/matrizpix/home.aspx. 14 Disponível em: http://www.museumwnf.org/ 15 Antonio M. Battro, “André Malraux revisited. From the musée imaginaire to the virtual museum”, X World Congress Friends of Museums, Sydney, 1999. Disponível em: http://www. byd.com.ar/xwcfm99.htm. 16 “Merge invisible layers”, in John Beckmann (ed.), The virtual dimension: Architecture, Representation and Crash Culture, Princeton Architectural press, New York, 1998, p. 4. 17 Asymptote Architecture: Guggenheim Virtual Museum: http://www.asymptote.net/artobjects-and-editions/guggenheim-virtual-museum/ 18 In Arquitetura e Tecnologia Digital – Transformações Evolucionárias,. Provas de Aptidão Académica – Trabalho de Síntese, Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2003, p. 1 (cortesia do autor). 19 Lev Manovich, op. cit., p. 69. 20 Manuel Castells, “Museums in the Information Era: cultural connectors of time and space” in PARRY, Ross (ed.), Museums in a Digital Age, Routledge, London, 2010, p. 434. 21 William J. Mitchell, City of Bits: Space, Place, and the Infobahn. Massachusetts Inst of Technology, 1995, p. 8. 1

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