Vamos clarear o Brasil! Identidade nacional, branqueamento e as consequências para o negro brasileiro.

June 2, 2017 | Autor: Joyce Gonçalves | Categoria: Relações étnico-Raciais, Corporeidade
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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - DIPPG

IDENTIDADE NACIONAL E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL

RIO DE JANEIRO 2014

VAMOS CLAREAR O BRASIL! IDENTIDADE NACIONAL, BRANQUEAMENTO E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O NEGRO BRASILEIRO.

Joyce Gonçalves da Silva

Trabalho de Conclusão de Disciplina para a disciplina: Identidade Nacional e Diversidade Etnicorracial

Professor Dr. Álvaro Senra.

Rio de Janeiro Junho/2014.

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Vamos clarear o Brasil! Identidade nacional, branqueamento e as consequências para o negro brasileiro.

JOYCE GONÇALVES DA SILVA

Estudante de Mestrado do Programa PPRER- CEFET/RJ. [email protected] Resumo Após séculos de um modo de produção escravista, a modernidade chega ao Brasil. A abolição da escravatura e a República foram marcos desta modernização. Nascia uma nação, porém sem povo. Começam as discussões sobre o povo brasileiro, surgem adaptações teóricas, realizadas por nossos intelectuais da época, aplicando um olhar à mestiçagem já tão difundida no país. Como definir um povo brasileiro em meio a tantos mestiços? Ascende a imigração europeia e a eugenização dos corpos, ambos objetivando clarear o Brasil e transformá-lo em uma nação nos moldes europeus. Em busca de uma homogeneidade nacional diversos autores defendem diferentes versões para este povo mestiço, excluído e oprimido. Uma delas, a que teve uma enorme repercussão e aprovação, perdurando até a atualidade é a Democracia Racial. Neste mesmo período, no qual o capitalismo se estabelece temos uma nova categoria na sociedade, os operários. Mas os negros, carregados do estigma da escravidão, estavam nessa categoria?

O presente texto visa discutir a constituição da identidade brasileira

perpassando os ideais racialistas e a vertente culturalista então surgida, a integração do negro na sociedade de classes e a exaltação do mestiço. Propomos um breve olhar sobre o corpo da categoria que surge, levando a reflexão sobre o comportamento social destes em sua nova função na sociedade.

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Surge uma nação: A nação brasileira.

"Brava gente, brasileira; Longe vá, temor servil; Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil." (Hino da independência1)

Após a Primeira Guerra Mundial, o Brasil passou por um momento de reavaliação de sua participação na guerra e já via as consequências da mobilização iniciada no período da guerra para difundir na sociedade a formação de uma unidade nacional. Esta unidade seria necessária para a consolidação interna do nacionalismo, do sentimento de brasilidade, definição de um povo e uma cultura nacional. A ideia do nacional viria juntamente com a exaltação do sentimento de brasilidade que começava a emergir através de artistas que regressavam da Europa. Mesmo baseados no modelo europeu do futurismo2, estes artistas expuseram na arte, música e cultura o que seria uma cultura genuinamente brasileira, o que ficou conhecido como Modernismo, na Semana de Arte Moderna em 1922. Seu contexto principal colocou a mestiçagem como foco na construção desta brasilidade. Mulatos e mulatas eram retratados na literatura, pintura, música como símbolos de brasilidade. Neste período iniciou-se a produção de periódicos dedicados à discussão, em todos os aspectos, do problema brasileiro. Assim, a publicação do livro didático de Afrânio Peixoto, Minha terra, minha gente3, eram elucidados para pequenos leitores, lições de patriotismo. Os problemas sociais e raciais do Brasil ocupavam o centro do palco na sociedade. Esta nova realidade no país, impulsionou o nacionalismo. Abordando o tema nacionalismo, chegamos ao conceito de nação que na concepção de Anderson (2008, p.32) é uma comunidade imaginada e se constrói por meio de mitos e conceitos gerados com objetivo de cancelar as diferenças e constituir uma homogeneidade cultural e religiosa. Se tratando do Brasil, a corrente de pensamento operante no período proposto encontra dificuldades em adequar este panorama ao país, mesmo este enquadrado nas características que compõem uma nação como: um extenso território e população

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Hino da independência do Brasil.

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"Antes da guerra, o poeta e escritor italiano Marinetti participara, com um grupo de escritores de um violento ataque ao cânones tradicionais da gramática e dos estilos comumente observados, especialmente na França e na Itália. Para enfatizar sua ruptura com o passado, esses artistas rebeldes intitularam-se 'futuristas'." ( SKIDMORE, 2012, p.248) 3

"Como diz o título, foi o primeiro livro didático a abordar ao mesmo tempo os problemas da raça e do clima." (SKIDMORE, 2012, p.238).

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numerosa, e um elemento de identificação, a língua. O caso brasileiro se torna complicado pela multiplicidade de culturas que aqui se encontram. Logo, atentamos para o fato da grande extensão territorial do país e a diversidade populacional. A imigração europeia ainda é acentuada, transformando a população brasileira em um caldeirão cultural. Entre brancos europeus, índios, negros, mulatos, caboclos, sertanejos e demais imigrantes estende-se o problema social brasileiro que, para os intelectuais, dificultam a constituição de uma identidade nacional. Como constituir um povo brasileiro com tamanha diversidade? E principalmente, como apagar a causa da inferioridade da população nativa? Ainda neste período, as teorias racistas do século XIX, continuam latentes no pensamento social brasileiro, onde a mestiçagem significaria a degenerescência da raça. Baseada em uma série de teorias advindas do racismo científico europeu, nossos intelectuais, empreendiam esforços para encontrar o que seria o povo brasileiro. Um destes consistia em um ideal difundido logo após a abolição: o ideal do branqueamento. Por meio da entrada de imigrantes europeus no país, aumentar-se-ia o número de "brancos puros" no território brasileiro propiciando assim, em séculos, o clareamento da população, com aniquilação dos caracteres negros. Esta política advém da percepção racista da inferioridade da raça negra. Para os intelectuais que acompanham esta percepção a raça negra é "há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo" (SKIDMORE, 2012, p.106). O atraso e os problemas sociais brasileiros seriam causados por conta da mistura com a raça negra. "A miscigenação era considerada um mal extremo no qual o resultado -o mestiço- era um ser desequilibrado incurável" (MUNANGA, 2008, p.57). O determinismo biológico e geográfico participam ativamente desta abordagem. De toda forma, juntamente com o quadro histórico da mestiçagem no pensamento brasileiro, o ideal do branqueamento vem como uma possível salvação para a população brasileira, já tão mestiça. Esta

política

colaborou

também

para

a

ascensão

de mulatos que

tinham

fenotipicamente a semelhança branca. Foi justamente esta ambiguidade na integração dos mestiços que dificultava e causava contrariedades nos discursos intelectuais e políticos. Desde a Colônia, os mulatos possuíam vantagens ou pequenos privilégios por conta de serem filhos de brancos. A incorporação dos mestiços (mulatos e caboclos) na sociedade de

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classe se dava pela aparência física e tom de pele. Quanto mais clara a pele e menos "negróides"4 os traços, mais fácil a aceitação na sociedade. Os mulatos eram utilizados como trabalhadores na colônia em setores para os quais não havia brancos disponíveis, eram em sua maioria filhos de senhores de terra e por tal motivo eram libertados do serviço escravo. Compreende-se então a mobilidade do mestiço dentro da sociedade. O povo brasileiro, logo, surge do cruzamento de uns poucos brancos com multidões de mulheres índias e negras e isto ocorria, preliminarmente, devido a disparidade nos números de mulheres e homens aportados aqui e também para a difusão do poder colonial como estratégia de dominação. O resultado é que em 1920, podia-se constatar um bom número de mestiços ocupando cargos na elite carioca. Desta maneira, tornava-se difícil acatar as teorias que não reconheciam o progresso destes mulatos. Segue-se então desde o final do século XIX, no Brasil, teorias que classificam, categorizam os mestiços a fim de justificar a sua ascensão na sociedade. Por meio destas justificativas, o ideal do branqueamento se estabelece na sociedade brasileira, como prevenção para males futuros e como possibilidade da constituição de uma sociedade assemelhada à europeia ou americana. O branqueamento é inserido, assim, com o objetivo de acabar com o grande problema que coexistia em todas as ex-colônias nas Américas, o problema do negro. "O negro componente de uma raça inferior" 5 A população negra após a abolição transforma-se em trabalhador livre, porém sem nenhuma assistência do Estado. Moradia, saúde e educação foram relegadas aos próprios. Sem a assistência da República e políticas públicas para a adequação desta população, foram enquadrados como cidadãos de segunda categoria na sociedade, carregando os estigmas e estereótipos da escravidão, sem perspectiva de ascensão na sociedade. Acusados de proliferadores de moléstias, viciados e loucos, a população negra e mestiça, tinha um altíssimo número de analfabetos, dificultando ainda mais a sua integração na sociedade. Embasados ainda nas teorias do século XIX a população negra no Brasil, sofria com o preconceito, a discriminação e com o branqueamento. Qualquer possibilidade de ascensão só se dava a partir da apreensão de comportamentos, atitudes e estéticas brancas. Comportamentos e atitudes incentivadas e conceituadas cientificamente pela prática de médicos e sanitaristas a partir da Eugenia.

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Termo utilizado por Kabenlege Munanga a fim de caracterizar o fenótipo negro em mestiços. Ver Munanga, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil : Identidade nacional versus identidade negra.

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Entre 1920 e 1930, entram as políticas eugenistas a fim de "eugenizar" a população, limpando a cidade de seus males. Os eugenistas pregavam atitudes corporais e educação sanitária, além da repressão e isolamento de tipos "degenerados". Concordavam com a não reprodução destes a fim de evitar a proliferação das raças inferiores. As causas dos males se encontrava não só na raça, mais também no descaso do Estado republicano com sua população pobre. As concepções eugênicas foram difundidas nas áreas da saúde e educação e também na política. Juntamente com o modelo da Eugenia que a classe médica recebe status político na sociedade brasileira. A educação do corpo se torna ponto chave para estes médicos e sanitaristas. A Eugenia é a aplicação de uma enérgica para a conquista da plenitude de forças físicas e morais. A Educação Física foi um dos instrumentos utilizado para a aplicação desta educação, através dela poder-se-ia melhorar física e mentalmente as qualidades raciais (CASTELLANI, 2006, p.56). A mestiçagem era o grande problema na formação do povo brasileiro e a educação de seu corpo, com a adequação de novas condutas, atividades corporais com o fim de obter o vigor físico e mental, para homens e principalmente mulheres, pois seriam as genitoras do futuro do país e a educação higiênica, a fim de sanar as condições insalubres da população, proporcionariam à moderna sociedade brasileira a condução ao ideal focalizado pela elite. O objetivo da Eugenia neste aspecto, era transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma capital tropical e civilizada, livre de doenças. Os mecanismos de ação utilizado foi a saúde, com a obrigatoriedade das vacinas e a educação sanitarista, mantendo as mulheres (mães e professoras) como grandes multiplicadoras das ideias. Houve empenho também em outras areas: como a urbanização da cidade do Rio de Janeiro, com a demolição do Morro do Castelo e a abertura da Avenida Central, que aumentava a circulação dos ventos, dissipando os miasmas e com o intuito de minimizar infecções. Ações incentivadas pela corrente eugenista que possui apoio e aprovação da elite, políticos e participação da classe médica. Neste período, como descrito anteriormente a população negra vivia em condições insalubres e precárias. Na cidade do Rio de Janeiro, alojavam-se em vielas e no alto dos morros. As casas possuíam baixíssima luminosidade e ventilação, o que propiciava o acometimento de doenças graves e contagiosas como a tuberculose e a falta de estrutura urbana facilitava a proliferação da febre amarela. Estes eram endêmicos na cidade do Rio de Janeiro o que dificultava a entrada de estrangeiros e amedrontava a elite, pois a causa para as epidemias estava justamente na ocupação da cidade por negros e pobres.

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Assim, as políticas de saúde pública racializadas, seriam o ápice do conhecimento dos nossos médicos higienistas. “Políticas de saúde pública racializadas – como o combate à febre amarela, que atingia mais os imigrantes brancos, em detrimento do controle da tuberculose, que prevalecia entre os negros -, denotaria a engenhosidade dos higienistas brasileiros. Estes manteriam um discurso sustentado na noção de meio ambiente, mas, no plano da ação, revelariam um ignominioso racismo à semelhança das matrizes de pensamento norte-americanas e europeias”. (MAIO, 2004, p.17)

Diante desta conjuntura, o corpo dos brasileiros começava a ser educado, ensinado e moldado em padrões europeus. O caminho era para transformar o povo brasileiro, em um povo educado, civilizado. Isso só seria possível através da adequação das formas físicas e atitudes corporais vivenciadas no Brasil. Valendo-se da concepção que o corpo "possui uma linguagem simbólica que traduz as experiências humanas vivenciadas na relação com o outro, evidenciando os elementos que integram a cultura na sociedade" (SALES, 2011, p.05), hoje, compreendemos que estes médicos procuravam através da educação do corpo redigir na imagem do povo brasileiro a civilidade almejada, considerando o simbólico construído até o momento insustentável para a modernidade da nação que se erguia. Analisando a situação no prisma da população negra: Esta teria em seu histórico corporal de movimento, atitudes corporais ligadas ao trabalho, por vezes extenuantes; o acometimento de doenças, que poderiam influenciar em suas posturas; a coerção do racismo, impondo comportamentos, falas e posturas; a sexualização da imagem da mulata e a deturpação da imagem corporal do mulato (malandro) ligado a vadiação e a não adaptação ao trabalho; e a imposição da estética branca, obstruindo a imagem de uma estética natural negra. Resta como linguagem corporal, sua cultura: o candomblé, o samba, o batuque, capoeira, entre outros. Manifestações artístico corporais que possibilitavam uma unicidade na identidade étnica mantinham atitudes corporais, que, mesmo sincretizados, ainda poderiam ser caracterizados como negros. Estas manifestações corporais, por serem consideradas "coisas de preto" eram repudiadas e repreendidas. Assim terreiros são destruídos, havia horários para batuques e a capoeira era uma pratica criminosa. Ainda assim, a comunidade negra mantinha-se na luta por sua unicidade e identidade. Esta década marca o surgimento da imprensa negra, do movimento negro representado pela Frente Negra Brasileira, movimentos de resistência aos modelos impostos e de valorização e incentivo à população para a saída da condição de subalternidade. Para eles, isso só seria possível através da educação, da modificação das atitudes corporais e também o afastamento

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do que fosse relativo à África, afinal remetida ao passado escravo. Desta maneira, adotam o asseio e os cuidados com a imagem de seu corpo como forma de aceitação na sociedade.6 Em 1930, a partir das ideias Gilberto Freyre, emerge no país uma ideologia, que já fora defendida anteriormente por outros intelectuais, mas sem tal notoriedade. Utilizando a visão construída através do mito fundador do Brasil7, a união de três raças: a branca europeia, o índio nativo e o negro africano, juntamente com as maravilhas naturais incontestáveis, o autor enaltece em seu livro a cordialidade na convivência entre as três raças, desde tempos coloniais, o que denominou democracia racial. "Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em positividade, o que permite completar definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada." (ORTIZ, 2012, p.41) A democracia racial prega que no país onde três raças se cruzaram e conviviam harmonicamente, não havia discriminação ou preconceito pela raça ou pelo tom de pele. A ascensão e sucesso comprovado por alguns negros, demonstrava e atestava o ideal. Este ideal surge no momento de expansão da sociedade brasileira e possibilitou a integração do negro na sociedade de classes. Ora, como no país não havia discriminação ou impasses na ascensão de pessoas por conta de sua raça, qualquer um poderia chegar a altos cargos, desde que tivesse empenho e mérito para tal. Assim como diz Ortiz (2012, p.41): "a ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao ser reelaborada pôde difundir-se socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou no grandes eventos como o carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-se nacional".

A população negra passa de ex-escravos livres à trabalhadores livres. O governo Getúlio abre as portas da industria estipulando um percentual de trabalhadores nacionais e estes são justamente os negros e mulatos que até então estavam excluídos da sociedade de classes. Desta maneira, qualidades como preguiça, indolência, consideradas inerentes à raça mestiça, são substituídas por uma ideologia do trabalho (ORTIZ, 2012, p.42). A democracia racial influenciou muito mais na consciência de negros e mulatos. A política de branqueamento continuara em voga, portanto o ideário da população negra ainda era embranquecer para crescer. Como dito, o afastamento das vertentes culturais que se aproximavam das práticas da escravidão, a absorção dos padrões estéticos brancos, assim como a educação formal poderiam transformar o negro, em um "negro de alma branca" fazendo-o sair de sua condição de subalternidade. Na imprensa e associações negras na época, o objetivos se mantinham em três eixos: 6

Ver Almeida, S. e Silva, R. Do (in)visível ao risível: o negro e a "raça nacional" na criação caricatural da Primeira República. E Xavier, G. Segredos de penteadeira: conversas transnacionais sobre raça, beleza e cidadania na impressa negra pós abolição do Brasil e dos EUA. 7 Ver CHAUÍ, M. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. 9.ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013.

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"promover a vida social negra, através da atribuição e do reconhecimento da honra e do prestígio sociais distribuídos em diversos espaços de sociabilidade e consagração, principalmente clubes e bares; liderar um processo de reeducação da massa negra, no sentido de sua completa aculturação e distanciamento das origens africanas, a começar pela educação formal e o último, liderar a luta contra o preconceito de cor e seu correlato, o sentimento de inferioridade." (GUIMARÃES, 2012, p.91)

As consequências destas políticas para as atitudes corporais dos negros abrangem diversos segmentos: a linguagem utilizada pelos negros começou a ser transformada pela exigência da comunicação como brancos, os gestos corporais utilizados por capoeiristas e foram taxados como marginais, por fazer apologia à malandragem e a vadiagem. A expressão corporal negra começa a seguir os padrões posturais dos brancos, a estética negra se viu rechaçada enquanto feio e sujo, o ideal era alisar os cabelos e a utilização maquiagens com o fim de disfarçar a negritude. Como podemos ver em Xavier (2013, p.437), os anúncios para embelezamento da mulher negra enalteciam o branqueamento: "Ao lançar mão dos vocábulos 'clarear' e amaciar', as orientações para correção de problemas dermatológicas como sardas e espinhas traziam embutidas a promessa de que assim como num 'milagre' era possível alterar a constituição física dos sujeitos retintos, tornando-os donas de casa de uma 'cútis mais alva e macia, assegurada por legítimos brancos, produtores de uma 'fórmula científica alemã."

O momento como descrito anteriormente, era de integração nacional, de constituição de um povo brasileiro, como constituir um nação com tamanha diversidade? A eugenia, a política de imigração, a democracia racial e as teorias da mestiçagem tiveram este objetivo em comum: transformar o Brasil em um país civilizado aos moldes europeus, exemplo na época. A consequência destas multiplicidade de teorias foi o estabelecimento da imagem do Brasil como: um país mestiço, advindo de três raças fundadoras, que convivem harmonicamente, não havendo discriminação e preconceito. Esta imagem foi interiorizada tanto por seus habitantes e quanto no exterior. A nação brasileira começa a servir de exemplo para países que também mantiveram a escravidão, mas permaneciam em conflitos físicos e políticos por conta do racismo.

Conclusão A década de 1920 a 1930 foi um período marcante para a história do Brasil, a modernidade, as reformas educacionais, as políticas de saúde e reurbanização das cidades, toda esta conjuntura determinaram o que seria o país no futuro.

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Com a instituição da democracia racial, a população negra viu-se com possibilidade de ascensão e emprego. O racismo e a discriminação racial não diminuíram e sim como diz Schwarcz8 passou da esfera pública para a privada. Os caminhos continuaram obstruídos porém de maneira velada. Os comportamentos e atitudes corporais de negros e mulatos começaram a ser classificados então de acordo com sua condição social, pois não haveria preconceito de cor. Desta maneira, gestos corporais foram marginalizados a partir da concepção da elite branca do que seria o comportamento ideal para a sociedade. A beleza negra taxada como não ideal, sucumbe aos procedimentos de cosméticos para mulheres brancas. As manifestações culturais negras, como o samba e capoeira são institucionalizados como cultura e esporte nacional. Os aportes culturais da população negra passam a ser parte da grande e variada cultura nacional. Elementos de identificação étnica são considerados parte de todos, inclusive da elite, que se apropria de alguns deles modificando perfis e acordes e criando um novo padrão. A população negra neste caminho enquanto busca identidade se vê num corpo diferente. Em um meio em que não há referências, toda e qualquer alusão ao negro, ou é nacional, ou é sensualizada, ou é marginalizada ou remete à escravidão. Cabe aos negros, acatarem a ideologia branca para continuar sua vida, procurando por momentos e oportunidades de aceitação e ascensão. A constituição da nação brasileira e de seu povo enquanto identidade, se estabeleceu pela apropriação dos aportes simbólicos e culturais de negros e índios, destituindo a origem étnica e transformando tudo em nacional. A valorização e exaltação da mestiçagem dificulta a luta contra o racismo, pois como somos todos mestiços, não há como estabelecer quem é negro e que não é. Esta ideologia internalizada permite que o racismo esteja presente e atuante na sociedade, disfarçado na ascensão de alguns. Completamos a análise ao reconhecer a maneira como o Estado e suas proposições estabeleceram na imagem e atitude corporal da população negra, seus estereótipos a diluir a estética e a atitude corporal dos negros. Marginalizando-os quando não enquadrados no comportamento "ideal" de sua elite branca e ascendendo-os quando branqueados.

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SCHWARCZ,L. M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1.ed - São Paulo; Claro Enigma,2012, p.32.

Referências Bibliográficas ALMEIDA, Silvia C., SILVA, Rogério S. "Do (in)visível ao risível: o negro e a "raça nacional" na criação caricatural da Primeira República". Revista Estudo Históricos (Raça e História). v.26, n. 52 (juldez 2013) - Rio de Janeiro:Centro de Pesquisas e Documentação Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, 1988. ANDERSON, Benedict R. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. 3ª.reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. 9ª reimp. São Paulo: Editora Fundação PErseu Abramo, 2000. FILHO, Lino C. Educação Física no Brasil : A história que não se conta. 12ª.ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. GUIMARÃES, Antônio S.A. Classes, raças e Democracia. 2ª.ed. São Paulo: Editora 34, 2012. MAIO, Marcos C. “Raça, doença e saúde pública no Brasil: um debate sobre o pensamento higienista do século XIX". In: MONTEIRO, S. e SANSONE, Livio. (orgs). Etnicidade na América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro, Ed Fiocruz, 2004, p. 15-44. MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. 3ª.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade nacional. 14ª.ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. SALES, Jonas L. Corpo: A tradição negra e a construção estético/artístico contemporâneo. In: XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais. 12p. Bahia, Ago.2011. SCHWARCZ,L. M. Nem preto, nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1.ed - São Paulo; Claro Enigma, 2012. SKIDMORE,Thomas E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870 - 1930) 1ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2012. XAVIER, Giovana. "Segredos de penteadeira: conversas transnacionais sobre raça, beleza e cidadania na imprensa negra pós-abolição do Brasil e dos EUA". Revista Estudo Históricos (Raça e História). v.26, n. 52 (jul-dez 2013) - Rio de Janeiro:Centro de Pesquisas e Documentação Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, 1988.

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