“Vamos mudar de projeto?”: Valores sociais e ritualização da performance das Bandas Filarmônicas que objetivam o “mais alto nível”.

August 28, 2017 | Autor: Pedro Mendonça | Categoria: Ritual, Bandas De Música
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Comunicação Oral GuimaraMUS 2012 “Vamos mudar de projeto?”: Valores sociais e ritualização da performance das Bandas Filarmônicas que objetivam o “mais alto nível”. INTRODUÇÃO O presente trabalho, realizado por mim enquanto aluno de mestrado em música da Universidade de Aveiro, Portugal, se insere como amostra dos resultados que serão posteriormente sistematizados em um artigo mais extenso e com mais referencias bibliográficas do que esta comunicação. Esta pesquisa tinha inicialmente o objetivo de, a partir da etnografia de um estudo de caso comparativo entre uma Banda e uma Orquestra de Sopros do Distrito de Vila Real, compreender que valores sociais estariam por trás de um possível desejo de “migração” de Bandas Filarmônicas para o universo da música de concerto, e que tipo de ritualizações da performance estariam demarcando este desejo de “mudança no projeto musical”. Dentro deste contexto me pareceu de muita relevância tratar de maneira especial o festival “Filarmonia ao mais alto nível”, organizado pela loja Cardoso e Conceição e que ocorre cerca de duas vezes ao ano no auditório do Europarque em Santa Maria da Feira. Neste Festival reúnem-se bandas filarmónicas e grupos similares de todo o país pelo menos duas vezes em cada ano. Ao estarem presentes neste evento os grupos são avaliados por comentadores, sendo o resultado da avaliação publicado posteriormente numa revista vendida no próprio festival. Estes comentários serão centrais para o trabalho que me proponho a apresentar, por se constituírem como um importante instrumento de análise, uma vez que este festival seria reconhecido no meio filarmónico como uma espécie de “trampolim” para ascensão dentro do mercado musical português. Os dois grupos observados são no caso a Orquestra de Sopros da Academia de Artes de Chaves (OSAAC)1; e a Banda de Música de Carlão (BMC). Um fator determinante para a escolha destes dois grupos foi o fato de que pude observar o processo de preparação, e o concerto da BMC no festival “Filarmonia ao mais alto nível” em Novembro de 2011, e estive presente em Novembro de 2010 no concerto da OSAAC neste mesmo festival como músico convidado, o que me pareceu um bom “fio                                                                                                                 1  orquestra formada por alunos e professores da referida Academia de Ensino Oficial de Música, além de alguns músicos profissionais ou em profissionalização que também compõe o corpo da orquestra.  

condutor” para a construção desta pesquisa. Outro fator determinante para a escolha destes dois grupos é o fato de que ambos possuem o mesmo maestro, o que também foi de grande auxílio na construção de um trabalho de caráter comparativo. METODOLOGIA Durante o período que vai de 14/10 a 03/12 de 2011 realizei um trabalho de campo que consistiu em entrevistas e etnografias de concertos e ensaios de ambos os grupos, além de consultar registros fotográficos e programas de concerto. Após a análise deste material, cruzado com bibliografia ainda não muito aprofundada, uma vez que se trata de um trabalho de primeiro ano de mestrado, busquei compreender melhor o que poderia estar por trás, em termos de valores sociais, deste fenómeno protagonizado pelas bandas filarmónicas de “migração” para o universo da música erudita, e a consequente alteração que este processo induz nos rituais ligados à performance pública deste grupos. Além de dividir o mesmo maestro estes dois grupos também dividem alguns instrumentistas, que na sua maioria iniciaram seus estudos no Ensino Oficial e foram posteriormente convidados pelo maestro da BMC para integrar o corpo musical da mesma. Realizei então entrevistas com alguns membros comuns às duas orquestras, e também membros da OSAAC que iniciaram a sua formação musical no contexto das bandas, quer dizer, que efetuaram o caminho contrário ao anterior. (Amostra no power point em tópicos das características observadas da OSAAC e da BMC) VALORES SOCIAIS Segundo Goodman consensos sociais constroem versões de mundos concebidas a partir de um conjunto de referenciais simbólicos. Pude perceber durante o meu trabalho de campo que estes referenciais simbólicos que acabam por denotar o modo dito “correto” do fazer musical no “meio” das Bandas Filarmônicas estaria muito relacionado ao evento “Filarmonia ao mais alto nível” já citado anteriormente. Segundo o maestro das BMC e OSAAC Luciano Pereira este evento serve como uma “montra”, uma vitrine para Bandas que pretendem alcançar notoriedade dentro do meio. Esta atmosfera de importância que se cria nos grupos durante a preparação para

uma apresentação neste festival, geraria, segundo relatos dos músicos entrevistados “muito nervosismo e apreensão”, uma vez que precisariam chegar aos níveis “esperados” para um concerto deste porte. No sentido de melhor compreender que níveis técnicos seriam estes, mas principalmente que valores sociais e simbólicos estariam sendo construídos em torno deste festival para legitimá-lo enquanto possível “trampolim” de ascensão de carreira, analisei os comentários feitos sobre as apresentações das Bandas que estavam presentes no II Ciclo da 4º Edição do Festival que ocorreu no dia 01 de Maio de 2011. A escolha dos comentários deste concerto em específico se devem ao fato de que estes eram os que estavam à venda no Concerto que observei da BMC, quer dizer, foi uma opção prática. Para um melhor recorte selecionei os comentários apenas sobre o concerto da Banda de Música de Freixo de Espada à Cinta por esta estar geograficamente afastada dos grande centros assim como Carlão, o que, dentro das perspectivas apresentadas nos comentários, pareceu-me um bom elemento para a análise de um importante valor social que desenvolverei melhor a seguir. Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção na observação do concerto da BMC neste Festival, foi o discurso proferido pelo organizador do Evento para os integrantes desta banda logo após o momento de “reconhecimento do palco”, no qual os músicos treinam seu posicionamento em palco para o concerto que seria realizado mais tarde. Neste discurso Mário Cardoso se referia com exaltação à “surpreendente qualidade” que as bandas trasmontanas vêm apresentando, pois Trás-dos-montes estaria frequentemente denotado como sendo um espaço de Bandas de pouca qualidade. O mesmo ainda colocou para os jovens instrumentistas da Banda de Carlão que “aquele era um evento muito sério e por isso pede a todos um bom comportamento”, ele também chamou a atenção para que todos tivessem consciência de que seriam “gravados, fotografados e receberão aplausos”. Por último o organizador orientou os músicos para terem “muita atenção ao maestro”. Foi interessante observar que os comentários escritos sobre o concerto da Banda de Música de Freixo de Espada à Cinta seguiam a mesma linha de raciocínio, pois, com exceção de apenas um dos dez comentadores, todos iniciaram seus textos se referindo à Banda como uma “surpresa”, por virem de onde vinham e apresentarem aquele alto nível de qualidade musical. Uma outra conotação interessante dada pelos comentadores a esta banda foi a conotação da mesma pertencer a uma “nova geração”

de Bandas que estavam surgindo, porém o próprio site oficial do evento conta que a Banda de Freixo possui cerca de 140 anos de história. A atitude e comportamento de palco deste grupo performativo também foram enaltecidos por comentadores como cito a seguir: Porque, é de Atitude que realmente se trata na brilhante actuação desta jovem Banda, desde a sua entrada em palco onde ressaltou todo o cuidado nos pormenores, a forma de entrar, de esperar para sentar o estar voltado para o público, o levantar os instrumentos com o Maestro, são prenuncio de uma nova filosofia que se está a tentar implementar, a própria entrada em palco do Maestro de forma destemida e determinada, já para não falar na sua apresentação, muito cuidada (Maestro Arnaldo Costa)

O que mais uma vez reafirma uma conexão com o discurso de Mário Cardoso para os músicos da BMC. Relações mais abstratas como juízos de valor sobre a “qualidade” e o “bom gosto” musicais das interpretações, também foram abordados por muitas vezes nos comentários. Por último ressalto a grande centralidade dada ao maestro pelo bom resultado da Banda. Em alguns comentários podemos ver referências e parabenizações ao conjunto todo – direção, maestro e músicos, mas em muitos os parabéns são dados apenas ao maestro, assim como os louros pela “transformação” que a banda sofreu desde sua chegada a Freixo de Espada à Cinta, o que mais uma vez nos conecta com o já referido discurso do organizador do Festival para os músicos da BMC. RITUAIS Para este momento usarei como referência base as entrevistas e o que foi por mim observado no dia do concerto da BMC no “Filarmonia ao mais alto nível”. Pude observar neste concerto duas coisas que penso ser principais neste contexto de mudança nos aspectos rituais no sentido de “eruditizar” a performance, quer dizer, tornar a mesma mais adequada aos consensos sociais da música erudita. A primeira foi a mudança de vestimenta com relação a aquilo que eu havia observado nos registros fotográficos da Banda, que seria um uniforme mais ligado ao padrão militar, para uma roupa sem o quepe e a gravata, se aproximando assim de um vestir mais ligado à música de concerto. A segunda foi a diferença do comportamento relatado pelos entrevistados, de muita indisciplina e conversa em ensaios e até mesmo apresentações, para um comportamento totalmente adequado aos rituais de performance da música erudita, com muito silêncio e concentração, percebidas tanto

na coxia quanto no palco. Esta mudança de comportamento foi posteriormente confirmada em entrevista pelo maestro Luciano, na qual ele afirmou que esta transformação era a culminância de um trabalho de um ano, tendo assim o concerto de Santa Maria da Feira o deixado muito satisfeito, pois parecia agora que seu trabalho estava a surtir efeito, demonstrando claramente um compromisso com uma modificação do comportamento da Banda. Poderia aqui também descrever cada comportamento de adequação ao contexto, como o receber de flores após a apresentação, a forma de agradecer levantando primeiro aqueles para quem o maestro aponta, e posteriormente os demais, a entrada do maestro posterior ao grupo, e o ato do grupo de se levantar neste momento, porém o tempo é aqui um limitador da possibilidade de apresentação de determinados detalhes. TRANSFORMAÇÕES – Uma via de mão única? Alguns dos fatos mais curiosos foram observados durante os ensaios da OSAAC, onde pude perceber que os alunos estavam a tocar coisas que não condiziam com o grau que estavam cursando, como por exemplo alunos do 2 º e 3º Graus que tocavam compassos mistos e compassos alternados, matéria que provavelmente os mesmos ainda não haviam tido na disciplina de Formação Musical da Academia. Ou o fato de que os fagotistas e oboístas (alunos de 2º e 3º Graus) não tocavam a íntegra das suas partes, apenas o que conseguiam, além de momentos de ensaio em que o maestro Luciano deu possibilidades alternativas de execução àquelas que estavam na partitura, uma vez que as mesmas eram muito complicadas tecnicamente para as flautistas por exemplo. A partir destas observações comecei a me questionar se não havia ali uma metodologia de ensino próxima do que aconteceria nas bandas, uma vez que, como está referido na Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX “o objetivo principal deste sistema de ensino era a integração do aprendiz no conjunto instrumental”. Ao perguntar isso ao Luciano recebi a seguinte resposta: neste momento a orquestra faz compassos mistos, compassos compostos é tudo a mesma coisa pra eles. Eles tocam. Se calhar um miúdo que tem dificuldades em tocar uma peça na aula, mas a nível rítmico na orquestra consegue fazer aquilo que na aula não consegue fazer, porque também é o espaço privilegiado pra tu fazeres isto, porque é muito mais difícil tu explicares o ritmo do que fazeres teu aluno senti-lo. (...) e isso também tem a ver se calhar um bocado com a minha filosofia que aprendi na banda. Tu na banda não tens tempo de ter calma para as coisas. Na banda tu és lançado pro meio da banda e se em um, três meses não esta a tocar as pessoas estão a gozar contigo. (Luciano Pereira, 26/11/2011)

(nesta parte mostrar vídeo do miúdo do oboé tocando no concerto observado) CONSIDERAÇÕES FINAIS De fato foi observado que houve um movimento no sentido da Banda estudada, neste caso a BMC, de se adequar aos padrões normativos do mundo “erudito”, sejam eles de comportamento em palco, de disciplina nos ensaios ou mesmo da forma de se vestir. Este “mundo” estaria constituído por referenciais simbólicos e rituais determinados por um consenso social que os legitima como modelo a seguir, neste caso tendo o Festival “Filarmonia ao mais alto nível” uma função central de se apresentar como um eventual “normatizador” destes consensos a partir de suas publicações, comentários, ou mesmo os discursos do seu organizador proferido aos músicos em palco. Estas mudanças na BMC podem ser observada no quadro comparativo que apresentei no início desta comunicação (power point, não esquecer da curiosidade do repertório da OSAAC). Porém este galgar em direção ao universo da música de concerto não pareceu estar apenas ligado a um desejo do maestro. Todos os entrevistados sem exceções demonstraram ter uma maior satisfação ao tocar num contexto mais da música “erudita”, pois ali eles teriam a possibilidade de serem ouvidos, diferentemente das festas onde suas bandas tocam, nas quais muitas vezes o público não estaria a ligar para a música, “fazendo barulho do lado do palco”, “dando esbarrões durante a procissão”, ou até “fazendo briga de galo durante o concerto” entre outras coisas que demonstrariam que realmente não há atenção por parte das pessoas presentes à música que está sendo executada. Porém o maestro Luciano Pereira deixou bem claro em sua entrevista o seu respeito a “função” que a banda tem de animar as festas populares, além da sua forte influência metodológica oriunda da sua prática em bandas enquanto ensaiador e professor da OSAAC, o que demonstrou, ao meu ver, que haveria aqui uma relação de influência mútua entre os dois contextos neste caso. Além do fato curioso de que houve uma grande adaptação do próprio repertório da OSAAC para a sua apresentação no Festival “Filarmonia ao mais alto nível” em Novembro de 2010 com relação ao que pude observar na etnografia dos ensaios e concertos de Outubro a Dezembro de 2011, aproximando-se naquela oportunidade do repertório comumente executado por Bandas segundo a Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX, o que demonstraria mais uma vez um possível caminho dialético entre os dois grupos.

Dentro desta perspectiva o próprio título desta comunicação acabou por ser tornar inadequado. Este trabalho, ainda de caráter preliminar será agora melhor aprofundado, principalmente no que diz respeito ao seu conteúdo bibliográfico, no sentido de enriquecê-lo e publicá-lo posteriormente, com a intenção de contribuir no debate a respeito das práticas das Bandas Filarmônicas e sua grande importância em Portugal.

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